1 - Do disposto no artigo 368º, nº 2 do Código de Processo Penal resulta com toda a clareza que o tribunal na decisão de facto deve especificar os factos alegados pela acusação e pela defesa e bem assim os que resultarem da discussão da causa relevantes para a decisão e são esses factos que deve enumerar como provados e não provados.
2 - Da sentença recorrida resulta que os antecedentes criminais do arguido foram tidos em conta mediante o certificado de registo criminal do arguido e que nas condições pessoais foram consideradas as declarações do arguido, bem como o relatório social, de onde sobressaem um conjunto de factos com relevância para a decisão e aflorados na motivação para agravar a pena, mas não encontram eco na narração dos factos provados ou não provados, como impõe o disposto no artigo 374º, nº 2 em conjugação com o artigo 368º, nº 2, do Código de Processo Penal.
3 - A condenação anterior pela prática de um crime relacionado com a condução rodoviária e/ou em estado de embriaguez, só pode ser valorado como circunstância agravante da pena se constar de documento autêntico (v.g certificado do registo criminal ou sentença).
4 - Os antecedentes criminais do arguido não determinam directa e necessariamente o afastamento da suspensão da execução da pena, ainda que se trate de múltiplas condenações criminais e longos anos de reclusão.
5. - O juízo de prognose favorável ou desfavorável ao arguido, depende do modo como conduziu a sua vida em liberdade, nomeadamente, no período da suspensão da execução da pena de prisão determinada em condenação anterior á prática dos factos, por via do que, deveria constar no elenco dos factos provados.
6 - Se tais factos, porque resultantes da discussão da causa e essenciais para a escolha e determinação da medida da pena, não constarem da sentença recorrida, enferma esta do vício da nulidade prevista na alínea a) do n.º 1, do artigo 379.º, do Código de Processo Penal, por inobservância do disposto no artigo 374.º, nº 2, do Código de Processo Penal, no segmento da enumeração dos factos provados e não provados.
(Sumário elaborado pela Relatora)
I. RELATÓRIO
1. Por sentença datada de 8 de janeiro de 2025, foi o arguido, AA, condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º, n. º1, alínea a), do Código Penal, pelo período de 14 (catorze) meses
2. Inconformado com a condenação apenas no que respeita à medida da pena, interpôs, o arguido, o presente recurso, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem:
«1-O tribunal ao condenar como efectivamente condenou o arguido na pena de 10 meses de prisão pelo crime cometido, não obstante o extenso registo criminal do arguido, entende o recorrente que pelo crime praticado (Duas vezes com esta) a pena em que foi condenado lhe deveria ter sido suspensa na sua execução por igual período, o que ora requerer, ou caso assim se não entenda,
2-Seja a medida da pena de prisão que lhe foi aplicada (10 meses) reduzida para um valor inferior, porquanto a mesma é exagerada e desproporcional, não só tendo em consideração a taxa de álcool apresentada pelo arguido, que não era excessivamente alta, como ainda devido ao facto de o arguido ter apenas uma condenação por crimes do género.
2- Que na sequência do dito acerca da pena principal, seja também a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados reduzida para o período de 8 meses, período de tempo este que se reputa adequado, uma vez que se situa muito acima dos três meses.
Termos em que,
Com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, julgando-o procedente e em consequência disso, ser revogada a douta sentença recorrida nos termos supra requeridos, com o que se fará JUSTIÇA».
3. O Ministério Público, em primeira defende a improcedência do Recurso.
4. O Digno Procurador Geral Adjunto no douto parecer que antecede, defende a manutenção da sentença recorrida quanto à pena de prisão. Já quanto à pena acessória, defende que deve ser reduzida para 12 meses.
5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, nada obstando ao conhecimento de mérito do Recurso.
