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PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
ILISÃO DA PRESUNÇÃO
Sumário
1. Concluindo-se na sentença que estão preenchidos quatro dos factos índice enunciados no Art.º 12º/1 do CT, compete ao réu convencer da autonomia da prestadora. 2. Tal autonomia tem que alicerçar-se em factos que a revelem, não bastando a fragilização de algum dos factos índice. Da autoria da Relatora
Texto Integral
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
O MINISTÉRIO PÚBLICO, notificado da sentença proferida nos presentes autos, não se conformando com a mesma, vem dela interpor recurso.
Pede que a sentença proferida pelo Tribunal a quo seja revogada na parte das suas conclusões jurídicas e substituída por outra, ou por Acórdão, que declare a existência do presumido e, em concreto, provado pelo Ministério Público, aqui recorrente, contrato de trabalho entre AA e a Ré, Rádio Televisão Portuguesa, S.A., desde 30 de novembro de 2020 até ao presente.
Apresentou, sob o título “CONCLUSÕES” o seguinte arrazoado:
1. O Ministério Público não se conformando com a decisão proferida por entender, conforme ab initio entendeu, que a relação existente entre a indicada AA e a Rádio Televisão Portuguesa, S.A. configura uma relação laboral, o que é patente da prova colhida e produzida nos autos, mas que não encontra respaldo, na respetiva fundamentação proferida pelo tribunal a quo.
2. Compulsados os autos, verifica-se que o Ministério Público instaurou a presente ação declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra a Ré – “Rádio Televisão Portuguesa, S.A.”, na sequência da visita inspetiva realizada nas suas instalações pela ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho, ao abrigo do disposto nos artigos 15º A, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro e 186º K, e seguintes do CPT, requerendo que seja reconhecida e declarada unicamente a existência de um contrato de trabalho, desde 30 de novembro de 2020.
3. AA que segundo o ponto 13 dos factos provados exerce para além da apresentação do programa “Causa e Efeito”, transmitido pela RTP África, as seguintes tarefas: “ produção de conteúdos para o supramencionado programa, que consiste na pesquisa de temas e convidados, fazer os convites e, a posteriori, o guião das entrevistas e teleponto e, ainda, a recolha de materiais, nomeadamente de relatórios, imagens, trailers e fotografias; e escrita e gravação da voz off da peça inicial (da abertura) do programa e edição e recolha de imagens para a peça final do referido programa, o qual é desenvolvido com auxílio do arquivo da RTP que se encontra nas respetivas instalações;”.
4. Assim, remetendo-nos ao caso concreto e designadamente à matéria de facto provada passamos a analisar os indícios que a doutrina frequentemente referencia como indícios de subordinação:
5. A titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho: a sentença proferida pelo tribunal a quo, no ponto 15 dos factos provados, refere “Quando se encontra nas instalações da ré, AA, faz uso de equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A., nomeadamente, secretária, cadeira, telefone fixo, um computador, assim como, nas gravações do programa suprarreferido, o vestuário que a mesma lhe fornece, como blazers e camisas”. Dúvidas não existem que é a Ré que fornece todo o equipamento e restante material, necessários ao desempenho das funções por parte do trabalhador.
6. O local de trabalho: mais uma vez sentença recorrida é clara, merecendo, obviamente, neste aspeto, a nossa concordância, uma vez que afirma a sentença proferida pelo tribunal a quo, no ponto 7 dos factos provados, que: “AA: “Presta a sua atividade de jornalista, ininterruptamente, desde 30 de Novembro de 2020, em benefício da ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A., e com carácter de regularidade, entre o mais, nas instalações desta, sitas na Avenida Marechal Gomes da Costa, n.º 37, em Lisboa”. E, no ponto 14 dos factos provados, que: “As referidas funções de jornalista são exercidas, por AA, quer nas instalações da ré Rádio e Televisão de Portugal, S.A., onde se desloca para gravar o programa e fazer alguns contactos telefónicos, quer fora delas, sendo livre de preparar o programa onde lhe for mais conveniente;”.
7. A sentença recorrida é clara, merecendo, obviamente, neste aspeto, a nossa concordância, uma vez que afirma a sentença proferida pelo tribunal a quo, no ponto 7 dos factos provados, que AA “Presta a sua atividade de jornalista, ininterruptamente, desde 30 de Novembro de 2020, em benefício da ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A., e com carácter de regularidade, entre o mais, nas instalações desta, sitas na Avenida Marechal Gomes da Costa, n.º 37, em Lisboa”. E, no ponto 14 dos factos provados, que: “As referidas funções de jornalista são exercidas, por AA, quer nas instalações da ré Rádio e Televisão de Portugal, S.A., onde se desloca para gravar o programa e fazer alguns contactos telefónicos, quer fora delas, sendo livre de preparar o programa onde lhe for mais conveniente;” Ainda no ponto 18: “Participa, às segundas-feiras, em reuniões semanais com a restante equipa do programa, através de videoconferência.”
8. A atividade principal inerente às funções de AA é realizada nas instalações da Ré, ainda que a sua preparação possa ser realizada num local que entender e as reuniões semanais com a equipa de trabalho possam realizar-se à distância, através dos meios tecnológicos disponíveis. Esta evolução do contrato de trabalho típico não envolve a atenuação da subordinação do trabalhador, mas apenas a alteração das suas manifestações no sentido de uma maior sofisticação.
9. Aliás, a obrigação de “comparecer nos locais onde os programas ou conteúdos audiovisuais e/ou radiofónicos se realizam e/ou onde o serviço deverá ser prestado (…)” e ainda a obrigação de “comparecer aos ensaios, ações de preparação ou, reuniões para que seja convocado, tendo em vista a obtenção do resultado do serviço” decorre das condições gerais do próprio contrato celebrado entre a Ré e AA, com o título “condições gerais”, subcapítulo “2.Obrigações da Segunda Contraente”, pontos 2.2 e 2.3, o qual consta integralmente reproduzido, assim como os sucessivos aditamentos do mesmo, nos pontos 3 a 5 da matéria de facto dada como provada.
10. Isso mesmo foi constatado no decurso de ação inspetiva levada a cabo pela Autoridade para as Condições do Trabalho, nas instalações da Ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A., conforme referido nos pontos 8 a 12 dos factos provados.
11. Do que supra se refere se retira, é a existência de subordinação da trabalhadora visto que esta desenvolve as suas funções nas instalações da entidade empregadora, ou seja presta uma parte substancial da sua atividade (se se considerar a sua preparação modo de execução das tarefas inerentes à atividade profissional) nas instalações da Recorrente e em local por esta indicado, o que permite um fácil controlo direto da empregadora sobre o modo de execução da prestação laboral.
12. O tempo de trabalho: Nesta matéria cumpre dizer que AA, apesar de não ter um horário de trabalho definido, de não estar sujeita ao controlo biométrico nas instalações da Ré, e de não se ter provado que a mesma observa horas de início e de termo da prestação de trabalho determinadas pela Ré, certo é que a hora de entrada e saída das instalações da Ré ficam registadas na portaria, que delimita assim, temporalmente a sua disponibilidade perante o empregador.
