RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CONCURSO DE INFRAÇÕES
PENA ÚNICA
PLURIOCASIONALIDADE
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I. Aos critérios gerais de determinação da medida da pena estabelecidos no artigo 71.º do CP, acresce, para a pena única, o critério peculiar ou específico previsto no artigo 77.º, n.º 1, do mesmo CP, segundo o qual “na medida da pena são considerados , em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, de modo a poder concluir-se se a ilicitude dos factos considerados em conjunto e na sua unidade relacional e em conjugação com a personalidade do arguido neles refletida e por eles evidenciada, aponta para uma “certa tendência ou mesmo carreira delinquente”, ou antes para uma atuação isolada ou episódica ou “(pluri)ocasional”, acentuando ou desvanecendo as necessidades de prevenção especial e, em função disso, fixar a medida da pena em função delas dentro da moldura da prevenção geral, com o limite inultrapassável da culpa.
II. No quadro de uma moldura legal entre os oito (8) anos de prisão, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes (limite mínimo da moldura de cúmulo jurídico) e os treze (13) anos e nove (9) meses de prisão (total da soma das penas parcelares, limite máximo da moldura), a medida de nove (9) anos e seis (6) meses de prisão da pena única mostra-se ajustada às circunstâncias do facto e da culpa do arguido, que, de forma nenhuma se afigura desproporcionada e, por isso, injusta.

Texto Integral


Acordam na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. O tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de .../Juiz ..., procedeu ao julgamento e proferiu acórdão nos presentes autos, em 1 de março de 2024 (Ref.ª Citius .......73), pelo qual, além da sua responsabilização contraordenacional e de outras determinações, decidiu pela condenação do arguido AA, nos termos seguintes:

«1) condenar o arguido, em coautoria, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22-01, na pena de 8 (oito) anos de prisão;

2) condenar o arguido, em autoria singular, pela prática de um crime de detenção de arma proibida dos artigos 86º, nº 1, d) e 3º, nº 2, i) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

3) condenar o arguido, em autoria singular, pela prática de trezes crimes de condução sem habilitação legal do artigo 3º, nº 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03-01, com referência aos artigos 121º, nº 1, 122º, nº 1 e 123º, nº 1, todos do Código da Estrada, na pena, por cada um, de 5 (cinco) meses de prisão;

4) condenar, em cúmulo jurídico, das penas referidas em 1), 2) e 3), na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão;

5) declarar perdida a favor do Estado a quantia de 5.910,00€ (cinco mil, novecentos e dez euros) nos termos do artigo 35º do Decreto-Lei nº 15/993, de 22-01;

6) condenar o arguido a pagar ao Estado a quantia de €15.345,00 (quinze mil, trezentos e quarenta e cinco euros), nos termos do artigo 36º, nº 2 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22-01, deduzindo-se deste montante a quantia referida em 5);

7) ordenar a recolha de amostras de ADN ao arguido e a ulterior introdução dos resultantes perfis de ADN e dos correspondentes dados pessoais na base de dados de perfis de ADN, com finalidades de investigação criminal, nos termos dos artigos 8º, nº 2 e 18º, nº 3 da Lei n.º 5/2008, de 12-02;

8) condenar o arguido nas custas judiciais, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Ucs, nos termos dos 513º, nº 1 e 3 e 514º, nº 1 do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais.»

2. Dessa decisão recorreram o arguido AA e o Ministério Público em seu benefício, em 01-04-2024 (Ref.ª Citius ......28) para o Tribunal da Relação do Porto (doravante, também “TRP”), tendo este Tribunal Superior julgado tais recursos totalmente improcedentes, por acórdão de 07-11-2024 (Ref.ª Citius ......06).

3. Desse acórdão do TRP recorre o arguido AA para este Supremo Tribunal de Justiça (doravante, também “STJ”), em 14-01-2025 (Ref.ª Citius ....88), compendiando as seguintes conclusões (transcrição):

«1. A actividade delituosa do recorrente preenche o tipo legal de crime de tráfico, o crime de detenção de arma proibida e o crime de condução de veículo sem habilitação legal.

2. No caso dos autos, há que reconhecer que a personalidade do recorrente revela tendência para o desrespeito das normas jurídicas que tutelam a condução de veículo sem habilitação, pela frequência reiterada do acto (13 crimes).

3. No entanto, cometimento deste crime é instrumental à prática do crime de tráfico.

4. Assim, quer no tocante aos concretos modos de execução, quer as consequências desvantajosasdascondutas,ograudeilicitudedosfactosé elevadoatentootipodeactosesãofortesasexigênciasdeprevençãogeral, mas o relevo maior é o que deve incidir sobre o crime de tráfico de estupefacientes.

5. Domesmomodo,asexigênciasdeprevençãoespecialsãoacentuadas,mas denotamqueosvaloresenormasincriminadorasvioladasnãotêmamesma grandeza.

6. Sem dúvida que é o crime de tráfico que reclama um especial cuidado na avaliação das exigências de prevençãoespecial.

7. Porisso, a pena parcelar éa mais onerosa – 8anos de prisão.

8. Atente-se que as penas para o crime de detenção de arma proibida e para a condução sem habilitação têm penas parcelares notoriamente menos gravosas.

9. Sebemqueapenamaisalta,8anosdeprisão,sejaolimitemínimo,sempre se atentará que a barreira éa somadas penas parcelares, que, no caso, são 13anos e 9 meses.

10.Nos outros dois tipos de crime, principalmente no crime de condução sem habilitação, a onerosidadepara os bens jurídicos não assume igual relevo.

11.O que o legitima é, precisamente, o artigo 77º, nº 1 do CP que impõe uma visão do conjuntodos factos.

12.O cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão-só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas.

O legislador nacional não optou pelo sistema de acumulação material.

13.A fixação da pena conjunta que deve sancionar o agente, não é só pelos factos individualmente considerados mas também e especialmente, pelo respectivo conjunto, não como um mero somatório de factos criminosos, masenquantoreveladordadimensãoegravidadeglobaldo comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto(e nãounitariamente), os factos e a personalidade do agente.

14. Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação entre os factos em concurso, bem como aindagação da natureza ou tipo de relaçãoentre os factos,

15.No caso, há de forma notória a“necessidade instrumental”do veículo para a viabilização docometimento do crime de mais grave, o crime de tráfico.

16.O recorrente, pugna por isso, por pena inferior à dos 9 anos e seis meses de prisão fixada como pena única, por reclamar que a menor onerosidade das outras penas devem reflectir umalívio significativo quando cumuladas com a pena de tráfico.

17.A pena de 8 anos e 6 meses mostra-se adequada e proporcional em ordem aocumprimentomínimodaquelasexigênciasquerdeprevençãogeral, quer de prevenção especial.

18.A decisãorecorrida ao fixara pena única de 9 anos e 6meses violou, assim, o artigo 77º do CPP, pelo que deve ser revogada.»

4. Admitido tal recurso, ao mesmo respondeu o Ministério Público junto do TRP, em 30-01-2025 (Ref.ª Citius ....29), pugnando, no essencial, pela manutenção do acórdão recorrido e pela improcedência do recurso do arguido.

5. Uma vez neste STJ, o Senhor Procurador-geral-adjunto aqui em funções emitiu proficiente parecer, ao abrigo do disposto no art. 416.º, do CPP, em 03-04-2025 (Ref.ª Citius ......01), no sentido da improcedência do recurso.

6. Notificado tal parecer ao arguido, para, querendo, se pronunciar, o mesmo nada veio dizer ou requerer.

7. Colhidos os vistos, não tendo sido requerida audiência, e mantendo-se a regularidade e validade da instância recursiva, foram os autos julgados em conferência - artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

II.1. Fundamentação de facto

8. Encontram-se demonstrados pelas instâncias, relativamente ao recorrente AA, os seguintes factos (transcrição):

«(…)

1. No âmbito do processo n.º 27/13.2... do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – ... – J. C. Criminal – Juiz ..., por acórdão de 07/02/2018, transitado em julgado a 19/03/2018, o arguido AA foi condenado pela prática em 02/12/2013, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes do artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na pena de prisão de 4 anos e 6 meses, suspensa na sua execução por igual período.

2. Não obstante tal condenação e de ainda não ter sido declarada extinta tal pena de prisão suspensa na sua execução, desde 2019 e até ao início de julho de 2022, o ora arguido AA não se inibiu de vender e ceder produtos estupefacientes (cocaína para inalar, canábis e anfetaminas) a terceiras pessoas, com o intuito de obter lucros e manter um nível de vida elevado que de outro modo não conseguiria sustentar.

3. O arguido AA não possuía atividade profissional remunerada, apresentando a última remuneração registada no ano de 2017, dedicando- se, de forma esporádica e informal, à organização de eventos musicais, mas sem que daqui obtivesse rendimentos.

4. O arguido AA recorria à utilização regular de viaturas alugadas, tendo desde 2019 e até ao início de julho de 2022, aumentado a frequência de aluguer de viaturas na empresa EuropCar, contando no histórico com 55 contratos de aluguer, na sua grande maioria viaturas de altas gamas e por períodos de tempos elevados, valores esses que no total no período acima referido representaram uma despesa aproximada de, pelo menos, cerca de €70.000,00 (setenta mil euros).

5. O arguido AA consumia refeições concretizadas regularmente em restaurantes (presencialmente ou entrega ao domicílio) e passou duas noites no ..., pagando a quantia de 355,00€, e três noites no ..., pagando a quantia de 534,60€.

6. Para levar a cabo a atividade de venda de substâncias estupefacientes, o arguido AA contava com a colaboração da sua mãe, a arguida BB, e do seu irmão, o arguido CC.

7. No período compreendido entre outubro de 2021 e julho de 2022, o arguido AA, forneceu, por diversas vezes, quantidades indeterminadas de substâncias estupefacientes (incluindo cocaína para inalar) aos arguidos DD, EE e FF para estes distribuírem/revenderem por consumidores, mediante contrapartidas monetárias.

8. O arguido AA, pelo menos, desde outubro de 2021 até julho de 2022, adquiriu, pelo menos, cinco vezes, cinco quilos de haxixe, tendo metade desse produto sido destinado a vender ao arguido EE; adquiriu, pelo menos, duas vezes, trezentas gramas de cocaína de inalar para vender a terceiros; e adquiriu, pelo menos, uma vez, em dezembro de 2021, duzentas gramas de “speed”, quantidade não especificada de MDMA e cem gramas de cetamina.

9. Desde, pelo menos, dezembro de 2021 que o arguido AA utilizava a casa do arguido GG para armazenar e ocultar produtos estupefacientes, com o intuito de ludibriar as autoridades, caso fosse alvo de buscas, de modo a que não lhe fosse assacada responsabilidade criminal pela detenção e tráfico de produtos estupefacientes e, ainda, de evitar que todos os seus produtos estupefacientes fossem apreendidos, com o intuito de continuar a dedicar-se à sua atividade de tráfico de produtos estupefacientes.