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A primeira instância julgou provado os seguintes factos:
«1.1. Factos provados
Da audiência de julgamento, e com relevo para a decisão a proferir, resultam provados os seguintes factos:
Constantes da acusação pública:
1. No dia 22/11/2024, pelas 19:30h, na Estrada Nacional n.º ...23, em ..., ..., o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro especial - autocaravana, de marca FIAT DUCATO, com a matrícula ..-LA-.., após a ingestão voluntária de bebidas alcoólicas, sendo portador de uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 1,682 g/l, correspondente à TAS de 1,77 g/l registada, depois de deduzida a margem de erro máximo admissível.
2. O arguido sabia que havia ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução e que as mesmas determinar-lhe-iam uma TAS igual ou superior ao legalmente permitido e, ainda assim, não se absteve de conduzir o aludido veículo automóvel ligeiro na via pública nos termos em que o fez.
3. Agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Quanto à situação económica, social, profissional e familiar do Arguido:
4. No transato mês de junho AA regressou ao país após um período de tempo em que permaneceu emigrado em ....
5. Vive numa autocaravana.
6. Permanece temporariamente nas zonas onde vai obtendo trabalho, deslocando-se consoante os locais onde vai trabalhando na agricultura, à jeira, auferindo 40-45 euros diários.
7. Não tem morada certa.
8. Os gastos que suporta são em alimentação e combustível, em quantias não concretizadas.
9. Encontra-se separado da sua ex-companheira e os dois filhos do casal, de 10 e 6 anos de idade foram acolhidos em instituição de cariz social, em .... AA tem mais dois filhos de anteriores relações, já adultos e autonomizados.
10. Está habilitado com o 9º ano de escolaridade, é operador profissional de máquinas, mas tem desenvolvido várias atividades laborais, referindo aproveitar o trabalho que surge, optando também por emigrar.
Quanto aos antecedentes criminais
O Arguido foi anteriormente condenado:
a) por sentença de 27.06.1986, no processo nº 82/86, do então Tribunal de Almeida, pela prática de um crime de furto qualificado, numa pena de 12 meses de prisão.
b) por decisão de 14.07.1987, no processo nº 64/86, do então Tribunal de Estarreja, pela prática de um crime de burla para acesso a meio de transporte, numa pena de 45 dias de prisão, substituída por multa.
c) por decisão de 26.02.88, no processo nº 710/87, do então Tribunal de Coimbra, 3º Juízo, 1ª secção, pela prática de cinco crimes de furto qualificado e um furto simples, numa pena de 7 anos e 10 meses de prisão.
d) por decisão de 30.03.89, no processo nº 138/88, do então Tribunal de Pombal, 1º Juízo, 1ªsecção, pela prática de um crime de furto qualificado, um crime de burla e um crime de furto simples numa pena de multa.
e) por decisão de 19.12.90 no processo nº 2071/90, do então Tribunal de Coimbra, 3º Juízo, 2ª secção, pela prática de 5 crimes de furto qualificado; e em cumulo jurídico com a pena aplicada no proc 710/87, numa pena única de 9 anos e 6 meses de prisão.
f) por decisão de 30.01.91, no processo nº 400/91, do então Tribunal de Coimbra, 1º Juízo, 1ª secção, pela prática de um crime de furto com arrombamento, numa pena de 6 anos de prisão.
g) por decisão de 18.03.1991 no processo nº 571/90, do então Tribunal de Coimbra, 2º Juízo, 2ª secção, pela prática de um crime de furto qualificado, numa pena de 18 meses de prisão.
h) por decisão de 16.10.1991 no processo nº 66/90, do então Tribunal de Lamego, 3ª secção, pela prática de um crime de introdução em casa alheia, numa pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos.
i) por decisão de 16.10.1995 no processo nº 347/95, do então Tribunal de Coimbra, 2º Juízo, pela prática de um crime de ameaça, numa pena de 180 dias de prisão.
j) por decisão de 30.03.2000 no processo nº 63/00, do então Tribunal de Ferreira do Zêzere, pela prática de um crime de furto qualificado, numa pena de 3 anos de prisão.
k) por decisão de 24.10.2001 no processo nº 67/00, do então Tribunal de Resende, pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, numa pena de 11 meses de prisão.
