RECURSO DE REVISÃO
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
MEDIDAS DE COAÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
REJEIÇÃO
Sumário


I. O trânsito em julgado de acórdão do Tribunal da Relação que apreciou o despacho que manteve a prisão preventiva reporta-se exclusivamente à decisão necessariamente transitória de manter a prisão preventiva nas circunstâncias e momento processual em que aquela medida de coação foi revista, não à medida de coação em si mesmo considerada, posto que esta, sujeita à condição rebus sic stantibus, subsistirá enquanto se verificarem as condições que a determinaram e não for excedido o prazo máximo previsto na lei, podendo ser revista a todo o tempo e devendo ser alterada logo que verificados os pressupostos que assim o imponham.
II. Esse acórdão do Tribunal da Relação não pode ser objeto de recurso extraordinário de revisão de sentença.
III. A desadequação do recurso extraordinário de revisão de sentença é de tal modo evidente que o recurso deve ser considerado manifestamente infundado e os recorrentes, para além de suportarem as correspondentes custas, devem ser condenados em quantia a fixar nos termos da parte final do art. 456º do CPP.

Texto Integral


Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:

I – Relatório:

AA, BB e CC, com os demais sinais dos autos, interpuseram, cada um deles, recurso extraordinário de revisão de sentença, todos autuados no mesmo apenso.

Todos os recursos de revisão interpostos identificam o respectivo objecto nos seguintes termos:

O presente Recurso tem por objeto o v. Acórdão da Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, referência ......44, tendo como Juízo de Instrução Criminal do ... - Juiz ..., que condenou o negar provimento ao recurso do arguido F… e, em consequência, confirmou a decisão recorrida.

Abreviando razões e sintetizando o que agora releva para a decisão a proferir, decorre dos autos que todos os recorrentes, por despacho de 20.09.2024, foram sujeitos à medida de coação de prisão preventiva no âmbito do NUIPC 3958/24.0...,

Por despacho de 12.11.2024 foi decidido manter essa medida de coação.

Todos eles interpuseram recurso desse despacho para o Tribunal da Relação do Porto, ali distribuído à 4ª Secção, que por acórdão de 19.02.2025 lhes negou provimento, confirmando a decisão recorrida.

Vêm agora os recorrentes pedir a revisão de sentença alegando, para além do mais, o trânsito em julgado daquele acórdão do Tribunal da Relação do Porto e concluindo os respetivos recursos nos termos seguintes:

Arguido AA:

A. Há excesso de prazo no período da prisão preventiva que suplantou o período de quatro meses, sem que houvesse acusação.

B. Há nulidade de fundamentação que se apresentou: vício de fundamentação dos Despachos em causa e que ora se recorrem, há total desprezo dos argumentos apresentados pela defesa; há um automatismo no processo decisório, sendo que todos os juízes apenas repetiram as fundamentações anteriores e de forma genérica, emprestam os fundamentos da manifestação do Ministério Público que é incompleta, por isso padece de vício insanável; como também ausente justificativa para imposição de medida menos gravosa; vício no reconhecimento da comparticipação, sem apresentar factos concretos dessa união.

C. Não se conformando com a medida de coacção mais gravosa que foi determinada, entende o Arguido que deverá ser restituído à liberdade, porquanto:

a) réu primário, tens bons antecedentes, nunca respondeu nenhum inquérito policial ou ação penal, em qualquer país;

b) possui residência fixa legalizada na Espanha e sua família está em tratativas para alugar um apartamento em Portugal para o arguido passar a morar (na região Norte, próximo ao Porto para mais uma vez provar que o arguido não se furtará da justiça portuguesa).

c) tem hábitos de trabalho e garantia de sustentabilidade em liberdade;

d) se compromete à auxiliar a justiça e a busca da verdade real dos fatos;

e) dá a sua total autorização a que sejam levados a cabo todas as diligencias.

D. Não existe qualquer indício ou prova – porquanto nem corresponde à verdade – que o Arguido algum dia tenha tido qualquer benefício económico de venda, eventual, de produto estupefaciente e não foi preso com qualquer substância ilícita.

E. Se entende a desproporcionalidade da medida de coação aplicada sem sequer se ter admitido outra medida como a apresentação no posto policial ou, no máximo, a vigilância eletrónica à distância (OPHVE).

Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve a medida de coacção de prisão preventiva apicada à Arguido ser revogada pelo excesso de prazo e substituída pelas seguintes medidas alternativas e menos gravosas: Termo de Identidade e Residência (artigo 196 do CPP), pode igualmente ser aplicada ao Arguida a medida de coacção de caução (artigo 197º); a medida de obrigação de apresentação periódica, podendo ser inclusive diária (artigo 198º); suspensão do exercício de profissão, função, actividade e de direitos (artigo 199º); proibição e imposição de condutas (artigo 200º), sobretudo proibição de contacto com os outros arguidos; ou em ultima ratio obrigação de permanência na habitação (artigo 197º) sujeita a mecanismo de controle à distância, todas de forma cumulativas, com inclusive entrega de documentos e passaporte.

Ao final, em caso de revogada a prisão preventiva do arguido e alterada as medidas de coacção para medidas alternativas e menos gravosas, pede-se prazo de 2 (dois) dias para juntada de comprovante de imóvel que já está em vias de ser alugado pela família do arguido em Portugal, a demonstrar ainda mais a possibilidade de aplicação de medida alternativas e menos gravosas do que a prisão preventiva, e a contribuição com a justiça e na busca da verdade real dos fatos.

Arguido BB:

DOS PEDIDOS:

80. Pugna-se pela compreensão V. Exas Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça pela revogação do decreto prisional, subsidiariamente, sua substituição por outra medida menos gravosa, nomeadamente apresentações periódicas diárias ou outra que entenderem pertinentes devidos aos vícios apontados que não podem ser classificados como “meras irregularidades”, ou seja, o vício foi expressamente reconhecido, sem qualquer ato corretivo, o que é inaceitável em decisões que envolver restrição de direito fundamental.

81. É certo que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, mas sem prejuízo do que disposto fica na al. c) do nº 2 e nº 3 do artigo 410.º, tal como estatuído no artigo 434.º Código de Processo Penal.

82. E segundo os aludidos normativos vertidos no artigo 410.º, os recursos de acórdãos proferidos pelo tribunal coletivo podem ter como fundamento os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e de erro notório na apreciação da prova, desde que resultem do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, bem como a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.

83. A regra imposta pelo art. 379º nº 2 do Código de Processo Penal é que as nulidades devem ser supridas pelo tribunal de recurso, mormente sobre os fundamentos de direito. A excepção é a nulidade só ser susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido. Exigindo-se uma maior explicação de uma questão jurídica, pode o Supremo suprir essa deficiência/insuficiência de fundamentação, justificando juridicamente a decisão.

Assim decidindo, farão V. Exas. Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, o que é de inteira justiça!

Arguida CC

DOS PEDIDOS:

68. Pugna-se pela compreensão V. Exas Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça pela revogação do decreto prisional, subsidiariamente, sua substituição por outra medida menos gravosa, nomeadamente apresentações periódicas diárias ou outra que entenderem pertinentes devidos aos vícios apontados que não podem ser classificados como “meras irregularidades” , ou seja, o vício foi expressamente reconhecido, sem qualquer ato corretivo, o que é inaceitável em decisões que envolver restrição de direito fundamental.

69. É certo que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, mas sem prejuízo do que disposto fica na al. c) do nº 2 e nº 3 do artigo 410.º, tal como estatuído no artigo 434.º Código de Processo Penal.

70. E segundo os aludidos normativos vertidos no artigo 410.º, os recursos de acórdãos proferidos pelo tribunal coletivo podem ter como fundamento os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e de erro notório na apreciação da prova, desde que resultem do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, bem como a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.

71. A regra imposta pelo art. 379º nº 2 do Código de Processo Penal é que as nulidades devem ser supridas pelo tribunal de recurso, mormente sobre os fundamentos de direito. A excepção é a nulidade só ser susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido. Exigindo-se uma maior explicação de uma questão jurídica, pode o Supremo suprir essa deficiência/insuficiência de fundamentação, justificando juridicamente a decisão.

Assim decidindo, farão V. Exas. Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, o que é de inteira justiça!

O M.P. respondeu, pronunciando-se pela rejeição liminar dos recursos, alegando, no essencial, que (…) “a coberto” do denominado recurso extraordinário de revisão, vêm os arguidos renovar as críticas, que tinham já apontado nos seus recursos anteriores, à decisão judicial que lhes aplicara a medida de coacção em causa, esquecendo que relativamente a tal não tinham sequer apresentado recurso, recurso que apenas vieram apresentar quanto à decisão que lhes mantivera a medida de coacção.

Certo é que não cumpre aqui conhecer das questões “ressuscitadas”, pois que foram alvo de apreciação no âmbito do acórdão proferido pela 2.ª instância.

Foi proferido despacho mandando subir os autos, omitindo a informação sobre o mérito do pedido a que se reporta o art. 454º do CPP.

