I. O crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, fica preenchido quando, preenchido o tipo do art. 21º ou do art. 22º do mesmo diploma legal, se mostre consideravelmente diminuída a ilicitude do facto, mediante a ponderação de todas as circunstâncias relevantes, designadamente, os meios utilizados [a organização e a logística], a modalidade e circunstâncias da acção [em função do grau de perigosidade para a difusão do estupefaciente], e a qualidade e/ou quantidade das substâncias, plantas ou preparados [em função da intensidade do ‘ataque’ ao bem jurídico protegido].
II. Considerando globalmente a situação objectiva revelada pelos factos provados, com especial destaque para a pluralidade de estupefacientes traficados – cocaína, canábis e MDMA –, as quantidades envolvidas, que não sendo elevadas, também não são insignificantes, particularmente no que respeita à cocaína e à canábis, e o volume das quantias monetárias apreendidas, para um período de quatro meses de actividade, não pode considerar-se a imagem global do facto reveladora de uma ilicitude consideravelmente diminuída.
I. RELATÓRIO
No Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, dos arguidos AA e BB, ambos com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-B, I-C e II-A, anexas, mais requerendo a perda de vantagens, fixadas em € 6020.
Foi comunicada uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nada tendo sido requerido.
Por acórdão de 17 de Dezembro de 2024, foi decidido, na parte em que agora releva:
“(…).
1) Absolver os arguidos AA e BB da prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01;
2) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;
3) Condenar o arguido BB pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do DL 15/93, de 22/01, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 2 (dois) anos;
4) Declarar a perda da vantagem obtida com a venda realizada pelo arguido BB no valor de 35,00€ (trinta e cinco euros) e condenar o arguido no respectivo pagamento;
5) Declarar perdidas a favor do Estado as vantagens consubstanciadas nas quantias apreendidas aos arguidos AA e BB, nos valores de 5.765,00€ (cinco mil setecentos e sessenta e cinco euros) e 60 £ (sessenta libras);
(…)”.
*
Inconformado com a decisão, recorre o arguido AA para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando no termo da motivação, as seguintes conclusões:
1. O Recorrente vendia os estupefacientes, designadamente canábis (resina e folhas/sumidades), cocaína e MDMA, em pequenas doses, através de contacto direto e de rua com os consumidores finais, perto dos locais onde estava hospedado/pernoitava.
2. O Recorrente praticou os factos pelos quais foi acusado e condenado num período temporal relativamente curto (entre 01/05/2023 e 29/08/2023).
3. O Recorrente agia sozinho.
4. O Recorrente não estava inserido numa qualquer associação ou organização.
5. Verifica-se uma falta de sofisticação dos meios utilizados pelo Recorrente na venda de pequenas doses de estupefacientes aos consumidores finais.
6. Os meios usados eram, efetivamente, rudimentares.
7. Em 01/05/2023, o Recorrente guardava os estupefacientes no interior de um cacifo identificado com o n.º 57, existente no quarto n.º 55 do “...”, sito na Travessa do ..., em ..., onde estava hospedado.
8. Ali guardava, ainda, no interior de um saco de viagem junto à cama, um número não concretamente apurado de sacos herméticos e uma balança de precisão.
9. Nada mais se apurou sobre o modus operandi do Recorrente.
10. O Recorrente arriscava ser detetado pelos agentes policiais, conforme veio a ocorrer.
11. O grau de ilicitude é, no caso concreto, pequeno, pois, no quadro de um tráfico comum, as quantidades que detinha de estupefacientes não eram elevadas.
12. Os proventos também não o eram.
13. Em 01/05/2023, o Recorrente tinha na sua posse 110,00 € (cento e dez euros), em numerário, e 60,00 £ (sessenta) libras, em numerário, e, no quarto n.º 55 do “...”, onde estava hospedado, guardava, dentro de um bolso de um casaco de cor verde em cima da sua cama, mais 400,00 € (quatrocentos euros), em numerário.
14. Em 29/08/2023, o Recorrente tinha na sua posse 640,00 € (seiscentos e quarenta euros), em numerário, e no interior de uma tenda do parque de campismo onde pernoitava, em ..., guardava 4.500,00 € (quatro mil e quinhentos euros).