13. Como consta dos pontos 17 a 23 e 25 e 26 dos factos provados e que passamos a transcrever: “17. Grava, todas as sextas-feiras, entre as 9 horas e 30 minutos e as 13 horas e 30 minutos, e, às quintas-feiras, desloca-se à Rádio e Televisão de Portugal, S.A., para ultimar a preparação do programa;” “18. Participa, às segundas-feiras, em reuniões semanais com a restante equipa do programa, através de viodeoconferência.” “19. Não depende da sua vontade o horário da gravação do programa e o horário das reuniões semanais com a restante equipa do programa, os quais são, todavia, fixos, considerada a necessidade de garantir a disponibilidade do estúdio;” (sublinhado nosso).” “20. Utiliza, para aceder às instalações da ré, um cartão magnético que a ré lhe forneceu e que permite o acesso às mesmas, por meio de torniquete, ficando a sua hora de entrada e saída registada na portaria, onde o torniquete está instalado;” “21. Não está, todavia, vinculada a registar os seus tempos de trabalho e não tem um qualquer horário de trabalho ou sequer a obrigação de prestar a sua atividade durante um determinado número de horas por dia ou por semana, diversamente, do que sucede com os trabalhadores subordinados da ré, cuja assiduidade é sujeita a controlo biométrico;” “22. Não consta dos horários de trabalho afixados nas instalações da ré ou de qualquer plataforma, nomeadamente, a GMedia, utilizada para o efeito;” “23. Não está sujeita a qualquer controlo do tempo alocado à ré”. (…) 25. Tem de apresentar as suas tarefas prontas, semanalmente, às quintas-feiras, no período da tarde, a BB, coordenadora do programa “Causa e Efeito”, e subdiretora da RTP África, que lhas distribui, nas reuniões que têm, às segundas-feiras, orienta e avalia o trabalho da sua equipa, de forma a assegurar que aquilo que é emitido é fidedigno e confiável; (sublinhado nosso).“26. A jornalista, AA, gere, no mais, o seu tempo, como bem entende, e desenvolve a sua atividade de forma independente, não recebendo ordens ou instruções de quem quer que seja;”
14. A mera alegação da possibilidade, de a trabalhadora puder organizar, livre e autonomamente, o seu tempo de trabalho não tem a potencialidade de ilidir a presunção, havendo o mesmo rigor e exigência na prova do facto contrário, que se impõe à prova do facto indiciário da presunção.
15. Tal resulta aliás do depoimento da testemunha CC, Diretora de programas de informação da RTP África, trabalhadora da Ré, (minuto 02:48 da gravação Citius Media Studio) “Para fazer a apresentação do programa não é necessário estar na RTP o tempo todo, tem de preparar o programa, normalmente, à segunda-feira, numa reunião que muitas vezes é online com a coordenação e com os outros colegas, (…) que participam todos. Depois tem de acompanhar a preparação, à quinta-feira costuma ir à RTP e à sexta-feira de manhã grava o programa”.
16. O facto de não existir controlo biométrico do seu tempo de trabalho e da Ré atribuir disponibilidade na preparação das tarefas não tem aqui qualquer relevo, quando é certo que a trabalhadora estava obrigada a comparecer nas instalações da Ré para a gravação do programa televisivo e a participar em reuniões semanais em horas e em dias da semana determinados pela mesma, conforme resulta da leitura dos factos provados e que supra se elencou.
17. Deve ter-se em conta para a qualificação de qualquer situação jurídica o caso concreto, ou seja, a importância da presença (ou não presença) de um indício é diferente consoante a situação em apreço. Realça-se ainda o facto de o indício do horário de trabalho (stricto sensu) não ser relevante se a Ré permitir a preparação do trabalho no domicílio do trabalhador, e claro da evolução da própria execução do trabalho e dos meios informáticos e tecnológicos à disposição de um trabalhador nos dias de hoje, que é o caso presente, em que a trabalhadora consegue preparar um programa de televisão em casa e estar presente em reuniões online, tudo com o aval e determinação por parte da entidade empregadora.
18. Ou seja, a inexistência de um horário não tem relevância em contratos que tenham por objeto uma atividade profissional que comporta, pela sua natureza, um maior grau de autonomia técnica e deontológica, que é o que acontece no presente caso (AA exerce para a Ré a atividade profissional de jornalista).Esta consideração terá de ser tida em conta na apreciação global dos indícios de subordinação.
19. O modo de cálculo da remuneração: mais uma vez sentença recorrida é clara, visto que no ponto 27 dos factos provados, ““a jornalista, AA, recebe como contrapartida da atividade prestada a quantia mensal de € 1.200, mediante transferência bancária”.
20. A inserção da trabalhadora numa estrutura organizativa determinada pelo empregador: A sentença recorrida é clara ao reconhecer uma estrutura organizativa na qual se integra AA quando nos factos 25 e 29 dos factos provados refere que“25.Tem de apresentar as suas tarefas prontas, semanalmente, às quintas-feiras, no período da tarde, a BB, coordenadora do programa “Causa e Efeito”, e subdiretora da RTP África, que lhas distribui, nas reuniões que têm, às segundas-feiras, orienta e avalia o trabalho da sua equipa, de forma a assegurar que aquilo que é emitido é fidedigno e confiável” (sublinhado nosso); “29. Pedem-lhe que comunique sempre que não pode garantir a prestação de serviços a fim de se encontrar alguém que a substitua.”
21. Acresce que, o facto de não estar “sujeita a qualquer dever de exclusividade, podendo ter outras fontes de rendimento, ou sequer obrigada a informar a ré do desempenho de outras atividades, como sucede com os trabalhadores da ré” (ponto 35 dos factos dados como provados e sublinhado nosso), não assume particular relevo, aliás tal já sucede com os trabalhadores da Ré.
22. A disponibilidade a que o trabalhador se obriga perante o empregador, não é total, por força dos limites funcionais e temporais da sua subordinação jurídica. A pluralidade de empregadores não é hoje estranha no direito laboral, o que realmente importa é que AA retira da sua atividade de jornalista que presta para a Ré rendimentos que necessita para o seu sustento e da sua família, que é o caso.
23. Acresce que, a circunstância de a obrigação do trabalhador ser pessoal, infungível, e até intuitu personae, não determina que, perante a faculdade de o prestador de serviços se fazer substituir por outrem, se conclua, quase que inevitavelmente, pela natureza não laboral e não subordinada de tal relação. Ou seja, não há qualquer incompatibilidade ontológica entre o contrato de trabalho e a possibilidade de o trabalhador se fazer substituir por outrem, quando essa substituição é consentida pela entidade empregadora ou é a entidade empregadora que determina um substituto, que é o caso dos presentes autos.
24. Os indícios têm de ser atendidos ao caso concreto, às suas características e especificidades. O facto de no presente caso a trabalhadora AA ter de comunicar sempre que tenha que faltar ao trabalho, decorre dos deveres contratuais e da essência da atividade profissional da trabalhadora, até porque o programa de televisão que apresenta (ao qual dá a cara e do qual é a imagem televisiva) não pode deixar de ser transmitido, sendo um fator essencial em caso de ausência da trabalhadora, seja por motivo de saúde ou outro, que a Ré tem de autorizar e garantir a sua substituição.
25. O carácter duradouro da prestação: A realização de tais funções por AA, com carácter continuado, permanente e duradouro, desde 30 de novembro de 2020 até ao presente, ou seja, já se encontra há mais de 4 anos no exercício das mesmas funções.
26. Pelo supra exposto, patente se torna a existência de subordinação jurídica, traduzida, como sucede tipicamente, em poderes de fiscalização por parte da Ré (que orienta e avalia o seu trabalho), relativamente a uma atividade que é exercida com instrumentos de trabalho da Ré empregadora, num local que lhe (à Ré) pertence, contra o recebimento de uma quantia pecuniária mensal fixa paga pela Ré, não dependendo da sua vontade o horário da gravação do programa e o horário das reuniões semanais com a restante equipa do programa (sendo parte integrante da estrutura organizativa determinada pela Ré), e que perdura, há mais de 4 anos.
