RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
AMEAÇA
HOMICÍDIO
TENTATIVA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CONFIRMAÇÃO IN MELLIUS
DUPLA CONFORME
IRRECORRIBILIDADE
REJEIÇÃO
Sumário


I. A situação vertente nos autos revela que, não tendo havido alteração essencial do acervo factual tipicamente relevante respeitante ao crime de homicídio tentado, e quanto à própria pena única, a situação processual vertente no recurso do arguido traduz uma situação de dupla conformidade condenatória favorável ao arguido (in mellius), em penas cuja medida concreta não excede os oito anos de prisão, apesar de a pena única inicialmente aplicada superar tal limite.
II. Apesar de o recurso do arguido ter sido admitido in totum, tal não vincula o tribunal superior (art. 414.º, n.º 3, do CPP), pelo que, ao abrigo do disposto nos artigos 400.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 432.º, n.º 1, al. b) a contr., do CPP, não se admite o recurso do arguido por o mesmo ser interposto de acórdão da Relação que decidiu em recurso aplicar parcelares não superiores a 5 anos de prisão, sem que tivesse havido reversão de qualquer decisão absolutória, e confirmar por “dupla conforme” in mellius, a aplicação de pena parcelar e de pena única, não superiores a 8 anos de prisão.

Texto Integral


Acordam na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. Por acórdão do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., foi em 8 de Julho de 2024 proferido acórdão (ref.ª Citius .......42), no qual se decidiu, entre outras determinações, o seguinte (transcrição):

«(…)

I. condenar o arguido AA nas seguintes penas parcelares, pela prática em autoria material e em concurso efetivo, nos termos do art.26º e 30º, nº1 do Código Penal:

a. pela prática de cada um dos três crimes de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº1, al. a), d) e e), nº 2 al. a), nº 5 e 6 e 14º, nº1, do Código Penal:

3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão

2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão

2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão

-

b. pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, nº1 do Código Penal (improcedendo a agravação a que alude o art.º 155º, nº 1, al. a), do Código Penal), na pena de 6 (seis) meses de prisão;

c) pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelo art. 131º, 22º, nº1 e 2 al. b), 23º, nº1, e 14º, nº1, do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.»

Em cúmulo jurídico foi condenado pena única de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. Dessa decisão, o arguido AA recorreu para o Tribunal da Relação do Porto (doravante, também “TRP”), tendo este Tribunal, por acórdão de 18-12-2024 (Ref.ª Citius ......63), deliberado, entre outras determinações:

«(…)

II. condenar o arguido pela prática em autoria material e em concurso efetivo, nos termos do art.26º e 30º, nº1 do Código Penal:

a. de um crime de ofensa à integridade física simples (vítima filho menor BB), p. e p. pelo art. 143º, nº1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão;

b. de um crime de violência doméstica (vítima CC), p. e p. pelo art. 152º, nº1, al. a), nº 2 al. a), nº 5 e 6 e 14º, nº1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

c. de um crime de ameaça (vítima DD), p. e p. pelo art. 153º, nº1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

d. de um crime de homicídio, na forma tentada (vítima DD), p. e p. pelo art. 131º, 22º, nº1 e 2 al. b), 23º, nº1, e 14º, nº1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

-

e. Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares condena-se o arguido na pena única de sete anos e dois meses de prisão efetiva.»

3. O arguido recorre, agora, de tal decisão do TRP de 18-12-2024, em 20-01-2025 (ref.ª Citius ....04) para este Supremo Tribunal de Justiça (doravante, também “STJ”), apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

«

O presente recurso versa sobre o acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação do Porto, que confirma, apenas parcialmente, a decisão de primeira instância, condenando o arguido ora Recorrente, em concurso efetivo, pela prática de crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, de um crime de violência doméstica, na pena de 3 (três) anos de prisão, de um crime de ameaça, na pena de 6 (seis) meses de prisão e de um crime de homicídio, na forma tentada, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, o que, cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, perfaz a pena única de sete anos e dois meses de prisão efetiva.


Antes de mais, pese embora o Tribunal da Relação tenha aplicado uma pena de prisão não superior a 8 anos, a decisão em crise é recorrível, uma vez que não existiu ««confirmação» para efeitos de dupla conforme (cf. artigo 400º, nº 1, alínea f) a contrario e 432º, nº 1, alínea b), do C.P.P.).


O acórdão da Relação, além de diminuir cada uma das penas parcelares, diminuindo, consequente, a pena única resultante do cúmulo, procedeu a uma alteração da matéria de facto, a qual, influiu não só na absolvição do crime de violência doméstica contra EE, como, também, levou a uma alteração da qualificação jurídica do crime de violência doméstica contra AA, para ofensa à integridade física simples, colocando-se agora, ex novo, a discussão quanto à (i)legitimidade do Ministério Público neste tipo-de-ilícito, atenta a transmutação da natureza dos crimes entretanto operada.


E toda esta alteração factual a que procedeu no acórdão em crise, com consequências ao nível do enquadramento jurídico dos factos e consequente alteração da qualificação jurídica, impedem que se considere que se tenha atingido «um grau de certeza de uma boa decisão da causa, impedindo, assim, um segundo recurso», pelo que a decisão em crise é recorrível.


Começando então pela questão da ilegitimidade do Ministério Público, dir-se-á que nenhuma razão assiste ao tribunal a quo, pelo que o arguido terá de ser absolvido do crime de ofensa à integridade física simples por falta do pressuposto processual da legitimidade para a prossecução da ação penal.


Transmutada a qualificação jurídica dos factos de violência doméstica para ofensa à integridade física simples, com consequentealteração da naturezadocrime – de público para particular em sentido amplo – entendeu o Tribunal a quo que o Ministério Público mantinha legitimidade processual para o exercício da ação penal, citando, para o efeito, o recente Acórdão de Fixação de Jurisprudência deste Supremo Tribunal, de 9 de julho de 2024 e invocando os princípios da tutela jurisdicional efetiva e do processo penal justo, leal e equitativo.


Todavia, o caso sub judice não encontra qualquer paralelo com o decidido por este Supremo Tribunal através do mencionado acórdão de fixação nº 9/2024, desde logo porque neste aresto falecia, apenas, a dedução de acusação particular, em virtude de a ofendida ter exercido tempestivamente o exercício do direito de queixa, ter-se constituído assistente e ter acompanhado a acusação do Ministério Público, ou seja, de ter existido uma «inequívoca e reiterada manifestação de vontade, por parte da ofendida, de prossecução processual e de persecução do crime de que é vítima», assim se justificando a tutela do princípio da confiança, e de um processo justo, leal e equitativo.


Sucede, todavia, que, no caso sub judice, não só não existiu uma «inequívoca e reiterada manifestação de vontade, por parte da ofendida, de prossecução processual e de persecução do crime», como, aliás, a própria ofendida, já após a fase de produção de prova, envia um requerimento aos autos (refª ......59) onde faz constar que pretendia desistir de todas as queixas contra o arguido.


Além de que, noque dizrespeito aosatos de violência exercidos contra o filho de ambos, a ofendida, enquanto representante legal do menor, nunca exerceu o direito de queixa, assim como não se constituiu assistente, nem acompanhou a acusação do Ministério Público, não assumindo qualquer participação ao longo do processo.

10º

Aliás, a factualidade respeitante aos atos de violência perpetrados pelo arguido ao seu filho – que resultam do facto 24 da matéria provada – apenas chegaram ao processo por força da inquirição da testemunha EE, constante a fls. 536 dos autos, sendo certo que seria sempre a CC, enquanto representante legal do menor, a quem incumbia o exercício do direito de queixa!!!

11º

Sendo destituída de sentido a fundamentação seguida no acórdão em crise, ao mencionar que, «a fls. 987 CC veio declarar desistir da queixa do crime de violência doméstica, mas apenas na qualidade expressa de ofendida e não também de legal representante do ofendido menor, seu filho BB, para os efeitos previstos no art.113º, nº4, do Código Penal»

12º

Isto porque, não tendo a ofendida, na qualidade de representante legal do menor, exercido no direito de queixa nos termos do disposto no artigo 113º, nº 4, do Código Penal, é evidente que não faria qualquer sentido vir desistir da mesma!

13º

Assim sendo, não tendo existido no processo nenhuma manifestação de vontade por parte de CC (quer na qualidade de ofendida, quer na qualidade de representante legal do ofendido) no sentido de pretender a prossecução criminal contra o Recorrente, inexiste aqui qualquer «necessidade de tutela do princípio da confiança, de uma jurisdicional efetiva e do princípio do processo penal justo, leal e equitativo».

14º

Ademais, a questão em apreço foi por diversas ocasiões tratada no seio dos nossos tribunais superiores, designadamente ao nível das Relações, as quais tendem a declarar a falta de legitimidade do Ministério Publico nos casos em que não existe ao longo do processo qualquer manifestação da vítima/ofendido(a) no sentido de pretender a prossecução criminal contra o agressor – o que, no fundo espelha bem a ratio da natureza (pública, semipública e particular stricto sensu) dos crimes, a qual se prende, também, com opções de política criminal, de respeito pela vontade do portador do bem jurídico.

15º

Ademais, o entendimento sufragado no acórdão em crise constituí, também, uma violação do princípio da igualdade (cf. artigo 13º da C.R.P.), pois resulta dos diversos arestos proferidos ao nível das Relações acima devidamente transcritos, que em caso igual qualquer outro arguido é absolvido.

16º

O que coloca, também, em causa os princípios da certeza e segurança jurídica, decorrentes do Estado de Direito Democrático (cf. artigo 2º da C.R.P.).

17º

Considerando, ainda, que no nosso arquétipo processual penal não existe lei anterior e expressa que comine com pena de natureza criminal o crime de ofensa à integridade física simples que não seja precedido da respetiva queixa, a interpretação ajuizada, de que não se obsta à condenação do arguido pelo crime de ofensa à integridade física atenta a falta de exercício do direito de queixa por parte de CC, na qualidade de representante legal do ofendido, colide frontalmente com o princípio da legalidade criminal, previsto no artigo 29º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa.

18º

Finalmente, a interpretação operada pelo Tribunal da Relação do Porto, no acórdão em crise, constituí uma violação da própria estrutura acusatória do processo penal, que sacrifica asgarantiasde defesa do arguido, em detrimento de uma proteção da ofendida que, no caso, nem sequer manifestou qualquer vontade no exercício/manutenção da ação penal contra o Recorrente (cf. artigo 32º, nº 1 e 5, da C.R.P.).

19º

Desde já para os devidos efeitos se suscitando a inconstitucionalidade dos artigos 113º e 143º nº 2, do Código Penal e artigo 49º do C.P.P., por violação dos artigos 2º, 13º, 29º, 32.º, n.ºs 1 e 5 da C.R.P., na medida em que seja interpretado no sentido de permitir a condenação do arguido pelo crime de ofensa à integridade física simples, mesmo inexistindo o exercício do direito de queixa por parte do representante legal do titular do bem jurídico protegido pela incriminação.

20º

Assim, deve o arguido ser absolvido do crime de ofensa à integridade física simples por falta de legitimidade do Ministério Público, nos termos do disposto nos artigos 113º e 143º, nº 2, do Código Penal e artigo 49º do C.P.P.

