INVENTÁRIO
OMISSÃO DE CITAÇÃO DE CREDOR
NULIDADE SECUNDÁRIA
REGIME DE ARGUIÇÃO
Sumário

I - A falta de citação de credor em processo de inventário não configura uma nulidade principal, sendo antes e apenas passível de integrar uma nulidade secundária, à qual se aplica, designadamente, o regime previsto no citado art. 195.º e 199.º do Cód. Proc. Civil.
II - Os recursos destinam-se a obter, pelo tribunal ad quem, a reapreciação das decisões proferidas pelo tribunal a quo.
III - Estando em causa nulidades atinentes à tramitação processual – erro de procedimento –, as mesmas têm que ser arguidas perante o tribunal a quo, e por este decididas, sendo então dessa(s) decisão(ões) que aprecia(m) e decide(m) sobre a (in)existência e procedência ou improcedência da arguida nulidade que pode ser interposto recurso.
IV - Não tendo determinada questão sido apreciada em nenhuma das decisões recorridas, não pode ser suscitada pela primeira vez por meio de recurso, nem conhecida pelo tribunal ad quem no âmbito do recurso interposto.

Texto Integral

Processo: 224/17.1T8GDM-A.P1

Sumário:

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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

AA intentou em 16-05-2017 contra BB processo de inventário para partilha dos bens comuns do dissolvido casal, que correu termos inicialmente em Cartório Notarial e que, na sequência de requerimento das partes e despacho de remessa do processo para tribunal proferido pela Sr.ª Notária em 07-12-2020, passou a correr termos, a partir de 17-03-2021, no Juízo de Família e Menores de Gondomar – Juiz 3, por apenso ao processo de divórcio aí intentado, no qual havia sido proferida em 15-03-2017 sentença homologatória de divórcio por mútuo consentimento, declarando dissolvido o casamento que as partes haviam celebrado, sob o regime de comunhão de adquiridos, em 24-06-2000.

Nos termos dos despachos proferidos em 24-03-2021 e de 27-04-2021, a tramitação do processo no tribunal passou a seguir o regime do inventário previsto no Cód. Proc. Civil, na redação dada pela Lei n.º 117/2019 de 13 de setembro.

Em 30-11-2021 o cabeça de casal AA apresentou relação de bens atualizada, da qual constam relacionados, no que aqui releva:

Ativo

Bem imóvel

Verba n.º 11

Fracção autónoma designada pela letra “R”, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, situado na freguesia ..., no Gaveto da Avenida ..., ... e Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº. ... – freguesia ... (…) com o valor patrimonial tributário de 158.717,00 €.; a que se atribui igual valor para efeitos deste Inventário, cfr artº 26º, nº 2 do RJPI.

Sobre a supra identificada fracção incide um ónus de Hipoteca Voluntária, a favor do Banco 1... PLC, agora “Banco 2..., S. A.”, para garantia de empréstimo contraído pelo Cabeça de Casal e Requerida para financiar a aquisição daquela fracção autónoma, cujo montante máximo assegurado é de 182.901,00 €.

(…)

PASSIVO

II . DÍVIDAS (nº 2 do artº 26º do RJPI)

Verba N.º 1

Montante em dívida ao agora “Banco 2..., S.A”, anteriormente “Banco 1...”, na data de 19.Janeiro.2017, em decorrência do crédito hipotecário contraído para a aquisição da casa que foi da morada da família, acima identificada na Verba Nº. 11, cujo valor era de 122.118,10 €

Verba N.º 2

Montante em dívida ao agora “Banco 2..., S.A”, anteriormente “Banco 1...”, na data de 19.Janeiro.2017, em decorrência de utilização de cartão de crédito 168,39 €

Em 20-01-2022 foi proferido pelo tribunal recorrido despacho em que, além da delimitação das questões suscitadas na reclamação à relação de bens apresentada pela interessada BB carecidas de decisão e indicação de data para a produção dos meios de prova arrolados, foi decidido o seguinte:

«(…) 5 – no tocante à quantia de €45.935,84, acusada pela interessada no requerimento de fls. 576, trata-se de questão extemporânea, para além de se reportar a data anterior à da entrada da petição de divórcio, 19.01.2017, que é a que releva para o efeito da partilha (a este propósito verifica-se que o cabeça-de-casal alega no requerimento de fls. 609, que tal quantia terá integrado a conta relacionada como verba nº 4 – quanto a esta, a interessada pretende, a fls. 99, art.º 19º, que o saldo se reporte a 01.01.2017, data, porém, igualmente anterior à da petição de divórcio).

6 – quanto às invocadas dívidas por condomínio e animais, posteriores à data da petição inicial de divórcio, tais questões não serão consideradas nesta sede de inventário. (…)».

Em 23-12-2022 foi proferida decisão sobre a reclamação à relação de bens apresentada pela interessada BB (decisão essa com objeto alheio ao imóvel relacionado na Verba n.º 11 do Ativo e ao Passivo relacionado, que não foram objeto de qualquer impugnação), sobre o pedido deduzido pelo cabeça de casal de condenação da interessada como litigante de má fé e sobre a sonegação de bens por parte da interessada arguida pelo cabeça de casal.

Nesse despacho foi ainda ordenada a notificação das partes para proporem a forma à partilha.

Em 18-01-2023 a interessada BB interpôs recurso da decisão proferida em 23-12-2022, tendo o cabeça de casal AA interposto recurso subordinado.

Por Acórdão deste Tribunal da Relação de 30-05-2023, confirmado por Acórdão do STJ de 16-11-2023 (apenso 224/17.1T8GDM-C.P1), foi julgado improcedente o recurso subordinado interposto pelo cabeça de casal AA e parcialmente procedente o recurso independente interposto pela interessada BB, tendo sido revogada a decisão apelada no segmento em que considerou ter aquela interessada sonegado a existência de conta de depósitos e em que determinou que a parte do saldo que em tal conta lhe caberia fosse perdida em benefício do cabeça-de-casal.

Tal apenso de recurso desceu à primeira instância em 11-12-2023.

Tendo tal recurso sido admitido com efeito devolutivo, na pendência do mesmo foi proferido, em 09-03-2023, despacho a determinar a forma à partilha e a designar data para a realização da conferência de interessados, a qual se iniciou em 13-04-2023, com continuação em 11-05-2023 e conclusão em 28-05-2024.