l) por decisão de 24.10.2001 no processo nº 9/00.4TBRSD, do então Tribunal de Resende, pela prática de um crime de furto qualificado, numa pena de 11 meses de prisão.
m) por decisão de 23.01.2003 no processo nº 3286/99...., da 1ª Vara Criminal do Porto, pela prática de um crime de detenção arma proibida e de trafico de estupefacientes de quantidades diminutas e de menor gravidade, numa pena de 5 anos de prisão.
n) por decisão de 06.11.2003 no processo nº 264/00...., do então Tribunal de Portimão, 1º juízo Criminal, pela prática de um crime de abuso de confiança, numa pena de 16 meses de prisão.
o) por decisão de 24.03.2004 no processo nº 96/97...., do então Tribunal de Celorico da Beira, pela prática de um crime de furto qualificado, numa pena de 4 anos de prisão.
p) por decisão de 29.03.2012 no processo nº 764/10...., do então Tribunal de Matosinhos, 2º Juízo criminal, pela prática de um crime de ameaça agravada, numa pena de 160 dias de multa.
q) por decisão de 17.07.2012 no processo nº 62/12...., do Tribunal do Sátão, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de 70 dias de multa e na pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor de 4 meses.
r) por decisão de 26.02.2015 no processo nº 9/15...., do Juízo de Competência Genérica de Torre de Moncorvo, pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário e um crime de furto simples, numa pena de 18 meses de prisão.
s) por decisão de 09/11/2020, transitada a 2021/09/21, no processo nº 104/20...., do Juízo Local Criminal de Lamego, pela prática de um crime de desobediência, numa pena de 7 meses de prisão, suspensa por 2 anos, com regime de prova, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por 10 meses.
1.2. Factos não provados
Inexistem factos não provados.».
III. APRECIAÇÃO DO RECURSO
Na escolha e determinação da medida concreta da pena, ponderou o tribunal recorrido:
«Da escolha da espécie da pena Da escolha da pena
(…) Para esta ponderação convocam-se os antecedentes criminais do Arguido, que conta já com 19 condenações anteriores, “apenas” uma pela prática do mesmo crime, é certo, mas todas elas reveladoras de uma total falta de consciencialização do desvalor e da ilicitude da conduta que adotou e de uma personalidade desconforme ao direito assente no desrespeito pelo dever ser jurídico-penal. É certo que a maioria das condenações ocorreram por decisões proferidas entre 1986 e 2004. No entanto, além de não se poder olvidar o período de tempo em que o Arguido se manteve recluído, a verdade é que, mais recentemente, foi condenado em pena de multa e, em seguida em penas de prisão, demonstrando que as anteriores condenações não tiveram a virtualidade de conferir ao Arguido a interiorização esperada e de o inibir de praticar novos factos ilícitos, tudo contribuindo para concluir pela impossibilidade de realizar um juízo favorável quanto à realização das finalidades da punição através da aplicação de uma pena de multa.
Deste modo, o Tribunal entende que apenas uma pena privativa da liberdade assegura de forma adequada e suficiente as finalidades da punição conquanto se perspetiva que só através da aplicação de uma pena de prisão poderá o Arguido ficar permeável aos efeitos dissuasores que a sujeição a esta pena representa no cometimento de novos crimes, evitando-se essa atuação e garantido, assim, que possa depois vir a reintegrar-se na vida em sociedade.
A espécie da pena aplicada será, assim, a pena de prisão.
(…) Da determinação da medida concreta da pena
Escolhida a espécie da pena, importa encontrar a moldura penal abstrata aplicável ao caso.
(…) No caso dos autos, as exigências de prevenção geral são elevadíssimas quer pela frequência com que este tipo de crime é praticado quer pela perigosidade atinente à circulação dos veículos automóveis (que já é, de si, uma atividade perigosa) conduzidos por agentes em estado de embriaguez, expressa nos números da sinistralidade rodoviária associada à prática deste ilícito. No fundo, a condução feita deste modo, ao colocar em risco vários bens jurídicos importantes, de forma grave e, muitas vezes, com consequências desastrosas impõe uma vigorosa reação penal que espelhe uma segura reafirmação da validade da norma no seio da comunidade.