21º

O arguido deve igualmente ser absolvido do crime de ameaça, por não se verificarem preenchidos os elementos objetivos deste tipo-de-ilícito.

22º

Como defendeu a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta junto do Tribunal da Relação do Porto, no seu Parecer com referência ......88, embora a mensagem que se dá como provada em 40 tenha um tom intimidatório e dê a entender que o arguido pode, no futuro, praticar um mal contra o assistente ou as filhas deste, certo é que não é clara a conduta a levar a cabo, a qual até pode configurar qualquer uma das condutas típicas previstas no artigo 153º, nº1, do Código Penal ou outras que não estejam aí previstas.

23º

E se dúvidas existissem quanto à ambiguidade das palavras do arguido, bastariam atentar-se no facto de a acusação interpretar que o arguido quis causar medo ao Assistente quanto à sua própria vida, ou a vida dos seus, e posteriormente o tribunal da primeira instância considerar que só estaria em causa a sua integridade física.

24º

Assim sendo, atenta a ambiguidade das expressões que o arguido dirige ao Assistente, outras hipóteses poderiam ser colocadas e igualmente possíveis, como a prática de um crime de perseguição, de crime contra a reserva da vida privada (violação de domicílio, devassa da vida privada), de difamação, entre outros.

25º

Desta feita, e porque é pacífico na jurisprudência que o mal anunciado tem que ser claro quanto ao mal futuro que, em concreto, se quer anunciar, não sendo evidente, nem claro, o mal futuro que o arguido pretendeu anunciar através das expressões em causa dirigidas ao Assistente, tal dúvida terá que ser valorada a seu favor.

26º

É que, como se sabe, com a revisão de 1995 ao Código Penal, assistiu-se a uma redução da tipicidade do crime de ameaça, em que já não é suficiente, para o preenchimento do tipo-de-ilícito, que a ameaça seja com a prática de de qualquer crime, como sucedia na versãooriginal, massimdecrime«contra a vida,aintegridadefísica,a liberdadepessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor».

27º

Só os factos anunciados, que sejam ilícitos e típicos e se reconduzam a umdestes crimes, «vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor», são suscetíveis de relevar em sede de preenchimento do tipo objetivo do crime de ameaça.

28º

Ora, existindo dúvidas acerca do mal futuro que o arguido pretendeu anunciar através das expressões em causa dirigidas ao Assistente, deve a mesma ser valorada a favor do Recorrente, impondo-se a absolvição pelo crime de ameaça.

29º

Sem prescindir, e caso assim não se entenda, deve a pena concretamente aplicada quanto a este tipo-de-ilícito ser reduzida para o seu limite mínimo de mês de prisão.

30º

Isto porque, fixar-se, quanto a este crime, uma pena concreta de 6 meses de prisão, sendo a moldura abstrata da pena 1 mês a 1 ano de prisão, a alguém que está inserido laboral, social e familiarmente e que, embora possua antecedentes, os mesmos respeitam a crime de natureza completamente distinta, revela-se desproporcional e, como tal, excessivo.

31º

E tal desproporcionalidade é ainda mais flagrante se tivermos em conta a pena de 5 meses de prisão,fixada para ocrimedeofensaàintegridadefísicasimples,tipo-de-ilícito de maior gravidade quando comparado com o crime de ameaça (o que se afere, desde logo, nas respetivas molduras abstratas, que no caso se situam entre 1 mês a 3 anos de prisão).

32º

Finalmente, e pese embora se entenda que no caso em concreto nem sequer estão preenchidos os elementos objetivos do tipo-de-ilícito de ameaça, não se pode ignorar todo o contexto fáctico em que as assinaladas mensagens foram enviadas ao Assistente, o que permite concluir que osfactos aqui em causa dizem respeito aumepisódio isolado da vida do Recorrente – cf. artigo 71º, nº 2, alínea c), do C.P.

33º

A tal propósito, o próprio Tribunal a quo entendeu que a motivação e os sentimentos revelados pelo arguido, «ainda que se possam considerar desprezíveis em termos de condicionar o agir de outro modo, não se podem considerar fúteis».

34º

Assim sendo, considera-se necessária, adequada e proporcional à culpa do arguido, bem como às exigências de prevenção geral e especial uma pena que se fixa dentro dos limites mínimos da moldura abstrata, no caso de 1 mês de prisão.

35º

Impõe-se, igualmente, uma diminuição da medida concreta das penas parcelares quanto aos crimes de violência doméstica e de tentativa de homicídio.

36º

Desde logo, no que diz respeito ao crime de violência doméstica, o tribunal da Relação do Porto, ao alterar a matéria de facto e ao eliminar os factos 10, 13, 14 e 70, bem como a referência à «liberdade sexual» no facto 69, provocou uma diminuição do respetivo grau de ilicitude do facto quanto ao crime de violência doméstica, o que, de todo o modo, não foi devidamente atendido pelo tribunal a quo em sede de determinação da medida concreta da pena

37º

Depois, ao contrário do que fundamenta o Tribunal a quo, com a eliminação de alguns dos factos referentes a este tipo-de-ilícito na matéria de facto, deixa de ser «relativamente longo o período de tempo que perdurou a sua atuação quanto à vítima de violência doméstica CC».

38º

É que, pese embora o primeiro facto concreto seja referente ao ano de 2018 (cf. facto 11), tendo as agressões perdurado até 2022 (cf. facto 16), certo é que neste período temporal são apenas imputados 3 factos (cf. factos 11, 12, 16 e 17), sendo que num deles não foi exercida violência física contra a ofendida (cf. facto 11).

39º

Além, obviamente, da circunstância de a ofendia CC ter manifestado o propósito de pretender desistir da queixa quanto a este crime, a qual, pese embora seja irrelevante do ponto de vista dos pressupostos processuais, atenta a natureza pública do crime, deveria constituir uma atenuante na fixação da medida da pena.

40º

No caso sub judice militam a favor do arguido um conjunto de circunstâncias – quer anteriores, quer, sobretudo, posteriores – à prática do facto, e que o Tribunal a quo também não sopesou da devida maneira no momento de determinar o quantum da pena.

41º

Desde logo, não se pode ignorar a circunstância de, à data dos factos, «o arguido começou a registar uma abusiva tendência para o abuso do álcool» (cf. facto 9 da matéria provada), a que acresce a circunstância de atualmente se encontrar em tratamento, registando «motivação e cooperação no tratamento». cf. artigo 71º, nº 2, alínea c), do C.P.

42º

A tudo isto acresce, ainda, o facto de o arguido se encontrar bem inserido laboral e socialmente, bem assim não possuir antecedentes criminais por delitos da mesma natureza face aos crimes aqui em causa – cf. artigo 71º, nº 2, alíneas c), d) e e), do C.P.

43º

Pelo que, tudo considerado, afigura-se-nos como necessária, adequada e proporcional à gravidade do crime bem como às exigências de prevenção, a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses quanto a este tipo-de-ilícito.

44º

Quanto ao crime de homicídio na forma tentada, sendo a moldura abstrata de 1 ano e 6 meses e 10 anos e 9 meses de prisão, fixar-se a medida concreta da pena em 6 anos e 6 meses de prisão a alguém que está inserido social e laboralmente, que evidencia, apenas, antecedentes por 2 crimes de condução em estado de embriaguez, a que não é alheia a factualidade provada em 9, revela-se excessivo e, como tal, desproporcional, além de não ser consentâneo nem com o grau de culpa evidenciado no cometimento do facto, nem com as exigência de prevenção (cf. artigos 40º e 71º do Código Penal e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).

45º

Na fundamentação do Tribunal da Relação do Porto consta a tal propósito que «o desvalor de resultado em qualquer dos casos foi grave, sobretudo a extensão daslesões, o tratamento e o internamento que demandaram no assistente, lesões cuja consolidação ocorreu apenas em 26.09.2023».

46º

Contudo, o certo é que, também aqui, o Tribunal da Relação procedeu a uma alteração da matéria de facto e eliminou do elenco dos factos provados o facto t, ou seja, «em consequência do evento o demandante sofreu inúmeros e dolorosos tratamentos», além de que o Assistente nem sequer ficou com lesões/sequelas permanentes e esteve internado, somente, 7 dias (cf. factos j) e l), o) da matéria provada).

47º

De notar, ainda, quanto a este tipo-de-ilícito, deverão ter-se em consideração as circunstânciasque rodearam a prática do ilícito em questão, designadamente no quadro factológico tido por provado em que resulta que: 1) é o próprio Assistente quem desafia o arguido para vir no seu encalço 2) é o Assistente quem começa a apelidar repetidamente o arguido de “filho da puta” 3) ainda antes das facadas já o Assistente tinha desferido socos no arguido 4) ainda antes das facadas já o Assistente e o arguido tinham iniciado uma contenda física.

48º

Quadro factológico esse que resulta numa imagem do facto em que a culpa do arguido aparece diminuída, o que deve ter reflexos, desde logo, ao nível da pena.

49º

Tudosopesado, e tendo em conta a moldura abstrata do ilícito em questão, deverá fixar-se, quanto a este crime, uma pena nunca superior a 4 anos de prisão, a qual se situa já próxima do meio da pena.

50º

Quanto à pena única resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares, situando-se a mesma no quadro da moldura correspondente ao concurso de crimes, a qual se fixa numa pena mínima de 4 anos e máxima de 6 anos e 6 meses, tendo em conta a culpa do arguido e das exigências de prevenção, bem como a consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do arguido, afigura-se adequada a pena de 5 anos de prisão.

51º

No caso sub judice, pese embora a correlação entre os ilícitos, perscrutando o conjunto dos factos praticados pelo arguido, verifica-se que a sua atividade foi meramente ocasional, fruto de um impulso momentâneo, de uma atuação irrefletida (o que é particularmente patente nos crimes de ameaça e tentativa de homicídio), não se registando qualquer tendência criminosa do arguido.

52º

Além do mais, da fundamentação do tribunal a quo, verifica-se que o mesmo violou o princípio da proibição da dupla valoração, pois que os factores de determinação da medidadaspenasparcelares foramde novas considerados na medidada pena conjunta.

53º

Ademais, do texto do acórdão cumulatório recorrido, na fundamentação da determinação da medida concreta da pena única a aplicar, não se atribuiu a relevância devida às circunstâncias pessoais do arguido, designadamente ao facto de o mesmo estar inserido laboral, social e familiarmente (aqui com particular destaque para o facto g) da matéria provada, bem como para as «condições pessoais, familiares, sócio-económicas e profissionais do arguido»), bem como à necessidade de não coartar excessivamente a possibilidade de o mesmo se ressocializar em meio livre.

54º

Assim sendo, tudo ponderado, valorando globalmente os factos e a personalidade do arguido, tendo presente que a pena conjunta há-de ser fixada nos limites da moldura abstrata apontada (4 anos a 6 anos e 6 meses), entendemos adequada e ajustada, por satisfazer os interesses da prevenção, fixar-se ao ora Recorrente a pena única de 5 anos de prisão, o que, desde já, se requer.

55º

Por força do princípio da preferência pelas reações não detentivas, que ficou bem patente na revisão de 2007 ao código penal, operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, e considerando a pena aplicada resultante do cúmulo jurídico das várias penas parcelares, deverá equacionar-se a suspensão da execução da pena de prisão.