15. Não se apurou se estas quantias eram provenientes exclusivamente do tráfico, pois ficou provado que o Recorrente, embora não tivesse uma atividade laboral regular, esporadicamente, fazia divulgação/publicidade para restaurantes e bares em ..., mediante remuneração.
16. A quantia de 4.500,00€ (quatro mil e quinhentos euros) é elevada para o cidadão comum, mas já não se considerada num quadro de tráfico.
17. O Recorrente viveu primeiramente no “...”, passando depois a pernoitar numa tenda do parque de campismo, ambos em ....
18. Não ficou demonstrado que o Recorrente ostentasse sinais exteriores de riqueza.
19. É notório que estávamos perante um pequeno traficante de rua.
20. A ilicitude dos factos praticados pelo Recorrente, nas circunstâncias de tempo, lugar e modo julgadas provadas, mostra-se, assim, consideravelmente diminuída.
21. A forma de atuação do Recorrente, as qualidades e as quantidades de estupefacientes e as quantias monetárias concretamente apreendidas, permite-nos concluir que estamos perante uma situação de pequeno tráfico, razão pela qual a atuação do Recorrente deveria ter sido enquadrada no previsto no artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
22. Ao decidir diferentemente, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação ao caso concreto do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e afastou incorreta e infundadamente a aplicação do artigo 25.º, alínea a), do mesmo diploma legal, resultando numa punição claramente desajustada, desproporcionada e injusta, relativamente aos factos praticados.
23. Os factos provados devem ser qualificados no crime de tráfico de menor gravidade, punido e previsto pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com uma moldura penal abstrata entre 1 (um) e 5 (cinco) anos, o que se requer.
24. Alterada a qualificação jurídica dos factos praticados pelo Recorrente como se requer, a pena a aplicar-lhe não deverá ultrapassar os 5 (cinco) anos de prisão, atento o limite máximo da pena aplicável previsto no artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
25. O Recorrente tem, agora, 27 (vinte e sete anos) anos (nasceu a .../.../1997).
26. Está preso preventivamente desde 30 de agosto de 2023.
27. Antes de preso, era consumidor de estupefacientes.
28. O Recorrente tem uma história pessoal difícil, marcada por precariedade económica e habitacional, irregularidade laboral, desemprego, distanciamento familiar, isolamento social, consumo de estupefacientes, desorganização pessoal e instabilidade emocional e afetiva.
29. O Recorrente não tem antecedentes criminais.
30. Nem tem outros processos pendentes.
31. Perspetiva retomar o projeto de vida, com o exercício laboral regular, contando, para tanto, com o apoio de CC, que está disposto a recebê-lo na sua casa e, também, a contratá-lo para trabalhar para si, na construção civil.
32. Na atual fase da vida do Recorrente, é ainda possível a formulação de um juízo de prognose favorável, no sentido de que, com a simples censura dos factos e a ameaça de prisão, o Recorrente irá manter a sua conduta de acordo com as normas sociais.
33. A pena de prisão a aplicar concretamente ao Recorrente deverá fixar-se no limite médio da moldura penal abstrata prevista para o crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de22 de janeiro, e ser suspensa na sua execução, nos termos do previsto no artigo 50.º do CP.
34. Mantendo-se a qualificação dos factos praticados pelo Recorrente como crime de tráfico, punido e previsto pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, parece-nos que a pena aplicada ao Recorrente é manifestamente exagerada, desajustada, desproporcional e injusta, tendo em consideração os factos praticados pelo arguido e os fatores sociais e pessoais do mesmo.
35. Na determinação da medida concreta da pena, respeitante ao crime de tráfico, punido e previsto pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, o Tribunal a quo não fez como devia uma equitativa ponderação.
36. Deveria ter sido aplicada a atenuação especial da pena prevista no artigo 72.º, n.º 1, do CP.
37. Ao decidir diferentemente, o Tribunal a quo violou o disposto no referido n.º 1 do artigo 72.º do CP.
38. Mantendo-se a qualificação jurídica dos factos provados no crime de tráfico, punido e previsto pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, deverá ser aplicada ao Recorrente uma pena de prisão perto do mínimo legal ali previsto, a qual, pelos motivos já aduzidos nesta motivação do recurso, deverá ser suspensa na sua execução, nos ternos do artigo 50.º do CP.