10. Na execução da atividade de tráfico de produtos estupefacientes, entre fevereiro a março de 2022, o arguido AA forneceu, por diversas vezes, quantidades indeterminadas de produtos estupefacientes, incluindo cocaína de inalar, ao arguido DD, pelo menos, nas seguintes ocasiões:

i. No dia 06-02-2022 [e não 06-01-2022 como consta da acusação conforme resulta do teor da transcrição da sessão], nas proximidades da frutaria localizada Rua ..., AA forneceu produtos estupefacientes a HH (cfr. sessão n.º 211 do alvo ... ... .40).

ii. No dia 16-03-2022, em casa do arguido DD (cfr. relatório de vigilância do dia 16-03-2022).

11. Desde, pelo menos, outubro de 2021 a julho de 2022, o arguido AA forneceu, por diversas vezes, quantidades indeterminadas de produtos estupefacientes, incluindo haxixe, mas superior a um quilo e cocaína, ao arguido EE, pagando este por cada quilograma de haxixe a quantia de 2.000,00€, designadamente nas seguintes ocasiões:

i. no dia 21-02-2022, forneceu-lhe uma quantidade não apurada de produto estupefaciente, na residência do arguido EE (cfr. relatório de vigilância de 21-02-2022, de fls. 2304 a 2306, vol.9);

ii. no dia 03-03-2022, forneceu-lhe uma quantidade não apurada de produto estupefaciente, na residência do arguido EE (cfr. relatório de vigilância de 03-03-2022, de fls. 2518 e 2519, vol.10);

iii. no dia 10-03-2022, forneceu-lhe uma quantidade não apurada de produto estupefaciente, na residência do arguido EE (cfr. relatório de vigilância de 10-03-2022, de fls. 2748 a 2750, vol.11);

iv. no dia 16-03-2022, forneceu-lhe uma quantidade não apurada de produto estupefaciente, em casa do arguido EE (cfr. relatório de vigilância de 16-03-2022, de fls. 3021 a 3025, vol.12);

v. no dia 25-03-2022, forneceu-lhe uma quantidade não apurada de produto estupefaciente, na residência do arguido EE (cfr. relatório de vigilância de 25-03-2022, de fls. 3048 e 3049, vol.12);

vi. em 28-03-2022, forneceu-lhe uma quantidade não apurada de produto estupefaciente, na residência do arguido EE (cfr. relatório de vigilância de 28-03-2022, de fls. 3221 a 3224, vol.13);

vii. no dia 06-05-2022, forneceu-lhe uma quantidade não apurada de estupefaciente, na residência do arguido EE (cfr. relatório de vigilância de 06-05-2022, de fls. 4030 a 4034, vol.16);

12. No dia 18-03-2022, entre o local de trabalho e a residência do arguido FF, o arguido AA vendeu cocaína e haxixe àquele arguido, por valor não concretamente apurado (cfr. relatório de vigilância do dia 18-03-2022, de fls. 3044 a 3047, vol.12).

13. O arguido AA também vendeu quantidades indeterminadas de produtos estupefacientes, como haxixe, cocaína e drogas sintéticas, a diversos indivíduos, inclusivamente em festas de “transe” /música eletrónica, o que sucedeu, pelos menos, nas seguintes ocasiões:

i. o arguido AA vendeu quantidades indeterminadas de haxixe a II, quer por si, quer por intermédio de BB, o que sucedeu designadamente nas ocasiões descritas no item relativo a esta arguida.

14. Desde 2020 e até ao início de julho de 2022, o arguido AA vendeu, por diversas vezes, em número não concretamente apurado, quantidades indeterminadas de haxixe a JJ e, como contrapartida, este entregou-lhe a quantia de 100,00€, por cada uma dessas aquisições.

15. O arguido AA vendeu, pelo menos, de quinze vezes, quantidades indeterminadas de cocaína “de cheiro” e MDMA a KK, utilizador do contacto telefónico n.º .......10, entre as quais, nas seguintes ocasiões:

i. no dia 28-04-2022, vendeu-lhe quantidades não apuradas de cocaína “de cheiro” e de MDMA, em casa do arguido (cfr. sessões n.º 2500, 2501, 2502, 2503, 2504, 2505 e 2513, CD 433, do alvo ... ... .40) [facto repetido na acusação e indicado quer relativamente a KK e quer a DD, por lapso, por não se tratar do número de telemóvel deste mas do primeiro];

ii. no dia 03-05-2022, vendeu-lhe quantidades não apuradas de cocaína “de cheiro” e de MDMA, em casa do arguido (cfr. sessões n.º 2685 e 2686 do alvo ... ... .40);

iii. no dia 07-06-2022, vendeu-lhe quantidades não apuradas de cocaína “de cheiro” e de MDMA, em casa do arguido (cfr. sessão n.º 3814 do alvo ... ... .40);

iv. no dia 09-06-2022, vendeu-lhe quantidades não apuradas de cocaína “de cheiro” e de MDMA, em casa do arguido (cfr. sessão n.º 3874 do alvo ... ... .40);

16. O arguido vendeu a este consumidor, cada grama de cocaína “de cheiro” a 50,00€ e cada pastilha de MDMA a 5,00€ e a 10,00€.

17. Para o efeito, o consumidor contava previamente o arguido, primeiramente por contacto telefónico e, mais tarde, através da plataforma “Wickr”, por indicações do arguido AA que lhe referiu que era mais seguro, por ter um sistema de autodestruição de mensagens.

18. O arguido AA forneceu, por diversas vezes, em número não concretamente apurado, mas mais do que uma vez, MDMA, pastilhas de ecstasy e speed, a LL que chegou a entregar-lhe contrapartidas monetárias, de valor não concretamente apurado, por tais fornecimentos.

19. Desde 2020 e até início de julho de 2022, em casa de BB, esta vendeu a MM, por diversas vezes, quantidades indeterminadas de MDMA, cocaína, haxixe e ketamina/cetamina e, em contrapartida, este entregou àquela a quantia de 150,00€ por cada uma dessas aquisições, sendo que essas substâncias estupefacientes vendidas pela arguida pertenciam ao seu filho, o arguido AA.

20. No dia 12-07-2022, na Rua ..., em ..., o arguido AA tinha na sua posse:

i. canábis (resina), com o peso (gramas) de 3,775/L e com o grau de pureza (%) de 38,8 (THC), a que correspondem 29 doses médias diárias;

ii. canábis (folhas/sumidades), com o peso (gramas) de 1,915/L e com o grau de pureza (%) de 16,2 (THC), a que correspondem 6 doses médias diárias;

iii. cocaína (cloridrato), com o peso (gramas) de 0,374/B e com o grau de pureza (%) de 89,7, a que corresponde uma dose média diária;

iv. anfetamina, com o peso (gramas) de 2,058/B e com o grau de pureza (%) de 79,0, a que correspondem 14 doses médias diárias;

v. canábis (resina), com o peso (gramas) de 1,512/L e com o grau de pureza (%) 20,3 (THC), a que correspondem 6 doses médias diárias;

vi. canábis (resina), com o peso (gramas) de 0,883/L e com o grau de pureza (%) 43,0 (THC), a que correspondem 7 doses médias diárias;

vii. canábis (resina), com o peso (gramas) de 0,852/L e com o grau de pureza (%) 32,7 (THC), a que correspondem 5 doses médias diárias;

viii. canábis (folhas/sumidades), com o peso (gramas) de 0,663/L e com o grau de pureza (%) 12,8 (THC), a que corresponde 1 dose média diária;

ix. canábis (resina), com o peso (gramas) de 2,093/L e com o grau de pureza (%) 42,6 (THC), a que correspondem 17 doses médias diárias;

x. um saco plástico contendo resíduos de cocaína e de canábis;

xi. uma caixa que continha fenacetina, com o peso (gramas) de 13,194/L;

xii. no interior da gaveta da mesa de cabeceira um saco de plástico contendo no seu interior o montante de € 4.020,00 (quatro mil e vinte euros) em notas do Banco Central Europeu;

xiii. em cima da cama um telemóvel de cor preta marca Xiaomi modelo 2107113SG, com um manuscrito com apontamentos, dissimulado na capa de proteção que se junta em anexo em folha de suporte;

xiv. num móvel junto à cama um bolsa de cor preta contendo no seu interior 115,00€ (cento e quinze euros) em notas e moedas do Banco Central Europeu;

xv. em cima da mesa, um computador portátil de marca Dynabook com nº de série .......5A;

xvi. em cima da mesa uma nota de 20,00€ (vinte euros), do Banco Central Europeu;

xvii. em cima do sofá num interior de um saco de desporto, uma balança decimal de marca Digital Scale, em perfeitas condições de funcionamento;

xviii. uma caixa com os dizeres “10T Pro 5G” contendo no seu interior sacos plásticos utilizados para acondicionar produto estupefaciente, uma colher para dosear com restos de bicarbonato de sódio, normalmente utilizado para “cortar” a cocaína com o intuito de aumentar a sua quantidade e consequentemente o lucro;

xix. fixa no frigorífico uma caixa plástica de cor preta contendo no seu interior um total de € 1.755,00 (mil setecentos e cinquenta e cinco euros) em notas do Banco Central Europeu.

21. No mesmo dia 12-07-2022, no veículo com a matrícula ..-35-.., marca Mini, modelo Cooper (alugado), o arguido AA tinha na sua posse um bastão extensível, de marca não referenciada, de origem provavelmente chinesa, fabricado em metal enrolado tipo “mola”, com 20 centímetros quando recolhido e 52 centímetros total, quando completamente estendido, com pega em metal plástico com mistura de borracha, em razoável estado de conservação e funcional, sendo ativada a abertura automática do bastão com gesto vigoroso;

22. Ainda no dia 12-07-2022, no Recanto ..., o arguido AA tinha na sua posse:

i. um relógio de imitação da marca Audemars Piguet, modelo Royal Oak, n.º de série 0688 FW0058;

ii. um bastão de marca e de origem desconhecidas/não referenciadas, fabricado em plástico rígido, com uma pega em material esponjoso tipo borracha, para proporcionar um melhor agarre ou “grip”, com a aplicação de um fio de nylon na sua base (tipo pega), para reforçar ainda mais o “agarre” do bastão, com 25cm de comprimento quando recolhido e 55cm de comprimento total, quando completamente estendido, em razoável estado de conservação e amplamente funcional, sendo ativada a abertura automática do bastão com gesto vigoroso;

iii. 5 (cinco) sacos de vácuo, no interior de uma caixa de sapatos de marca “FILA”, utilizados para acondicionamento de cannabis sativa, com vestígios do referido produto estupefaciente;

iv. 1 (um) saco de plástico contendo no seu interior um tupperware transparente, um pano e uma colher de plástico cor de rosa, com vestígios e utilizada para “cozinhar” cocaína;

v. 1 (um) portátil de marca ASUS, modelo X555L, n.º de série .............5D.