Quanto à culpa, determinante do limite máximo inultrapassável, está assente que o Arguido agiu com dolo direto, a forma mais grave da culpa, tendo atuado livre e conscientemente e sendo, por isso, legítimo exigir-lhe que tivesse agido de outra forma.
Quanto às exigências de prevenção especial, são também muito elevadas, desde logo face à constatação de que o Arguido tem um extenso certificado de registo criminal, que conta já com 19 condenações anteriores, incluindo uma pela prática deste mesmo crime, e um de desobediência que, face à pena acessória, sugere que está relacionado com a condução rodoviária, o que revela que o Arguido apresenta elevadas necessidades de intervenção no âmbito da prevenção da prática de novos crimes, por não ter compreendido ou interiorizado a censura que encerravam as anteriores condenações, de tal forma que continua no caminho da sua repetição e reiteração.
Devem, agora, apurar-se, no caso concreto, as circunstâncias do complexo integral do facto que possam contribuir para a concretização das mencionadas culpa e prevenção. Para esta operação, devem ser consideradas as circunstâncias concretas que possam militar contra ou a favor do arguido e que não integrem já o tipo de ilícito (de forma a respeitar o princípio da proibição da dupla valoração), tendo o legislador auxiliado o julgador através de uma concretização exemplificativa de alguns elementos que podem ser tidos em consideração – cf. artigo 71.º, n. º2, do Código Penal.
O grau de ilicitude da conduta, considerada na sua globalidade é médio, face à taxa de álcool com que seguia, e o modo de execução dos factos habitual.
Quanto à intensidade do dolo, o agente atuou com dolo na sua modalidade mais intensa, o dolo direto, uma vez que de forma deliberada, livre e consciente, quis conduzir e conduziu um automóvel, na via pública, tendo ingerido bebidas alcoólicas em quantidade que lhe conferia uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida.
Contra o Arguido militam, ainda, os seus antecedentes criminais, assentes em 19 condenações anteriores, a circunstância de não ter qualquer vínculo laboral estável, nem qualquer morada fixa, evidenciando uma vida desestruturada e instável. Além disso, não demonstra qualquer juízo crítico quanto à sua conduta.
Por tudo isto considerado, conjugando-se todos os fatores elencados e as exigências convocadas para o caso, considera-se adequado, aplicar ao Arguido a pena de 10 (dez) meses de prisão.
(…) Da (não) substituição da pena de prisão
No processo de determinação da pena concretamente aplicável, o legislador português procurou, inspirado pela constatação das consequências negativas da pena de prisão aplicável à pequena e média criminalidade, dotar o ordenamento jurídico-criminal em matéria de consequências jurídicas do crime, de alternativas que permitam obviar aos efeitos dessocializadores da reclusão e aos eventuais efeitos criminógenos das penas de prisão, ao mesmo tempo que asseguram as finalidades da punição, realizando-as sem as pôr em causa.
Este intento é alcançado através da consagração das penas de substituição e do critério geral que lhes está subjacente: sempre que se verifiquem os pressupostos de aplicação e a pena de substituição se revele adequada às finalidades da punição então a pena de prisão deve ser substituída por uma pena não privativa da liberdade.
Destarte, aquando a aplicação de uma pena de prisão que possa, em abstrato, ser substituída, por cumprir os pressupostos formais dessa operação, impõe-se a realização de um juízo de ponderação no qual se analisará se a aplicação de uma pena de substituição, no caso concreto, satisfaz cabalmente as exigências preventivas quer de prevenção geral quer de prevenção especial que o caso convoca. Não entra para esta ponderação considerações relacionadas com a culpa do agente uma vez que a sua função se esgotou na operação antecedente, ao constituir o limite inultrapassável do quantum da pena.
No caso concreto foi aplicada ao arguido uma pena de 10 meses de prisão.