Na sessão da conferência de interessados que se realizou em 28-05-2024 foi efetuada a adjudicação dos bens relacionados às partes, uns por acordo, outros por licitação e outros por sorteio, tendo o tribunal aí determinado “a notificação dos interessados para os fins previstos no art. 1120.º, n.º 1 do C.P.C, para no prazo de 20 dias, apresentarem proposta do mapa de partilha.

Em 17-06-2024 as partes apresentaram proposta de forma à partilha:

– A interessada BB (citius ref. 39362252; doc. REFª: 49224269) indicando como valor total dos bens a partilhar o montante de € 291.627,48 (correspondente ao valor do ativo – aí indicado como sendo de € 413.913,97 – menos a totalidade do passivo – aí indicado como sendo de € 122.286,49, correspondente à soma do passivo de utilização de cartão de crédito de € 168,39 com o passivo hipotecário de € 122.118,10), sendo as quotas de cada interessado de metade desse valor (€ 145.813,75), elencando o preenchimento das meações de acordo com os bens adjudicados – à interessada BB bens no valor de € 270.955,40 e ao cabeça de casal AA bens no valor de € 20.672,09, indicando como tornas a pagar pela interessada ao cabeça de casal, por excesso de bens adjudicados, o valor de € 125.141,66.

– O cabeça de casal AA (citius ref. 39362453; doc REFª: 49225369) indicando que o valor dos bens adjudicados ao cabeça de casal é de € 18.700,92 e o valor dos bens adjudicados à interessada é de € 391,032,83, perfazendo um total de € 409.733,75, indicando como passivo: Verba n.º 2 (€ 168,39) + Verba 11 – crédito hipotecário.

Apresentou aí ainda o seguinte requerimento: «(…) Não obstante a aprovação do passivo hipotecário, a verdade é que conforme ata de conferência de divorcio de fls… a responsabilidade pela amortização do pagamento ficou a cargo da interessada, até à partilha.

O que significa, em bom rigor, mais não seja para operar a compensação, deverá ser oficiado o Banco 2... para certificar o valor atualmente em dívida do crédito hipotecário relativo à verba 11, o que se requer a v/ exa. (…)».

Conclui indicando que «(…) deverão ser adjudicados aos interessados os bens do ativo conforme licitações e sorteios efetuados em sede de conferência de interessados, do qual resultam tornas a favor do cabeça de casal (…)» e que «(…) às referidas tornas deverá ser deduzido metade do valor do credito hipotecário em vigor à data da sentença de partilha, o que se Requer.»

Em 24-06-2024 o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

Requerimento da interessada, REFª: 49224269/

Requerimento do cabeça-de-casal, REFª: 49225369:

A diligência requerida pelo cabeça-de-casal (respeitante a ofício ao Banco 2...) mostra-se extemporânea na presente fase processual, pelo que vai indeferida.

Assim, nos termos do art.º 1120º nº 2 do CPC, determina-se que a secção proceda a elaboração do mapa de partilha de acordo com o proposto pela interessada, por se mostrar conforme aos critérios estipulados nos nº s 3 e 4 do citado preceito legal.

DN.

Em 24-07-2024 foi inserido no processo o Mapa da Partilha datado de 23-07-2024, com o seguinte teor:

BENS A PARTILHAR:



ATIVO

(valores constantes da relação de bens e corrigidos em consonância
com o valor resultante das licitações)
1. Direitos de crédito, Títulos de crédito e Dinheiro
Verba nº. 2 (dois) 4.075,72
Verba nº. 4 (quatro) 15.550,92
Verba nº. 5 (cinco) 34.802,27
Verba nº. 6 (seis) 421,06
2. Móveis sujeitos a registo
Verba nº. 9 (nove) 16.500,00
Verba nº. 10 (dez) 2.600,00
3. Imóvel
Verba nº. 11 (onze) 330.000,00
4. Outras Coisas Móveis
Verba nº. 7 (sete) (habitação de chaves ) 1.285,00
Verba nº. 8 (oito) (habitação de ... ) 8.679,00 € 413.913,97 €
Sub/total 413.913,97
PASSIVO
Verba nº. 1 (um) crédito hipotecário 122.118,10 122,118,10
Verba nº. 2 (dois) decorrência de utilização de cartão crédito 168,39 122.286,49
Total a partilhar --- 291.627,48
OPERAÇÕES DA PARTILHA SEGUNDO DESPACHO DETERMINATIVO:
Ao valor a partilhar, abate-se o passivo e, o valor obtido, divide-se em duas partes iguais, cabendo cada uma delas a cada um dos interessados. -
O Cabeça de casal AA, recebe: De meação -145.813,74
A Interessada BB, recebe: De meação - 145.813,74
E nesta conformidade e de harmonia com a Acta de Conferência de Interessados de 28 de Maio de 2024, e do despacho de 4 de Julho de 2024, dão-se os seguintes

PA G A M E N T O S:
Á interessada - BB, foi-lhe adjudicado por licitação, as seguintes verbas:
Imóvel
Verba n.º 11 (onze)