23. Os seguintes produtos estupefacientes que o arguido GG tinha na sua posse e que foram apreendidos no dia 12/07/2022, pertenciam ao arguido AA:

i. - MDMA com o peso (gramas) de 0,384/L e com o grau de pureza (%) de 24,4, a que corresponde valor inferior a uma dose média diária,

ii. - MDMA com o peso (gramas) de 0,372/L e com o grau de pureza (%) de 33,2, a que corresponde uma dose média diária,

iii. - MDMA com o peso (gramas) de 0,364/L e com o grau de pureza (%) de 19,0, a que corresponde valor inferior a uma dose média diária,

iv. - MDMA com o peso (gramas) de 0,488/L e com o grau de pureza (%) de 32,7, a que corresponde uma dose média diária,

v. - MDMA com o peso (gramas) de 0,370/L e com o grau de pureza (%) de 10,3, a que corresponde valor inferior a uma dose média diária,

vi. - MDMA com o peso (gramas) de 0,326/L e com o grau de pureza (%) de 52,1, a que corresponde uma dose média diária,

vii. - MDMA com o peso (gramas) de 0,327/L e com o grau de pureza (%) de 29,6, a que corresponde valor inferior a uma dose média diária,

viii. canábis (resina), com a marca “MARS”, com o peso (gramas) de 189,567/L e com o grau de pureza (%) de 40,5 (THC), a que correspondem 1.535 doses médias diárias,

ix. - canábis (resina) com o peso (gramas) de 19,161/L e com o grau de pureza (%) de 41,0 (THC), a que correspondem 157 doses médias diárias,

x. - canábis (resina) com o peso (gramas) de 4,348/L e com o grau de pureza (%) de 40,8 (THC), a que correspondem 35 doses médias diárias,

xi. - canábis (folhas/sumidades) com o peso (gramas) de 140,851/L e com o grau de pureza (%) de 19,6 (THC), a que correspondem 552 doses médias diárias,

xii. - 72 microsselos com o peso (gramas) de 0,553 impregnados de substância não identificada;

xiii. - 50 microsselos com o peso (gramas) de 0,776 impregnados de substância não identificada;

xiv. - 225 microsselos com o peso (gramas) de 3,464 impregnados de substância não identificada;

xv. - 225 microsselos com o peso (gramas) de 3,501 impregnados de substância não identificada;

24. Os seguintes produtos estupefacientes que o arguido CC tinha na sua posse e que foram apreendidos no dia 12/07/2022, pertenciam ao arguido AA:

i. um telemóvel da marca Samsung, modelo Galaxy A10, com os IMEI`s .............64/54 e .............62/54, com cartão da operadora NOS e com catão de memória de 30gb;

ii. uma mala de viagem preta que tinha no seu interior quatro invólucros, contendo cada um, quatro placas, no total de vinte placas, de canábis (resina), com o peso total (gramas) de 1.927,700/L e com o grau de pureza (%) de 40,1 (THC), a que correspondem 15.460 doses médias diárias;

iii. uma saqueta hermética contendo dezasseis pastilhas de cor azul com o símbolo de uma caveira, de MDMA com o peso (gramas) de 7,449/B e com o grau de pureza (%) de 30,9, a que correspondem 23 doses médias diárias;

iv. vinte e cinco selos e meio de LSD, com o peso total (gramas) de 0,476/L;

v. cetamina com o peso (gramas) de 12,905/B;

vi. cetamina com o peso (gramas) de 2,500/L;

vii. uma caixa de telemóvel contendo no seu interior um telemóvel da marca HUAWEI e um cartão de memória, micro SD;

viii. um telemóvel da marca NOKIA, com inscrição Mercedes Benz, com carregador e com um código ..30.

25. O bastão extensível destina-se a ser utilizado exclusivamente como objeto de agressão.

26. O arguido AA não tinha qualquer autorização que lhe permitisse validamente deter o bastão extensível.

27. As quantias monetárias, os computadores e o telemóvel que estavam na posse de AA e que lhe foram apreendidos eram produto dos fornecimentos e vendas de produtos estupefacientes.

28. O arguido AA quis atuar da forma supra descrita, contando com os esforços e atuação conjugada de BB e CC no seu negócio de venda de produtos estupefacientes e entregando produtos estupefacientes a DD, EE e FF para distribuição/revenda a consumidores e, ainda, conhecendo a natureza e características das substâncias que detinha, vendeu-os nas circunstâncias descritas a terceiras pessoas, atuando com o propósito conseguido de, desse modo, auferir vantagens económicas, bem sabendo que a detenção, venda ou cedência de substâncias daquela natureza estava-lhe vedada, por serem tais condutas proibidas e punidas por lei penal, o que representou e quis concretizar, tal como o fez.

29. O arguido AA destinava os produtos que detinha nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas à venda a terceiras pessoas, nos termos supra descritos, para tal utilizando os veículos e os telemóveis que nessas mesmas circunstâncias detinha para, respetivamente, se deslocar aos locais onde adquiria tais produtos e os transportar e, bem assim, efetuar/receber os contactos telefónicos/por internet realizados com aqueles terceiros, para esse efeito.

30. O arguido AA atuou no período e da forma supra descrita para assim obter a totalidade dos seus rendimentos, não lhe sendo conhecidas quaisquer atividades profissionais remuneradas, sendo que os valores em numerário, aparelhos/equipamentos e veículos que o mesmo detinha nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas provêm da descrita atividade de distribuição de produtos estupefacientes a terceiros, à qual o arguido se vem dedicando.

31. O arguido AA praticou os factos supra descritos de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito logrado de adquirir produtos estupefacientes para cedência e venda a terceiros e de deter e realizar a venda desses produtos nos termos supra descritos, sabendo que os produtos estupefacientes por si vendidos eram distribuídos por diversas pessoas dependentes do consumo de tais substâncias, com o único intuito de obter lucros monetários com a sua venda.

32. Tudo o que realizou, pese embora conhecer a natureza, qualidade, quantidade e composição estupefaciente dos produtos por si adquiridos, detidos, cedidos e vendidos a terceiros, e bem sabendo que a sua aquisição, detenção e cedência a qualquer título sem autorização legal são proibidas, o que representou.

33. O arguido AA quis deter os bastões extensíveis como arma de agressão, bem sabendo que este objeto se destina a ser usado exclusivamente como objeto de agressão e, ainda, que não possuía qualquer autorização ou licença para o deter e que legalmente não o poderia deter.

34. O arguido AA não é titular de carta de condução, nem de qualquer outro documento que o habilite a conduzir veículos a motor, em vias públicas ou equiparadas.

35. O titular da carta de condução n.º .......62 não é o ora arguido AA, mas sim o cidadão francês NN.

36. No dia 28/12/2019, cerca das 17 horas e 25 minutos, na Auto-Estrada n.º ..., no sentido Este/Oeste, ..., em ..., o arguido AA conduziu o veículo automóvel de matrícula ..-XR-...

37. No dia 14/01/2022, cerca das 15 horas e 31 minutos, na Rua ..., em ..., o arguido AA conduziu o veículo automóvel de matrícula ..-UR-...

38. No dia 21/02/2022, cerca das 16 horas e 28 minutos, na E.N. .09, em ..., o arguido AA conduziu o veículo automóvel de matrícula ..-75-...

39. No dia 03/03/2022, cerca das 16 horas e 55 minutos, na Rua de ..., em ..., o arguido AA conduziu o veículo automóvel de matrícula ..-75-...

40. Em 10/03/2022, cerca das 15 horas e 33 minutos, na Rua ..., em ..., o arguido AA conduziu o veículo automóvel de matrícula ..-75-...

41. Em 16/03/2022, cerca das 10 horas e 30 minutos, na Rua ..., em ..., o arguido AA conduziu o veículo automóvel de matrícula ..-75-...

42. Em 18/03/2022, cerca das 10 horas e 55 minutos, na Rua ..., em ..., o arguido AA conduziu o veículo automóvel de matrícula ..-75-...

43. Em 25/03/2022, cerca das 11 horas e 30 minutos, na Rua ..., em ..., o arguido AA conduziu o veículo automóvel de matrícula ..-75-...

44. Em 28/03/2022, cerca das 14 horas e 05 minutos, na Rua ..., em ..., o arguido AA conduziu o veículo automóvel de matrícula ..-75-...

45. Em 07/04/2022, cerca das 10 horas e 05 minutos, na Rua ..., em ..., o arguido AA conduziu o veículo automóvel de matrícula ..-75-...

46. Em 04/05/2022, cerca das 17 horas e 40 minutos, na Rua ..., em ..., o arguido AA conduziu o veículo automóvel de matrícula ..-75-...

47. Em 05/05/2022, cerca das 16 horas e 49 minutos, na Rua ..., em ..., o arguido AA conduziu o veículo automóvel de matrícula ..-75-...

48. Em 06/05/2022, cerca das 14 horas e 53 minutos, na Rua ..., em ..., o arguido AA conduziu o veículo automóvel de matrícula ..-75-...

49. O arguido quis e conseguiu conduzir os aludidos veículos em cada uma das descritas ocasiões, bem sabendo não ser possuidor de título que a tal o habilitasse.

50. O arguido AA agiu sempre de forma deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram criminalmente punidas.

51. O arguido confessou parcialmente os factos.

[Condições pessoais e socioeconómicas:]

52. O arguido AA, na data em que foi detido, residia com a companheira e a enteada na Rua ..., em ....

53. O arguido tinha, em consequência do surto epidemiológico por Covid19 regressado de França, onde trabalhava na restauração, altura em que estabeleceu coabitação com a companheira OO.

54. De uma primeira relação afetiva tem uma descendente com 11 anos de idade, que apresenta síndrome do autismo.

55. Tem uma relação forte com esta criança, com quem passava fins-de- semana alternados.

56. O arguido tinha alguns hábitos e rotinas de trabalho, ainda que nem sempre com vínculo contratual.

57. O arguido valoriza o trabalho na restauração e como dinamizador de festas de música eletrónica, eventos que afirma lhe permitiram alargar o seu círculo de amizades.

58. O arguido AA consome regularmente cocaína, desde os 23 anos de idade.

59. O arguido conhece alguns dos coarguidos, uns por serem seus amigos ou familiares e outros por serem frequentadores dos festivais de música que organizava.

60. No Estabelecimento prisional, o arguido encontra-se a frequentar a escola, sendo aluno assíduo.

61. O arguido AA projeta o futuro com dificuldade, por temer perder o apoio da companheira por considerar que não deve ficar com alguém que tenha um passado como o seu.

62. O arguido e a companheira pretendiam trabalhar em conjunto, ampliando o negócio de estética de que ela é proprietária.