56º

Nos termos do artigo 50.º do Código Penal, o tribunal deve suspender a pena de prisão não superior a 5 anos, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido.

57º

Com efeito, a suspensão da execução da pena de prisão, além de um poder-dever do tribunal, é acima de tudo uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico.

58º

Contudo, para a formulação de um tal juízo de prognose – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto – o Tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.

59º

In casu, não obstante o arguido possuir antecedentes criminais registados no seu CRC, certo é que se tratam de crimes com uma natureza jurídica completamente distinta face aos delitos pelos quais foi o arguido condenado nestes autos.

60º

Por outro lado, não podemos deixar de aludir ao percurso de vida do arguido constante dos factos provados e à sua inserção laboral, social e familiar, sendo de destacar a proximidade ao seu filho BB e a reestruturação dos laços familiares, a que acresce a circunstância de o próprio ter reconhecido o seu problema resultante do consumo abusivo do álcool e de, voluntariamente, começar a frequentar consultas de psiquiatria, bem como tratamento psicofarmacológico na Unidade de Alcoologia do ..., sendo que a médica que o acompanha «declarou que este revelava motivação e cooperação no tratamento».

61º

Assim, não obstante a gravidade dos ilícitos aqui em causa, bem como a particular ressonância que tende a provocar na comunidade a protagonização destes crimes, atendendo à inserção laboral, social e familiar do arguido, bem como ao comportamento que este tem adotado já após a prática dos factos, consideramos que a simples censura do facto e a ameaça de prisão, ainda que subordinada ao cumprimento de deveres, são ainda suscetíveis de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.

62º

Deve, assim, a pena de prisão de 5 anos ser suspensa na sua execução, por igual período, e sujeito aos deveres e injunções que V.as Ex.as entendam necessários às exigências do caso sub judice.

63º

O acórdão em crise violou o disposto nos artigos 40º, 71º, 77º, 113º e 143º nº 2, 153º, nº 1, do Código Penal e artigo 49º do C.P.P., bem como o disposto nos artigos 2º, 13º, 29º, 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

IV Pedido

Nestes termos, e nos melhores de Direito aplicáveis que V.as Ex.as ,Colendos Juízes Conselheiros, doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:

i) Deve o arguido ser absolvido do crime de ofensa à integridade física simples, por falta de legitimidade do Ministério Público para a prossecução da ação penal;

ii) Deve o arguido ser absolvido do crime de ameaça por não se verificarem preenchidos os elementos objetivos deste tipo-de-ilícito;

iii) Caso assim não se entenda, deve a medida concreta da pena, quanto a este crime, fixar-se em 1 mês de prisão;

iv) Deve a medida concreta da pena quanto ao crime de violência doméstica fixar-se em 2 anos e 6 meses;

v) Deve a medidaconcreta dapena quanto ao crimede tentativadehomicídio fixar-se em 4 anos de prisão;

vi) Deve a pena única resultante das penas parcelares fixar-se em 5 anos de prisão, suspensos na sua execução, por igual período, ainda que sujeito ao cumprimento de deveres necessários às exigências de prevenção.

ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!»

4. Admitido o recurso, nos termos do despacho do Senhor Desembargador relator no TRP, de 22-01-2025 (Ref.ª Citius ......37), e notificado o Ministério Público junto daquele tribunal, a Senhora Procurasdora-geral-adjunta ali em funções apresentou resposta, em 24-02-2025 (Ref.ª ....70), concluindo no sentido da irrecorribilidade do acórdão sob escrutínio, porquanto «(…) relativamente às penas em concreto aplicadas pelo Tribunal da Relação e à pena única resultante das mesmas, inferior a 8 anos de prisão, o acórdão da Relação será irrecorrível, também se entende que será a decisão da Relação irrecorrível na parte em que houve divergência da decisão em 1ª instância, por alteração de factos, mas ainda sim dentro da identidade essencial da decisão proferida em 1ª instância, mas agora mais benéfica ao arguido/Recorrente, e que se traduziu na declaração de prescrição relativamente a um dos crimes de violência doméstica e na condenação do arguido por crime menos grave ( convolação do crime de violência doméstica para o crime de ofensa à integridade física simples), embora não coincidente com a sua pretensão de absolvição».

5. Uma vez neste STJ, o Senhor Procurador-geral-adjunto aqui em funções emitiu parecer em 17-03-2025 (Ref.ª Citius ......50), no qual expendeu pertinentes considerações, concluindo no sentido em que:

«- Deverá o presente recurso ser rejeitado, face à sua inadmissibilidade legal, por dupla-conforme in mellius.

- Se assim não se entender, deve o presente recurso ser rejeitado, por legalmente inadmissível, pela via da irrecorribilidade da decisão recorrida, salvo, agora, no que respeita à matéria relativa ao crime de “homicídio”, sob a forma tentada, e às consequentes medida da pena única e suspensão de execução da pena de prisão;

- Nesta parte, deverá ser julgado não provido e improcedente.»

6. Observado o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, veio o arguido discordar do teor do parecer do Ministério Público insistindo que subsiste a questão da (falta de) legitimidade do Ministério Público quanto ao crime de ofensa à integridade física, e reiterando não existir irrecorribilidade por dupla conforme in mellius, chamando ainda a atenção para os fundamentos que em seu entender existem para proceder à redução da pena aplicada ao crime de homicídio tentado.

7. Colhidos os vistos, mantendo-se a regularidade e a validade da instância recursiva, não tendo sido requerida audiência, foram os autos julgados em conferência - artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

II.1. Factos provados e não provados

8. Por ter procedido, parcialmente, a impugnação ampla da matéria de facto formulada no seu recurso, encontra-se assente, após decisão do TRP, a seguinte factualidade, provada e não provada (transcrição):

«1. O arguido e CC contraíram matrimónio no dia 05 de outubro de 2008.

2. Fruto do casamento nasceu BB, a ... de ... de 2011.

3. Por sua vez, EE, nasceu a ... de ... de 2004, sendo filha de um primeiro relacionamento de CC.

4. Por altura do ano de 2006, CC e o arguido passaram a residir em comunhão de cama, mesa e habitação, juntamente com a filha daquela, EE, numa habitação sita na ....

5. À data, EE tinha cerca de dois anos de idade.

6. Após contraírem matrimónio, por questões relacionadas com a insolvência do arguido, acabaram por se divorciar no dia 12 de junho de 2019, ainda que para todos os efeitos continuassem a viver em comunhão de cama, mesa e habitação sita na ....

7. Ali residiram até data não concretamente apurada sendo que pelo menos até ... de ... de 2011, data que em nasceu o menor BB.

8. Após, em data não concretamente apurada, mudaram de residência da ... para Rua ..., em ....

9. O arguido passou a ter uma progressiva tendência para o abuso de álcool.

10. (eliminado).

11. Há cerca de seis anos, no interior da habitação, o arguido, sem qualquer motivo ficou exaltado e partiu objectos que se encontravam no interior da cozinha, tendo a ofendida chamado a sua mãe FF, para a auxiliar.

12. Na constância do matrimónio e enquanto habitavam em comunhão de cama, mesa e habitação, há pelo menos cinco anos, o arguido, no interior da habitação, concretamente na cozinha, pegou numa faca encostou-a junto ao pescoço da ofendida e disse-lhe que a matava.

13. (eliminado)

14. (eliminado)

15. No verão de 2021, a ofendida CC e o arguido separaram-se, passando a viver na mesma casa, mas em quartos separados.

16. Entre outubro e novembro de 2022, a ofendida ausentou-se de casa e foi jantar fora, tendo chegado a casa pela 01h00, facto que enfureceu o arguido que, embriagado, pelas 05h00/06h00, foi ao quarto onde aquela pernoitava, agarrou-a pelos cabelos e desferiu-lhe vários estalos.

17. Em seguida, o arguido transportou, à força, o seu filho menor, do seu quarto, para o quarto onde CC pernoitava, enquanto dizia “Anda ver a tua mãe. Esta porca, vadia” entre outros impropérios, continuando com as agressões puxando-a da cama pelos cabelos, empurrando-a contra a parede e desferindo-lhe chapadas na face, tudo isto na presença do filho de ambos, na altura com 10 anos de idade.

18. No ano de 2022, CC pôs termo à relação.

19. Nessa altura, o arguido saiu de casa, sita Rua ..., em ..., passando a ofendida a viver sozinha com o filho BB.

20. Apesar de tal facto, continuaram a trabalhar no mesmo local, numa agência de viagens de ambos, o arguido como comercial e a ofendida na parte financeira.

21. Quando EE tirava negativas nos testes escolares, no interior da residência de ambos, o arguido gritava com ela, afirmando que não admitia que tivesse aquelas notas e, simultaneamente, atirava-a ao chão, arrastando-a pelos cabelos, o que sucedeu um numero não concretamente apurado de vezes situadas entre o 8 e os 16 anos de idade daquela.

22. Quando EE, tinha cerca de 8 anos de idade, o arguido, no interior da residência de ambos, munido com um cinto desferiu-lhe pancadas nas costas, causando-lhe dores e deixando-lhe marcas no corpo.

23. Nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o arguido dirigiu-se ao quarto de EE e arremessou e partiu todos os objetos decorativos que tinha no seu interior.

24. O arguido, quando o seu filho tinha cerca de nove anos de idade, porque estava mais agitado e queria brincar, agarrou-o pelo pescoço com uma mão.

25. A ofendida EE, com 16 anos passou a residir com a sua avó, após um episódio de natureza sexual perpetrado pelo arguido contra a ofendida a que deu origem ao inquérito nº 1556/20.7..., tendo o arguido beneficiado de SPP, ainda em vigor.

26. A ofendida, por vergonha, não relatava as condutas do arguido, dando sempre uma imagem de felicidade para os outros.

27. Desde que terminaram a relação, BB visitava o arguido sempre que este mostrava vontade de passar tempo com o filho, facto que a ofendida não obstaculizou.

28. Em janeiro de 2023, CC conheceu DD, passando a ter com ele um relacionamento amoroso.

29. Na altura já não coabitava com o arguido, mas este procurava controlar-lhe os movimentos.

30. O relacionamento amoroso entre CC e DD não foi do agrado do arguido, o que veio agravar a perseguição à ofendida motivado por ciúmes.

31. Passou a ofendida a ser diversas vezes surpreendida pela presença do arguido em locais distintos, onde não era possível ele saber que a mesma se encontrava.

32. O arguido questionava constantemente a ofendida CC e o seu filho sobre o seu paradeiro e com quem falava ao telefone, tendo afirmado à ofendida, em fevereiro de 2023, que sabia onde aquela andava e a que horas chegava a casa, exibindo-lhe à mesma prints da sua localização.

33. No dia 11 de Fevereiro de 2023, pelas 19h50m, na Rua ..., residência do arguido, este enviou fotos a CC, com os pulsos cortados e mensagens a afirmar que ia cometer uma “loucura”.