Este limite admite, em abstrato, como penas de substituição, a multa (cf. artigo 45.º do Código Penal), a prestação de trabalho a favor da comunidade (cf. artigo 58.º do Código Penal) e a suspensão da pena de prisão (cf. artigo 50.º do Código Penal).
No entanto, como se disse, não basta o cumprimento das exigências formais das penas de substituição para a sua aplicação. É ainda necessário que o julgador consiga realizar um juízo de prognose favorável quanto à suficiência da aplicação de uma pena de substituição para a realização das finalidades da punição.
Ora, quanto à substituição da prisão pela multa, já foi demonstrada a falência dessa espécie na realização das finalidades da punição.
No mais, através da análise do comportamento do arguido, não é possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de que a ameaça da pena de prisão, mesmo que sujeita a deveres, regras de conduta ou associada a um regime de prova, ou a substituição da pena por trabalho a favor da comunidade, realizará as finalidades de punição ou mesmo, que terá qualquer influência no Arguido. Como resulta dos factos provados, o Arguido já sofreu várias condenações anteriores, maioritariamente em penas de prisão, algumas com execução suspensa, mas outras efetivas. Não obstante, voltou a delinquir. Com este circunstancialismo, ao cometer este novo ilícito revela que o seu passado criminal não lhe emprestou juízo crítico para conformar a sua conduta, não o tendo feito interiorizar o desvalor dos atos que praticou. No fundo, apesar de ter cumprido várias penas de prisão efetiva, o Arguido manteve o caminho da ilicitude com a prática deste crime, conformando mais uma vez a sua atuação com desrespeito e desprezo pelo dever ser jurídico penal. Por tudo isto considerado, quer a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade quer a sua suspensão passariam ao arguido um sentimento de impunidade que, efetivamente, o legislador não quis quando previu as penas de substituição.
Deste modo, verificando-se que o cumprimento de uma pena de prisão não inibiu o Arguido da prática do crime pelo qual vai condenado, não pode pensar-se que a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade ou a suspensão da pena de prisão o farão e que assegurarão as finalidades da punição pelo que através delas não se satisfazem nem as exigências de prevenção geral nem, ainda menos, as finalidades de prevenção especial.
Face ao exposto e à impossibilidade de se estabelecer um juízo de prognose favorável quanto à suspensão da pena de prisão e, bem assim, quanto à sua substituição por trabalho, a pena de prisão será aplicada de forma efetiva. (…)». (sublinhado nosso).
Diante desta argumentação, defende o recorrente que, em bom rigor, o tribunal quo escolheu e determinou a medida da pena apenas com base nos antecedentes criminais do arguido.
E, diga-se com razão.
Na verdade, apesar de ressaltar da fundamentação de facto que nas condições pessoais do arguido foram consideradas as declarações que este prestou em audiência e relatório social junto aos autos, certo é que os factos enumerados como provados são insuficientes para aferir das operações da medida da pena.
Na factualidade provada e não provada, não constam os factos que subjazem à ausência de emprego certo e morada fixa, no sentido de que o arguido mantém uma vida errante e destruturada, bem como à falta de juízo crítico do arguido quanto á censura da sua conduta. Também a descrição dos antecedentes criminais é exígua, quanto a matéria relevante na conduta anterior.
Explicando.
Nos antecedentes criminais, omite-se a data da prática dos factos e a data da extinção de cada uma das penas, sendo que a mesma é mencionada duas vezes – cf. alíneas c) e) dos factos provados - deixando imperceptivel se alguma das outras penas foram ou não objecto de cúmulo jurídico, e, na afirmativa, o momento da sua extinção; factos essenciais para aferir se a inscrição de algumas das condenações anteriores se encontra ainda vigente, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, da Lei de Identificação Criminal aprovada pela Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio.
Por outro lado, não contém a sentença recorrida elementos de facto que certifiquem se a conduta do arguido punida no âmbito do processo n.º 104/20...., respeita ou não à condução rodoviária e/ou em estado de embriaguez.