63. O arguido lamenta a sua reclusão, também pelo apoio económico que prestava à sua filha.

64. O arguido tem averbadas no seu certificado de registo criminal as seguintes condenações:

i. por sentença proferida no processo nº 43/17.5..., pelo Juízo Local Criminal de ...- J..., em 03.03.2017, transitada em julgado em 03.04.2017, foi condenado pela prática em 15.02.2017, de um crime de condução sem habilitação legal do artigo 3º, nº 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03.01, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €5,00, extinta em 02.05.2017, pelo seu pagamento;

ii. por sentença proferida no processo nº 59/17.1..., pelo Juízo Local Criminal de ..., em 15.09.2017, transitada em julgado em 16.10.2017, foi condenado pela prática em 15.09.2017, de um crime de condução sem habilitação legal do artigo 3º, nº 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03.01, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €5,00, extinta em 02.05.2017, pelo seu pagamento;

iii. por acórdão proferido no processo nº 27/13.2..., pelo Juízo Central Criminal de ... - J..., em 07.02.2018, transitada em julgado em 19.03.2018, foi condenado pela prática em 02.12.2013 de um crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.01, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão suspensa por igual período;

iv. por sentença proferida no processo nº 999/17.8..., pelo Juízo Local Criminal de ..., em 05.12.2017, transitada em julgado em 17.01.2018, foi condenado pela prática em 06.04.2018, de um crime de condução sem habilitação legal do artigo 3º, nº 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03.01, na pena de 3 meses de prisão substituída por 90 horas de trabalho a favor da comunidade, pena que, em 06/04/2018, foi extinta pelo seu cumprimento.»

Não foram provados os seguintes factos:

«(…)

a. O arguido AA forneceu quantidades indeterminadas de produtos estupefacientes, incluindo cocaína de inalar, ao arguido DD, nas seguintes ocasiões:

i. No dia 05-01-2022, nas proximidades da frutaria localizada Rua ...” (cfr. sessões n.º 67 e 69 do alvo ... ... .40 (DD)).

ii. No dia 12-01-2022, na residência de arguido DD (cfr. sessões n.º 95 e 96 do alvo ... ... .40);

iii. No dia 14-01-2022, no posto de abastecimento de combustível Prio, ... ” (cfr. sessão n.º 103 do alvo ... ... .40).

iv. No dia 26-01-2022, em local não concretamente apurado (cfr. sessões n.º 137 e 138 do alvo ... ... .40 e sessão n.º 132 do alvo ... ... .40).

v. No dia 01-03-2022, junto à Junta de freguesia de ... (cfr. sessão 335 alvo ... ... .40).

vi. No dia 16-03-2022, em casa do arguido DD, o arguido AA forneceu-lhe produtos estupefacientes mais do que uma vez (cfr. relatório de vigilância de 16-03-2022).

b. O arguido AA, no dia 20-04-2022, forneceu ao arguido EE uma quantidade não apurada de produto estupefaciente na residência do arguido DD (cfr. sessão n.º 2179 do alvo ... ... .40).

c. O arguido AA vendeu produtos estupefacientes, como haxixe, ao arguido PP, utilizador do contacto telefónico n.º .......31, nomeadamente:

i. em 31-03-2022, o arguido AA vendeu-lhe uma quantidade não concretamente apurada de produto estupefaciente, em local não concretamente apurado (cfr. sessão 1358 do alvo .......40); encontro

ii. no dia 09-04-2022, na residência do arguido AA, este vendeu quantidade não apurada de produto estupefaciente ao arguido PP (cfr. sessão n.º 1693 do alvo .......40); idem

iii. no dia 19-04-2022, na residência do arguido AA, este vendeu quantidade não apurada de produto estupefaciente ao arguido PP (cfr. sessão n.º 2143 do alvo .......40); encontro imediato

iv. no dia 20-04-2022, na residência do arguido PP, do arguido AA vendeu-lhe quantidade não apurada de produto estupefaciente (cfr. sessão nº 2181 do alvo .......40); idem

v. no dia 29-04-2022, o arguido AA vendeu quantidade não apurada de produto estupefaciente ao arguido PP (cfr. sessões n.º 2498 do alvo ... ... .40); encontro para o dia seguinte

vi. no dia 04-05-2022, na zona comercial de ..., em ..., o arguido AA vendeu quantidade não apurada de produto estupefaciente ao arguido PP (cfr. relatório de vigilância e auto de visionamento de 04-05-2022, de fls. 4016 a 4023, vol. 16);

vii. no dia 29-06-2022, na residência do arguido AA, este vendeu quantidade não apurada de produto estupefaciente ao arguido PP (cfr. sessão n.º 4518 do alvo .......40);

viii. no dia 03-07-2022, na residência do arguido AA, este vendeu quantidade não apurada de produto estupefaciente ao arguido PP (cfr. sessão n.º 4628 do alvo .......40).

d. O arguido AA cedeu canábis (liamba) a QQ, utilizador do contacto telefónico n.º .......74:

i. no dia 18-04-2022, na residência do arguido AA, este cedeu quantidade não apurada de canábis (liamba) a QQ (cfr. sessões n.º 2098 do alvo .......40);

ii. no dia 03-05-2022, na residência do arguido AA, este cedeu quantidade não apurada de canábis (liamba) a QQ (cfr. sessões n.º 2682 do alvo ... ... .40);

iii. o dia 19-05-2022, na residência do arguido AA, este cedeu quantidade não apurada de canábis (liamba) a QQ (cfr. sessão n.º 2791 do alvo ... ... .40).

e. O arguido AA vendeu produtos estupefacientes, como haxixe, ao utilizador do contacto telefónico n.º .......09, no dia 25-03-2022, vendeu-lhe uma quantidade não concretamente apurada de estupefaciente, em local não concretamente apurado (cfr. sessão 1107 do alvo .......40).

f. O arguido AA vendeu produtos estupefacientes, como haxixe, ao utilizador do contacto telefónico n.º .......46, no dia 17-03-2022, vendeu-lhe uma quantidade não apurada de estupefaciente, em local não concretamente apurado (cfr. sessão 685 [e não 1685 como consta na acusação por lapso], 686 e 689 do alvo .......40).

g. O arguido AA vendeu produtos estupefacientes, como haxixe, ao utilizador do contacto telefónico n.º .......40, no dia 05-03-2022, forneceu-lhe uma quantidade não apurada de produto estupefaciente, em casa da mãe do arguido, em ..., sendo que o referido produto estava dissimulado no tapete verde (cfr. sessões n.ºs 39, 59 e 82 do alvo ... ... .40).

h. O arguido AA vendeu produtos estupefacientes, como haxixe, ao utilizador do contacto telefónico n.º .......54, no dia 18-04-2022, tendo-lhe fornecido uma quantidade não apurada de produto estupefaciente na residência do indivíduo (cfr. sessões n.º 2072 do alvo .......40).

i. O arguido AA vendeu produtos estupefacientes, como haxixe, ao utilizador do contacto telefónico n.º .......03:

iv. no dia 26-05-2022, forneceu-lhe uma quantidade não apurada de produto estupefaciente, na residência do arguido AA (cfr. sessão n.º 3321 do alvo ... ... .40);

v. no dia 04-06-2022, forneceu-lhe uma quantidade não apurada de produto estupefaciente, na residência do AA (cfr. sessão n.º 3707, 3708 e 3726 do alvo ... ... .40).

j. O relógio referido em 29, i tem o valor de €40.000,00 (quarenta mil euros).

k. O relógio que estava na posse de AA e que lhe foi apreendido era produto dos fornecimentos e vendas de produtos estupefacientes.»

9. Por outro lado, ficaram provados os seguintes factos, quanto ao pedido de declaração de perda de vantagens:

«(…)

D – AA

1. Dão-se por reproduzidos os factos provados n.ºs 1 a 50 que se reportam a AA.

2. Desde, pelo menos, outubro de 2021 a julho de 2022, o arguido AA forneceu quantidades indeterminadas de produtos estupefacientes, incluindo haxixe e cocaína, ao arguido EE, pelos quais este pagava, pelos menos, a quantia de 2.000,00€, que correspondia ao preço de um quilograma de haxixe, o que sucedeu, pelo menos, 7 vezes, nos termos supra referidos.

3. Pelo que, auferiu a quantia total de, pelo menos, 14.000,00€ (=7x2.000,00€).

4. Desde 2020 e até ao início de julho de 2022, AA vendeu, por diversas vezes, quantidades indeterminadas de haxixe a JJ e, como contrapartida, este entregou-lhe a quantia de 100,00€, por cada uma dessas aquisições.

5. Pelo que, o arguido AA obteve com as vendas que fez a JJ, pelo menos, a quantia total de € 200,00 (2x 100,00€).

6. O arguido AA vendeu, pelo menos, quinze vezes, quantidades indeterminadas de cocaína “de cheiro” e MDMA a KK, utilizador do contacto telefónico n.º .......10.

7. O arguido vendeu a este consumidor, a grama de cocaína “de cheiro” a 50,00€ e cada pastilha de MDMA a 5,00€ e a 10,00€.

8. Pelo que, o arguido AA obteve com as vendas que fez a JJ, pelo menos, a quantia total de € 825,00 (50,00€+5,00€x15)

9. Desde 2019 e até ao início de Julho de 2022, em casa de BB, esta vendeu a MM, por diversas vezes, quantidades indeterminadas de MDMA, cocaína, haxixe e ketamina/cetamina e, em contrapartida, este entregou àquela a quantia de cento e cinquenta euros por cada uma dessas aquisições, sendo que essas substâncias estupefacientes vendidas pela arguida pertenciam ao seu filho AA,

10. Pelo que, o arguido AA obteve com as vendas que fez a JJ, pelo menos, a quantia total de € 300,00 (=150,00x2).

11. No período compreendido entre dezembro de 2019 e maio de 2022, a mãe do arguido AA, BB, vendeu haxixe e liamba pertencentes a AA, ao consumidor RR e, em contrapartida, a consumidora pagou-lhe quantias entre 10,00€ e 15,00€, conforme a quantidade, por cada aquisição, nomeadamente em duas ocasiões, nos termos supra referidos.

12. Pelo que, o arguido AA obteve com as vendas feitas a RR, pelo menos, a quantia total de €20,00 (=10,00x2).

13. As referidas quantias, no valor global de € 15.345,00, correspondem à vantagem da atividade criminosa que o arguido obteve com a prática do ilícito, na medida em que traduz o incremento patrimonial direto que o mesmo alcançou com a sua conduta delituosa supra descrita;».

II.2. Fundamentação de direito

10. São as conclusões da motivação de recurso do recorrente que circunscrevem os poderes de cognição do tribunal (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 434.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de Jurisprudência STJ n.º 7/95, DR-I.ª Série, de 28-12-1995), os quais devem resultar diretamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro), os quais, in casu, não só não se verificam após análise do acórdão recorrido, como não são suscitados pelo recorrente.

11. Da motivação e das conclusões do recurso do arguido, infere-se que o mesmo pretende sindicar o acórdão recorrido apenas no tocante à medida da pena única concretamente aplicada.

Apreciemos.

12.

O recorrente reconhece que «(…) a presente impugnação apenas tem como propósito a sindicância da ponderação efectuada na operação de cúmulo das penas parcelares.»