34. CC, em pânico, ligou de imediato ao 112, tendo o arguido sido auxiliado.

35. No dia 08 de Março de 2023, pelas 04h55m, o arguido enviou uma mensagem a GG, pai de CC, com o seguinte teor: “Boa noite Sr. GG, quando acordar, Por favor Ligue comigo. Não o quero estar a incomodar a esta hora, mas cheguei a casa agora mesmo e fui com o HH. A CC está num motel do pior que há com um fulano e preparasse para chegar a casa as 07h00 da manhã para acordar o menino.”

36. No mesmo dia, pelas 4h57, o arguido continuou com a mensagem, referindo: “Isto não é admissível desculpe o desabafo mas da minha parte a CC nem um centavo vê e não adianta usar o nome do meu filho para viver as minhas custas. O homem com quem ela dorme que a sustente. Desculpe mais uma vez. AA”.

37. Durante a madrugada do mesmo dia, quando a ofendida pernoitava num motel com DD, o arguido telefonou e enviou mensagens à ofendida informando que sabia exactamente onde estava, afirmando que ia contar tudo à sua família e que iria aguardar a sua chegada à porta da sua casa, razão pela qual a ofendida, com receio do que o arguido viesse a fazer, contactou a PSP que se deslocou ao local da sua residência.

38. Uma vez nesse local, o OPC confrontou o arguido para que esclarecesse porque razão se encontrava naquele local, ao que o mesmo respondeu que estava na companhia do pai de CC que queria falar com esta.

39. Entre o mês de Abril a Junho de 2023, o arguido enviou várias mensagens quer a CC quer a DD.

40. Em relação a DD destacam-se as seguintes mensagens:

- mensagem enviada 02.04.2023, pelas 14h36m, com o seguinte teor: “Sei onde Moras, as tuas filhas e ex Mulher (…)”, no mesmo dia pelas 15h18 e 15h23 com o seguinte teor: “Tens as pernas no sitio. E a tua ex sei quem é um amor de Mulher muito sofrida, mas chupa E Fode bem. Vez como é a vida. Até o nome das tuas filhas sei. Fica com ela e com a tua ex”; “Já sei a tua morada, eu trato do assunto. Fica bem”.

41. Por sua vez, o arguido enviou a CC as seguintes mensagens: “Tem um pouco de vergonha, já não vais ter a casa e o carro por muito mais tempo só até agosto mas não me faças passar vergonhas a meter esse fulano a dormir aí em casa. Cada um dorme na cama que se deita e tu estás a prepará-la a tua maneira. Não te queixas das consequências.” – Mensagem enviada pelo arguido para CC 19 de Junho de 2023, pelas 01h52m; “Já és vista como uma mulher vulgar que era minha ex-mulher e que agora não és ninguém.” – Mensagem enviada pelo arguido para CC no dia 19 de Junho de 2023, pelas 23h29;“Não voltas a ter acesso a falar comigo. Não tens nível nem posição para me ter acesso. Podes falar com o meu advogado.” – Mensagem enviada pelo arguido para CC a 20 de Junho de 2023, pelas19h10m.

42. No dia 13 de Abril de 2023, pelas 13h55m, no interior das instalações da agência de viagens, sita na Avenida da ..., o arguido encetou uma discussão com a ofendida, e disse “para ela ter vergonha” e, em seguida, puxou-lhe os cabelos

43. Em Abril de 2023, no interior de um caixote de lixo, do escritório da agência, foi deixada uma caixa de uma faca, vazia.

--

facadas

44. No dia 14 de Julho de 2023 o arguido foi a casa de CC, buscar o filho para passar o fim-de-semana com ele, regressando no dia 16 de Julho de 2023, pelas 22h30m.

45. Quando chegou, o arguido tocou à campainha da residência de CC, acompanhado do seu filho.

46. CC, através do videoporteiro verificou que se encontrava à porta do edifício o seu filho, juntamente com o arguido, pelo que abriu a porta e o menor subiu pelo elevador.

47. Quando o menor entrou em casa, a campainha voltou a tocar de forma insistente, sendo o arguido quem de forma contínua pressionava o botão.

48. CC questionou-o quanto ao que pretendia, tendo aquele pedido para que descesse e lhe entregasse uma chave de um cofre que alegadamente teria em sua posse.

49.A CC recusou, continuando o arguido a pressionar a campainha, continuando a ser ignorado.

50. Alertado pelo toque insistente, DD, que se encontrava no interior da habitação, questionou CC relativamente ao sucedido, sendo que aquela acabou por referir que era o arguido e que aquele tinha dito, “Se não vens tu cá abaixo, diz ao filho da puta do morcão do teu namorado para vir ele”.

51. DD ligou para o telemóvel do arguido dizendo-lhe que estava na altura de por termo àquele comportamento, ao que o arguido respondeu, em tom exaltado: “Eu já saí daí, mas vem cá fora que já falamos os dois”.

52. No momento em que o ofendido DD chegava à entrada do prédio, exaurido com o comportamento do arguido com a ofendida CC, o arguido, conduzindo o seu veículo da marca BMW, de cor branca, passou a entrada do prédio, inverteu o sentido de marcha e estacionou no lugar existente defronte da farmácia, no lado oposto da via.

53. (eliminado).

54. DD, saiu, exaltado, e foi de encontro do arguido que se encontrava junto da sua viatura, estacionada parcialmente em cima do passeio do outro lado da Rua.

55. DD, atravessou a rua e foi ao encontro do arguido que estava a sair do interior da viatura enquanto lhe berrava, chamando-lhe repetidamente “filho da puta”.

56. De seguida, o arguido saiu do interior da viatura, deixando a porta do condutor aberta, tendo de imediato lhe desferido pontapés ao que DD reagiu, agarrando-se àquele tombando ambos para o interior da viatura, desferindo-lhe socos, iniciando-se uma altercação física entre ambos.

57. A dada altura saíram ambos do interior do carro, mas mantiveram-se as agressões, sendo que, em momento que não foi possível precisar, o arguido já havia atingido o DD com uma faca, no dorso, na zona lateral que de imediato começou a sangrar.

58. Ato seguido e ainda envolvidos fisicamente, já no exterior da viatura, o arguido desferiu com a mesma faca mais 3 outros golpes que atingiriam o DD no tórax e no braço.

59. Seguidamente, DD começou a correr, em direção aos acessos da praia e o arguido, sempre a empunhar a faca, foi atrás dele, por apenas alguns metros, pois começaram a juntar-se várias pessoas no local, o que o inibiu de continuar no encalce da vítima que se encontrava em fuga.

60. O arguido regressou à sua viatura e colocou-se em fuga.

61. Como consequência directa e necessária da conduta perpetrada, DD sofreu no tórax, na vertente lateral do hemitórax esquerdo, ao nível da linha axilar anterior e 5º espaço intercostal, apresenta uma cicatriz, ligeiramente ruborizada e espessada, com 3 cm por 1 cm de dimensões máximas. Na vertente lateral do hemitórax esquerdo, ao nível da linha axilar posterior ao nível do 6º espaço intercostal, apresenta cicatriz irregular com 6cm por 2 cm de dimensões máximas. Ao mesmo nível que esta cicatriz, em posição mais posterior, já na vertente póstero-lateral do hemitórax esquerdo apresenta uma cicatriz com 1, 5cm de comprimento. Duas cicatrizes irregulares na região esquerda, a maior com 1, cm por 1 cm de dimensões máximas. No membro superior esquerdo: ombro sem limitação de mobilidade ativa, passiva, contra-resistências, sem amiotrofias. Discreta dor na inserção da coifa dos rotadores nos extremos dos movimentos de abdução e flexão, Cicatriz na vertente posterior do braço, de forma triangular, com 1,5 cm por 1,5 cm de dimensões máximas.

62. Da conduta perpetrada pelo arguido resultou, em concreto, perigo para a vida de DD (hemopneumotórax hipertensivo e com necessidade de transfusão de glóbulos rubros devido a hipovolémia pelo hemopneumotórax)), cuja situação clínica ficou consolidada a 26.09.2023 – tudo sem prejuízo das sequelas e lesões permanentes infra descritas de j. a al.

dolo

63. Com o comportamento supra descrito pretendeu e conseguiu o arguido molestar o corpo de CC, causando-lhe dores, mostrando-se indiferente pelo estado em que a deixava.

64. Pretendeu ainda o arguido com o seu comportamento humilhar a ofendida, assustando-a e diminuindo-a no respeito que lhe era devido, atingindo-a na sua honra e consideração.

65. Ao ouvir as palavras e mensagens que lhe foram dirigidas pelo arguido, bem como a sua perseguição, a ofendida ficou receosa, temendo que aquele viesse, num futuro próximo, a atentar contra a sua vida ou integridade física.

66. O arguido quis ainda forçar CC a reatar a coabitação, o que não conseguiu por circunstâncias alheias à sua vontade.

67. Sabia que as expressões que proferiu aliadas ao seu comportamento repetido e obsessivo, eram idóneas a provocar na ofendida medo que o mesmo atentasse contra a sua integridade física e vida e cerceá-la na sua liberdade, desiderato que perseguiu e alcançou.

68. Com a sua atuação, perseguindo e dirigindo-se à sua mulher e ex-companheira, da forma descrita, o arguido quis maltratá-la física e psicologicamente, no seu corpo e na sua saúde, o que efetivamente conseguiu.

69. Agiu querendo assumir controlo sobre a vida da ofendida, impondo constantemente a sua presença e condicionando a liberdade de movimentação daquela e exercendo grande e prolongada pressão psicológica sobre a mesma.

70. (eliminado).

71. Com o comportamento supra descrito pretendeu e conseguiu o arguido molestar o corpo de EE, menor de idade, causando-lhe dores, mostrando-se indiferente pelo estado em que a deixava.

72. Pretendeu ainda o arguido com o seu comportamento humilhar a ofendida, assustando-a e diminuindo-a no respeito que lhe era devido, atingindo-a na sua honra e consideração, ciente que se tratava de pessoa menor de idade, particularmente indefesa, em razão da sua idade e que tal circunstância a impossibilitava de se defender perante um adulto.

-

73. Com o comportamento supra descrito pretendeu e conseguiu o arguido molestar o corpo de BB, seu filho e menor de idade, causando-lhe dores, mostrando-se indiferente pelo estado em que o deixava.

74. Pretendeu ainda o arguido com o seu comportamento humilhar o ofendido, assustando-o com os seus comportamentos agressivos, ciente que se tratava de pessoa particularmente indefesa, em razão da sua idade e que tal circunstância o impossibilitava de se defender perante um adulto.

-

75. Ao ler mensagens que lhe foram dirigidas pelo arguido, num contexto de grande conflitualidade, o ofendido DD ficou receoso, temendo que aquele viesse, num futuro próximo, a atentar contra a sua integridade física, bem como das suas filhas, com 12 e 15 anos de idade.

76. Sabia o arguido que tais afirmações eram idóneas a causar no ofendido, como efetivamente causou, receio pela sua integridade física, bem como das filhas menores daquele.

--

77. O arguido atuou, com o propósito de tirar a vida a DD, utilizando uma faca, que previamente levou consigo, sabendo que a atuação levada a cabo e o meio por si utilizado era idóneo à produção do resultado pretendido.

78. O arguido só não concretizou os seus intentos por circunstâncias alheias à sua vontade, nomeadamente porque o ofendido conseguiu fugir, pelo facto de se aglomerarem pessoas que levou o arguido a não continuar a perseguir o ofendido e pela rápida intervenção médica.