27. Os supra indicados traços/indícios de subordinação empreendidos pela Ré são intensos e vincados. Realça-se mais uma vez a duração e continuidade da prestação laboral por parte de AA, ao longo de pelo menos 4 anos, bem como a sua integração numa organização interna – que impõe, por exemplo, a obrigação de apresentar as suas tarefas prontas, semanalmente, às quintas-feiras, no período da tarde, a BB, coordenadora do programa “Causa e Efeito”, e subdiretora da RTP África, que lhas distribui, nas reuniões que têm, às segundas-feiras, orienta e avalia o trabalho da sua equipa, incluindo o da trabalhadora, a que acresce o facto de ter de comunicar sempre que não pode garantir a prestação de serviços a fim de se encontrar alguém que a substitua, estando incluída/integrada numa equipa de trabalho.
28. Ressalta, também, que AA, grava, “todas as sextas-feiras, entre as 9 horas e 30 minutos e as 13 horas e 30 minutos, e, às quintas-feiras, desloca-se à Rádio e Televisão de Portugal, S.A., para ultimar a preparação do programa;” e que participa, “às segundas-feiras, em reuniões semanais com a restante equipa do programa, através de videoconferência.” (pontos 17 e 18 dos factos provados). Acresce que não depende da sua vontade o horário da gravação do programa e o horário das reuniões semanais com a restante equipa do programa, os quais são, fixos, o que não pode ser encarado de ânimo leve, como sendo próprio e característico de um contrato autónomo de prestação de serviços, autonomamente delimitado por cada prestador. (ponto 19 dos factos provados).
29. Por outro lado, a sentença proferida pelo Tribunal a quo refere que “Justificou-se, em face do exposto, a factualidade dada como provada e não provada, resultando esta, justamente, de ter sido contraditada pelos depoimentos prestados, dos quais – repita-se – foi possível inferir que AA presta a sua atividade, para a Rádio e Televisão de Portugal, S.A., em moldes distintos de outros que, com tal entidade, firmaram contratos ditos “de trabalho”, de forma, essencialmente, autónoma, tendo de cumprir “deadlines”, unicamente, em razão de serem vários os envolvidos na preparação e gravação do programa, e que se limita a completar as tarefas que lhe são distribuídas, semanalmente, gerindo, como bem entende, o seu tempo e o seu trabalho, com os limites inerentes às necessidades decorrentes da produção de um programa de televisão semanal. Muito embora quer a jornalista, AA, ainda que, unicamente, no questionário a que se aludiu (e tendo-lhe sido perguntado, justamente, se recebia “ordens” de alguém), quer o jornalista DD no início do seu depoimento, hajam começado por dizer que a primeira recebia “ordens” de terceiros, certo é que ambos viriam a reconhecer o inverso, ou seja, que, nas palavras do segundo, “a lógica” é de autonomia, distribuindo-se-lhe tarefas específicas – que completará como bem entender - e fixando-se um “deadline” para a apresentação das mesmas, um horário para a reunião semanal de equipa e um horário para as gravações, mas não mais do que isto”.
30. Todavia não se pode olvidar que esta trabalhadora exerce as funções dadas como provadas no ponto 13 da matéria de facto há cerca de 4 anos, funções essas que se desenvolvem no mesmo local trabalho, pelo que as concretas funções inerentes à categoria profissional de jornalista, pela natureza das coisas, foram definidas pela Ré uma vez quando AA iniciou há 4 anos a sua prestação laboral perante a Ré, estando hoje em dia, por si, amplamente assimiladas que as cumpre, como já vimos, rigorosamente, não necessitando, por isso, de “ordens quanto à prestação da atividade e a sua fiscalização”, (como refere a douta sentença recorrida) com regularidade.
31. Refira-se nesse sentido que por parte de um colega de trabalho (trabalhador da Ré), o qual chegou a atribuir os temas do programa “Causa e Efeito” e a avaliar o trabalho de AA, DD, afirmou em Tribunal, “não havia necessidade de imposição porque o trabalho e a equipa funcionavam muito bem, não era preciso dizer tens que, ou fazes isto” (minuto 36:56 Citius Media Studio).
32. Acresce que, a atividade desenvolvida pelos jornalistas implica por natureza uma autonomia técnica perfeitamente compatível de ser levada a cabo, indistintamente, num quadro de subordinação ou em termos autónomos. Ou seja, a subordinação é jurídica e não técnica, porquanto é compatível com a autonomia técnica e deontológica da trabalhadora no exercício da sua atividade e que se articula com as aptidões profissionais específicas da própria trabalhadora e com a autonomia inerente à especificidade técnica da própria atividade jornalística (nos termos do artigo 116.º do CT). Desta forma, o estado de subordinação e, consequentemente, a existência de um contrato de trabalho é compatível com esta atividade profissional em concreto especializada.
33. Ainda se dirá que, a subordinação comporta vários graus, que pode ser mais ou menos intensa, de acordo com as aptidões do próprio trabalhador, com o grau que ocupa na organização laboral ou com o nível de confiança que o empregador nele deposita. Deste modo, a subordinação de um trabalhador especializado ou de um quadro técnico é habitualmente menos intensa do que a subordinação de um trabalhador diferenciado, que é o que se verifica no presente caso.
34. Tal como ensina a Professora Doutora MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, “a subordinação pode ser meramente potencial, no sentido em que para a sua verificação não é necessária uma atuação efetiva e constante dos poderes laborais, mas basta a possibilidade de exercício destes poderes – assim, um trabalhador a quem o empregador já não dê ordens porque nele deposita a maior confiança, ou aquele cujo empregador esteja ausente não perde a qualidade de trabalhador subordinado” (Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Almedina, 9ª edição, 2023, pág. 38).
35. O mesmo se passa quanto ao exercício do poder disciplinar a propósito do qual a sentença do tribunal a quo referiu que “A jornalista AA nunca foi sujeita a qualquer ação ou advertência disciplinar por parte da ré;”. O que isso revela é a conduta exemplar, sem mácula, de AA. O que as testemunhas disseram foi que nunca, quanto a AA, houve qualquer necessidade de exercer o poder disciplinar. É diferente dizer que o poder disciplinar não existe. O poder disciplinar existe e é uma possibilidade que se encontra na esfera do empregador, mas que ainda não teve de ser efetivada.
36. Por fim diga-se que o facto de a trabalhadora não auferir qualquer quantia a título de férias, subsídio de férias e de Natal, e de estar inscrita na autoridade tributária como trabalhadora independente configuram o incumprimento de obrigações da Ré no âmbito de uma relação laboral, que não se sobrepõem, nem infirmam os indícios que resultaram provados e de que a lei faz presumir a existência do contrato de trabalho, que no caso indiciam, claramente, a existência de uma relação jurídica de subordinação.
37. Ora, tendo em conta que o que se pretende na presente ação é regularizar a situação da trabalhadora – AA que, a coberto de um pretenso contrato de prestação de serviços, vê a sua proteção jurídica diminuída, em face aos indícios supra elencados e concretamente verificados na situação em apreço não se suscitam dúvidas que deve ser a ação proposta julgada procedente e provada, reconhecendo-se a existência de um contrato de trabalho.
38. Acresce que, o legislador estabeleceu, no artigo 12º do Código do Trabalho, uma presunção de laboralidade que tem por objetivo dispensar o encargo do ónus da prova que recairia sobre o trabalhador de todos os elementos que caracterizam o contrato de trabalho.
39. Segundo o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.02.2013, in www.dgsi.pt “(…) aparentemente, basta que se verifiquem duas (…) delas para o trabalhador(a) beneficiar da presunção referida na norma, com os inerentes efeitos em sede de inversão do ónus da prova”. Ou seja, de acordo com o normativo transcrito, o preenchimento da presunção de contrato de trabalho está dependente da verificação dos seguintes requisitos:
40. A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado: A sentença recorrida é clara quanto ao preenchimento deste requisito, uma vez que afirma, no ponto 7 dos factos provados que AA: “Presta a sua atividade de jornalista, ininterruptamente, desde 30 de Novembro de 2020, em benefício da ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A., e com carácter de regularidade, entre o mais, nas instalações desta, sitas na Avenida Marechal Gomes da Costa, n.º 37, em Lisboa”. E, no ponto 14 dos factos provados, que: “As referidas funções de jornalista são exercidas, por AA, quer nas instalações da ré Rádio e Televisão de Portugal, S.A., onde se desloca para gravar o programa e fazer alguns contactos telefónicos, quer fora delas, sendo livre de preparar o programa onde lhe for mais conveniente;”. A atividade principal inerente às funções de AA é realizada nas instalações da Ré, ainda que a sua preparação seja realizada num local que entender.