Verba nº. 11 (onze)
207.881,90 € 207.881,90
Outros Bens móveis
Verba nº. 8 (oito) - escritório
694,00 €
Verba nº. 8 (oito) Terraço e Sala180,00 €
Verba nº. 8 (oito) Terraço cozinha640,00 €
Verba nº. 8 (oito) WC Preta 75,50 €
Verba nº. 8 (oito) WC entrada 57,00 €
Verba nº. 8 (oito) Lavandaria126,00 €
Verba nº. 8 (oito) Suite225,00 €
Verba nº. 8 (oito) Quarto branco147,00 €
Verba nº. 8 (oito) Sala 2.744,00 €
Verba nº. 8 (oito) WC suite 30,50 €
Verba nº. 8 (oito) Hall de entrada320,00 €
Verba nº. 8 (oito) Garagem240,00 €
Verba nº. 8 (oito) Cozinha907,50 €
Verba nº. 7 (sete) Habitação de Chaves410,00 € 6.796,50
Sub/total --- 6.796,50
Á interessada - BB, foi-lhe adjudicado por acordo, as seguintes verbas:
Verba nº. 2 (dois) metade (PPR) 2.037,86 €
Verba nº. 5 (cinco) 34.802,27 €
Verba nº. 6 (seis) 421,06 €
Verba nº. 9 (nove) 16.500,00 €
Verba nº. 10 (dez) 2.600,00 €
Verba nº. 2 (dois) do passivo / metade -84.195 € 56.276,995
Sub/total --- 56.276,995
T o t a l - - - 270.955,395
Recebeu bens no montante de: 270.955,395 €
O seu quinhão é de: 145.813,74 € 125.141,655
Pelo que excede em: 125.141,655
Pelo que, paga tornas ao Cabeça de casal AA, no montante de:125.141,655
Fica ainda responsável pelo pagamento da verba nº. 1 (um) do passivo, no montante de:122.118,10
E ainda, por metade da verba nº2 (dois) do passivo, no montante de:84,195
FICANDO, ASSIM, PAGO
Ao Cabeça de casal AA, foi-lhe adjudicado por licitação, as seguintes verbas:
Outros Bens Móveis
Verba nº. 8 (oito) - Escritório 80,00
Verba nº. 8 (oito) Terraço e Sala 80,00
Verba nº. 8 (oito) Terraço cozinha 50,00
Verba nº. 8 (oito) Suite 105,00 €
Hall dos quartos 50,00
Verba nº. 8 (oito) Quarto branco 10,00
Verba nº. 8 (oito) - Sala 1.132,00
Verba nº. 8 (oito) Hall de entrada 545,00
Verba nº. 8 (oito) - Garagem 1.00
Verba nº. 8 (oito) - Cozinha 239,50
Verba nº. 7 (sete) Habitação de Chaves 875,00 3.167,50
Sub/total - - - 3.167,50
Ao Cabeça de casal AA, foi-lhe adjudicado por acordo, as seguintes verbas:
Verba nº. 2 (dois) metade (PPR) 2.037,86
Verba nº.4 (quatro) 15.550,92
Verba nº. 2 (dois) do passivo / metade -84.195 17.504.585
Total - - - 20.672,085
Recebeu bens no montante de: 20.672,085
O seu quinhão é de: 145.813,74
Pelo que, recebe tornas da Interessada - BB, no montante de:125.141,655
Fica ainda responsável pelo pagamento, de metade da verba nº2 (dois) do passivo, no montante de:84,195

Gondomar, 2024-07-23

Em 03-09-2024 foi efetuada a notificação eletrónica às partes do mapa de partilha.

Em 19-09-2024 o cabeça de casal AA apresentou reclamação contra o mapa de partilha, alegando, em síntese, a falta de citação do credor hipotecário Banco 2... para se pronunciar relativamente ao valor em dívida e quanto à aprovação do passivo, nos termos do artigo 1088.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, e a omissão do cumprimento na conferência de interessados realizada do disposto no art. 1111.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil (deliberação sobre o passivo e forma do seu pagamento).

Alega que o valor do crédito hipotecário a considerar no Mapa da Partilha não pode ser o montante de € 122.118,10 aí indicado, que se reporta ao valor do débito em 19-01-2017, data da entrada em juízo da petição inicial do processo de divórcio, mas sim o valor do crédito hipotecário à data do Mapa de Partilha ou da Conferência de Interessados e da adjudicação da verba n.º 11 do ativo, devendo para tanto ser citado o Banco 2... para informar e documentar o montante atual do crédito hipotecário, que é o que deve ser considerado no Mapa de Partilha, atento o acordo efetuado entre as partes no processo de divórcio (Ata da tentativa de conciliação de 15-03-2017) quanto à atribuição à interessada BB da casa de morada de família (verba 11) até a venda ou partilha mediante a assunção por esta da prestação integral do crédito ao banco.

Alega que por força do valor excessivo do passivo abatido ao valor da Verba n.º 11 considerado no mapa de partilha, recebe menos tornas que as que lhe serão devidas se se considerar o atual valor do crédito hipotecário, dados os pagamentos das prestações entretanto efetuados.

Concluiu requerendo:

a) A citação do Banco 2..., S. A., na qualidade de credor do crédito hipotecário a que se refere a Verba nº. 1 do Passivo, nos termos e para os efeitos do nº. 2 do art. 1088.º do Cód. Proc. Civil e para “documentar aos autos o valor do seu crédito hipotecário à data da Conferência de Interessados e da adjudicação da verba nº. 11 do Activo ou à data do Mapa de Partilha de fls… ou seja à data relevante para a Partilha”;

b) Subsidiariamente, a notificação do cabeça de casal para “juntar aos autos Documento idóneo a obter junto do Banco 2... comprovativo do valor actual do sobredito crédito hipotecário, da verba nº. 1 do passivo”;

c)Em qualquer caso, seja alterado / corrigido, posteriormente, o Mapa de Partilha - de que aqui se reclama – no sentido de passar a constar na verba nº. 1 do Passivo, em vez do valor de 122.118,10, reportado ao credito hipotecário na data de 17 de janeiro de 2017, o montante desse crédito hipotecário na presente data, com as legais consequências, nomeadamente a alteração/correcção das operações de pagamento ínsitas no Mapa de Partilha, com directos reflexos na alteração do valor de 207.881,90€ que consta como valor da adjudicação da verba nº 11 por 330.000,00€ deduzido do pagamento do passivo a cargo da Interessada e alteração/correcção do valor das Tornas a pagar pela Interessada ao Cabeça de Casal.

Em 30-09-2024 a interessada BB pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.

Em 24-09-2024 o cabeça de casal AA apresentou requerimento de interposição de recurso de apelação do despacho determinativo da forma da partilha.

Em 10-10-2024 o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

Reclamação do mapa da partilha apresentada pelo cabeça-de-casal em 19.09.2024 (a que se opõe a interessada em 30.09.2024):

Não obstante o teor das doutas considerações expendidas pelo cabeça-de-casal, a reclamação do mapa da partilha destina-se a assinalar qualquer erro material ou desconformidades entre o mapa e o despacho determinativo da partilha. Outras questões, como as suscitadas, deverão ser alvo de impugnação no âmbito do recurso da sentença homologatória da partilha, nos termos do disposto no art.º 1123º nº 5 do CPC.

Consequentemente, porque não é apontada nem se divida desconformidade entre o mapa e o despacho determinativo da partilha, indefere-se a reclamação apresentada.

Notifique.

Em 31-10-2024 o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho e sentença:

Por ser extemporâneo o recurso interposto em 24.09.2024 pelo cabeça-de-casal, referente ao despacho determinativo da partilha, à luz do disposto no art.º 1123ºnº s 2 al. c) e 5 do CPC, não se admite o mesmo (art.º 641º nº 2 al. a) do CPC).