79. O arguido mais sabia que o meio por si utilizado era idóneo à produção do resultado pretendido, bem como, que o mesmo continha em si uma perigosidade acrescida.

--

80. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal

--

O arguido sofreu as seguintes condenações:

-no âmbito do proc.º 672/19.2..., por sentença transitada em julgado a 12.12.2019, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, acrescida da sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 meses, pela prática a 3.11.2019 de um crime de condução sob influência do álcool

- no âmbito do proc.º 786/23.4..., por sentença transitada em julgado a 25.09.2023, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, acrescida da sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de 9 meses, pela prática a 23.06.2023 de um crime de condução sob influência do álcool.

--

Das condições pessoais, familiares, sócio-económicas e profissionais do arguido:

O arguido contraiu matrimónio com CC, quando tinha cerca de 33 anos, tendo o casal desta relação um descendente em comum, presentemente com 12 anos de idade. O casal veio a divorciar-se em 2019, por motivos de insolvência do arguido, sendo que mantiveram a coabitação e o relacionamento afetivo até meados de 2021, altura em que se separam definitivamente.

BB residia com o ex-cônjuge, a ofendida, filha desta, e o descendente de ambos, em apartamento propriedade do ex-cônjuge do arguido/ofendida no presente processo, tipologia 3, com condições de habitabilidade, localizada em ....

O arguido, decorrente da degradação da relação conjugal, veio a separar-se do ex-cônjuge, passando a residir temporariamente no domicílio da irmã, apartamento arrendado, tipologia 2+1, com condições de habitabilidade, onde residia também de forma intermitente o sobrinho. Posteriormente arrendou apartamento, na ..., tipologia 1+1, sito na Av ..., que justificou com a proximidade ao colégio do descendente e possibilidade de ser um progenitor presente no processo educativo e desenvolvimental do mesmo.

Avalia o relacionamento afetivo com a ofendida como globalmente positivo, considerando que a sintomatologia depressiva, que atribuiu aos processos de luto pelo falecimento dos progenitores, 2020 e 2021, e os seus consumos de álcool que contribuíram para um progressivo isolamento pessoal, afastamento afetivo e consequente degradação da relação que culminou em rutura. Posteriormente à separação reporta que manteve um relacionamento e comunicação cordial, positiva, nomeadamente no que refere a questões familiares/parentais e profissionais, tendo mantido colaboração laboral até meados de 2023, na empresa da qual o ex-cônjuge/ofendida era sócia-gerente.

O arguido a partir de 21.07.2023, decorrente da aplicação de medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, integrou o agregado da irmã, II, de 56 anos, inativa por motivos de saúde. A habitação, sita na rua ..., é um apartamento arrendado, tipologia 2, descrito como tendo condições básicas de habitabilidade, não obstante o arguido considerar o espaço exíguo, localizado em zona urbana sem significativa incidência de problemáticas sociais e/ou criminais. As dinâmicas familiares foram retratadas como apoiantes.

AA mantém visitas quinzenais ao descendente, de acordo com o estabelecido na regulação das responsabilidades parentais, no entanto refere que há cerca de um mês que tal não tem sucedido uma vez que o elemento familiar que geralmente efetua o transporte do menor para as visitas, irmão da ofendida, se encontrará indisponível por motivos de trabalho.

AA concluiu o 12º ano através da frequência de curso profissional na área do turismo, posteriormente efetuou curso de Turismo, na Escola 1 e bacharelato em Turismo, na Escola 2. Teve a sua primeira experiência profissional aos 21 anos de idade, como paquete em agência de viagens propriedade do progenitor, posteriormente passou por várias áreas dentro da agência, sendo que após 4 anos de integração passou a deter 10% da sociedade, que vieram a vender em 1998. O progenitor criou nova agência de viagens, detendo o arguido cerca de 10 % da mesma, que mantiveram até 2010, data em que abriram falência. Laborou cerca de 3 anos em outra agência de viagens, propriedade do progenitor, período após o qual saiu para ocupar as funções de diretor comercial na empresa “Lif..., Lda.”, da qual era sócia-gerente a ofendida, CC, onde se manteve cerca de 10 anos, até junho de 2023, data na qual refere ter cessado funções por sua iniciativa.

AA constituiu a empresa “Liv..., Lda.”, a operar na área do turismo como agência de viagens, em data que não soube precisar, mas anterior a junho de 2023, na qual mantém até ao momento funções de sócio-gerente, sendo o único funcionário. O arguido relatou trabalhar diariamente, a partir de casa, narrando constrangimentos à atividade pela impossibilidade de manter contactos presenciais com os seus clientes, após lhe ter sido indeferido o requerimento para se deslocar diariamente ao escritório/sede da empresa, localizada na Avenida da ....

Ao longo do período em que viveu com a ofendida, o arguido reportou que auferia o salário mínimo nacional, acrescido de prémios de vendas, sendo a gestão da economia do agregado realizada em conjunto com a ofendida, que este referiu auferir cerca de 1200Euros. De acordo com o arguido, o casal dispunha de uma situação económica equilibrada e confortável, apresentando como principais despesas fixas mensais os encargos com a prestação do empréstimo da habitação, cerca de 400Euros, condomínio cerca de 110Euros, despesas com a educação do descendente em comum e a descendente da ofendida, ambos a frequentar estabelecimento de ensino privado, cerca de 1000Euros.

Presentemente, AA reporta auferir o salário mínimo nacional, valor ao qual acrescem prémios sazonais relativos às vendas efetuadas, em montantes que o mesmo não precisou. Avalia a sua situação financeira pessoal como precária, porquanto lhe exigirá uma gestão cuidada para colmatar as suas despesas fixas mensais, que neste momento se prendem com a renda do apartamento onde residia anteriormente à aplicação da medida de coação de Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica e que mantém, sito na ..., no valor de cerca de 650Euros, prestação do crédito para aquisição do veículo automóvel, cerca de 400Euros, pensão de alimentos do descendente, 150Euros, participação de 50% da mensalidade do colégio do descendente, no valor de cerca de 230Euros, contributo para as despesas no agregado da irmã, cerca de 150Euros.

O agregado da irmã do arguido subsiste da Prestação Social para a Inclusão (PSI) da qual esta é beneficiária, no valor de cerca de 600Euros, sendo que a mesma confirma o apoio financeiro/contributo prestado pelo arguido no valor de cerca de 150 euros. A situação financeira do agregado foi avaliada como modesta, sendo apresentadas como principais despesas fixas mensais os encargos com a renda da habitação, cerca de 256Euros, fornecimento de eletricidade, cerca de 100Euros, fornecimento de água, cerca de 20Euros, e telecomunicações, cerca de 40Euros.

No que refere à saúde, o arguido assume consumos abusivos de álcool situação que o levou a recorrer a consulta de psiquiatria, em setembro de 2020, então em estabelecimento de saúde privado, que mantém com regularidade mensal, efetuando tratamento psicofarmacológico. A partir de 14.10.2022, passou a ser acompanhado na consulta de alcoologia na Unidade de Alcoologia do .... Em 27.03.2024, a médica que o acompanha, declarou que este revelava motivação e cooperação no tratamento. AA afirma estar abstinente de consumo de álcool há cerca de 6 meses.

À data dos factos pelos quais vem acusado, tratando-se de um período alargado de tempo, o quotidiano do arguido era organizado sobretudo em função da atividade profissional e convívio familiar.

Presentemente, AA ocupa-se primordialmente com a atividade profissional, convívio com a irmã e com o descendente, refere ainda fazer exercício físico e ver televisão.

No âmbito do processo 1556/20.7... do Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca do Porto, DIAP – Secção de ..., no qual foi indiciado por crime de importunação sexual agravado na pessoa da filha da ofendida/enteada do arguido, no presente processo, beneficiou de suspensão provisória de processo pelo período de 24 meses, sujeito às injunções de comparecer na DGRSP sempre que para tanto convocado, sujeitando-se a programas de intervenção que venham a ser reportados como necessários e a submeter-se ao acompanhamento por parte de tal entidade e manter o acompanhamento médico especializado ao nível da psiquiatria, cumprindo as prescrições/tratamento que lhe forem prescritos para tratamento da sua adição ao álcool. Do acompanhamento que decorreu entre maio de 2022 e abril de 2024, foi considerado que o arguido manteve uma adesão positiva à intervenção destes Serviços da DGRSP, bem como aderiu à intervenção clínica junto da Unidade de Alcoologia do ... e da Consulta de Sexologia Clínica do Hospital 1, para o qual foi encaminhado.

No âmbito do presente processo permanece com medida de coação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, desde 21.07.2023, não havendo registo de incidentes no decurso da mesma.

Face ao presente confronto com o sistema da administração da justiça penal, o arguido verbaliza preocupação face à sua situação jurídico penal, narrando significativo impacto da mesma ao nível pessoal e profissional decorrente da medida de coação que lhe foi aplicada e implicações na gestão do seu quotidiano e privação de liberdade.

Solicitado a ponderar eventual adesão a medida na comunidade, verbalizou disponibilidade para cumprir com o judicialmente determinado, não obstante perspetivar uma decisão favorável para si.

O arguido é tido como pessoa empenhada, bom profissional, preocupado com colegas de trabalho; e bem assim como pai carinhoso e dedicado.

--

Mais se provou que

a. A mudança de residência aludida em 8 ocorreu por volta do ano de 2015.

b. Quando a CC estava grávida do filho de ambos, com cerca de 7 meses, o arguido agrediu-a na cabeça com pontapés, pegou-lhe pelos cabelos e empurrou-a contra a parede

c. Nas demais circunstâncias descritas em 17 o arguido também apelidou a CC de “vaca” e “ordinária”, enquanto dizia ao filho que ela tinha acabado de chegar a casa.

d. Nas circunstâncias aludidas em 24 o arguido deixou o filho com dificuldade em conseguir respirar.

e. Nas demais circunstâncias descritas em 31 e 32 o arguido manteve no telemóvel da ofendida, num período de tempo que não foi possível apurar, uma aplicação que permitia determinar a sua localização e questionava as funcionárias da agência de viagens onde trabalhavam dos horários de entrada e saída da ofendida.