A ilacção de que tal crime estará relacionado com a condução rodoviária retirada pelo Tribunal recorrido para efeitos de circunstância agravante não nos parece legítima. Os factos relativos aos antecedentes criminais só podem ser demonstrados mediante documento autêntico, seja, o certificado do registo criminal (no caso não contém esta informação), seja a certidão da sentença transitada em julgado.
No que toca à conduta anterior ao facto, encontram-se em falta as condições de vida do recorrente, após ter saído da reclusão e durante o tempo que esteve em liberdade. O comportamento que adoptou nesse período, mormente, em particular, no período da suspensão da execução da pena de prisão decretada em 21 de Setembro de 2021, revela-se importante para a determinação da pena.
É que, a permanência do arguido no estabelecimento prisional durante longos anos da sua vida se, de um lado, pode revelar uma propensão do arguido para a prática de crimes, sugerindo, mesmo, que em liberdade, não conseguirá adoptar um comportamento conforme o direito, de outro, pode, também, ter por efeito um esforço do condenado de, em liberdade, se reintegrar na sociedade, o que se sabe, não será tarefa fácil, tendo em atenção o seu passado criminal. A opção por uma das soluções exige se conheçam as condições pessoais do arguido, analisadas no seu conjunto, desde o momento em que saiu em liberdade, indagação que o tribunal recorrido não levou a cabo.
Por outro lado, a conclusão de que ausência de emprego certo e morada fixa evidencia uma vida destruturada e instável, não tem eco na factualidade provada enumerada na sentença recorrida, atentas as dúvidas de interpretação suscitadas pelos factos provados.
O que destes ressalta, é que o arguido, apesar de não exercer a sua actividade profissional de operador profissional de máquinas, tem desenvolvido várias actividades laborais, aproveitando todo o trabalho que surge, tendo inclusive, emigrado (facto provado n.º 10). Por isso, toma a iniciativa de procurar trabalho, permanecendo nos locais onde o obtém, nomeadamente na agricultura, em que trabalha à jeira, mediante a remuneração diária de 40-45 € (facto provado n.º 6). Ou seja, de acordo com factualidade provada, parece que o arguido não se tem colocado, voluntariamente, numa situação de desemprego, circunstância que, a ser verdade, não o poderia desfavorecer.
No que toca à ausência de morada certa, diga-se que a circunstância de o arguido viver numa autocaravana não indicia, de per si, condições de vida destruturadas.
É certo que o arguido vive numa autocaravana, facilmente amovível, mas não é menos certo que tal facto, podendo não lhe ser imputável, não o deverá, também, desfavorecer. Bem pode suceder que, apesar da ausência de uma morada fixa, o arguido paute a sua conduta cumprindo todos os seus deveres processuais – v.g. não mudar de residência nem dela de se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar nova morada ou o lugar onde possa ser encontrado – ou demais obrigações que lhe foram fixadas para a suspensão da execução da pena determinada no âmbito do processo n.º 104/20...., circunstância que, também, não narrada na sentença recorrida como provada ou não provada.
Finalmente, não menciona a sentença recorrida os factos que serviram de base para concluir que o arguido não demonstra juízo crítico da sua conduta.
Tais factos mostram-se essenciais nas operações da determinação da medida da pena, maxime para esclarecer em que medida é que o trabalho temporário do arguido e a mobilidade decorrente da vida numa autocaravana justificam um juízo desfavorável à suspensão da execução da pena.
É que a conduta anterior aos factos não se restringe aos antecedentes criminais, mas, também, as demais condições de vida do arguido, salientando-se a falta de elementos sobre a evolução e o estado da anterior suspensão da execução da pena de prisão, de grande importância na escolha e determinação da medida concreta da pena aplicável ao caso.
Deste modo, não enuncia a sentença sindicada factos essenciais, factos esses que resultaram da discussão da causa, mormente, o certificado de registo criminal, o relatório social e as declarações do arguido.
Se estes meios de prova não se mostravam suficientes para apreciar a conduta anterior do arguido, nomeadamente, quanto ao modo de vida deste, e ao estado das penas em que anteriormente foi condenado, competia ao tribunal, realizar as diligências que entendesse necessárias, de modo a comprovar os factos em falta.