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Nestes autos de inventário para partilha subsequente a divórcio em que é requerente e cabeça-de-casal AA e requerida BB, nos termos do art.º 1122º nº 1 do Código de Processo Civil, homologo, por sentença, a partilha constante do mapa de 23.07.2024, que aqui se dá por integralmente reproduzida, adjudicando aos interessados os quinhões que ali lhes foram aformalados, respectivamente, mais os condenando no pagamento do passivo, nos termos acordados.

Custas pelos ex-cônjuges, na proporção de metade - art.º 1130º.

Notifique e registe.

Em 04-11-2024 foi efetuada a notificação eletrónica às partes de tal decisão.

Inconformado, o cabeça de casal AA apresentou recurso de apelação da sentença homologatória da partilha e do despacho determinativo da partilha, concluindo, no essencial:

(…)

B) O Recorrente não se conforma com o despacho determinativo da partilha e com o Mapa de Partilha que foi elaborado, razão pela qual reclamou, em 19/09/2024 do mapa de partilha e em 24/09/2024 apresentou recurso contra o despacho determinativo da partilha. (…)

D) O objeto recursivo tem como causa o valor que o tribunal a quo, em sede de mapa de partilha, considera ser o valor do passivo comum hipotecário, o qual foi fixado em €122.118,10€.

E) O Mapa de Partilha não pode manter-se uma vez que se encontra inquinado pela preterição, por parte do Tribunal a quo, da formalidade de citação do credor hipotecário – Cfr. artigo 1088.º do Código de Processo Civil – e da falta de notificação para a audiência previa e conferencia de interessados. Cfr. Artigo 1111.º3 do Código de Processo Civil. (…)

G) O facto de nenhum dos interessados ter impugnado a existência e natureza do passivo hipotecário – relacionado como tal na relação de bens apresentada em 2017, ainda quando os presentes autos corriam termos no cartório notarial – não obviava à necessidade de se proceder à sua citação e posterior notificação para certificar e atualizar o montante do passivo comum à data da partilha.

H) Foi, assim, cometida uma nulidade, que se deixa expressamente arguida e que inquina a sentença homologatória de partilha, razão pela qual deve a mesma ser anulada e ser determinada a citação do credor hipotecário, nos termos e para os efeitos do artigo 1088.º do Código de Processo Civil e a sua notificação para certificar o valor do passivo hipotecário, à data da partilha.

I) A falta de citação do credor hipotecário e a consequente falta de notificação do mesmo para os subsequentes atos processuais motivou a que, no mapa de partilha agora homologado, o valor do passivo hipotecário que foi aritmeticamente subtraído ao valor pelo qual o imóvel hipotecado foi adjudicado à Recorrida correspondesse ao valor do passivo à data de 13/01/2017 e não à data atual. (…)

K) Resultando dos autos que o valor da verba 1 do passivo corresponde ao valor em dívida que existia à data do divórcio – Cfr. Relação de bens elaborada pela secretaria a 09/05/2023 – e não ao valor atualmente em dívida, atenta a falta de Citação e notificação do credor hipotecário para tal efeito, tal significa que o cabeça de casal, por força do Mapa de Partilha elaborado nestes autos, acabará, na prática, por reembolsar à Recorrida as amortizações do crédito hipotecário que esta efetuou – e que são da sua exclusiva responsabilidade, fruto do acordo alcançado em sede de divórcio.

L) Uma vez que o cálculo das tornas que foi efetuado deduziu ao valor da verba 11 do ativo (€330.000,00, fruto da adjudicação à interessada) o valor do passivo hipotecário (verba 1 do passivo) que existia à data do divórcio e não o valor que se encontra em dívida à data – necessariamente menor, fruto das amortizações efetuadas, até à data, pela Recorrida.

M) O que significa que das operações de partilha efetuadas no mapa de partilha agora homologado o aqui Recorrente sairá prejudicada em sede de tornas a receber – e beneficiada a Recorrida, uma vez que:

• Permite considerar, para efeitos de dedução ao valor do ativo, um valor de passivo (verba 1) desatualizado face à notória e progressiva amortização do crédito bancário que sucedeu desde a data da separação até à partilha, o que viola o disposto nos artigos 1088.º e 1111./º3 do CPC;

• Responsabiliza o Recorrente por aquilo que é uma dívida própria da interessada, correspondente à responsabilidade que a mesma assumiu de amortizar integralmente o crédito bancário desde a data da separação até à partilha, a título de contrapartida utilização exclusiva da casa de morada de família.

N) Importa revogar a sentença homologatória de partilha e o despacho determinativo da partilha, devendo os autos prosseguir para a citação do credor hipotecário Banco 2... e sua notificação para apresentação do passivo hipotecário atualizado à data da conferencia de interessados, após o que deverá se retificado o Mapa de Partilha, no que diz respeito ao valor do passivo hipotecário, em conformidade com a informação bancária.

O) O Tribunal a quo incorreu, entre outras, na violação dos artigos 1088.º e do 1111.º 3 do Código Processo Civil.

Na procedência do recurso, requer a anulação da sentença homologatória de partilha e do despacho determinativo da partilha e o prosseguimento dos autos para a citação do credor hipotecário e sua notificação para informar o valor atualizado do passivo hipotecário à data da partilha.

A interessada BB apresentou resposta, concluindo pela improcedência do recurso e manutenção da sentença homologatória da partilha e do despacho determinativo da partilha.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II – Objeto do recurso

Sendo as conclusões das alegações de recurso que – exceto quanto a questões de conhecimento oficioso – delimitam o objeto e âmbito do recurso, nos termos do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil, são as seguintes as questões suscitadas pelo apelante no recurso interposto:

1. Nulidade consistente na omissão da citação do credor hipotecário nos termos do n.º 2 do art. 1088.º do Cód. Proc. Civil e para os ulteriores termos processuais, geradora da anulação do despacho determinativo da partilha e da sentença homologatória da partilha.

2. Indevida consideração no despacho determinativo da partilha e no mapa de partilha do valor do passivo hipotecário à data do divórcio.

III – Fundamentação

De facto

A matéria de facto relevante para a apreciação do recurso é a referida no relatório que antecede e ainda a seguinte:

1 – Em 19-01-2017 AA intentou ação de divórcio sem consentimento contra BB, que correu termos no Juízo de Família e Menores de Gondomar - Juiz 3, sob o n.º 224/17.1T8GDM.