--

Apurou-se ainda que

f. Em data e circunstâncias que não foi possível precisar a ofendida CC enviou ao arguido a seguinte mensagem “No que depender de mim vais apodrecer na cadeia”

g. O arguido e o filho mantêm uma ligação próxima, fortalecida entre os dois com jogos passeios, palavras carinhosas e mensagens de boa noite; desejam estar ao fim de semana mesmo o filho sabendo que o pai não pode sair de casa.

h. O arguido, a ofendida e os filhos foram de férias juntos: em 2021 a Espanha (Benidorm); em 2020 ao Dubai; fim de semana no Douro; fim de semana em Évora; férias na Isla Canela e Congresso de Turismo na Ilha da Madeira onde ficaram hospedados no Savoy Palace; em 2018 à Alemanha (feira de Turismo de Berlin ITV); fizeram um cruzeiro no Mediterrâneo (Sardenha em Abril); férias em Palma de Maiorca; em Ibiza (em Agosto) e à Tunísia (Djerba em Setembro); em 2017 a Londres; Milão; fizeram um cruzeiro no Mediterrâneo (Riviera Francesa); férias em Palma de Maiorca (Mélia Calvia), no Algarve (Hotel S. Rafael), fim de semana em Óbidos e em Fátima (aqui na companhia dos pais da sua ex-mulher); em 2016, férias no Algarve (Palace Hotel Salgados), em Menorca e a Óbidos, aqui com a família da sua ex-mulher; 2015, férias no Algarve; ao longo dos anos fins de semana na casa de férias do pai do arguido em ...

i. A ex-mulher do arguido, como única sócia gerente da sociedade L... recebia no seu telemóvel via sms os códigos de acesso bancário para serem autorizados os movimentos como pagar viagens a clientes, salários e despesas

-

Provou-se também que

j. No dia 17 de julho de 2023, o demandante (assistente) foi internado e assistido clinicamente no Hospital 2.

k. A qual teve como propósito intervencionar trauma torácico penetrante de baixa cinética (arma branca) à esquerda:

- 4 feridas cortocontusas de 2 cm (duas na omoplata esquerda, uma na linha axilar posterior e outra na linha axilar média), com pneumotórax;

- pneumomediatino e hemorragia abundante no local com compromisso respiratório imediato;

- disfunção cardiocirculatória (taquicardia e lactatos);

-enfisema subcutâneo na região cervical, axilar e do ombro esquerdos;

-hematoma bem circunscrito e flutuante subjacente às duas feridas

l. Manteve-se internado e sob observação até ao dia 24 de Julho de 2023, na sobredita unidade, data em que lhe foi dada alta, com consequente recuperação.

m. No que concerne ao processo de reabilitação profunda ainda esteve limitado e condicionado até 26 de Setembro de 2023 e após, ainda com sequelas, não conseguiu reatar logo a sua vida de forma normal.

n. A reabilitação consistiu em repouso absoluto, cuidados de penso, toma de medicação e vigia de sinais de alarme, nomeadamente referentes a febres e dificuldades respiratórias.

o. As referidas lesões implicaram ainda uma ITA para o trabalho desde 17 de julho até 26 de setembro de 2023.

p. O que mesmo após retomar a actividade laboral exige do demandante (assistente) um quantum doloris por esforço suplementar, físico e psíquico, para obter o mesmo resultado do seu trabalho.

q. O demandante exercia e exerce as funções de vendedor/comercial de vinhos.

r. Auferindo o salário médio não concretamente apurado, nunca inferior a 1.137,45€.

s. (aditado aos não provados).

t. (eliminado).

u. (eliminado).

v. A qual afetou o seu ritmo de vida e hábitos porque implicou que ficasse dependente de terceiros até pelo menos 26 de setembro de 2023 e porque lhe provocou dor, angústia e sofrimento.

x. Durante o período supra relatado o ora demandante viu cerceada a sua liberdade de movimentos e a possibilidade de usufruir da sua habitual vida social e profissional.

y. O demandante apresentou necessidade de recorrer a inúmeros tratamentos de pensos e de infeções com pontos.

w. Tais tratamentos realizados numa zona sensível e delicada como a zona do tórax, causaram-lhe sofrimento e incómodo.

z. Em consequência sofreu inúmeras dores com o incidente ao nível das zonas corporais envolvidas, foi obrigado à ingestão forçosa de substâncias medicamentosas para as atenuar e forçado ao período de recobro no hospital e em casa, bem como à redução parcial da sua mobilidade.

aa. (eliminado).

ab. (eliminado).

ac. (eliminado).

ad. (eliminado).

ae. (eliminado).

af. As cicatrizes que apresenta no tórax resultantes das punhaladas desferidas pelo arguido e consequentes intervenções realizadas produzem um dano estético que o irá perseguir o resto da sua vida e que o relembrarão desse evento.

ag. O demandante sentiu-se profundamente envergonhado e injustiçado com o ataque de que foi alvo pelo arguido, ficando inclusivamente dominado por um sentimento de enorme terror, angústia e intranquilidade face ao receio de represálias do arguido, ainda que por meio de terceiros.

ah. O demandante (assistente) sempre foi uma pessoa estimada e respeitada no seu meio profissional dos vinhos, sendo-lhe reconhecida uma grande autoridade moral e profunda honestidade.

ai. Que viu colocada em causa em virtude dos acontecimentos ocorridos, os quais foram expostos na imprensa nacional por meio de diversos noticiários e jornais, com contornos pouco precisos e que permitiram especulações infundadas.

aj. Tal levou a que algumas pessoas suscitassem dúvidas sobre a sua idoneidade e sobre o tipo de pessoa que mantinha no seu círculo íntimo.

ak. Sendo objecto de comentários, no seu meio e abordagens mais indecorosas para si próprio e envolvendo os seus familiares.

al. Tudo isto fez com que o demandante ficasse deprimido, receoso e entristecido.

Am. Em consequência da conduta do arguido, o assistente deixou de auferir, durante a ITA de 17.07.2023 até 26.09.2023, o valor liquido:

- de 499,97€ no mês de julho de 2023;

- não inferior a 1.137,45€ o mês de agosto de 2023;

- de 933,46€ no mês de setembro de 2023.

--

Factos não provados

Não se provou que

I. Na altura em que estava grávida do filho de ambos, o arguido, embriagado, arremessou uma peça de decoração à ofendida CC, atingindo-a na cabeça, causando-lhe dores e um pequeno ferimento sangrante, que a própria curou em casa.

II. No ano de 2011, após o nascimento de BB, o arguido, alcoolizado, durante a madrugada, no interior da habitação, decidiu que pretendia manter relações sexuais com a ofendida CC e, por que esta não lhe apetecia, o arguido puxou-lhe os cabelos, desferiu-lhe repetidamente bofetadas na cara, até lograr os seus intentos libidinosos.

III. Nas demais circunstâncias aludidas em 13 o arguido também dizia à ofendida que “sem ele nunca seria nada”, “que ninguém iria acreditar em nada do que ela dizia”, ridicularizava as suas origens humildes, procurando explorar a sua dependência económica e emocional como forma de garantir que a ofendida o não deixaria.

IV. Nas demais circunstâncias descritas em 14 os menores tinham também receio pelas suas integridades físicas

V. Nas demais circunstâncias aludidas em 17 o arguido também dizia ao filho menor “Anda ver como se faz”.

VI. O arguido actuou nas demais circunstâncias aludidas em 24 porque o filho estava a fazer uma birra.

VII. Enquanto habitavam em comunhão da cama, mesa e habitação, o arguido partiu portas interiores da habitação danificando-as

VIII. Sem prejuízo e para além do descrito em e. o arguido ordenava, ainda, a JJ, funcionária da agência, que lhe informasse, por mensagem, sempre que CC chegasse e saísse ao seu local de trabalho, o que sucedeu pelo menos, desde o dia 09 de Março de 2023.

IX. Nas demais circunstâncias descritas em 42 o arguido disse “vai para o caralho, não preciso de ti para nada” e desferiu pancadas na cabeça da ofendida e apertou-lhe os braços, causando-lhe dores.

X. Nas demais circunstâncias descritas em 43 foi o arguido quem deixou a tal caixa no caixote do lixo, contendo mesma na tampa uma foto de uma faca com os dizeres “Ou é para mim ou é para ti”.

XI. No início de Julho de 2023, o arguido através do IPAD falou com o seu filho menor disse-lhe que ia para fora do país para ganhar dinheiro, indagando-o se queria ir com ele.

XII. Nas demais circunstâncias descritas em 48 correspondia ou não à verdade estar na posse da ofendida a tal chave (que não a chave do escritório).

XIII. Nessas mesmas circunstâncias a CC percebeu que o propósito do arguido era fazê-la descer para a agredir.

XIV. O arguido trazia a faca na parte de trás das calças nas demais circunstâncias descritas em 53

XV. No momento descrito em 57 o arguido desferia socos a DD.

XVI. Nas demais circunstâncias descritas de 56 a 58, o arguido recolheu do lado direito das calças a tal faca, quando se encontrava junto da bagageira do seu veículo.

XVII. Para além das demais circunstâncias descritas ainda de 56 a 58, o arguido com a mão cerrada direcionou o objecto que empunhava por quatro vezes consecutivas (braço para a frente e pata trás, paralelo ao chão) na direcção do DD

XVIII. Nas demais circunstâncias descritas em 40 e 75 o ofendido DD também temeu que o arguido viesse a atentar contra a sua vida

XIX. O arguido, ao levar consigo uma faca e tocar insistentemente na campainha da ofendida pretendia provoca-la, bem como a que com ela estivesse.

XX. Para além e nas demais circunstâncias descritas em 75 e 76, por referência também ao descrito em 40, sabia o arguido que as afirmações eram idóneas a causar ao ofendido DD receio pela sua vida bem como das suas filhas

XXI. Nas demais circunstâncias descritas em 77 o arguido actuou premeditadamente

XXII. Quando o arguido permanecia no escritório no 3.º andar e a sua ex-mulher na agência de viagens no rés-do-chão vinha bater-lhe à porta para utilizar o quarto de banho do 3.º andar e para não usar o quarto de banho que servia o rés-do-chão e o espaço da loja

XXIII. Nas circunstâncias supra descritas em i., por indiferença a ofendida ignorava o recebimento de tais códigos e, a maior parte das vezes, só com a intervenção das funcionárias da agência, alertando para a iminente consequência dos passageiros não poderem voar é que os facultava.

XXIV. Tais atitudes sempre estranharam o arguido, mas nunca lhe passou pela ideia que durante o tempo que isso se passava a sua ex-mulher desviava da conta bancária da agência de viagens quantias muito elevadas em dinheiro que eram necessárias a garantir as viagens dos clientes.

XXV. O arguido apurou que a sua ex-mulher gastaria uma média mensal de cerca de 4 a 5 mil euros, a maior parte em objectos supérfluos, como roupas e estéticas.

XXVI. Em Dezembro de 2022 o valor exacto dos gastos ascenderam a € 4.749,83; em Novembro de 2022 a € 4.302,14

XXVII. No período de 1 de Maio de 2023 a 9 de Junho de 2023, em levantamentos e transferências da conta da agência para uso pessoal ou interesses particulares a sua ex.mulher retirou €15.058,28, sendo € 7.225,72+€5.000,00 do BPI e € 2.832,56 do cartão Unicre

XXVIII. Dando-se o arguido conta que no 1.º semestre de 2023 os valores apropriados pela sua ex-mulher tenham ascendido a cerca de € 70.000,00

XXIX. Mesmo a indemnização que o arguido recebeu da Companhia de Seguros Fidelidade por um acidente de trabalho que sofreu, cerca de metade de € 5.200,00 foi apropriada pela sua ex-mulher para constituir um depósito bancário em nome dela.

XXX. Foi após conhecer os levantamentos de dinheiro que o arguido não teve outra alternativa senão rescindir o seu contrato de trabalho, por não ser possível continuar na empresa sem cumprir com as obrigações para com os seus clientes.

XXXI. Havia um acordo entre o arguido e a sua ex-mulher de não uso e habitação da casa por estranhos que foi quebrado, casa essa que a sua ex-mulher vendeu a 9.10.2023 pelo preço de € 220.000,00, dos quais € 100.000,00 correspondem a ganho que recebeu sem dar conhecimento ao arguido.