Mais aduz que «(…) No caso dos autos, sem margem para dúvida, é o crime de tráfico de estupefacientes, aliado ao facto do averbamento no CRCdecondenaçãoporcrime de igualnatureza, que assume amaior gravidade.

E, daí amedida parcelar de8 anosde prisão.

Nos outros dois tipos de crime, principalmente no crime de condução sem habilitação, a onerosidadepara os bens jurídicos não assume igual relevo.

E é só por isso, que o recorrente ousa colocar à ponderação deste tribunal a redução da pena unitária.», concluindo que:

«(…) A fixação da pena conjunta que deve sancionar o agente, não é só pelos factos individualmente considerados mas também e especialmente, pelo respectivo conjunto, não como um mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e apersonalidade doagente.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobreseocorreounãoligaçãoentreosfactosemconcurso,bemcomoaindagação da natureza ou tipode relaçãoentre os factos,

No caso, há de forma notória a “necessidade instrumental” do veículo para a viabilização do cometimentodo crime de mais grave, o crime de tráfico.

O recorrente, pugna por isso, por pena inferior à dos 9 anos e seis meses de prisão fixada como pena única, por reclamar que a menor onerosidade das outras penas devem reflectir um alíviosignificativo quando cumuladas com apena de tráfico.

A pena de 8 anos e 6 meses mostra-se adequada e proporcional em ordem ao cumprimento mínimo daquelas exigências quer de prevenção geral, quer de prevenção especial.»

O Senhor Procurador-geral-adjunto neste STJ pronunciou-se, no seu avisado parecer, no sentido em que:

«O quadro jurídico–jurisdicional em que a questão da determinação concreta da pena se enquadra e que repetidamente se convoca está bem identificada pelas instâncias.

Como se viu, o TRP avaliou o modo de atuação do arguido no cometimento do crime de tráfico de estupefacientes, que traduz elevadas exigências de prevenção geral, elevada ilicitude e culpa – [elevadas quantidades e diversidade dos estupefacientes traficados, envolvendo elevadas quantias monetárias, atividade assente num esquema organizativo com duas casas «de recuo», três revendedores, bem como o recurso a familiares seus (incluindo a sua progenitora), etc.] – as elevadas exigências de prevenção especial – [traduzidas na venda de produtos estupefacientes como modo de vida («ainda que incidentalmente tivesse outra atividade»), bem demonstrada no modo como ignorou a pena suspensa que lhe havia sido aplicada e se encontrava em plena execução precisamente pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes ]– sem que se tenham identificado fatores com peso atenuante significativo.

Face a este quadro de valorações pertinentes à determinação da medida concreta da pena conjunta a aplicar, o facto de os crimes de condução ilegal terem sido alegadamente instrumentais do tráfico não podem merecer impacto atenuativo só pelo facto de serem instrumentais, sem que com isso se arrisque uma contradição em termos na avaliação, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente ou sem que com isso se ensaie uma tentativa impossível de identificar essa alegada instrumentalidade com um qualquer concurso aparente de infrações.

Na verdade, a “pertinácia” com que o acórdão qualificou a vontade que determinou o arguido a desenvolver a atividade de tráfico de estupefacientes, quando se encontrava em período de execução de pena suspensa por cometimento de igual crime de tráfico, é a mesma “pertinácia” – acrescentamos nós – com que ignorou a proibição legal da condução de veículo automóvel sem habilitação legal e que, instrumental ou não à prossecução do tráfico como modo de vida, foi violada por 13 vezes, além das duas anteriores condenações por igual crime.

Portanto, o impacto de todos os fatores, principais ou instrumentais, que caracterizaram a atividade desenvolvida concorrem evidentemente para uma imagem global dos factos que tem associada uma elevada censurabilidade da conduta e que tem associada uma personalidade com tendência criminógena e não uma mitigação desses fatores com impacto na pena.

Isto posto, na determinação da pena do cúmulo jurídico de crimes a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça entende1, em conformidade com a lei (artigo 77.º, do Código Penal), que a moldura do concurso de crimes – no caso é a de 8 anos a 13 anos e 9 meses – tem especificidades pela maior latitude em relação às penas parcelares dos crimes singulares, das quais é uma síntese, a que acresce nova e específica fundamentação, a par com a que assenta no disposto no artigo 71.º do Código Penal.

Trata–se de fazer atuar uma visão de conjunto dos factos provados, identificar conexões objetivas e subjetivas na sua prática em conjunto com os demais critérios legais enunciados, que servem de quadro e de síntese das exigências de prevenção geral e especial, onde se devem ter por relevantes:

• Uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único (ilicitude).

• A relação dessa avaliação global relativa à ilicitude conexa com a personalidade do agente, permitindo censurar de modo uno o mesmo agente (culpa).

• A proporcionalidade da pena em função desses fatores ponderativos (artigo 71.º do Código Penal –exigências gerais de culpa e prevenção + artigo 40.º, do Código Penal – necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas/pena conjunta).

• O específico dever de fundamentação de aplicação de uma pena conjunta, que não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, passando pelo efetivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta2.

Neste quadro, no caso concreto, a avaliação conjunta dos factos e das conexões objetivas e subjetivas relevantes para a avaliação da personalidade do arguido e da gravidade dos factos permite concluir que foram devidamente ponderadas todas as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis, entre elas as elevadas exigências de prevenção geral associadas à dimensão do tráfico de estupefacientes imputado ao arguido, as atinentes à prevenção especial e à culpa associadas tanto ao modo de cometimento desse crime como à reiteração do cometimento do crime de condução sem habilitação legal, à falta de censura no recurso a armas, à intensidade do dolo, sem descurar os relevantes antecedentes criminais homólogos (3 condenações, 2 por crime de condução sem habilitação legal e 1 por tráfico de estupefacientes) e sem deixar de identificar, na globalidade dos factos e da personalidade do arguido neles demonstrada, a tendência da personalidade do arguido para o cometimento de crimes e a patente indiferença perante as sanções penais aplicadas e aplicáveis.

Excluindo a pena aplicada ao tráfico de estupefacientes, cuja dimensão mereceu o acordo do arguido, a pena conjunta/única aplicada ficou próxima do 1/4 de cada uma das demais penas parcelares aplicadas e também próximo dessa medida quanto ao intervalo da moldura abstrata aplicável, o que nos parece refletir abundantemente os fatores atenuantes atendíveis, ainda que pouco sintonizada com a identificada tendência criminosa, não se justificando qualquer intervenção corretiva ou transigência face à pretensão do recorrente

Deste modo, em nosso entender, deverá manter-se intocada a pena única decretada»

Lembremos os termos em que o recorrente foi condenado:

- em coautoria, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22-01, na pena de 8 (oito) anos de prisão;

- em autoria singular, pela prática de um crime de detenção de arma proibida dos artigos 86º, nº 1, d) e 3º, nº 2, i) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

- em autoria singular, pela prática de trezes crimes de condução sem habilitação legal do artigo 3º, nº 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03-01, com referência aos artigos 121º, nº 1, 122º, nº 1 e 123º, nº 1, todos do Código da Estrada, na pena, por cada um, de 5 (cinco) meses de prisão;

- em cúmulo jurídico, das penas referidas em 1), 2) e 3), na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.

O cerne do recurso do arguido AA consiste, pois, em ponderar o acerto e adequação dos critérios da escolha e medida da pena conjunta concretamente aplicada, impetrando, por no seu entender, ser mais justa, a aplicação de uma pena de 8 anos e 6 meses de prisão em vez da pena de 9 anos e 6 meses.

Recorde-se o que foi, a tal propósito, ponderado no acórdão recorrido:

«(…)

f) A medida das penas parcelares – 8 anos de prisão, pelo crime de tráfico de produtos estupefacientes, 4 meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida e 5 meses de prisão por cada um dos treze crimes de condução de veículo sem habilitação legal – e única – 9 anos e 6 meses de prisão – que ao recorrente AA foram aplicadas mostram-se corretamente fixadas.

(1) O recorrente assenta fundamentalmente a sua pretensão de ver reduzidas as penas que lhe foram aplicadas na impetrada alteração da matéria de facto dada por assente no tocante ao momento em que teve início a sua atividade ilícita de tráfico de produtos estupefacientes, com a consequente alteração da medida da pena parcelar que pela prática do correspondente crime lhe foi imposta e, também consequentemente, da pena única que, pela prática da totalidade dos factos que protagonizou, lhe foi cominada. Soçobrando, nessa parte, o seu recurso, também não pode, por aí, justificar-se a pretendida alteração das penas impostas pelo Tribunal recorrido.

(2) No entanto, sempre se dirá que mesmo considerando apenas a atividade desenvolvida pelo recorrente entre outubro de 2021 e julho de 2022, que ele próprio aceita ter desenvolvido e que se encontra perfeitamente descrita na factualidade dada por assente, não ocorrem motivos para alterar a pena parcelar aplicada pela prática do correspondente crime de tráfico de produtos estupefacientes.

Com efeito, nesse período relativamente limitado, o recorrente adquiriu comprovadamente pelo menos 25 quilos de haxixe e 600 gramas de cocaína «de inalar», bem como quantidades significativas de «speed» (de uma vez, 200 gramas), MDMA e cetamina (de uma vez, 100 gramas), embora, dada a atividade de venda de produtos estupefacientes que vem apurada, não possa deixar de concluir-se que – em especial no tocante à cocaína e demais drogas indicadas – terão sido muito superiores às indicadas as quantidades adquiridas e disseminadas pelo recorrente no período mais restrito aludido, envolvendo assim quantias elevadas e um esquema de distribuição que incluía duas casas «de recuo», três revendedores, bem como o recurso a familiares seus (incluindo a sua progenitora) para o efeito, indiciando a existência de um módico de organização que torna ainda mais perigosa toda a atuação do recorrente e seus apaniguados.

A decisão recorrida salienta ainda, corretamente, que o recorrente fez da venda de produtos estupefacientes modo de vida («ainda que incidentalmente tivesse outra atividade»), que foi grande a pertinácia da sua vontade, aliás bem demonstrada no modo como ignorou a pena suspensa que lhe havia sido aplicada – e se encontrava em plena execução – precisamente pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, tudo o que aponta para elevadas necessidades de prevenção especial.

Por seu turno, a confissão parcial dos factos que o recorrente fez não pode deixar de ter um valor atenuativo modesto, ao resultar a sua atividade claramente demonstrada por outros elementos probatórios inequívocos, bem como os demais fatores referidos na decisão recorrida, porquanto o arguido já contava com o apoio da sua família quando optou por reiterar a sua atividade delituosa (que assim em nada logrou demovê-lo da sua decisão pelo ilícito), não se vislumbrando como a melhoria das suas habilitações académicas possa, no contexto de vida do recorrente, contribuir, de forma efetiva, para o preparar para uma futura inserção profissional (que o recorrente já podia ter procurado há muito, se realmente nela estivesse interessado).