2 – Nessa ação foi obtida, em 15-03-2017, acordo das partes para a conversão em divórcio por mútuo consentimento, tendo sido acordado, além do mais, quanto à cada de morada de família, que «(…) a mesma fica atribuída ao cônjuge mulher até à venda ou partilha, mediante a assunção por esta da prestação integral do crédito ao banco.», tendo sido proferida, nessa data, sentença homologatória dos acordos a que se refere o artº 1775º do C. C. e decretado o divórcio entre as partes AA e BB.

Análise dos factos e aplicação da lei

São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar:
1. Arguição de nulidade por falta de citação de credor
1.1. Natureza da nulidade arguida
1.2. Inadmissibilidade da arguição/conhecimento da nulidade em sede de recurso
1.3. Prazo para arguição da nulidade perante o tribunal a quo
2. Indevida consideração na partilha do valor da verba 1 do passivo
2.1. Data relevante para efeitos de partilha
2.2. Preclusão da possibilidade de alteração do valor do passivo já reconhecido
3. Responsabilidade pelas custas

1. Arguição de nulidade por falta de citação de credor

Resulta do processado que o cabeça de casal aqui apelante, na Relação de Bens apresentada, relacionou como Verba 1 do Passivo “Montante em dívida ao agora “Banco 2..., S.A”, anteriormente “Banco 1...”, na data de 19.Janeiro.2017, em decorrência do crédito hipotecário contraído para a aquisição da casa que foi da morada da família, acima identificada na Verba Nº. 11, cujo valor era de 122.118,10 €”, não tendo tal verba sido objeto de qualquer impugnação por parte da interessada reclamante, pelo que a mesma se considera reconhecida, quanto ao cabeça de casal e quanto à interessada, nos molde em que foi relacionada (art. 1106.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, aqui aplicável ex vi n.º 2 do art. 1084.º do Cód. Proc. Civil) – cfr. Ac. TRL de 05-12-2024, proc. 378/21.2T8LSB-B.L1-2.

Pretende o apelante que este tribunal de recurso conheça e declare a nulidade consistente na omissão da citação do credor hipotecário Banco 2..., da qual – alega o mesmo – só se apercebeu “aquando do estudo do mapa de partilha após a conferência de interessados.” Tal arguição de nulidade por parte do aqui apelante tem como objetivo, como emerge claramente das próprias alegações de recurso, a obtenção da alteração – diminuição – do valor da Verba 1 do Passivo, que havia sido oportunamente relacionada, que não foi impugnada e que, por conseguinte, foi reconhecida, tendo subsequentemente sido considerada, em conformidade com tal reconhecimento, no mapa de partilha de 23-07-2024.

No caso em análise, não obstante o processo de inventário ter sido intentado em cartório notarial, passou a correr termos no tribunal a partir de 17-03-2021, tendo passado a seguir o regime do inventário previsto no Cód. Proc. Civil, na redação dada pela Lei n.º 117/2019, de 13/09.

No âmbito dessa tramitação, o tribunal a quo, na sequência da apresentação pelo cabeça de casal em 30-11-2021 da relação de bens atualizada (face ao que a interessada apresentou em 13-12-2021 novo requerimento de reclamação dessa relação e o cabeça de casal, em 10-01-2022, resposta a tal reclamação), proferiu o despacho de 20-01-2022 no qual se pronuncia sobre algumas das questões suscitadas na reclamação à relação de bens apresentada pela interessada, no exercício do contraditório perante a junção pelo cabeça de casal da referida relação de bens atualizada, e designa data para a produção da prova arrolada pelas partes para ulterior apreciação/decisão das demais questões suscitadas.

Ora, na Relação de Bens atualizada apresentada pelo cabeça de casal em 30-11-2021 foi efetuada, na Verba 1 do Passivo aí relacionada, a devida identificação do credor titular do crédito hipotecário para aquisição do imóvel relacionado sob a verba n.º 11: o Banco 2..., S.A..

Dispõe o art. 1088.º do Cód. Proc. Civil nos seguintes termos:

Artigo 1088.º

Titulares de encargos da herança

1 – Mesmo que os encargos da herança não tenham sido relacionados pelo cabeça de casal, os titulares ativos podem reclamar os seus direitos até à conferência de interessados.

2 – Os titulares ativos de encargos da herança são citados com a advertência de que devem reclamar os seus direitos, sob pena de, tendo sido citados pessoalmente, ficarem inibidos de exigir o seu cumprimento através dos meios judiciais comuns.

Encontra-se prevista nesta norma a citação dos credores titulares de encargos da herança – como tal indicados e identificados na relação de bens (ver arts. 1097.º, n.º 3, al. d), e 1098.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil) – para reclamarem os seus direitos no processo de inventário, devendo tal citação ocorrer previamente à fase do saneamento do processo prevista no art. 1110.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil. Tal é o que resulta da leitura articulada do disposto nos supra referidos artigos 1088.º, n.º 2, 1097.º, n.º 3, al. d), 1098.º, n.º 3, 1100.º, n.º 2, al. a) e 1104.º do Cód. Proc. Civil.

1.1. Natureza da nulidade arguida

A falta de cumprimento do disposto no n.º 2 do art. 1088.º do Cód. Proc. Civil pode ser passível de integrar uma nulidade nos termos previstos no art. 195.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, ou seja, quando deva ocorrer a citação dos titulares de encargos da herança para reclamarem os seus direitos no processo de inventário e a omissão de tal ato possa “influir no exame ou decisão da causa”.

Assim, a falta de citação de credor em processo de inventário não configura uma nulidade principal, sendo antes e apenas passível de integrar uma nulidade secundária, à qual se aplica, designadamente, o regime previsto no citado art. 195.º e 199.º do Cód. Proc. Civil – sobre a qualificação da falta de citação de credor em processo de inventário como nulidade secundária, cfr. Ac. do TRC de 14-05-2015, proc. n.º 2004/10.6TBPBL-B.C1.

Toda a argumentação recursiva do apelante funda-se no pressuposto de que, no caso concreto, tinha que ser efetuada a citação do Banco 2..., S.A., titular do crédito hipotecário para aquisição do imóvel que integra o património comum do dissolvido casal, contrato de empréstimo esse em que ambos são os mutuários, nos termos e para os efeitos dos arts. 1088.º, n.º 2, e 1111.º, n.º 3, ambos do Cód. Proc. Civil.