41. A acrescer ainda, a obrigação de AA “comparecer nos locais onde os programas ou conteúdos audiovisuais e/ou radiofónicos se realizam e/ou onde o serviço deverá ser prestado (…)” e ainda a obrigação de “comparecer aos ensaios, ações de preparação ou, reuniões para que seja convocado, tendo em vista a obtenção do resultado do serviço” decorre das condições gerais do próprio contrato celebrado entre a Ré e AA, com o título “condições gerais”, subcapítulo “2.Obrigações da Segunda Contraente”, pontos 2.2 e 2.3, o qual consta integralmente reproduzido, assim como os sucessivos aditamentos do mesmo, nos pontos 3 a 5 da matéria de facto dada como provada. O que aliás foi mesmo constatado no decurso de ação inspetiva levada a cabo pela Autoridade para as Condições do Trabalho, nas instalações da ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A., conforme referido nos pontos 8 a 12 dos factos provados. A acrescer ainda, a obrigação de AA “comparecer nos locais onde os programas ou conteúdos audiovisuais e/ou radiofónicos se realizam e/ou onde o serviço deverá ser prestado (…)” e ainda a obrigação de “comparecer aos ensaios, ações de preparação ou, reuniões para que seja convocado, tendo em vista a obtenção do resultado do serviço” decorre das condições gerais do próprio contrato celebrado entre a Ré e AA, com o título “condições gerais”, subcapítulo “2.Obrigações da Segunda Contraente”, pontos 2.2 e 2.3, o qual consta integralmente reproduzido, assim como os sucessivos aditamentos do mesmo, nos pontos 3 a 5 da matéria de facto dada como provada.
42. Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade: Mais uma vez a sentença recorrida é clara quanto ao preenchimento deste requisito, merecendo, obviamente, neste aspeto, a nossa concordância, uma vez que afirma a sentença proferida pelo tribunal a quo no facto 15 dado como provado que: “Quando se encontra nas instalações da ré, AA, faz uso de equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A., nomeadamente, secretária, cadeira, telefone fixo, um computador, assim como, nas gravações do programa suprarreferido, o vestuário que a mesma lhe fornece, como blazers e camisas”.
43. O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma: A sentença recorrida nos factos provados não deixa dúvidas, no nosso entender, que apesar de AA não ter um horário de trabalho definido (stricto sensu), de não estar sujeita ao controlo biométrico nas instalações da Ré, e de não se ter provado que a mesma observa horas de início e de termo da prestação de trabalho determinadas pela Ré, certo é que a hora de entrada e saída das instalações da Ré ficam registadas na portaria, que delimita assim, temporalmente a sua disponibilidade perante o empregador, conforme se retira dos seguintes factos dados como provados:
44. “17. Grava, todas as sextas-feiras, entre as 9 horas e 30 minutos e as 13 horas e 30 minutos, e, às quintas-feiras, desloca-se à Rádio e Televisão de Portugal, S.A., para ultimar a preparação do programa;”; “18. Participa, às segundas-feiras, em reuniões semanais com a restante equipa do programa, através de videoconferência.”; “19. Não depende da sua vontade o horário da gravação do programa e o horário das reuniões semanais com a restante equipa do programa, os quais são, todavia, fixos, considerada a necessidade de garantir a disponibilidade do estúdio;” (sublinhado nosso).”; “20. Utiliza, para aceder às instalações da ré, um cartão magnético que a ré lhe forneceu e que permite o acesso às mesmas, por meio de torniquete, ficando a sua hora de entrada e saída registada na portaria, onde o torniquete está instalado;”; “21. Não está, todavia, vinculada a registar os seus tempos de trabalho e não tem um qualquer horário de trabalho ou sequer a obrigação de prestar a sua atividade durante um determinado número de horas por dia ou por semana, diversamente, do que sucede com os trabalhadores subordinados da ré, cuja assiduidade é sujeita a controlo biométrico;”; 22. Não consta dos horários de trabalho afixados nas instalações da ré ou de qualquer plataforma, nomeadamente, a GMedia, utilizada para o efeito; “23. Não está sujeita a qualquer controlo do tempo alocado à ré”. (…)”25. Tem de apresentar as suas tarefas prontas, semanalmente, às quintas-feiras, no período da tarde, a BB, coordenadora do programa “Causa e Efeito”, e subdiretora da RTP África, que lhas distribui, nas reuniões que têm, às segundas-feiras, orienta e avalia o trabalho da sua equipa, de forma a assegurar que aquilo que é emitido é fidedigno e confiável; “26. A jornalista, AA, gere, no mais, o seu tempo, como bem entende, e desenvolve a sua atividade de forma independente, não recebendo ordens ou instruções de quem quer que seja;”
45. Conforme já referido, a mera alegação da possibilidade, de a trabalhadora puder organizar, livre e autonomamente, o seu tempo de trabalho não tem a potencialidade de ilidir a presunção, havendo o mesmo rigor e exigência na prova do facto contrário, que se impõe à prova do facto indiciário da presunção. Reiteramos o supra alegado quanto ao tempo de trabalho e realça-se mais uma vez o facto de o indício do horário de trabalho (stricto sensu) não ser relevante se a Ré permitir a preparação do trabalho no domicílio do trabalhador, e claro da evolução da própria execução do trabalho e dos meios informáticos e tecnológicos à disposição de um trabalhador nos dias de hoje, que é o caso presente, em que a trabalhadora consegue preparar um programa de televisão em casa e estar presente em reuniões online, tudo com o aval e determinação por parte da entidade empregadora.
46. Ou seja, a inexistência de um horário não tem relevância em contratos que tenham por objeto uma atividade profissional que comporta, pela sua natureza, um maior grau de autonomia técnica e deontológica, que é o que acontece no presente caso. Esta consideração terá de ser tida em conta na apreciação global dos indícios de subordinação.
47. Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma: Mais uma vez a sentença recorrida é clara quanto ao preenchimento deste requisito, merecendo, obviamente, neste especto, a nossa concordância, uma vez que afirma a sentença proferida pelo tribunal a quo, no ponto 27 dos factos provados que: “a jornalista, AA, recebe como contrapartida da atividade prestada a quantia mensal de € 1.200, mediante transferência bancária”.
48. Estão, assim, como vimos, preenchidos os factos índice da presunção enumerados nas alíneas a), b), c) e d) do artigo 12.º do Código do Trabalho, pelo que podemos concluir que, no caso, operou a presunção de laboralidade plasmada naquele artigo, por estarem verificados quatro dos cinco fatores indiciários nele enunciados e que presumem a existência de um contrato de trabalho.
49. Perante esta evidência cumpre aquilatar se a Ré demonstrou o contrário, ou seja, que não existe contrato de trabalho.
50. Para o efeito, a mesma necessitava, como não o fez, de demonstrar que está caracterizada uma situação de trabalho autónomo, competindo à Ré alegar e provar os factos que logrem convencer da inexistência de contrato de trabalho, não sendo suficiente, devido à presunção em apreço, suscitar a dúvida ou colocar em causa a relevância dos factos índice.