(3) Considerando a moldura penal abstrata aplicável no caso, a medida da pena única encontrada pelo Tribunal recorrido – situada, apesar de tudo, ainda no terço inferior dessa mesma moldura – afigura-se ajustada às necessidades de prevenção geral (positiva, na vertente da defesa do ordenamento jurídico e reafirmação contrafáctica na validade das normas) e especial (considerando a impermeabilidade do recorrente às condenações anteriormente sofridas e às solenes advertências que lhe foram dirigidas para que conformasse a sua vida de acordo com os ditames do Direito).»

O recurso do arguido foi julgado totalmente improcedente pelo acórdão do TRP ora recorrido (alínea a) do dispositivo).

Nessa medida, acham-se estabilizadas – e, como tal, insuscetíveis de revisitação, por intercessão do regime de irrecorribilidade por “dupla conforme” – as penas parcelares aplicadas aos crimes pelos quais o recorrente foi condenado.

Donde, estar apenas em causa a pena única aplicada.

Na operação de escrutínio sobre o processo de apreciação da escolha e da medida da pena, em sede de recurso, é pacífico que a intervenção do tribunal superior assume um carácter essencial de “remédio jurídico”, impondo-se, especialmente, identificar incorreções ou erros manifestos atinentes ao processo hermenêutico-aplicativo das normas constitucionais, convencionais e legais mobilizáveis, por parte da instância recorrida.

Só nessa medida é legítimo ao tribunal de recurso proceder à alteração do quantum da pena. Assim, não pode proceder-se como se não existisse decisão anteriormente proferida, a qual, tendo respeitado aqueles procedimentos hermenêuticos e aplicativos, não legitima a intervenção do tribunal de recurso em termos de modificar, para mais ou para menos, a medida concreta da(s) pena(s) aplicada(s).

Como se assinala no Ac do STJ de 11-02-2015: Proc. 591/12.3GBTMR.E1.S1:

«Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste STJ, Proc. n.º 2555/06- 3ª)».

A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada” - cfr. neste sentido, entre muitos outros, Acórdãos do STJ de 10-11-2010, processo n.º 145/10.9JAPRT.P1.S1-3.ª; de 29-06-2011, processo n.º 21/10.5GACUB.E1.S1-3.ª; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1; de 12-09-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1; de 05-12-2012, processo n.º 250/10.1JALRA.E1.S1; de 29-05-2013, processo n.º 454/09.0GAPTB.G1.S1; de 5-06-2013, processo n.º 7/11.2GAADV.E1.S1-3.ª, CJSTJ 2013, t. 2, pág. 213; de 11-06-2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1; de 15-10-2014, processo n.º 353/13.0JAFAR.S1; de 12-11-2014, processo n.º 56/11.0SVLSB.E1.S1; de 25-02-2015, processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1; de 25-11-2015, processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1; e de 26-03-2016, processo n.º 181/15.9JAFAR.S1.

O escrutínio da adequação ou correção da medida concreta da pena em sede de recurso, bem como a sua alteração, impor-se-á, apenas, em caso de manifesta desproporcionalidade (injustiça) ou de violação da racionalidade e das regras da experiência (arbítrio) no tocante às operações da sua determinação impostas por lei, como a indicação e consideração dos fatores de medida da pena. Só em tais circunstâncias se justifica uma intervenção do tribunal de recurso que altere a escolha e a determinação da medida concreta da pena.

Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, que se refere às finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Estabelece, por seu turno, o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente (manifestada no facto), relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.

Como vem sendo consistentemente afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». A privação do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva (assim, J.J. Gomes Canotilho - Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra: Coimbra Ed., 2007, notas aos artigos 18.º e 27.º).

Para aferir da medida da gravidade da culpa importa, de acordo com o disposto no artigo 71.º, do Código Penal, considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – fatores indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – fatores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).

Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo para determinação da medida concreta da pena em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização do agente, devendo evitar-se a dessocialização.

Como se tem sublinhado, é, pois, na determinação da presença e na consideração destes fatores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação empreendida pelo agente (o arguido) pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem orientar a sua aplicação (cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 26-06-2019: Proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1; de 09-10-2019: Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1; de 03-11-2021: Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, e de 08-06-2022: Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S1).

Salientando, agora, o que se escreveu no acórdão do tribunal de 1.ª Instância, relativamente aos critérios de determinação da escolha e medida das penas aplicadas ao recorrente:

«(…)

O arguido vem acusado, em concurso efetivo, em coautoria, da prática de um crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21º, nº1 do Decreto-Lei nº15/93, de 22-01, em autoria material singular, de um crime de detenção de arma proibida dos artigos 86º, nº1, al. d) e 3º, nº 2, al. i), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições e, em autoria material singular, treze crimes de condução sem habilitação legal do artigo 3º, nº2 do Decreto-Lei nº2/98, de 03-01, com referência aos artigos 121º, nº1, 122º, nº 1 e 123º, nº1, todos do Código da Estrada.

Foi ainda comunicado a eventual alteração parcial da qualificação jurídica dos factos relativamente à detenção e venda de cetamina.

Vejamos, pois, cada uma das imputações de per se.

Do crime de tráfico de estupefacientes

No caso presente provou-se que o arguido atuava como fornecedor de outros arguidos, revendedores de droga, nomeadamente dos arguidos DD, a quem forneceu, pelo menos, por duas vezes, no período de um mês, produtos estupefacientes, incluindo cocaína de inalar (cfr. factos provados sob o nºs 7 e 10), EE, a quem vendeu desde outubro de 2021 até julho de 2022, pelo menos, sete vezes, um quilo de haxixe, pelo preço de 2.000,00€/quilo (cfr. factos provados sob o nºs 7 e 11), e FF, a quem vendeu, pelo menos, uma vez cocaína e haxixe (cfr. factos provados sob o nºs 7 e 12).

Além disso, o arguido AA vendia produtos estupefacientes (cocaína para inalar, canábis e anfetaminas) diretamente, e, por interposta pessoa, nomeadamente a sua mãe, a arguida BB, a nove consumidores, no período de 2020 até julho de 2022 (cfr. factos provados sob os nºs 13 a 19).

Para tanto, o arguido AA, pelo menos, desde novembro de 2021 até julho de 2022, adquiriu, pelo menos, cinco vezes, dois quilos e meios e haxixe; pelo menos, duas vezes, trezentas gramas de cocaína de inalar; e pelo menos, uma vez, em dezembro de 2021, duzentas gramas de “speed”, quantidade não especificada de MDMA e cem gramas de cetamina (cfr. factos provados sob o nº8).

O arguido AA detinha ainda na sua posse canábis (resina), com o peso (gramas) de 3,775/L e com o grau de pureza (%) de 38,8 (THC), a que correspondem 29 doses médias diárias, canábis (folhas/sumidades), com o peso (gramas) de 1,915/L e com o grau de pureza (%) de 16,2 (THC), a que correspondem 6 doses médias diárias, cocaína (cloridrato), com o peso (gramas) de 0,374/B e com o grau de pureza (%) de 89,7, a que corresponde uma dose média diária, anfetamina, com o peso (gramas) de 2,058/B e com o grau de pureza (%) de 79,0, a que correspondem 14 doses médias diária, canábis (resina), com o peso (gramas) de 1,512/L e com o grau de pureza (%) 20,3 (THC), a que correspondem 6 doses médias diárias, canábis (resina), com o peso (gramas) de 0,883/L e com o grau de pureza (%) 43,0 (THC), a que correspondem 7 doses médias diárias, canábis (resina), com o peso (gramas) de 0,852/L e com o grau de pureza (%) 32,7 (THC), a que correspondem 5 doses médias diárias, canábis (folhas/sumidades), com o peso (gramas) de 0,663/L, com o grau de pureza (%) 12,8 (THC), a que corresponde 1 dose média diária, canábis (resina), com o peso (gramas) de 2,093/L e com o grau de pureza (%) 42,6 (THC), a que correspondem 17 doses médias diárias.

Adicionalmente foram apreendidos diversos produtos e objetos de manipulação e “corte” do produto estupefaciente, nomeadamente uma caixa de plástico, uma colher para “cozinhar” a cocaína, bicarbonato de sódio e fenacetina, com o peso (gramas) de 13,194/L, conhecida amplamente por ser misturada com a cocaína e pelos seus efeitos altamente nefastos para a saúde (incluindo cancro, cfr. relatório europeu sobre drogas, in file:///C:/Users/mj02737/Downloads/20191724_TDAT19001PTN_PDF.pdf, e https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK304337/ ) (factos provados sob o nº20).

Foram ainda encontrados objetos de acondicionamento por doses e de doseamento dos produtos estupefacientes, nomeadamente um saco plástico contendo resíduos de cocaína e de canábis, uma balança digital e sacos de vácuo.

Mais foram apreendidos na sua posse dinheiro, um telemóvel e dois computadores portátil provenientes e utilizados respetivamente na atividade de tráfico de produtos estupefacientes.

Decorre igualmente da matéria de facto dada como provada que tinha três lugares de recuo, onde guardava os produtos estupefacientes, em concreto, na casa da sua mãe, a arguida BB, onde tinha guardado MDMA, suficiente para 262 doses médias diárias e canábis (resina), suficiente para 8 doses médias diárias (cfr. factos provados nºs 11 e 12 relativos à arguida BB); em casa do arguido GG, onde tinha guardado MDMA, com diversos graus de pureza, suficiente no total para 6 doses diárias, canábis (resina), com o peso total de cerca de 213 gramas, com diversos graus de pureza situados entre 40 e 41% de THC, correspondentes a 1727, canábis (folhas/sumidades) com o peso de 140,85 gramas, com o grau de pureza de 19,6 % de THC, que correspondem 552 doses médias diárias, além de 572 microsselos impregnados com substâncias não identificadas (factos provados sob o nº23); e em casa do irmão, o arguido CC, canábis (resina), com 1.927,7 gramas, com o grau de pureza de 40,1% de THC, a que correspondem 15.460 doses médias diárias, MDMA com 7,449 gramas, com o grau de pureza de 30,9%, que correspondem 23 doses médias diárias e 25 e meio de LSD, com o peso total de 0,476 gramas (factos provados sob o nº24).

Verificou-se ainda que foram ainda apreendidos, juntamente com estes produtos estupefacientes que estavam guardados na casa de outros arguidos, objetos de corte, embalamento e doseamento, além de mais 4 telemóveis, que pertenciam ao arguido AA.

Resultou ainda provado que o arguido AA não tinha qualquer atividade profissional registada desde 2017, ainda que tivesse trabalhado informalmente até alturas da pandemia por Covid, nomeadamente em França e se dedicasse à organização de eventos de música, mas sem que daqui obtivesse rendimentos.

Apesar disso, tinhas despesas em hotéis e restaurantes (cfr. factos provados nº5) e com alugueres de veículos desde 2019 até julho de 2022, ascendendo estas a, pelo menos, a quantia de 70.000€ (cfr. factos provados sob o nº4).