XXXII. Nas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritas de 50 a 60, o arguido foi asfixiado por DD que o agarrou e apertou o pescoço, com força.

XXXIII. ao mesmo tempo aquele exibia junto ao pescoço do arguido uma faca, tipo canivete e dizia-lhe : vou-te matar.

XXXIV. Tal sucedeu com o arguido sentado dentro da sua viatura automóvel, no lugar do condutor e o DD com o corpo em cima dele, fazendo força.

XXXV. Para isso o DD penetrou no carro onde estava o arguido, contra a sua vontade.

XXXVI. Por virtude dessa actuação o arguido sofreu equimoses na zona frontal do pescoço.

XXXVII. O arguido tentou libertar-se do DD.

XXXVIII. Sentindo que a faca tinha caído da mão do DD, o arguido pegou nela e em sofrimento causado pela asfixia fez movimentos para o picar nas costas.

XXXIX. O DD parou a agressão e saiu do carro.

XL. Quando o arguido Conseguiu sair do carro já o DD corria e afastava-se em direcção à praia.

XLI. Assustado com os acontecimentos e o sangue na mão, deambulou à volta do carro sem saber o que fazer, largou a faca e regressou a casa de carro.

XLII. Manifestou preocupação com o DD ao tentar saber a gravidade dos ferimentos.

XLIII. Foi o DD que desafiou o arguido a vir ter com ele, fazendo-lhe sucessivos telefonemas e dizendo-lhe: filho da puta, não és homem não és nada; anda cá se és homem.

XLIV. Quando o arguido veio ter com aquele, estacionou o carro e o DD do passeio, do outro lado da rua chamava-lhe repetidamente, de viva voz, filho da puta.

XLV. De repente, ainda antes de o arguido poder sair do carro, aquele correu na sua direcção abriu a porta do condutor e iniciou a agressão e a ameaça.

XLVI. O arguido não sabia sequer que o DD se encontrava em casa da sua ex-mulher, tendo sido este que lhe disse onde estava.

XLVII. Nas circunstâncias descritas em 44 e 45 o arguido certificou-se de que menor tinha entrado no elevador e tocou à campainha da porta da rua apenas com o intuito de pedir a chave do cofre do escritório no ....

XLVIII. Chave essa que se encontrava e encontra na posse da sua ex-mulher

XLIX. O arguido insistiu pela sua entrega, disse-lhe que a mesma lhe fazia falta para ter acesso a documentação.

L. A resposta que obteve da sua ex-mulher foi: “não me chateies”

LI. Regressou a casa de carro e já no caminho é que recebeu as chamadas telefónicas do DD.

LII. Todo o fim de semana com o seu filho nunca o arguido foi ao prédio onde vivia a sua ex-mulher nem sabia onde se encontrava o carro que ela utilizava.

LIII. Actualmente em média o seu rendimento não excede os € 1.300,00 decorrente das suas dificuldades que não lhe permitem desempenhar as suas funções nos mesmos termos em que as executava

II.2. Mérito do recurso

9. Os poderes de cognição do tribunal de recurso são delimitados pelo teor das conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 434.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de Jurisprudência STJ n.º 7/95, DR-I.ª Série, de 28-12-1995), os quais devem resultar diretamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).

10. Das conclusões da motivação de recurso do arguido, apesar da sua dispersão e pouca linearidade, é possível extrair com a necessária segurança que o mesmo pretende colocar à apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça, as questões seguintes:

i) recorribilidade do acórdão – Conclusões 1 a 4;

ii) absolvição pelo crime de ofensaà integridadefísica simples, p. e p.pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, por falta de legitimidade do Ministério Público para a prossecução da ação penal – Conclusões 5 a 18 e 20;

iii) inconstitucionalidade dos artigos 113.º e 143.º, n.º 2, do Código Penal e artigo 49.º do C.P.P., por violação dos artigos 2.º, 13.º, 29.º, 32.º, n.ºs 1 e 5 da C.R.P., ao permitir a convolação do crime de violência doméstica, sem preexistência de queixa – Conclusão 19;

iv) absolvição do crime de ameaça por não se verificarem preenchidos os elementos objetivos deste tipo-de-ilícito, e, a manter-se, a redução da respetiva pena para um mês de prisão – Conclusões 21 a 34;

v) redução da medida das penas parcelares de prisão aplicadas aos crimes de violência doméstica e de homicídio tentado, para 2 anos e 6 meses e 4 anos, respetivamente, devendo a pena única fixar-se em 5 anos de prisão, suspensa na sua execução – Conclusões 35 a 63.

11. O recurso do arguido foi admitido na sua totalidade, como se disse supra, por despacho do Senhor Desembargador relator no TRP, de 22-01-2025.

Todavia,

- o recorrente foi condenado pelo acórdão do tribunal de 1.ª Instância, nos termos supra enunciados, em autoria material e em concurso efetivo, nos termos dos artigos 26.º e 30.º, nº1 do Código Penal:

- pela prática de cada um dos três crimes de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. a), d) e e), n.º 2 al. a), n.º 5 e 6 e 14.º, n.º 1, do Código Penal:

na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão,

na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão,

na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão,

- pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153.º, n.º 1 do Código Penal (improcedendo a agravação a que alude o art. 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal), na pena de 6 (seis) meses de prisão;

- pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelo art. 131.º, 22.º, n.º 1 e 2 al. b), 23.º, n.º 1, e 14.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico foi condenado pena única de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Por seu turno, pelo acórdão, recorrido, do TRP, o arguido-recorrente ficou condenado, como autor material, e em concurso efetivo, nos termos dos artigos 26.º e 30.º, n.º 1, do Código Penal, pela prática:

- de um crime de ofensa à integridade física simples (vítima filho menor BB), p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão;

- de um crime de violência doméstica (vítima CC), p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. a), n.º 2, al. a), n.º 5 e 6 e 14.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- de um crime de ameaça (vítima DD), p. e p. pelo art. 153.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

- de um crime de homicídio, na forma tentada (vítima DD), p. e p. pelo art. 131.º, 22.º, n.º 1 e 2 al. b), 23.º, n.º 1, e 14.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares foi o arguido condenado na pena única de sete (sete) anos e dois (dois) meses de prisão efetiva.

É certo que no introito das alegações do seu recurso, o arguido ensaia uma construção de o seu recurso dever ser admitido, apesar de reconhecer tratar-se de situação de dupla conforme penal in mellius, referindo que:

«É que o acórdão da Relação, além de diminuir cada uma das penas parcelares, diminuindo, consequente, a pena única resultante do cúmulo (de 10 anos e 6 meses para 7 anos e 2 meses), procedeu, ainda, a uma alteração da matéria de facto, a qual, influiu não só na absolvição do crime de violência doméstica contra EE pelo qual o arguido estava condenado, como, também, levou a uma alteração da qualificação jurídica do crime de violência doméstica contra BB para ofensa à integridade física simples, colocando-se agora, pela primeira vez, a discussão quanto à (i)legitimidade do Ministério Público neste tipo-de-ilícito, atenta a transmutação da natureza dos crimes entretanto operada.

E toda esta alteração factual a que procedeu no acórdão em crise, com consequências ao nível do enquadramento jurídico dos factos e consequente alteração da qualificação jurídica, impedem que se considere que se tenha atingido “um grau de certeza de uma boa decisão da causa, impedindo, assim, um segundo recurso”»,

invocando alguns acórdãos deste STJ como sustentando o seu entendimento, nomeadamente o Ac. do STJ de 18-01-2018; Proc. n.º 239/11.3TALRS.L1.S1 - rel. Cons. Lopes da Mota.

Defende, assim, «(…) porque não houve uma «confirmação» por parte do Tribunal da Relação quanto ao acórdão proferido pela 1ª instância – o qual alterou a matéria de facto, alterou a qualificação jurídica dos factos e introduziu ex novo a discussão em torno da (i)legitimidade do Ministério Público quanto ao crime de ofensa à integridade física simples – a decisão em causa é recorrível e, como tal, suscetível de ser sindicada por este Colendo Tribunal, ao abrigo do disposto nos artigos 399º, 400º, nº 1, al. f) a contrario e 432º, nº 1, al. b), todos do C.P.P.».

Apreciemos.

Antes de mais, o STJ tem emitido pronúncias em sentido divergente do acórdão do STJ de 18-01-2018, indicado pelo arguido como sustentáculo da sua pretensão de conhecimento do recurso. Porém, o próprio acórdão citado versa sobre situação processual distinta da dos presentes autos, uma vez que ali se tratava de uma pena de 7 anos de prisão (entre 5 e 8 anos), hipótese que convém não mistificar: no caso dos autos, só a pena aplicada ao crime de homicídio tentado e a pena única são superiores a cinco anos.

Por outro lado, o TRP efetuou modificação da matéria de facto, sem, contudo, desvirtuar no essencial o sentido global do ilícito apurado pelo tribunal de 1.ª Instância. Estaria de resto – e o arguido reconhece-o – vedado a este STJ interferir na análise de tal dimensão da decisão recorrida (artigos 428.º e 434.º, do CPP). E, caso se atendesse ao alegado pelo arguido, estaria encontrada uma via para contornar a solução da irrecorribilidade por dupla conforme in mellius.

Importa recordar as normas que disciplinam diretamente a admissibilidade dos recursos.

Dispõe o art. 400.º, n.º 1, alíneas e) e f) do CPP (Decisões que não admitem recurso), o seguinte:

«1 - Não é admissível recurso:

(…)

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância;

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª Instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

(…)».

Por seu turno, o disposto no art. 432.º, n.º 1, al. b) do CPP (Recursos para o Supremo Tribunal de Justiça), tem a seguinte redação:

«1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

(…);

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

(…).»

Recorde-se que tinha sido condenado em 1.ª Instância, por:

- 3 crimes de violência doméstica (em que eram ofendidos a ex-esposa, CC, a filha dela, EE e o filho de ambos, BB), em três penas: de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão e de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, respetivamente;

- 1 crime de ameaça (em que é ofendido DD) na pena 6 (seis) meses de prisão;

- 1 crime de homicídio tentado (em que é ofendido DD), na pena 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão,

E em cúmulo jurídico, na pena de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Pela decisão do TRP, ora recorrida, foi considerado prescrito o procedimento criminal pelo crime de violência doméstica de que constava como vítima a ofendida EE, foi convolado idêntico ilícito criminal de que foi vítima o ofendido BB, para crime de ofensa à integridade física e foi mantida a sua condenação por tal crime quanto à vítima CC; em todo o caso, as penas aplicadas foram reduzidas para 5 (cinco) meses de prisão e para 3 (três) anos de prisão, respetivamente;

Manteve-se a pena pelo crime de ameaça, de que foi vítima DD, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

Quanto ao crime de homicídio, na forma tentada, de que foi igualmente vítima DD, a pena foi reduzida para 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares foi o arguido condenado na pena única de sete anos e dois meses de prisão efetiva.

A situação jurídico-processual do arguido resultou, objetiva e substancialmente, beneficiada com a decisão do TRP, com a eliminação, por prescrição, de um dos crimes de violência doméstica, a alteração favorável da qualificação de outro e com a redução das penas parcelares a todos, com exceção da do crime de ameaça, bem como da pena única.