51. Compulsando todo o acervo fáctico dado como provado, afigura-se-nos que a Ré não logrou afastar a presunção legal porquanto não resultam provados factos que, apreciados no seu conjunto, revelem a existência de autonomia própria da prestação de serviços e a inexistência de uma relação laboral.
52. Como vimos, até pela mera leitura dos factos provados constantes da douta sentença recorrida constata-se que existem mais indícios de subordinação jurídica do que de trabalho autónomo que, certo e seguro, não ficou pela Ré demonstrado.
53. Por último e não menos importante, dizemos ainda porque merece cautela e atenção na apreciação da presente matéria que o indício de sujeição a ordens diretas ou a simples instruções genéricas perde valor em contratos que tenham por objeto uma atividade que, pela sua natureza, comporte um maior grau de autonomia técnica e deontológica, que é o caso da atividade jornalística e esse fator não pode ser esquecido e deve ter a sua importância quando cumpre decidir sobre a qualificação jurídica existente entre o prestador de atividade e os que dela beneficiam.
RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, S. A., RÉ e RECORRIDA nos autos supra identificados, tendo sido notificada das Alegações de Recurso de Apelação apresentadas pelo AUTOR vem apresentar as suas Contra-Alegações, defendendo a manutenção da sentença.
*
Segue-se um breve resumo dos autos para melhor compreensão:
O Ministério Público intentou a presente ação declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, com processo especial contra a Rádio e Televisão de Portugal, S.A. pedindo a declaração da existência de um contrato de trabalho entre AA e a ré, desde 30 de Novembro de 2020, alegando, no essencial, que, no decurso de ação inspetiva levada a cabo pela Autoridade para as Condições do Trabalho, se constatou que a primeira mantém, desde a aludida data, um vínculo de natureza laboral com a segunda, não obstante a utilização de um contrato de prestação de serviços, desempenhando, para a mesma, funções de apresentadora, produção de conteúdos e escrita e gravação da voz off da peça inicial (de abertura) do programa “Causa e Efeito”, em condições análogas a um contrato de trabalho (subordinado), i.e., de forma exclusiva, ininterrupta e com carácter de regularidade, nas instalações da ré, fazendo uso de equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes a esta última e que a mesma lhe fornece para o efeito, observando um horário de trabalho específico, obedecendo a ordens, instruções e orientações de BB, coordenadora do programa em questão, comunicando à sua chefia as respetivas ausências e recebendo mensalmente, como contrapartida da atividade que desenvolve, uma remuneração fixa de € 1.200.
A ré, Rádio Televisão Portuguesa, S.A., contestou a ação, defendendo-se por exceção – e, para o efeito, invocando que pertence ao sector público empresarial, sendo-lhe impossível – como, de resto, ao próprio tribunal - reconhecer relações de trabalho dependente, sem autorização governamental (que não possuía ou possui) - e por impugnação e, a final, concluindo pela inexistência de relação de trabalho subordinado que a vincule, bem assim como pela improcedência da ação.
O Ministério Público respondeu às exceções invocadas, sustentando a improcedência de todas as invalidades excecionadas/suscitadas.
Foi determinada a citação de AA, a qual constituiu mandatário forense e apresentou articulado próprio, aderindo aos factos apresentados pelo Ministério Público.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido conhecidas as exceções invocadas, concluindo-se pela sua improcedência1.
A audiência de julgamento realizou-se, tendo sido proferida sentença que julgou improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência, absolveu a ré, Rádio Televisão de Portugal, S.A., do pedido.
***
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões:
– Dos factos retira-se a existência de subordinação da trabalhadora, não estando ilidida a presunção legal?
*** FUNDAMENTAÇÃO: OS FACTOS:
Resultou provada a seguinte factualidade com pertinência para a decisão da mesma:
1. A ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A. é uma sociedade anónima, pertencente ao sector público empresarial do Estado Português, que tem por objeto a prestação dos serviços públicos de rádio e de televisão, nos termos das Leis da Rádio e da Televisão e dos respetivos contratos de concessão, com o CAE 60200;
2. Mantém a sua sede e instalações na Avenida Marechal Gomes da Costa, n.º 37, em Lisboa;
3. A 22 de Janeiro de 2021, a ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A. e AA, titular do cartão de cidadão número ... e contribuinte fiscal número ..., com residência ..., no Cacém, foi celebrado o acordo escrito cuja cópia se encontra junta a fls. 22 verso e ss. dos autos, denominado “Contrato de Prestação de Serviços”, cujo teor se dá por, integralmente, reproduzido, cujos efeitos ali declararam retroagir a 30 de Novembro de 2020;
4. Mais firmaram, a 21 de Janeiro de 2022, novo acordo escrito que denominaram de “Contrato de Prestação de Serviços”, cuja cópia se encontra a fls. 25 verso dos autos e cujo teor se dá também por, integralmente, reproduzido, cujos efeitos ali declararam retroagir a 30 de Novembro de 2021;
5. Mediante a assinatura dos aditamentos constantes de fls. 26 e 11 dos autos, o contrato mencionado em 3 renovou-se, em 30 de Novembro de 2022, por 12 (doze) meses e, novamente, em 30 de Novembro de 2023, por mais 12 (doze) meses, com termo previsto em 29 de Novembro de 2024;
6. AA mantém-se inscrita nas Finanças e na Segurança Social como trabalhadora independente, procede aos respetivos descontos e emite recibos verdes por ocasião do pagamento mensal realizado pela Rádio e Televisão de Portugal;
7. Presta a sua atividade de jornalista, ininterruptamente, desde 30 de Novembro de 2020, em benefício da ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A., e com carácter de regularidade, entre o mais, nas instalações desta, sitas na Avenida Marechal Gomes da Costa, n.º 37, em Lisboa;
8. Isso mesmo foi constatado no decurso de ação inspetiva que, no passado dia 24 de Novembro de 2023, foi levada a cabo pela Autoridade para as Condições do Trabalho, nas instalações da ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A., mencionadas em 7;
9. A jornalista, AA, encontrava-se a ser maquilhada e penteada, no departamento de caracterização da Rádio e Televisão de Portugal, S.A., sito nas instalações mencionadas em 7, e, concretamente, no Piso 2 do seu Edifício G;
10. Logo de seguida, a jornalista encaminhou-se para o Estúdio 3 da Área de Programação da RTP África, sito no Piso -1 do Edifício F das mencionadas instalações, onde, normalmente, presta a sua atividade;
11. Apresentou o programa “Causa e Efeito”, transmitido pela RTP África, que teve, no mencionado dia, como convidados EE e FF, ambos Co-Presidentes da Assembleia Parlamentar Paritária dos Estados de África, Caraíbas e Pacífico;
12. AA conduziu todo o programa, fazendo questões subordinadas ao tema “Acordo Samoa”;
13. As funções que AA ali vem desempenhando, para a ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A., compreendem, para além da apresentação do aludido programa, as seguintes tarefas:
• produção de conteúdos para o supramencionado programa, que consiste na pesquisa de temas e convidados, fazer os convites e, a posteriori, o guião das entrevistas e teleponto e, ainda, a recolha de materiais, nomeadamente de relatórios, imagens, trailers e fotografias; e
• escrita e gravação da voz off da peça inicial (da abertura) do programa e edição e recolha de imagens para a peça final do referido programa, o qual é desenvolvido com auxílio do arquivo da RTP que se encontra nas respetivas instalações;
14. As referidas funções de jornalista são exercidas, por AA, quer nas instalações da ré Rádio e Televisão de Portugal, S.A., onde se desloca para gravar o programa e fazer alguns contactos telefónicos, quer fora delas, sendo livre de preparar o programa onde lhe for mais conveniente;