Os factos relativos à venda para revenda, à venda a consumidores e à detenção de produtos estupefaciente são bastantes para o preenchimento do tipo objetivo do ilícito previsto no artigo 21º do Decreto-Lei nº15/93, de 22-01 (cfr. factos provados sob os nºs 1 a 24 e 27).

A finalidade das vendas, as quantidades transacionadas e detidas, o tipo de produtos transacionados, sendo consabido que a cocaína tem um elevado potencial aditivo, os produtos de “corte” utilizados para multiplicar o número de doses vendidas e respetivos lucros, os meios utilizados para esconder tal atividade de elevado custo (alugueres de veículos, diversos telemóveis e computadores), a sua área de atuação em diversos concelhos (..., ..., ...), a duração da atividade, o nível de organização, contando com três pessoas para armazenar os produtos estupefacientes e uma para vender, diversos telemóveis, recurso a redes de comunicação impossíveis de intercetar e a circunstância de ter como única fonte de rendimentos o tráfico, afastam qualquer possibilidade de aplicação do artigo 25º do Decreto-Lei nº15/93.

Aliás, sempre se diga que, a desproporção entre a diversidade e consideráveis quantidades adquiridas e apreendidas, o longo período de tempo durante o qual ficou demonstrado que o arguido teve despesas com veículos sem que tivesse outra fonte de rendimento, e as vendas em número inferior que vieram a ser dadas como provadas, é demonstrativa do grau de organização do arguido para prosseguir (e ocultar) a sua atividade.

Por outro lado, ficou demonstrado nos autos que o arguido tinha perfeito conhecimento da natureza e características dos produtos que vendia, bem sabendo que a respetiva aquisição fora dos limites legais, detenção, transporte e venda lhe eram vedadas, querendo deter e vender a terceiros os referidos produtos.

Tal significa que agiu de com dolo direto, ou seja, representando que o facto preenchia o tipo legal de crime e atuando com intenção de o realizar.

Assim, conclui-se também pelo preenchimento do elemento subjetivo do tipo legal de crime em referência (cfr. factos provados sob os nºs 28 a 32).

Resultou ainda provado que o arguido agiu com culpa, por saber que a sua conduta era contrária ao direito (cfr. factos provados sob o nº50).

Acresce que, não se verifica qualquer causa de exclusão e ilicitude ou culpa considerando que atuou de forma livre e consciente (cfr. factos provados sob o nº50).

Em consequência, deverá ser condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes de que vinha acusado.

Considerando o acervo de factos provados, resultou ainda que atuou em coautoria com mais três arguidos, como mandante, além de também ser autor imediato de parte dos factos, nos termos do artigo 26º do Código Penal.

Do crime de detenção de arma proibida

O arguido vem acusado da prática de um crime de detenção de arma proibida do artigo 86º, nº1, d) do RJAM.

Para a verificação da previsão normativa tem de avaliar-se se o instrumento em causa é classificado uma arma ou se tem aptidão ofensiva e não se encontre justificada a sua posse, ou se foi construído com o propósito de ser utilizado como uma arma.

Nos termos do artigo 3º, nº2, g) do RJAM, são armas, munições e acessórios da classe A quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão.

No caso concreto, desde logo, decorre dos factos provados que o arguido tinha na sua posse os objetos melhor descritos nos factos provados sob os nºs 21 e 22, ii.

Como resulta das suas características tratam-se ambos de dois bastões extensíveis que têm como finalidade exclusiva a agressão, sendo, por isso, considerados como arma proibida.

Com efeito, tal ocorre quer pela leitura da alínea d) do nº1 do artigo 86º, quer do artigo 3º, nº2, i) do RJAM, onde é classificada como arma branca da classe A.

Assim, relativamente a tais objetos, para cuja detenção o arguido não tinha autorização, tem de concluir-se que se encontram reunidos os pressupostos objetivos do tipo de crime legal em causa (factos provados sob os nº21, 2, ii. e 26).

Mais se tendo demonstrado que sabia que tal conduta era ilícita e apesar disso quis deter e utilizar as referidas armas e munições, igualmente se verifica o preenchimento dos elementos subjetivos do tipo (cfr. factos provados sob o nº33).

Resultou ainda provado que o arguido agiu com culpa, por saber que a sua conduta era contrária ao direito (cfr. factos provados sob o nº50).

Acresce que, não se verifica qualquer causa de exclusão e ilicitude ou culpa considerando que atuou de forma livre e consciente (cfr. factos provados sob o nº50).

Em consequência, deverá ser condenado pelo crime de detenção de arma proibida de que vinha acusado.

Dos crimes de condução sem habilitação legal

Face à factualidade dada como provada (cfr. factos provados sob os nºs 34 a 48) a conduta do arguido – ao tripular em treze dias distintos, veículos automóveis, em vias públicas, sem que para tal estivesse habilitado – traduz-se no preenchimento dos elementos objetivos do tipo legal do crime.

Sabendo o arguido que não podia conduzir veículos automóveis sem possuir carta de condução na via pública, mas ainda assim querendo fazê-lo, como sucedeu (cfr. factos provados sob o nº49), agiu como dolo direto nos termos do artigo 14º, nº1 do Código Penal, encontrando-se preenchidos os elementos subjetivos da previsão legal.

Agiu ainda o arguido com culpa, censurável, por ser contrária ou indiferente à ordem jurídica, sendo-lhe exigível um comportamento conforme o Direito, através do cumprimento das normas estradais, por ter ficado provado que atuou sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (cfr. factos provados sob o nº50).

Inexistem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.

Por tudo se conclui que o arguido praticou trezes crimes de condução sem habilitação legal do artigo 3º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº2/98, de 3 de janeiro.

(…)

O crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21º do Decreto-Lei nº15/93, de 22-01 é punido com pena de prisão de quatro a doze anos.

O crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade do artigo 25º alínea a) do Decreto-Lei nº15/93, de 22-01 é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

O crime de detenção de arma proibida do artigo 86º, nº1, c) da do Regime Jurídico das Armas e Munições é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa de 10 até 600 dias (cfr.47º do Código Penal).

O crime de detenção de arma proibida do artigo 86º, nº1, d) do Regime Jurídico das Armas e Munições é punido com pena de prisão de 1 mês até 4 anos ou com pena de multa de 10 a 480 dias (cfr. artigos 41º e 47º do Código Penal).

O crime de condução sem habilitação legal é punido com pena de prisão de 1 mês a 2 anos ou com pena de multa de 10 dias a 240 dias (cfr. artigos 41º e 47º, nº1 do Código Penal e artigo 3º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº2/98, de 03.01).

(…)

Da(s) medidas e espécie(s) da(s) pena(s)

A determinação da pena em concreto, adequada e proporcional, será efetuada em função da sua culpa e tendo em conta exigências de prevenção do caso concreto, conforme dispõe o nº1 do artigo 71º do Código Penal, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele, nos termos do nº2 do artigo 71º do mesmo diploma.

Vejamos agora relativamente a cada um dos arguidos.

(…)

- AA

No que se refere ao crime de tráfico de estupefacientes, as exigências de prevenção geral são elevadas atendendo aos inúmeros crimes praticados desta natureza e à danosidade social deste tipo de condutas que se traduzem na degradação e morte da pessoa.

No que que concerne ao crime de detenção de arma proibida, as exigências de prevenção geral são elevadas atenta a proliferação de armas proibidas que se tem registado no nosso país.

Relativamente ao crime de condução sem habilitação legal, as exigências de prevenção geral são elevadas atendendo às consequências potenciais decorrentes do desrespeito pelas regras rodoviárias, aos índices de sinistralidade das estradas reveladores da perigosidade aliada às infrações estradais.

As exigências de prevenção especial, por seu turno, são igualmente elevadas considerando os antecedentes criminais do arguido, em particular quanto a crimes da mesma natureza, tendo os factos relativos ao tráfico sido praticados no período de uma suspensão de uma pena pela prática de igual crime e sendo a quarta condenação pela prática do crime de condução sem habilitação legal, não tendo as condenações anteriores em medidas não privativas da liberdade servido para afastar o arguido do cometimento de crimes e que não se encontrava inserido de forma estável profissionalmente.

Da espécie das penas a aplicar

Considerando que aos crimes de detenção de arma proibida e de condução sem habilitação legal são punidos alternativamente com pena de prisão ou com pena de multa, cumpre determinar qual a espécie a aplicar.

Estipula-se no artigo 70º do Código Penal, quanto à escolha da espécie da pena, que se ao crime forem aplicáveis, alternativamente, pena de prisão e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à esta última sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A pena de prisão apresenta-se como ultima ratio dentro do leque das penas previstas no Código Penal, que se impõe apenas quando as restantes medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de prevenção geral e especial.

No caso concreto, considerando que as exigências de prevenção geral e especial são elevadas e no que diz respeito ao crime de condução sem habilitação legal, as condenações anteriores em penas de multa e trabalho não serviram de advertência suficiente e no que se refere ao crime de detenção de arma que se encontra associado à pratica de outros crimes, potenciando a violência destes, entende-se que deve ser aplicada pena de prisão por ser esta a única medida que se revela adequada.

Das penas concretas

Considerando, além das razões de prevenção supra referidas, os factores a que alude o nº2 do artigo 71º do Código Penal no caso concreto, que influenciam a medida da pena, quer por via da culpa, quer por via da ilicitude, temos que:

- o grau de ilicitude é elevado no que se refere ao crime de tráfico, considerando que era fornecedor de, pelo menos, 3 revendedores a consumidores, que era vendedor direto a consumidores, as quantidades e qualidades de droga transacionada e apreendida (cocaína de inalar, anfetaminas e canábis) e o grau de dependência física que provocam, os meios utilizados para prosseguir a atividade que correspondem a despesas de elevados montantes (com recurso a veículos alugados), à venda a consumidores através de outra arguida, sua mãe, ao armazenamento em duas casas de recuo de dois arguidos, ao recurso a elevados montantes monetários (atentos os preços dados como provados e a quantia apreendida), ao facto de destinar a quase totalidade dos produtos estupefacientes à venda e à circunstância de fazer da atividade de tráfico o seu modo de vida por ser a sua única fonte de rendimentos, ainda que incidentalmente tivesse outra atividade;

- a elevada intensidade do dolo, que é direto;

- o grau de perigosidade das armas detidas, que é mediano;

- a circunstância de ter praticados os crimes de condução sem habilitação legal temporalmente próximos uns dos outros, conferindo uma continuidade à conduta;

- os antecedentes criminais do arguido, contado com 3 condenações, 2 por crimes de condução sem habilitação legal e 1 por tráfico de estupefacientes, e a falta de consideração pela advertência decorrente das sanções penais que lhe foram aplicadas, considerando que praticou o crime de tráfico durante o período de suspensão da uma pena em que foi condenado por igual crime;

como circunstâncias que depõem contra o arguido;

- a confissão parcial dos factos, como princípio de reconhecimento do mal praticado;

- as condições pessoais do arguido, nomeadamente o apoio familiar de que beneficia;

- o facto de se encontrar a melhorar as suas habilitações literárias no Estabelecimento Prisional, como factor promotor da sua inserção laboral futura;

como circunstâncias que depõem a favor do arguido.