Não o fez.
Aqui chegados, cabe qualificar o vício e os seus efeitos.
O artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, versando sobre os requisitos da sentença, preceitua:
«Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.».
Por seu turno, o artigo 379º, nº 1, alínea a), do mesmo diploma, comina a sentença que não observe os referidos requisitos de fundamentação, com o vício da nulidade.
Do disposto no artigo 368º, nº 2 do Código de Processo Penal resulta com toda a clareza que o tribunal na decisão de facto deve especificar os factos alegados pela acusação e pela defesa e bem assim os que resultarem da discussão da causa relevantes para a decisão e são esses factos que deve enumerar como provados e não provados.
Da própria decisão recorrida resulta que a discussão em audiência de julgamento que os antecedentes criminais foram tidos em conta mediante o certificado de registo criminal do arguido e que nas condições pessoais foram consideradas as declarações do arguido e o relatório social, de onde sobressaem um conjunto de factos com relevância para a decisão a proferir que são aflorados na motivação para agravar a pena, mas não encontram eco na narração dos factos provados ou não provados, como impõe o disposto no artigo 374º, nº 2 em conjugação com o artigo 368º, nº 2 do Código de Processo Penal[1].
A referência a tais factos na motivação não pode considerar-se como suficiente porque justamente a motivação da convicção se destina a justificar porque decidiu o tribunal no sentido em que decidiu, o que pressupõe a fixação e descrição prévia dos factos que foram objecto de decisão[2].
Não elencando a decisão recorrida os factos que resultaram da discussão da causa relevantes para a decisão, enferma da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea a) derivada da inobservância do disposto no artigo 374º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal.
Nos termos do artigo 122º do Código de Processo Penal a sanação da apontada nulidade importa a prolação de nova sentença pelo tribunal que proferiu o ora anulado, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas, a saber:
(i) as penas em que o arguido foi condenado foram ou não objecto de cúmulo jurídico;
(ii) tais penas já foram ou não declaradas extintas e, na afirmativa, quando;
(iii) os factos praticados pelo arguido e julgados no processo n.º 104/20...., respeitam ou não à condução de veículo em via pública em estado de embriaguez;
(iv) o arguido consome ou não bebidas alcoólicas;
(v) a evolução e o estado da anterior suspensão da execução da pena de prisão e (v) o arguido aproveita ou não todo o trabalho que lhe surge.
Deste modo, enferma a sentença recorrida do vício da nulidade de sentença recorrida por falta de descrição dos factos relevantes para a decisão resultantes da discussão da causa, devendo ser proferido nova sentença que supra o apontado vício, devendo a audiência ser reaberta, caso se entenda necessária a realização de diligências de prova suplementar.
Esta decisão prejudica as demais suscitadas no recurso.
IV. DECISÃO
Nestes termos, os Juízes desta Relação acordam em declarar a nulidade da sentença recorrida, devendo ser substituída por outra que supra a nulidade nos termos sobreditos, reabrindo a audiência, caso o tribunal recorrido venha a entender necessário
Notifique.
Coimbra, 14 de maio de 2025
Relatora: Alcina da Costa Ribeiro
1.º Adjunto: Sandra Ferreira
2.º Adjunto: Maria da Conceição Miranda
[1] Não se trata de insuficiência de facto a que se refere o artigo 410.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, uma vez que o vicio não resulta do texto da sentença recorrida, mas do confronto da mesma com o relatório social e certificado do registo criminal, nem de omissão de pronúncia regulada no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na medida em que o tribunal se pronunciou sobre as condições pessoais do arguido, embora de forma confusa, nos termos acima assinalados
[2] Neste particular, cf. Sérgio Poças, Da Sentença Penal – Fundamentação de Facto, na Revista Julgar, nº 3 e Acórdão desta Relação de 18.1.2012, processo n.º 911/09.8T3AVR-A, em www.dgsi.pt.