15. Quando se encontra nas instalações da ré, AA, faz uso de equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A., nomeadamente, secretária, cadeira, telefone fixo, um computador, assim como, nas gravações do programa suprarreferido, o vestuário que a mesma lhe fornece, como blazers e camisas;
16. Só o faz, de resto, pelo tempo, estritamente, necessário para a prestação da atividade de que está incumbida;
17. Grava, todas as sextas-feiras, entre as 9 horas e 30 minutos e as 13 horas e 30 minutos, e, às quintas-feiras, desloca-se à Rádio e Televisão de Portugal, S.A., para ultimar a preparação do programa;
18. Participa, às segundas-feiras, em reuniões semanais com a restante equipa do programa, através de videoconferência,
19. Não depende da sua vontade o horário da gravação do programa e o horário das reuniões semanais com a restante equipa do programa, os quais são, todavia, fixos, considerada a necessidade de garantir a disponibilidade do estúdio;
20. Utiliza, para aceder às instalações da ré, um cartão magnético que a ré lhe forneceu e que permite o acesso às mesmas, por meio de torniquete, ficando a sua hora de entrada e saída registada na portaria, onde o torniquete está instalado;
21. Não está, todavia, vinculada a registar os seus tempos de trabalho e não tem um qualquer horário de trabalho ou sequer a obrigação de prestar a sua atividade durante um determinado número de horas por dia ou por semana, diversamente, do que sucede com os trabalhadores subordinados da ré, cuja assiduidade é sujeita a controlo biométrico;
22. Não consta dos horários de trabalho afixados nas instalações da ré ou de qualquer plataforma, nomeadamente, a GMedia, utilizada para o efeito;
23. Não está sujeita a qualquer controlo do tempo alocado à ré;
24. Não se rege sequer pelas regras implementadas pelo acordo de empresa que a vincula;
25. Tem de apresentar as suas tarefas prontas, semanalmente, às quintas-feiras, no período da tarde, a BB, coordenadora do programa “Causa e Efeito”, e subdiretora da RTP África, que lhas distribui, nas reuniões que têm, às segundas-feiras, orienta e avalia o trabalho da sua equipa, de forma a assegurar que aquilo que é emitido é fidedigno e confiável;
26. A jornalista, AA, gere, no mais, o seu tempo, como bem entende, e desenvolve a sua atividade de forma independente, não recebendo ordens ou instruções de quem quer que seja;
27. Presentemente, a jornalista, AA, recebe como contrapartida da atividade prestada a quantia mensal de € 1.200, mediante transferência bancária;
28. Muito embora lhe seja permitido comunicar a sua indisponibilidade em determinado período de tempo, a jornalista AA, nunca gozou férias até à realização daquela visita inspetiva e também nunca recebeu – ou reclamou - subsídio de férias ou de Natal;
29. Pedem-lhe que comunique sempre que não pode garantir a prestação de serviços a fim de se encontrar alguém que a substitua;
30. A ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A., criou-lhe o seguinte endereço de correio eletrónico: ..., cujo domínio é distinto do que é atribuído aos trabalhadores;
31. Na sequência da visita inspetiva supra mencionada, ao abrigo do disposto no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14.09, foi levantado pela Autoridade para as Condições do Trabalho auto por utilização indevida do contrato de prestação de serviços;
32. A ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A. foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1, parte final, do citado artigo 15.º-A, ou seja, para regularizar a situação da jornalista AA ou pronunciar-se, dizendo o que tivesse por conveniente;
33. A Rádio e Televisão de Portugal, S.A., devidamente notificada, não regularizou, porém, a situação de AA, mantendo que a mesma presta a sua atividade de forma independente;
34. A jornalista AA nunca foi sujeita a qualquer ação ou advertência disciplinar por parte da ré;
35. Não está sujeita a qualquer dever de exclusividade, podendo ter outras fontes de rendimento, ou sequer obrigada a informar a ré do desempenho de outras atividades, como sucede com os trabalhadores da ré;
36. Já declarou, inclusivamente, junto da ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A., estar a desempenhar a sua atividade profissional para outra entidade, recusando, por esse motivo, um alargamento do objeto da atividade prestada em benefício da ré.
*** O DIREITO:
Considerou-se na sentença recorrida que se pode ter “como preenchida a alínea d) do número 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho e, em alguma medida, as suas alíneas a), b) e c)”, mas “urge ter presente que, no que a estas concerne, o seu preenchimento não se pode ter por inequívoco porquanto, como já se referiu, o que resulta da prova carreada para os autos é que, com exceção dos horários de reunião e gravação, ou seja, dos períodos de 2.ª e 6.ª de manhã, a jornalista em causa não estava sujeita a qualquer horário, sendo, de resto, estes uma decorrência dos condicionalismos inerentes à produção de um programa televisivo (que está muito longe de se poder dizer um “one (wo)man show” e, por outro lado, no que tange à contrapartida pecuniária que lhe é paga, sucede amiúde – e por diversas ordens de razões – os prestadores de serviços receberem ao mês e não à tarefa, tendo, com o passar do tempo, o citado indício vindo, paulatinamente, a perder a sua relevância, justamente, em razão desta constatação.”
E, após várias considerações, ponderou-se ali que “In casu (e como se depreende do que acima já deixámos escrito), temos para nós que a ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A., trouxe aos autos elementos passíveis de abalar a presunção de laboralidade de que se constatou que a jornalista AA deve beneficiar, quanto sejam os factos atinentes: • à liberdade de que a mesma goza no que tange à definição do(s) lugar(es) e do(s) horário(s) em que realiza as atividades – de preparação do programa – que, semanalmente, lhe são atribuídas; • à forma (autónoma) como as realiza e às tarefas de apresentação de que também está incumbida, i.e., sem receber ordens/instruções, sem dar qualquer “input” a respeito das mesmas e, ainda, sem ser controlada/fiscalizada na respetiva execução; • à sua independência no que concerne ao desenvolvimento de atividade jornalística paralela, em benefício de terceiros, e económica (daquela para si adveniente); • ao enquadramento fiscal e regime contributivo que lhe vem sendo aplicado. Impõe-se, em face de todo o exposto, concluir que a execução dos contratos que AA e a ré, Rádio e Televisão de Portugal, S.A., sucessivamente, firmaram se caracteriza por um grau de autonomia – diversamente, do que sucede com os trabalhadores da ré – que não se coaduna com a qualificação de tais contratos como “de trabalho”, devendo considerar-se ilidida a presunção de laboralidade a que se aludiu.”
O Apelante, inconformado, afirma que é patente a existência de subordinação jurídica, que se preenchem os factos índice constantes do Art.º 12º/a) a d) e que a R. não ilidiu a presunção de laboralidade.
A Apelada contrapõe que ainda que, para estes efeitos, se utilize o chamado método indiciário (artigo 12.º do Código do Trabalho), não pode nunca deixar de ser feito um posterior juízo de ponderação global, verificando a sua relevância na situação concreta e a sua prevalência e que não se vislumbram, na relação jurídica em causa nos presentes autos, os traços típicos de uma relação de reporte hierárquico e de exercício de poderes de direção e autoridade, que configuram uma situação de subordinação jurídica, cuja existência é condição essencial para qualificar tal relação como contrato de trabalho.
Tendo a sentença dado como adquirida a prova dos factos índice enunciados no Art.º 12º/1-a), b), c) e d), não nos deteremos sobre a questão.
Ocorre que a sentença desvalorizou a força de alguns desses factos índice, vindo a concluir que a R. abalou a presunção de laboralidade.
Será, pois, esta a temática da presente decisão – a ilisão da presunção legal.
Em causa nos autos a declaração de existência de um contrato de trabalho entre uma prestadora e a R., a partir de uma relação jurídica que se iniciou em 30/11/2020.
Tem, pois, plena aplicação o regime jurídico decorrente do CT de 2009, designadamente a presunção de laboralidade que integra o Art.º 12º.