O passivo relacionado sob a Verba n.º 1 emerge de um contrato de crédito com garantia hipotecária que se encontra em vigor e a ser cumprido. Enquanto tal suceder, o Banco 2..., S.A. é o titular dos direitos emergentes do contrato de crédito celebrado com o cabeça de casal AA e a interessada BB, designadamente, do direito às prestações acordadas para amortização do valor mutuado e remuneração do empréstimo, até ao integral pagamento do valor mutuado acrescido dos juros e demais encargos estipulados, mas não pode exigir/reclamar no inventário o pagamento da quantia de € 122.118,10 (montante de capital em dívida à data da propositura da ação de divórcio que foi relacionado sob a Verba n.º 1 do Passivo), uma vez que resulta da tramitação processual e, em particular, dos termos da própria alegação recursiva do aqui apelante [1] que tal contrato de mútuo hipotecário se encontra a ser pontualmente cumprido pela interessada BB, a qual vem efetuando o pagamento das prestações mensais acordadas desde a data do acordo celebrado por ambos no processo de divórcio em 15-03-2017 (ver ainda o n.º 2 dos outros factos provados).

Face a tal situação, resulta duvidosa a necessidade de cumprimento do disposto no artigo 1088.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil quanto ao credor hipotecário. Não integrando o passivo relacionado uma dívida vencida e exigível, mas apenas o valor do capital mutuado ainda em dívida (na pendência do cumprimento do contrato), nem o Banco 2..., S.A. pode reclamar no processo de inventário o pagamento do passivo relacionado de € 122.118,10, correspondente ao capital em dívida à data de 19-01-2017, num contrato em vigor e cumprimento mediante o pagamento de prestações vincendas, nem é passível de aplicação a advertência cominatória legalmente prevista nesta norma – “sob pena de (…) ficarem inibidos de exigir o seu cumprimento através dos meios judiciais comuns” – à citação do Banco 2..., S.A..

Além desta questão, verificamos ainda o seguinte.

O apelante não visa, com a referida arguição de nulidade, a proteção ou defesa dos direitos/interesses do credor titular ativo do débito sobre o património comum do dissolvido casal relacionado sob a Verba n.º 1 do Passivo, interesses esses subjacentes e protegidos pelo disposto no art. 1088.º do Cód. Proc. Civil, mas sim, através da arguição de tal falta de citação do credor, a obtenção da alteração do valor do passivo por si relacionado, que foi reconhecido e que foi considerado no mapa de partilha elaborado – objetivo esse que, pelos motivos que adiante explicitaremos, sempre será insuscetível de ser alcançado.

Daqui resulta ainda, quanto a nós, atento o disposto no art. 197.º do Cód. Proc. Civil, afastada a legitimidade do apelante para a arguição da nulidade consistente na omissão do cumprimento do art. 1088.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, atentos os interesses protegidos pela referida disposição legal e que ficam prejudicados com a omissão do seu cumprimento (uma vez que, no caso, a citação do credor nunca poderia ser feita com a cominação aí prevista, por inaplicável à dívida relacionada, emergente de contrato de crédito hipotecário em cumprimento).

1.2. Inadmissibilidade da arguição/conhecimento da nulidade em sede de recurso

No caso em apreciação, sendo certo que na reclamação contra o mapa de partilha apresentada em 19-09-2024 pelo cabeça de casal AA este invocou a falta de citação do credor hipotecário Banco 2... para se pronunciar relativamente ao valor em dívida e quanto à aprovação do passivo, nos termos do artigo 1088.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, e invocou ainda a omissão do cumprimento na conferência de interessados realizada do disposto no art. 1111.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil (deliberação sobre o passivo e forma do seu pagamento), fê-lo como fundamento do que aí requereu na al. a): «(…) a) Seja citado o Banco 2..., S. A., na qualidade de credor do crédito hipotecário a que se refere a Verba nº. 1 do Passivo, a fls…, nos termos e para os efeitos do nº. 2 do artº 1.088º do CPC e notificado para documentar aos autos o valor do seu crédito hipotecário em causa nestes autos, à data da Conferência de Interessados e da adjudicação da verba nº. 11 do Activo ou à data do Mapa de Partilha de fls… ou seja à data relevante para a Partilha; ou seja o montante do crédito hipotecário da hipoteca voluntária que incide sobre a fracção autónoma “R”, devidamente identificada nos autos, nomeadamente na verba nº. 11 do Activo da Relação de Bens de 09-05-2023.»

Efetivamente, é só no recurso aqui em apreciação, no qual o apelante refere recorrer também do despacho de 10-10-2024 que indeferiu tal reclamação ao mapa de partilha, que é arguida pela primeira vez, expressamente, a existência de nulidade processual com fundamento na falta da citação do credor com o objetivo de obter a anulação da sentença homologatória da partilha e do despacho determinativo da partilha.

Os recursos destinam-se a obter, pelo tribunal ad quem, a reapreciação das decisões proferidas pelo tribunal a quo. Estando em causa nulidades atinentes à tramitação processual – erro de procedimento –, como aqui sucede com a invocada falta de citação do credor hipotecário como fundamento da nulidade invocada pelo apelante no recurso, as mesmas têm que ser arguidas perante o tribunal a quo, e por este decididas, sendo então dessa(s) decisão(ões) que aprecia(m) e decide(m) sobre a (in)existência e procedência ou improcedência da arguida nulidade que pode ser interposto recurso. Só as nulidades previstas no art. 615.º do Cód. Proc. Civil é que podem ser arguidas em sede de recurso.

Como já referimos, o cabeça de casal só no recurso aqui em apreciação é que argui explicitamente a ocorrência de tal nulidade; não o fez na reclamação apresentada contra o mapa de partilha, na qual invocou tal falta de citação para fundamentar o requerimento aí apresentado de citação do credor para os termos do inventário e para indicar o valor atual do crédito hipotecário, com a finalidade e objetivo de, por meio de tais requerimentos, obter a alteração (diminuição) do valor da verba n.º 1 do passivo a considerar no mapa de partilha.

Ora, a despeito da referência do apelante a que o recurso interposto tem por objeto também o despacho que indeferiu a reclamação contra o mapa da partilha, não há efetivamente recurso deste despacho. O apelante, no recurso aqui em apreciação, nada requer quanto à alteração/revogação do despacho proferido em 10-10-2024, cujo conteúdo se esgota no indeferimento da reclamação apresentada pelo mesmo por o tribunal a quo ter considerado que o aí invocado não consubstancia a arguição de qualquer erro material ou desconformidade entre o mapa e o despacho determinativo da partilha, estando, por conseguinte, a questão suscitada fora do âmbito do objeto da reclamação prevista no n.º 5 do art. 1120.º do Cód. Proc. Civil.