As medidas concretas das penas parcelares aplicadas aos crimes pelos quais o arguido foi condenado, como exceção da do crime de homicídio tentado, não excedem os 5 (cinco) anos de prisão, o que inviabiliza, desde logo, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. e) do CPP, a admissibilidade do recurso e a reapreciação das questões colocadas a propósito dos crimes assim punidos, ficando vedada ao arguido a possibilidade de o seu recurso ser conhecido quanto às questões acima enumeradas atinentes a tais crimes.

Sucede, ainda, que a decisão recorrida do TRP confirma a anterior decisão condenatória do tribunal de 1.ª Instância, alterando as referidas penas, sem que seja, por isso, aplicável a ressalva da parte final do disposto na alínea e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, uma vez que não houvera absolvição por nenhum deles.

Relativamente à norma do art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, a jurisprudência constitucional já se pronunciou em bastantes ocasiões. No acórdão TC n.º 101/2018, de 21-02, decidiu-se “não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redacção introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21-02, interpretado no sentido de ser irrecorrível o acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, revogando a suspensão da execução de pena de prisão decretada pelo tribunal de primeira instância.” Jurisprudência que o Tribunal Constitucional tem reafirmado, como sucedeu, mais recentemente, no Acórdão n.º 884/2023 que confirmou a Decisão Sumária n.º 641/2023, que decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 94/2021, de 21-12, interpretada no sentido de não ser admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que, reapreciando a decisão da 1.ª instância que condenou o arguido numa pena de substituição (suspensão da execução da prisão), apliquem ao arguido uma pena de prisão efetiva.

Resulta do exposto que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em recurso, é irrecorrível na parte em que fixa, mantendo-as, as penas parcelares não superiores a cinco anos, aplicadas ao arguido pela prática, como autor material e em concurso real, dos suprarreferidos crimes.

No mais, importa ainda considerar que, quanto à pena parcelar aplicada pelo crime de homicídio tentado – não tendo havido alteração essencial do acervo factual tipicamente relevante respeitante a este crime –, e quanto à própria pena única, a situação processual vertente no recurso do arguido traduz uma situação de dupla conformidade condenatória favorável ao arguido (in mellius), em penas cuja medida concreta não excede os oito anos de prisão, apesar de a pena única inicialmente aplicada superar tal limite.

Trata-se do modelo de “dupla conforme”, enquanto manifestação ou indício de coincidente bom julgamento nas duas instâncias, que não supõe, necessariamente, identidade total, absoluta convergência, concordância plena, certificação simétrica, ou consonância total, integral, completa, ponto por ponto, entre as (duas) decisões das duas instâncias.

A conformidade parcial, mesmo falhando a circunstância da identidade da qualificação jurídica (desde que daí resulte efetiva diminuição de pena, de espécie ou medida de pena), não deixará de traduzir ainda uma presunção de bom julgamento, de um julgamento certo e seguro.

É essa a solução legalmente consagrada nos artigos 400.º, n.º 1, alínea f) e 432.º, n.º 1, al. b) a contr., do CPP.

Esta solução quanto à irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da primeira instância, que tenha aplicado pena de prisão igual ou inferior a oito anos, não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição pela 4.ª Revisão Constitucional (introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro – Diário da República, I-A, n.º 218/97, de 20-09-1997, entrada em vigor em 5 de outubro de 1997).

No caso vertente nos autos, a verificação da situação de «dupla conforme» traduz-se na manutenção pelo TRL das penas parcelares de prisão aplicadas ao arguido, todas inferiores a cinco anos, na decisão de 1.ª Instância, sendo certo que não houve qualquer reversão de absolvição.

Como é reconhecido pela doutrina e jurisprudência constitucionais, o legislador tem alguma latitude para conformar o regime de recursos, nomeadamente em matéria penal, desde que as soluções não atentem contra o núcleo do princípio do direito ao recurso, contra o princípio da legalidade ou contra o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrados, respetivamente, nos artigos 32.º, n.º 1, in fine 29.º, n.º 1, e 20.º, n.º l, todos da Constituição da República Portuguesa, considerando-se não ser obrigação do legislador a previsão sistemática de um duplo grau de recurso (ou triplo grau de jurisdição).

No tocante à norma do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, o Tribunal Constitucional (doravante, também “TC”) tem considerado, de forma sistemática e reiterada, não ser a mesma desconforme à Constituição (cfr., entre outros, os Acórdãos TC n.ºs 385/2011, 186/2013, 156/2016, 260/2016, 418/2016, 212/2017, 286/2017, 372/2017, 724/2017, 151/2018, 232/2018, 248/2018, 592/2018, 599/2018, 659/2018, 677/2018, 443/2019, 655/2019, 84/2020, 96/2021, 207/2021, 399/2021, 745/2021, 898/2021, 400/2022, 590/2022, 261/2023).

Pelo Ac. do Plenário do TC n.º 186/2013, foi, aliás, decidido «Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, «na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão.»

O Tribunal Constitucional considerou, também, no Acórdão n.º 232/2018 «não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 400º n.º 1 alínea f), e 432º, n.º 1 alínea b), do Código de Processo Penal interpretados no sentido da irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões dos tribunais da relação que, sendo proferidos em recurso, tenham aplicado pena de prisão não superior a 8 anos e inferior à que foi aplicada pelo tribunal de primeira instância, alterando uma parte da matéria de facto essencial à subsunção no tipo penal em causa». A título meramente exemplificativo, podem ainda indicar-se o Ac. do TC n.º 372/2017 – que confirmou a Decisão Sumária n.º 221/2017 –, no sentido de não julgar inconstitucional a «norma do artigo 400º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal, segundo a qual não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª Instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, em caso de alteração da qualificação jurídico-penal da conduta apurada, por subsunção de um único crime, na forma continuada, e não de uma pluralidade de crimes em concurso real, resultando em “reformatio in mellius”».

A inadmissibilidade do recurso prevista no art. 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, vale, separadamente, para as questões atinentes às consequências dos crimes e da determinação das respetivas penas parcelares e para as questões respeitantes à pena conjunta, podendo acontecer que todas ou algumas das penas parcelares não sejam recorríveis, mas já o ser a pena única [a título de exemplo v. os acórdãos do STJ de 21 de dezembro de 2020, processo 32/14.1SULSB-G.L1.S1, e de 15 de setembro de 2021, processo 1249/16.0JAPRT.P1.S1, ambos rel. Cons. Eduardo Loureiro, e de 27 de janeiro de 2022, processo 960/19.8JAAVR.P2.S1, rel. Cons. Maria do Carmo Silva Dias (www.dgsi.pt)].

Ademais, seria incoerente, e mesmo violador do princípio da igualdade, não admitir a recorribilidade de decisão da Relação confirmatória de decisão condenatória de 1.ª Instância em pena inferior a 8 anos de prisão, e já ser admissível recurso da decisão da Relação que reduz para medida até 8 anos a pena fixada pela 1.ª Instância em limite superior, como é, aliás, o caso dos autos (no tocante à pena única).

O cerne da questão da irrecorribilidade de decisões por dupla conforme condenatória in mellius radica na circunstância de se poder estabelecer uma flagrante desigualdade, infundada e desrazoável, entre as situações daqueles arguidos que veem a sua pena inferior a oito anos ser mantida em recurso para a Relação e aqueles que em recurso, apesar de lhes ter sido aplicada pena superior a oito anos na 1.ª Instância, a veem ser reduzida para medida inferior através de recurso para a Relação. Importa, pois, obviar a tal resultado.

Por outro lado, a irrecorribilidade da decisão por «dupla conforme» respeita a toda a decisão que implica a valoração da prova e determinação da culpa e suas consequências penais, nomeadamente quanto à qualificação jurídica da factualidade, e não apenas quanto à questão da determinação da pena. Na verdade, a irrecorribilidade por dupla conforme, abrange todas as questões processuais ou substanciais que digam respeito a essa decisão, tais como, v.g., os vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP; respetivas nulidades (artigos 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP); aspetos relacionados com o julgamento dos crimes que constituem o seu objeto, aqui se incluindo as questões atinentes à apreciação da prova ou à a reapreciação da matéria de facto, seja em termos amplos (erro de julgamento) seja no âmbito dos vícios do artigo 410.º, do CPP (erro-vício), ou que envolvam respeito pela regra da livre apreciação (artigo 127.º do CPP) ou pelo princípio in dubio pro reo ou que se relacione com questões de proibições ou invalidade de prova; à qualificação jurídica dos factos ou que tenham que ver com a determinação das penas parcelares ou única, consoante os casos das alíneas e) e f) do artigo 400.º do Código de Processo Penal, incluindo nesta determinação a aplicação do regime de atenuação especial da pena previsto no artigo 72.º do Código Penal, bem como questões de inconstitucionalidade suscitadas nesse âmbito (cfr., entre muitos outros, os acórdãos do STJ, de 13-05-2021, Proc. n.º 45/14.3SMLSB.L1.S1, rel. Cons. António Gama, de 12-01-2023, Processo n.º 757/20.2PGALM.L1.S1, rel. Cons. Orlando Gonçalves ou ainda o de 22-06-2023, Proc. n.º 275/21.1JAFUN.L1.S1, rel. Cons. Agostinho Torres).

Pelo exposto, e apesar de o recurso do arguido ter sido admitido in totum pelo despacho do Senhor Desembargador relator no TRP, de 22-01-2025 – o que, nos termos do art. 414.º, n.º 3, do CPP, não vincula o tribunal superior –, ao abrigo do disposto nos artigos 400.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 432.º, n.º 1, al. b) a contr., do CPP, não se admite o recurso do arguido por o mesmo ser interposto de acórdão da Relação que decidiu em recurso aplicar parcelares não superiores a 5 anos de prisão, sem que tivesse havido reversão de qualquer decisão absolutória, e confirmar por “dupla conforme” in mellius, a aplicação de pena parcelar e de pena única, não superiores a 8 anos de prisão.

12. Em consequência do aqui decidido, fica prejudicada a possibilidade de apreciar as demais questões, incluindo a de inconstitucionalidade, suscitadas no recurso do arguido.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes Conselheiros desta Secção Criminal em:

I. rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso interposto pelo arguido AA, nos termos do disposto nos artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), 420.º, n.º 1, al. b) e 432.º, n.º 1, al. b) a contr. e 414.º, n.ºs 2 e 3, todos do CPP; e

II. não tomar conhecimento das demais questões, incluindo a de inconstitucionalidade, suscitadas no recurso do arguido, e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UC – artigos 513.º, n.º 1, do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26-02, e Tabela III anexa – sendo ainda condenado em 4 (quatro) UC, nos termos do art. 420.º, n.ºs 1, al. b) e 3, do CPP.

Notifique, remetendo cópia à primeira instância.

*

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 15-05-2025

Texto elaborado e informaticamente editado, integralmente revisto pelo Relator (art. 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPP), sendo assinado eletronicamente pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

Os juízes Conselheiros

Jorge dos Reis Bravo (relator)

Ernesto Nascimento (1.º adjunto)

José Piedade (2.º adjunto)