Neste Supremo Tribunal o Exmº. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de o recurso ser julgado manifestamente improcedente, consignando, na vista a que se reporta o art. 455º, nº 1, do CPP, que (…) A revisão só é, portanto, admissível quando se destine a alterar decisões definitivas que ponham fim ao processo.

(…)

Ora, em circunstância alguma se pode considerar que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto aqui em causa tem natureza condenatória (ou absolutória) já que o efeito processual que produziu foi, tão só, o de confirmar a decisão ali impugnada, ou seja, o despacho judicial que os submeteu à medida de prisão preventiva.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.

II – Fundamentação:

A exigência de que a justiça da condenação prevaleça sobre aspectos de ordem meramente formal, a preordenação do processo criminal à consecução da verdade material e a prevalência de valores de carácter vincadamente humanista, como a liberdade, conduziram à consagração de um mecanismo de segurança destinado a permitir a reversão de decisões penais já transitadas em julgado nos casos expressamente previstos na lei.

Tratando-se de mecanismo de natureza excepcional, a revisão de sentença é admissível apenas quando verificados os requisitos previstos no art. 449º, nºs 1 e 2, do CPP, normas que dispõem nos termos seguintes:

1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.

(…)

Resulta destas disposições legais que as decisões susceptíveis de revisão são exclusivamente as que de modo definitivo tiverem conhecido da responsabilidade penal individual; ou, de forma mais abrangente e esclarecedora, como é referido no texto do Acórdão do STJ nº 1/2024, de 2 de Fevereiro, (…), do ponto de vista dos requisitos materiais, a decisão suscetível de revisão é a que define, positiva ou negativamente, a responsabilidade individual quanto a factos que podem constituir crime: considerando a prova (conhecendo ou examinando juridicamente decisão que dela conheceu), ou apreciando factos extintivos da responsabilidade penal, ou, ainda, decidindo sobre a qualificação jurídica dos factos 1.

Manifestamente, não se enquadra neste universo a decisão que foi objecto dos pedidos de revisão formulados nos autos, desde logo, porque não está em causa uma decisão que tenha conhecido, e em definitivo, da responsabilidade penal de qualquer dos arguidos. A decisão que os recorrentes pretendem ver revista limitou-se a reapreciar a medida de coação de prisão preventiva que lhes tinha sido anteriormente imposta.

O trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que os recorrentes têm em vista reporta-se exclusivamente à decisão necessariamente transitória de manter a prisão preventiva nas circunstâncias e momento processual em que aquela medida de coação foi revista; e não à medida de coação em si mesmo considerada, posto que esta, sujeita à condição rebus sic stantibus, subsistirá enquanto se verificarem as condições que a determinaram e não for excedido o prazo máximo previsto na lei, podendo ser revista a todo o tempo e devendo ser alterada logo que verificados os pressupostos que assim o imponham. Aliás, quando procede ao reexame da decisão que aplicou a medida de coação, o juiz não sindica a decisão que a aplicou, apenas verificando se, entretanto, ocorreu uma atenuação das exigências cautelares que a determinaram 2.

Inútil se revela acrescentar o que quer que seja, de tal modo se oferece como evidente a desadequação destes recursos extraordinários à finalidade que os recorrentes têm em vista.

Os recursos em apreço deverão ser considerados manifestamente infundados, de tal modo é patente o seu desajustamento aos termos em que a lei admite o pedido de revisão, pelo que os recorrentes, para além de suportarem as correspondentes custas, deverão ainda ser condenados numa quantia entre 6 e 30 UC, nos termos da parte final do art. 456º do CPP.

III – Dispositivo:

Pelo exposto, acordam na 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar os pedidos de revisão formulados pelos arguidos, considerando esses pedidos manifestamente infundados.

Condena-se cada um dos recorrentes na taxa de justiça correspondente a 3 (três) UC, nos termos dos arts. 513º, nº 1, do CPP, 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa, e ainda na soma correspondente a 10 (dez) UC nos termos do previsto na parte final do art. 456º do CPP.

*

Supremo Tribunal de Justiça, 15.05.2025

(Processado pelo relator com recurso a meios informáticos e revisto por todos os signatários)

Jorge Miranda Jacob (Relator)

Jorge Gonçalves (1º Adjunto)

José Piedade (2º Adjunto)

Helena Moniz (Presidente da Secção)

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1. - Publicado no Diário da República n.º 24/2024, Série I, de 2024-02-02, páginas 31 – 50.

2. - Cf. Maria do Carmo Silva Dias, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III, anot. ao art. 213º.