Tal despacho de 10-10-2024 que indeferiu a reclamação contra o mapa de partilha apresentada pelo reclamante não contém qualquer apreciação/decisão sobre a existência de nulidade por falta de citação do credor (que não foi, repete-se, arguida como tal na reclamação contra o mapa de partilha apresentada pelo cabeça de casal).

Por conseguinte, estamos aqui perante uma situação em que só agora, em sede de recurso, o cabeça de casal aqui apelante invoca a existência de uma nulidade processual consistente na falta de citação do credor hipotecário, para obter a anulação de duas outras decisões (despacho determinativo da forma à partilha e sentença homologatória da partilha) distintas do despacho proferido em 10-10-2024 que indeferiu a reclamação apresentada pelo cabeça de casal contra o mapa de partilha, indeferimento esse cujo fundamento (as questões suscitadas na reclamação contra o mapa de partilha não configurarem arguição de erro material ou desconformidades entre o mapa e o despacho determinativo da partilha) não é objeto de impugnação no recurso interposto.

Concluímos, deste modo, pela impossibilidade de apreciação por este tribunal ad quem da arguida irregularidade de falta de citação do credor hipotecário, por a mesma – constituindo irregularidade passível de enquadrar nulidades de procedimento e não de julgamento, não sendo de conhecimento oficioso –, não poder ser arguida por meio de recurso nem, por maioria de razão, aqui apreciada.

1.3. Prazo para arguição da nulidade perante o tribunal a quo

Ainda que assim se não entendesse, e se admitisse encontrar-se contida no requerimento de reclamação contra o mapa de partilha de 19-09-2024 uma arguição implícita de nulidade por falta de citação do credor hipotecário, e que o despacho de 10-10-2024 ao indeferir a reclamação ‘apreciou’, indeferindo, tal arguição implícita, sempre teríamos que concluir pela extemporaneidade de tal arguição perante o próprio tribunal a quo.

Não colhe a argumentação do cabeça de casal de que só após a notificação do mapa de partilha se apercebeu da falta de citação do credor, uma vez que a aludida falta de citação podia/devia ter sido constatada anteriormente: o cabeça de casal dispunha de todos os elementos para poder ter constatado e arguido a omissão da citação do credor por si identificado na relação de bens que apresentou, citação essa que, a dever ser efetuada, deveria ter tido lugar previamente à decisão de saneamento do processo prevista no n.º 1 do art. 1110.º do Cód. Proc. Civil.

Ainda se poderia configurar ser tempestiva a realização de tal citação até à data da realização da conferência de interessados, atento o disposto no n.º 1 do art. 1088.º do Cód. Proc. Civil quanto ao momento até ao qual os titulares ativos de encargos da herança não relacionados pelo cabeça-de-casal – que não é o caso, uma vez que tal relacionamento e indicação do credor foi efetuada pelo cabeça de casal na relação de bens apresentada – os podem reclamar intervindo no processo de inventário. Não obstante, sempre teríamos que concluir pelo esgotamento do prazo para arguição de tal omissão de ato prescrito pela lei na data da realização da conferência de interessados que, de resto, se prolongou por diversas sessões – teve início em 13-04-2023, continuação em 11-05-2023 e conclusão em 28-05-2024 –, nas quais o cabeça de casal esteve sempre presente e representado por mandatário judicial, dispondo, por conseguinte, de todos os elementos para poder ter conhecimento de tal omissão (de citação e de notificação do credor hipotecário para a conferência de interessados) e impondo-se-lhe, em conformidade com o disposto no art. 199.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, a sua arguição na referida diligência, na qual esteve presente.

Considerando, como acima referido, que a falta de citação do credor em processo de inventário nos termos previstos no art. 1088.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil nunca configuraria uma nulidade principal, sendo antes e apenas passível de integrar uma nulidade secundária – nos termos previstos no art. 195.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil –, a possibilidade de arguição e conhecimento da mesma ficou precludida com o decurso do prazo dentro do qual podia ter sido arguida (art. 199.º do Cód. Proc. Civil), pelo que sempre seria de concluir, a entender-se constar e ser admissível tal arguição implícita na reclamação contra o mapa de partilha apresentada pelo cabeça de casal em 19-09-2024 (ou seja, quase quatro meses após o término da conferência de interessados) pela sua manifesta extemporaneidade por falta de arguição no prazo e termos previstos no art. 199.º do Cód. Proc. Civil.

2. Indevida consideração na partilha do valor da verba 1 do passivo

Defende ainda o apelante que o despacho determinativo da partilha não podia ordenar que a secretaria elaborasse o mapa de partilha considerando o valor do passivo da verba n.º 1 de € 122.118,10, por tal valor se reportar à data de 19-01-2017, encontrando-se desatualizado, tendo que ser considerado o valor do crédito hipotecário em dívida ao credor hipotecário à data relevante para a partilha do inventário – ou seja, o valor em dívida “(…) à presente data (...)”, ou “(…) à data do Mapa de Partilha, de 23-07-2024, ou à data da Conferência de Interessados (…)” –, uma vez que, nos termos do acordo efetuado entre as partes na Tentativa de Conciliação dos autos de Divórcio de 15-03-2017, homologado por sentença, ficou estipulada a atribuição da casa de morada de família (Verba n.º 11) à interessada mediante a assunção por esta da obrigação de pagamento das prestações do crédito hipotecário.

Com tais fundamentos defende que, devendo constar do mapa de partilha tal valor do passivo atualizado, e não o montante de € 122.118,10 indicado na Verba 1 do Passivo da Relação de Bens, respeitante ao valor do crédito hipotecário em dívida à data 19-01-2017, as tornas a receber pelo cabeça de casal da interessada BB consideradas no mapa de partilha são inferiores às que lhe são devidas.

2.1. Data relevante para efeitos de partilha

Da Relação de Bens apresentada pelo cabeça de casal aqui apelante, não impugnada e “estabilizada”, consta elencado no Passivo, como Verba n.º 1:

Verba N.º 1

Montante em dívida ao agora “Banco 2..., S.A”, anteriormente “Banco 1...”, na data de 19.Janeiro.2017, em decorrência do crédito hipotecário contraído para a aquisição da casa que foi da morada da família, acima identificada na Verba Nº. 11, cujo valor era de 122.118,10 €

Conforme resulta do n.º 1 dos demais factos provados (além dos vertidos no Relatório deste Acórdão), 19-01-2017 é a data em que o cabeça de casal aqui apelante AA instaurou a ação de divórcio contra BB.