O contrato de trabalho é definido no CT/2009 como aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade destas (Art.º 11º). Do que resulta que a integração numa certa organização passou a ser crucial, ao mesmo tempo que não se prescinde da sujeição à autoridade do contratante.
As dificuldades de demonstração de existência de um contrato de trabalho são conhecidas dada a presença neste e em contratos de prestação de serviços de elementos coincidentes, mas, não obstante, também de outros distintivos, elegendo-se como elemento diferenciador a subordinação jurídica.
Ocorre, porém, que esta, também não é, bastas vezes, facilmente apreensível. Daí que o legislador tenha consagrado no Art.º 12º do CT, uma presunção de contrato de trabalho, o que resulta na dispensa do encargo do ónus da prova que recairia sobre o trabalhador de todos os elementos que caracterizam o contrato de trabalho tal como ele é definido no Art.º 11º do CT.
Assim, por força de tal presunção, a quem alegue a existência de um contrato de trabalho, basta agora e a partir de então evidenciar algumas das características ali enunciadas – os denominados factos base-, ficando o beneficiário da prestação com o ónus de demonstrar a situação de autonomia ou, melhor dizendo, de não subordinação jurídica. É que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proibir (Art.º 350º/2 do CC).
No sistema de presunção instituído é o legislador quem atribui relevância a certos factos indiciários, o que decorre de regras da experiência capazes de, por si próprias, revelarem com elevado grau de verosimilhança uma relação entre o facto base e o facto presumido.
À contraparte é facultada a possibilidade de convencer que a atividade prestada, apesar da ocorrência daquelas circunstâncias que integram a presunção, configura uma relação que não é uma relação de trabalho subordinado.
Contudo, é bom relembrá-lo, o paradigma alterou-se, invertendo-se o encargo da prova. Ao contrário da ponderação global dos indícios de subordinação, inerente ao preenchimento do conceito de contrato de trabalho no âmbito do regime antecedente, agora a demonstração da existência de contrato de trabalho vai ficar dependente apenas da demonstração de alguns – pelo menos dois- dos índices reportados no Art.º 12º do CT.
Nas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho, “a qualificação laboral do negócio pode ser afastada se o empregador provar a autonomia do trabalhador ou a falta de outro elemento essencial do contrato de trabalho2”, a saber, a atividade, a retribuição, a subordinação.
E, assim, agora pode concluir-se estar em presença de um contrato de trabalho se se demonstrarem alguns dos índices legais. E sem que cumpra ajuizar da maior ou menor relevância dos mesmos, pois se a inferência é efetuada pelo legislador, ao aplicador cumpre apenas verificar da evidência do elemento que integra a presunção. A relevância de determinado facto está na consagração legal, não nas mãos do aplicador.
Na verdade, “legal ou judicial, baseia-se numa regra de experiência, que estabelece a ligação entre o facto conhecido que está na base da ilação e o facto desconhecido que dele é derivado: atendendo ao elevado grau de probabilidade ou verosimilhança da ligação concreta entre o facto que constitui base da presunção e o facto presumido, este é dado como assente quando o primeiro é provado”. A presunção legal baseia-se em regras da experiência, “que o legislador tem em conta quando cria a regra da ligação entre o facto base da presunção e o facto presumido3”.
O Ac. do STJ de 2/07/2015 é explícito nesta matéria. Aqui se explica, com clareza a distinção imposta pelo novo regime na apreciação do acervo fático de modo a concluir pela caracterização do contrato como de trabalho.
Consignou-se ali que “A técnica da presunção da existência de contrato de trabalho, consagrada no artigo 12.º do Código do Trabalho, embora seja inspirada no modelo indiciário tradicional, altera radicalmente o cenário da prova dos elementos integrativos do contrato de trabalho. Na verdade, ao contrário do modelo indiciário, que apelava a uma ponderação global dos elementos caracterizadores da concreta relação estabelecida entre partes, destacando nos mesmos aqueles que apontam para a subordinação jurídica, a sopesar com os que apontem no sentido da autonomia, de forma a encontrar o sentido global caracterizador da relação, a demonstração da existência de contrato de trabalho vai ficar agora dependente, e apenas, da demonstração de «alguns» dos índices consagrados nas alíneas do n.º 1 do artigo 12.º4”
Em presença do preenchimento dos já indicados factos índice, aquilatemos, então, da ilisão da presunção, ilisão que, como supra dito há-de decorrer da prova da autonomia do trabalhador ou da falta de outro elemento essencial do contrato de trabalho.
Antes, porém, relembremos cada um daqueles factos índice:
Na alínea a) do n.º 1 do Art.º 12º surge como elemento indiciário o facto de a atividade prestada ser “realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado”.
-Na alínea b) é assumido como elemento indiciador o facto de “os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencerem ao beneficiário da atividade”. Não é excludente do preenchimento desta alínea a circunstância de o destinatário da atividade não ser proprietário em sentido técnico-jurídico dos bens em causa, contentando-se a lei com o facto de o mesmo, por um título legítimo, ter a disponibilidade desses bens e de os facultar ao prestador da atividade de que é destinatário.
-Na alínea c), daquele dispositivo, é caracterizado como indiciador de trabalho subordinado o facto de o prestador de atividade “observar horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma”. Releva aqui o tempo da prestação, imposto pelo beneficiário da atividade.
-Na alínea d), releva a forma de pagamento ao prestador exigindo-se que “seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma”. Ou seja, não só a quantia paga há-de ser assumida como contrapartida da atividade prosseguida, como deve ser prestada periodicamente, e deve ser certa.
Na ponderação efetuada na sentença relevaram como elementos adequados à ilisão da presunção legal:
• a liberdade de definição do(s) lugar(es) e do(s) horário(s) em que são realizadas as atividades de preparação do programa;
• a forma (autónoma) como as realiza e às tarefas de apresentação de que também está incumbida, i.e., sem receber ordens/instruções, sem dar qualquer “input” a respeito das mesmas e, ainda, sem ser controlada/fiscalizada na respetiva execução;
• a independência no que concerne ao desenvolvimento de atividade jornalística paralela, em benefício de terceiros, e económica (daquela para si adveniente);
• o enquadramento fiscal e regime contributivo que lhe vem sendo aplicado.
A liberdade de definição do lugar e dos horários conexiona-se com o facto índice enunciado nas alíneas a) e c) do Art.º 12º.
Provou-se que a atividade é normalmente exercida nas instalações da R. e que a atividade compreende as tarefas de produção de conteúdos – pesquisa de temas e convidados, convites, elaboração do guião das entrevistas, recolha de materiais- e escrita e gravação da voz off da peça inicial, edição e recolha de imagens, o qual é desenvolvido com o auxílio do arquivo da R. que se encontra nas respetivas instalações.
De entre estas tarefas afigura-se-nos que apenas esta última carece, para ser executada, do recurso às instalações da R.. Relativamente às demais não se vê obstáculo a que possam ser executadas fora de tais instalações, o que ocorrerá numa situação de autonomia do prestador.
É certo que se afirma que a prestadora é livre de preparar o programa onde lhe for mais conveniente. Porém, o que releva aqui é a prática e essa revela a preparação nas instalações da R..
Não se vê, pois, que tal prática seja reveladora de uma situação de real autonomia no exercício da função.
Quanto aos horários, provou-se que nem o horário da gravação do programa depende da sua vontade, nem o horário das reuniões semanais. Tais horários são fixos, considerada a necessidade de garantir a disponibilidade do estúdio. Mas é claro que a prestadora não tem um qualquer horário de trabalho antecipadamente definido, resultando a necessidade de observância daquelas horas das próprias necessidades do serviço. Daí que se compreenda a sentença quando se reporta a um preenchimento não inequívoco da alínea c) do Art.º 12º. Mas já não quando afirma a liberdade da prestadora na definição dos horários em que são realizadas as atividades de preparação, pois, como revela o acervo fático há dias e períodos de tempo bem definidos para as gravações, e dias específicos para ultimar a preparação do programa e para reuniões semanais com a equipa. Como dali emerge a prestadora tem de apresentar as suas tarefas prontas semanalmente, às quintas-feiras, no período da tarde. Daí que o circunstancialismo em referência não seja, só por si, apto a convencer da autonomia no exercício da atividade.
