I. Não constitui omissão de pronuncia a não apreciação de questões suscitadas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras que lhe sejam prévias.
II. Rejeitado o recurso porque a questão havia sido inovatoriamente submetida à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça, não tinha o tribunal de se pronunciar sobre inconstitucionalidade invocada que só poderia ser conhecida se o recurso não tivesse sido rejeitado.
1. Relatório
Notificado do acórdão proferido nos presentes autos em 2.4.2025 que rejeitou, por inadmissibilidade legal, o recurso, em conformidade com o disposto no art. 434º e nas disposições conjugadas dos arts. 400º nº 1 al. e), 410º nº 1, 414º nºs 2 e 3, 420º nº 1 al. b) e 432º nº 1 al. b) todos do Código de Processo Penal, veio o Recorrente AA requerer que seja conhecida e decretada a arguida nulidade do acórdão, com os seguintes fundamentos:
«10º No douto acórdão proferido considerou-se que, por a alegação de caso julgado se tratar de questão nova não suscitada perante o Tribunal da Relação, não cabia recurso para este STJ do acórdão do Tribunal da Relação.
11º Sucede que, o douto acórdão proferido não se pronunciou sobre a questão de constitucionalidade suscitada no requerimento de interposição de recurso e na conclusão 7ª do recurso apresentado que assim vinha enunciada:
Na hipótese de se interpretar as normas dos artigos 4.º e 399.º, 400.º, n.º 1, al. f), 432.º e 433º, do CPP, no sentido de ser inaplicável ao processo penal o artigo 629.º, n.º 2, al. a) do CPC e, como tal, se considere ser irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, o Acórdão do Tribunal da Relação com fundamento em ofensa de caso julgado, independentemente da pena efetivamente aplicada e de ser ou não confirmativo da decisão de 1.ª instância, tal interpretação deve ser julgada inconstitucional por violação do princípio da igualdade, do acesso ao direito, da dignidade da pessoa humana, da tutela jurisdicional efectiva e da segurança jurídica e protecção da confiança previstos nos artigos 1º, 2.º, 13.º, n.º 1 e 2 e 20.º, n.º 1, 4 e 5 e 32º nº1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
12º Não tendo o douto acórdão se pronunciado sobre tal questão e sendo tal pronúncia obrigatória, tendo em conta até a admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, o douto acórdão é nulo nos termos do disposto nos artºs 425º nº4 e 379º nº1 al. c) do Código de Processo Penal.
O Digno Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se sobre o requerido, nos seguintes termos:
«Promovo que se indefira porquanto o conhecimento da questão ficou prejudicada – artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – com a rejeição do recurso por inadmissibilidade legal a que se soma o expresso entendimento de que nem se verificam os pressupostos do caso julgado nem o recorrente suscitou a questão da sua violação de forma processualmente válida (…)»
2. Fundamentação
Questão a decidir é a apreciação da omissão de pronúncia sobre a inconstitucionalidade invocada.
Como é consabido, a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal não se pronuncia sobre questões que devia apreciar conhecimento (al. c) do nº 1 do art. 379° do Código de Processo Penal), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados tendo em vista a decisão da questão submetida ao seu conhecimento1. Na decorrência, também não constitui omissão de pronuncia a não apreciação de questões suscitadas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras que lhe sejam prévias2. Pelo contrário, o conhecimento dessas questões contenderia com o princípio da economia processual, entendida esta como a proibição da prática de actos inúteis.
In casu, como bem observa o Digno Procurador-Geral Adjunto o conhecimento da questão ficou prejudicada com a rejeição do recurso por inadmissibilidade legal.
Precisemos: o recurso foi rejeitado porque o Recorrente submeteu inovatoriamente à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça uma questão (caso julgado) que não havia submetido – optou por não submeter – à apreciação do tribunal da relação. Ora, como se afirma no acórdão, “o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida” (art. 410º nº 1 do Código de Processo Penal) e não outros que, por opção do Recorrente foram excluídos do conhecimento na decisão recorrida.
Na ordem lógica de conhecimento das questões, tal questão precedia a apreciação da inconstitucionalidade invocada.