Ponderando todo o descrito circunstancialismo e atendendo às exigências de prevenção referidas, entende-se por ser proporcional, adequada e necessária, aplicar as seguintes penas:

- pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, em medida próxima do meio da pena, em concreto a pena de 8 anos de prisão;

- pela prática do crime de detenção de arma proibida, em medida próxima do limite mínimo, em concreto a pena de 4 meses de prisão;

- pela prática de cada um dos 13 crimes de condução sem habilitação legal, em medida superior ao primeiro terço, mas inferior ao termo médio da moldura, a pena de 5 meses de prisão.

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- Cúmulo jurídico das penas aplicadas

Cumpre agora proceder ao respetivo cúmulo jurídico das penas aplicadas e fixar ao arguido uma pena única, graduada de acordo com o disposto no artigo 77º, nº1 do Código Penal, cuja redação é a seguinte:

“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de ter transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

Como refere Figueiredo Dias (ob. cit. pp. 291 e 292) “Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente revelará, entretanto, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente.”

De acordo com o disposto no nº2 do artigo 77º do Código Penal, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Assim, no caso concreto a moldura do concurso fixa-se entre 8 anos e 13 anos e 9 meses.

Atendendo à dimensão dos factos praticados no que se refere em particular ao crime de tráfico, à reiteração dos crimes de condução sem habilitação legal e à circunstância do arguido não ter censura em recorrer a armas pese embora saber estar a praticar novo crime, à intensidade do dolo, ao número de crimes em causa nos presentes autos, aos seus antecedentes criminais, por um lado, e à sua postura perante os factos, demonstrando reconhecer a ilicitude da sua conduta e a sua inserção familiar, por outro, entende-se da avaliação global dos factos resulta uma tendência da personalidade do arguido para a prática de crimes.

Tudo isto visto, e tomando a moldura penal do concurso, entende o Tribunal que a pena deve fixada em medida próxima do primeiro terço da moldura, em concreto, na pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.)».

Importa, pois, apreciar o acerto e a adequação da medida concreta da pena única.

Na determinação da pena única ou conjunta, impõe-se, igualmente, atender aos “princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso” (Ac. STJ de 10-12-2014, processo n.º 659/12.6JDLSB.L1.S1, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Ano de 2014), impregnados da sua dimensão constitucional, pois que «[a] decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta – dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber – como já se aludiu – se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido», sem esquecer, que «[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)» (assim, Ac. STJ de 27-06-2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1).

Como este Supremo Tribunal de Justiça vem considerando de forma reiterada e preponderante, o critério da determinação da medida da pena conjunta do concurso – determinação feita em função das exigências gerais da culpa e da prevenção – impõe que do teor da decisão conste uma especial fundamentação, em função de tal critério. «Só assim – afirma-se no acórdão de 06-02-2014, proferido no processo n.º 6650/04.9TDLSB.S1- 3.ª Secção – se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e, ultrapassada, arte de julgar, puramente mecânico e, por isso, arbitrário».

O artigo 77.º do Código Penal estabelece as regras da punição do concurso de crimes, dispondo no n.º 1 que «[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena», em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». O n.º 2 do mesmo preceito estabelece «[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes».

Sobre a pena única e para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares da mesma espécie, considera Maria João Antunes que «o direito português adopta um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico» (Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra: Coimbra Ed., 2.ª ed., 2015, p. 56).

A pena única do concurso, formada nesse sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.

Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 20-12-2006 (Proc. n.º 06P3379), «na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita a avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso». Ainda no mesmo acórdão, pode ler-se que «na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente».

Neste âmbito, regista-se o que no acórdão deste Supremo Tribunal, de 27-05-2015, proferido no processo n.º 220/13.8TAMGR.C1.S1- 3ª Secção, se refere:

«o Supremo Tribunal tem entendido, em abundante jurisprudência, que, com “a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado”, e, assim, [i]mportante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos (-), tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele(-)» (Acórdão de 12-09-2012, processo n.º 605/09.4PBMTA.L1.S1 – 3.ª Secção).

Não divisamos objeção quanto às considerações feitas relativamente aos critérios de escolha e determinação das penas concretas aplicadas ao crime de tráfico de estupefacientes, bem como relativamente aos crimes de detenção de arma proibida e de condução sem habilitação legal.

Tudo num raciocínio de coerência no sentido de, no quadro de uma moldura legal entre os oito (8) anos de prisão (pena parcelar aplicada ao crime de tráfico de estupefacientes e limite mínimo da moldura de cúmulo jurídico) e os treze (13) anos e nove (9) meses de prisão (total da soma das penas parcelares, limite máximo da moldura), se encontrar, na medida de nove (9) anos e seis (6) meses de prisão a pena ajustada às circunstâncias do facto e da culpa do arguido, que, de forma nenhuma se afigura desproporcionada e, por isso, injusta.

Analisando mais de perto os pressupostos da factualidade típica relevante, demonstrada, verifica-se que o arguido desenvolveu entre 2020 e meados de 2022 atividades de tráfico de estupefacientes, que consistiram na aquisição, transporte e manipulação de equipamentos, produtos e substâncias precursoras de estupefaciente, e substâncias psicoativas (concretamente Cocaína, Cannabis, MDMA, ecsatsy, cetamina).

Por seu lado, a prática dos ilícitos de detenção de arma proibida e de condução ilegal de veículo motorizado, este repetidamente, não se podem dissociar daquela atividade, sendo acessória ou conexa da mesma.

Quanto à intensidade do dolo, observa-se que o recorrente agiu de forma persistente, só tendo interrompido a sua atividade por intervenção das autoridades, sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as respetivas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

Quanto às condições pessoais do arguido e à sua situação atual, regista-se que o mesmo não tinha atividade ocupacional ou profissional lícita e remunerada, apesar de ter aptidão laboral.

Reconhece-se ter algumas competências sociais e familiares, apesar de o financiamento das inerentes despesas ser proveniente da prática do crime de tráfico de estupefacientes.

Podendo ter cessado a prossecução de tal atividade, não o fez.

O arguido confessou parcialmente os factos, sem especial relevo atenuativo ou probatório.

A vida pregressa do recorrente, não sendo primário – tendo já averbadas três condenações por crimes de condução ilegal e uma por crime de tráfico de estupefacientes, com aplicação de pena suspensa durante a qual praticou os factos apurados nestes autos – demonstra uma inclinação criminosa intensa e persistente, evidenciando a deliberada intenção de violar bens jurídicos de relevante significado, como a saúde pública, a segurança e tranquilidade pública e rodoviária, o que há de, necessariamente, suscitar um juízo de grande reprovabilidade e censurabilidade, com tradução na medida da pena única.

Tais circunstâncias tornam mais fortes as exigências de prevenção geral e especial.

A prevenção geral, como prevenção positiva ou de integração, no respeito e confiança na reposição contrafáctica das normas violadas, é bastante intensa nos crimes de tráfico de estupefacientes. Em tais crimes manifesta-se uma personalidade do agente, disposta a contrariar o direito e a desprezar a dignidade e integridade humanas.

Deve ponderar-se, por outro lado, que os crimes de condução sem habilitação legal em apreço nos autos, longe de se tratar de um aspeto marginal, evidenciam a pertinácia delinquencial do arguido, não podendo de modo nenhum considerar-se dissociado, apesar de instrumental, da atividade de tráfico de estupefacientes desenvolvida, a título principal, pelo recorrente.

A ilicitude global do comportamento do arguido está decisivamente marcada pela prática do crime de tráfico de estupefacientes – na qual terá movimentado avultada quantidade de substâncias e produtos de tal natureza, perto de 25 Kg, a qual lhe conferiu assinalável rendimento –, em concurso efetivo com os crimes de detenção de arma proibida e o expressivo número dos crimes de condução sem habilitação legal.

O grau de culpa, enquanto limite da pena, reportada ao facto, é bastante acentuado, pelo desempenho manifestado e querido na ação desvaliosa.

A personalidade do arguido documentada nos factos é ostensivamente desrespeitadora dos valores e bens jurídicos pelos quais revelou indiferença – saúde pública, tranquilidade e segurança públicas e do tráfego rodoviário –, revelando uma duradoura persistência na sua prática, sem que tenha sido provado haver instrumentalização do mesmo.

Não obstante a elevada ilicitude dos factos praticados e das suas consequências, com as inerentes necessidades de prevenção geral, há que ter, por outro lado, presente que os antecedentes criminais do arguido, nas mesmas áreas de incriminação, têm de se ponderados em seu desfavor.

De acordo com a matéria de facto provada, pode dizer-se que o arguido não revelava hábitos de trabalho remunerado, nem propósito sério de se dedicar seriamente ao mesmo, aquando da prática dos factos.

O arguido tem presentemente trinta e sete (37) anos de idade.

Não há outros factos que particularmente militem em desabono do arguido.

Em conclusão, tendo a medida concreta da pena única sido fixada em nove anos e seis meses de prisão, o que significa ter intercedido a aplicação de um fator de compressão de cerca de dois terços da soma das penas parcelares menos graves (remanescentes), parece-nos uma medida ajustada e plenamente justificada, encontrada de acordo com os critérios que presidem à determinação da medida das penas e das finalidades de punição.

Não colhe, assim, a fundamentação do recurso do arguido, ao sugerir que a diminuta gravidade dos crimes de detenção de arma proibida e de condução sem habilitação legal deveria implicar a redução da pena única, uma vez que a ponderação da soma das respetivas penas já está adequadamente refletida no quantum da mesma.

Assim, terá de improceder a pretensão do recurso do arguido, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.

III. Decisão

Por tudo quanto se expôs, acordam os juízes Conselheiros desta secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, e, nessa medida, em manter na íntegra o acórdão recorrido.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 7 (sete) UC – artigos 513.º, n.º 1, do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26-02, e Tabela III anexa, sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário.

Notifique, remetendo cópia à primeira instância.

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Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 15-05-2025

Texto elaborado e informaticamente editado, e integralmente revisto pelo Relator, sendo eletronicamente assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos (art. 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPP)

Os juízes Conselheiros

Jorge dos Reis Bravo (relator)

Jorge Jacob (1.º adjunto)

Ana Paramés (2.ª adjunta)

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1. No parecer foi inserida uma nota do seguinte teor: (1) «Seguindo também a formulação avançada pelo Professor Figueiredo Dia, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pp. 290 e ss., que invoca recorrentemente».

2. No parecer foi inserida uma nota do seguinte teor: (2) «Cf. acórdão do STJ, de 31.03.2011, proferido no Processo 169/09.9SYLSB.S1.»