Avança a sentença com o argumento da autonomia na realização das tarefas.
É certo que a prestadora não recebe ordens ou instruções de quem quer que seja. Porém, também o é que as tarefas lhe são distribuídas pela coordenadora, que esta avalia e orienta o seu trabalho, assegurando-se da fidedignidade e confiabilidade do que vai ser emitido. Ou seja, a responsabilidade dos conteúdos não é da prestadora. Não pode, pois, afirmar-se a completa autonomia na realização das tarefas que lhe estão acometidas e muito menos a ausência de fiscalização. Também não inculca no sentido de uma verdadeira e efetiva autonomia a circunstância de ter que comunicar sempre que não pode garantir a sua prestação. Isto é, desempenha uma atividade; não vende um produto acabado.
Terceiro argumento constante da sentença – a possibilidade de desenvolvimento de atividade paralela. Aqui sim, há prova de a prática assim se desenvolver, pois, a prestadora já recusou o alargamento do objeto da sua atividade por estar a desempenhar atividade para outra entidade.
Por último, o enquadramento fiscal e o regime contributivo.
Relativamente a estes indícios, os mesmos não assumem peso algum no contexto da relação, pois não se prova que tenham decorrido de uma manifestação de vontade da prestadora, não se olvidando que a atividade vem sendo exercida sob a capa de contratos de prestação de serviço.
Concluindo, não nos parece, assim, que a factualidade que, na equação da sentença, assumiu preponderância para a conclusão aqui em causa, tenha a virtualidade de convencer da autonomia no exercício da prestação.
Ainda se dirá que, tal como afirmado pelo Apelante, é patente a existência de subordinação jurídica.
A subordinação jurídica consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem
A subordinação jurídica é condição essencial da existência de contrato de trabalho, assumindo-se que, dada a dificuldade em caracterizá-la, é necessário o recurso a indícios reveladores da mesma.
Entre estes indícios os elencados pelo Apelante, a saber, a titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho, o local de trabalho, o modo de cálculo da remuneração, a inserção numa estrutura organizativa, o carater duradouro da prestação…
Tudo indícios bem patentes na relação que se nos perspetiva.
Desde logo, a prestação regular da atividade de jornalista desde 2020, prestação que ocorre nas instalações da R. e com recurso a equipamentos desta.
Concorda-se com a Apelada quando afirma que não assumem qualquer significado as circunstâncias ligadas ao modo de execução da atividade quando tal particular modo de execução for imposto pela própria natureza dessa atividade.
Refere a mesma que é precisamente o que ocorre no caso sub judice, relativamente ao local de execução dos serviços contratados à Prestadora e à utilização de alguns equipamentos da Recorrida, pelo que estes supostos indicadores não têm valor indiciário e, como tal, não suportam a atuação da presunção prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho.
Provou-se que a prestadora é jornalista apresentadora de um determinado programa televisivo, competindo-lhe exercer as tarefas de produção de conteúdos – pesquisa de temas e convidados, convites, elaboração do guião das entrevistas, recolha de materiais- e escrita e gravação da voz off da peça inicial, edição e recolha de imagens, o qual é desenvolvido com o auxílio do arquivo da R. que se encontra nas respetivas instalações.
De entre estas tarefas afigura-se-nos que apenas esta última carece, para ser executada, do recurso às instalações da R.. Relativamente às demais não se vê obstáculo a que possam ser executadas fora de tais instalações, o que ocorrerá numa situação de autonomia do prestador.
Quanto aos equipamentos utilizados, todos eles pertença da R., também não vemos que o computador ou o vestuário tenham, necessariamente, que pertencer a esta. Assim, pertencendo, como se provou, este é mais um forte indício de subordinação.
Não se subscreve, pois, a afirmação da Apelada segundo a qual no caso dos autos, os supostos indícios da existência de um contrato de trabalho relacionados com o local de execução e com a utilização de equipamentos/instrumentos de trabalho não assumem qualquer relevância para efeitos de qualificação da relação estabelecida entre a Recorrida e a Prestadora, pois estão em causa circunstâncias ou caraterísticas que são impostas pela natureza dos serviços prestados e pelo fim próprio do destinatário da prestação, sendo certo que, para além disso, a Prestadora pode realizar uma parte substancial da sua atividade fora das instalações da Ré.
É certo que se provou a liberdade de a prestadora preparar o programa onde lhe for mais conveniente. Mas o certo é que a preparação ocorre normalmente nas instalações da Recordª usando os equipamentos e instrumentos desta.
Acresce o pagamento da retribuição. O que muito claramente se prova é que a prestadora recebe como contrapartida da sua atividade a quantia mensal de 1.200,00€. Ou seja, a quantia paga é assumida como contrapartida da atividade prosseguida, é prestada periodicamente e é certa. Contrariamente ao que defende a Recrdª nada indicia tratar-se de uma avença.
Tal como alegado pelo Apelante a possibilidade de a trabalhadora poder organizar de forma livre e autónoma o seu trabalho não tem a potencialidade de ilidir a presunção, pois o que se verifica na prática é que tal possibilidade não é assumida pelas partes contratantes.
A autonomia técnica de que beneficia, espelhada no ponto 14, não conflitua nem com a presunção, nem com a existência de subordinação jurídica. O mesmo se dizendo da circunstância de não estar a prestadora vinculada a registar os seus tempos de trabalho ou mesmo de não estar sujeita a exclusividade.
Concluindo: Os autos não revelam, de forma alguma, um exercício autónomo. Antes evidenciam, mesmo para além da presunção, a inserção na organização da R. e a sujeição à sua autoridade. Ambas bem patentes na distribuição de tarefas, orientação e avaliação do trabalho (ponto 25), e ainda na atividade que ladeia o exercício respetivo (ponto 9).
O CT evoluiu no sentido da valorização da inserção numa organização em detrimento da precedente noção acoplada ao poder diretivo. É assim que no Art.º 11º se define contrato de trabalho como aquele em que uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra no âmbito de organização e sob autoridade desta. E assim será a inserção numa organização alheia, com submissão à respetiva autoridade, o elemento distintivo5. Ou seja, o “elemento chave de identificação do trabalho subordinado há-de, pois, encontrar-se no facto de o trabalhador não agir no seio de uma organização própria, antes se integrar numa organização de trabalho alheia, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios…, o que implica, da sua parte, a submissão às regras que exprimem o poder de organização do empregador”6. Situação evidenciada no caso concreto.
Com o que não pode deixar de se concluir que estamos em presença de um contrato de trabalho tal como o mesmo é definido no Art.º 11º do CT.
Procede a apelação.
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As custas da apelação são da responsabilidade da R., que ficou vencida (Art.º 527º do CPC).
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a sentença e declarar a existência de contrato de trabalho entre AA e a Ré, Rádio Televisão Portuguesa, S.A., desde 30 de novembro de 2020 até ao presente.
Custas pela R..
Notifique.
Lisboa, 28/05/2025
MANUELA FIALHO
CELINA NÓBREGA
FRANCISCA MENDES
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1. Sem que tenha sido interposto recurso
2. Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Almedina, 51
3. José Lebre de Freitas, ob. cit., 434
4. Proc.º 182/14.4TTGRD
5. Neste sentido, António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 18.ª ed., Almedina, 133-134
6. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 22ª Ed., Almedina, 140