Consequentemente, rejeitado o recurso com esse fundamento e não por “ser inaplicável ao processo penal o artigo 629.º, n.º 2, al. a) do CPC e, como tal, se considere ser irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, o Acórdão do Tribunal da Relação com fundamento em ofensa de caso julgado, independentemente da pena efetivamente aplicada e de ser ou não confirmativo da decisão de 1.ª instância”, interpretação cuja inconstitucionalidade o Recorrente invocou, não havia que apreciar a questão suscitada.
Ao abordar distinta questão prévia, este tribunal rejeitou o recurso e não aplicou – nem se pronunciou, sequer – a norma referida, no sentido que o Recorrente considera inconstitucional pelas razões apontadas.
Tal resulta clara e inequivocamente do ponto 3 do texto do acórdão que se transcreve:
«3. O que se constata é que a violação do caso julgado, a ter acontecido, ocorreu na sentença de 1ª instância porquanto é nessa sentença que, cumprindo-se o “dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores”, se devia expurgar da matéria de facto, todos os vícios apontados à anterior decisão.
Estamos, pois, perante uma questão nova que o Recorrente poderia ter suscitado perante o Tribunal da Relação mas optou por só a apresentar neste momento processual.
Esse posicionamento processual e essa opção têm consequências.
Julgado pela Relação o recurso interposto da decisão proferida em 1ª instância, o recorrente inconformado com a decisão da 2ª instância, já só pode impugnar esta última decisão e não introduzir no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça como questão nova, a ofensa de caso julgado formal.
Efectivamente, no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação do Porto, o Recorrente não invocou essa violação de caso julgado formal que agora pretende que seja sindicado pelo Supremo Tribunal de Justiça, o que se constata pela análise do acórdão recorrido e da motivação e conclusões do recurso então apresentado.
Não á admissível que o Recorrente venha agora inovatoriamente submeter à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça uma questão que não submeteu – optou por não submeter – à apreciação do tribunal da relação, porquanto “o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida” (art. 410º nº 1 do Código de Processo Penal) e não outros que, por opção do Recorrente foram excluídos do conhecimento na decisão recorrida. No recurso não se decide uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas que tenham já sido objecto de decisão anterior pelo tribunal a quo e que um interessado pretende ver reapreciadas.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é constante nesse sentido:
«No nosso sistema, o objeto do recurso ordinário é a sindicância da decisão impugnada, constituindo um remédio processual que permite a reapreciação, por um tribunal superior das questões que a decisão recorrida apreciou ou deveria ter conhecido e decidido.
No julgamento do recurso não se decide, com rigor, uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas, que tenham sido objeto de decisão anterior pelo tribunal recorrido.
A suscitação, em recurso, de uma questão nova, que não foi apresentada ao tribunal recorrido, afronta o princípio da lealdade processual que deve ser observado por todos os sujeitos processuais.
Porque o arguido apenas no recurso para o STJ, questionou a medida da pena em que foi condenado, sem que o tivesse feito perante a Relação, não pode conhecer-se aqui, por se tratar de questão nova, que excede o objeto permitido do recurso» .
No acórdão citado a questão era a medida da pena mas os fundamentos aduzidos são directamente transponíveis para a questão em apreço do caso julgado formal.
Consequentemente, por inadmissibilidade legal, o recurso tem de ser rejeitado, nos termos do disposto nos art.s 400º nº 1 al. e), 410º nº 1, 414º nºs 2 e 3, 420º nº 1 al. b) e 432º nº 1 al. b) do Código de Processo Penal.».
3. Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a arguição de nulidades pelo Recorrente AA.
Custas do incidente pelo Recorrente, fixando-se em três UC a taxa de justiça devida.
Lisboa, 14-05-2025
Jorge Raposo (relator)
Maria Margarida Almeida
Antero Luís
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1. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.2.2012, no proc. 131/11.1YFLSB e de 1.12.2008, no proc. 08P3850.
2. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.5.2021, no proc. 3922/18.9JAPRT.P1.S1 e de 4.12.2024, no proc. 39/14.9TASCF.L1.S1.