Toda a argumentação do apelante pressupõe que “a data relevante para a partilha do inventário”, designadamente quanto ao valor da Verba 1 do Passivo a considerar, é uma outra data distinta dessa data de 19-01-2017.

Em primeiro lugar, em nenhuma das decisões efetivamente impugnadas através do presente recurso – despacho determinativo do modo como deve ser organizada a partilha e sentença homologatória da partilha – foi efetuada qualquer pronúncia sobre “a data relevante para a partilha do inventário”.

Como acima já ficou dito, e foi também afirmado no Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto proferido em 30-05-2023 no apenso C – publicado na base de dados de jurisprudência do ITIJ com o n.º de processo 224/17.1T8GDM-C.P1 –, «(…) os recursos visam permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, o que tem directo reflexo na delimitação das pretensões que lhe podem ser dirigidas.

A fase de recurso pressupõe que determinada questão foi já objecto de decisão, importando apreciar da sua manutenção, alteração ou revogação, estando a demanda do tribunal superior circunscrita às questões que tenham sido submetidas à apreciação e decisão do tribunal de categoria inferior (excluída, claro está, a apreciação – e, por isso, arguição – de questões de conhecimento oficioso relativamente às quais existam nos autos elementos de facto suficientes). (…)».

A questão suscitada no recurso – consideração como data relevante para a partilha do inventário de data distinta da data da propositura da ação de divórcio – não foi apreciada em nenhuma das decisões recorridas. Nessa medida, não tendo qualquer das decisões recorridas emitido qualquer pronúncia quanto a tal questão, não pode a mesma ser suscitada por meio de recurso, nem conhecida por este tribunal no âmbito do recurso interposto.

Em segundo lugar, verificamos que em decisões anteriores – das quais não foi interposto recurso – o tribunal de primeira instância expressamente afirmou que a data relevante para o efeito da partilha é a data da entrada da petição de divórcio, 19-01-2017 – assim, veja-se o despacho de 20-01-2022 (parcialmente transcrito no Relatório deste Acórdão) –, de resto, em conformidade com o disposto no art. 1789.º, n.º 1, do Cód. Civil [2], o que sempre obstaria, por força do disposto no art. 613.º do Cód. Proc. Civil, à pretensão do apelante quanto à consideração de outra data distinta para o apuramento do valor do passivo relacionado sob a Verba n.º 1.

2.2. Preclusão da possibilidade de alteração do valor do passivo já reconhecido

A finalidade pretendida pelo apelante com o presente recurso é, como já acima referimos, a obtenção da alteração do valor do passivo por si relacionado, que foi reconhecido e que foi considerado no mapa de partilha elaborado.

Por força das regras da preclusão e concentração que vigoram no atual regime do processo de inventário, emergente das alterações introduzidas pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, no que concerne, designadamente, à apresentação e impugnação das questões relevantes a apreciar no âmbito da determinação dos bens a partilhar, o valor da dívida relacionada pelo próprio cabeça de casal sob a Verba n.º 1 do Passivo, reconhecido por falta de impugnação, é o que tem que ser considerado na subsequente fase, designadamente, de determinação do modo como deve ser organizada a partilha e da conferência de interessados – arts. 1110.º e 1111.º do Cód. Proc. Civil.

Conforme é referido por António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, 2020, pág. 584, «A generalidade das questões de natureza material e de ordem adjetiva deverão estar resolvidas na ocasião em que se procede à conferência de interessados. Afinal, umas e outras influem decisivamente na partilha, não sendo viável passar para a subsequente fase da conferência de interessados sem que estejam resolvidas todas as questões cuja apreciação não possa ser ou não tenha sido relegada para os meios comuns. Excetuam-se, de acordo com as regras gerais, os casos de superveniência, designadamente quando a reclamação e algum crédito tenha sido deduzida apenas na conferência de interessados, como o permite o n.º 1 do art.1088.º, a apreciação do incidente de intervenção de outros interessados que, nos termos do art. 1087.º, pode ser deduzido “em qualquer altura do processo” ou a resolução do incidente de inoficiosidade.»

Em consonância com tal entendimento, referem ainda tais autores, em anotação ao art. 1111.º Cód. Proc. Civil – Assuntos a submeter à conferência de interessados –, a propósito do disposto no n.º 3 do art. 1111.º do Cód. Proc. Civil, o seguinte: «Segundo o n.º 3, compete ainda aos interessados “deliberar sobre o passivo e a forma de pagamento”. Este preceito deve ser habilmente interpretado, na medida em que os interessados já foram anteriormente chamados a pronunciar-se sobre o passivo, com efeitos preclusivos (cf. arts. 1104.º, n.º 1, al. e) e 1106.º, n.ºs 1 a 4). Além disso, no momento em que se realiza a conferência de interessados, o juiz já proferiu decisão sobre o passivo, em função do acordo expresso ou tácito dos interessados, ou de alguns deles, ou com base na apreciação da prova documental relevante para uma decisão segura (cf. art. 1110.º, n.º 1, al. a) e anot. ao art. 1106.º). Neste contexto, salvo casos excecionais (v.g. reclamação do passivo, nos termos do art. 1088.º, n.º 1), a deliberação dos interessados reportar-se-á apenas ao modo de satisfação das dívidas e ao cumprimento de legados e encargos, e não propriamente à aprovação do passivo.» – op. cit., p. 589.

Concluímos, deste modo, pela inadmissibilidade de alteração (designadamente, na data da apresentação da reclamação contra o mapa de partilha) do valor do passivo relacionado já anteriormente reconhecido.

3. Responsabilidade pelas custas

A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art. 25.º do Regulamento das Custas Processuais).

A responsabilidade pelas custas (da causa e da apelação) cabe ao apelante, por ter ficado vencido (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).

IV – Dispositivo

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se as decisões apeladas.

Custas a cargo do apelante, por ter ficado vencido (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).


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Notifique.

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Porto, 22/5/2025
(data constante da assinatura eletrónica)
Ana Luísa Loureiro
Francisca Mora Vieira
Isabel Ferreira
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