Nestes termos, e nos melhores de direito, que V/ Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ter provimento e, em consequência, deverá o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro, que condene o Recorrente pela prática de 1 (um) crime de tráfico de menor gravidade, punido e previsto pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, fixando-se a pena no limite médio da moldura penal abstrata ali prevista, a qual deverá ser suspensa na sua execução; ou
Mantendo-se a qualificação jurídica dos factos provados no crime de tráfico, punido e previsto pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, deverá ser aplicada ao Recorrente uma pena de prisão perto do mínimo legal ali previsto, a qual deverá ser suspensa na sua execução;
Fazendo-se, assim, Justiça.
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O recurso foi admitido por despacho de 22 de Janeiro de 2025.
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Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:
1. O arguido AA insurge-se contra o acórdão condenatório proferido nos presentes autos, alegando, em síntese, o seguinte:
a) O recorrente era um traficante de rua e dedicou-se à actividade de tráfico de estupefacientes por um curto período temporal, assim como, detinha pequenas quantidades de substâncias estupefacientes, motivo pelo qual, a matéria de facto provada deve ser integrada na prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido no artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;
b) Em face da ausência de antecedentes criminais e as condições sociais do arguido que foram apuradas, deve o mesmo beneficiar de uma especial atenuação da pena e, por conseguinte, ser condenado numa pena de prisão suspensa na sua execução.
2. Conforme tem sublinhado a jurisprudência , para se avaliar se determinada conduta integra o crime de tráfico, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro ou o previsto no artigo 25.º, do mesmo diploma legal, devem ser conjugados vários factores, nomeadamente, a quantidade e qualidade dos produtos estupefacientes apreendidos, o lucro obtido, desenvolver ou não uma actividade profissional (lícita), a duração e intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores contactados, etc., sendo certo que, os critérios para a verificação do crime de tráfico de menor gravidade devem ocorrer cumulativamente na situação concreta.
3. Todavia, in casu, há que ter em linha de conta os elementos exarados no acórdão sob recurso e que ora se transcreve:
«Assim, considerando:
Que em 01/05/2023 já o arguido desenvolvia a actividade de tráfico de estupefacientes, actividade findou no dia 29/08/2023, mas cessou com a detenção do arguido e aplicação, na sequência de 1.º interrogatório judicial, da medida de coacção de prisão preventiva, cf. fls. 433 e s.,
Pois o arguido já fora anteriormente presente a idêntica diligência no dia 02/05/2023, cf. fls. 90 e s. (do Nuipc 34/23.7...), ficara sujeito à medida de coacção prevista no artigo 198.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (no caso a apresentações diárias), e mesmo assim, depois desse 1.º interrogatório Judicial realizado no dia 02/05/2023, o arguido retomou a actividade de disseminação de produtos estupefacientes;
Considerando igualmente a diferente natureza das substâncias em causa (cocaína, canabis e Mdma);
(…)
As vendas efectuadas de cocaína e de canábis;
A detenção de elevadas quantias em dinheiro vivo (total de 5.650,00 € e 60 £) quando o arguido não possuía qualquer ocupação laboral lícita geradora de rendimentos certos e periódicos;
Tudo sopesado leva-nos a concluir que o arguido no referido período temporal se dedicou à cedência de produtos estupefacientes, que esta actividade constituiu a forma como obteve os seus rendimentos. Mas mais, revela-nos a predisposição do arguido para tal actividade (pois que a retomou após o 1.º interrogatório a que foi sujeito) e também não se pode escamotear o que a diversidade dos estupefacientes em causa revela: a satisfação de um número maior de consumidores.».
4. Ora, face ao supra exposto, concluímos que, a conduta global do arguido AA, não se apresenta com «um grau de ilicitude consideravelmente diminuído», razão pela qual, mostrou-se, no nosso modesto entendimento, inteiramente correcta a integração da matéria de facto dada como provada, na prática por aquele do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, pelo qual foi condenado .
5. No que tange às exigências de prevenção especial, in casu, as mesmas são elevadas, conforme se exarou no acórdão sob recurso, nos seguintes termos:
«Fazendo-o considera o Tribunal, em desfavor do arguido:
- A diversidade das substâncias detidas e comercializadas (cocaína, canabis e MDMA), estupefacientes de elevado poder aditivo e danosidade para saúde, principalmente a cocaína;
- O dolo com que o arguido agiu, intenso e directo, modalidade que exprime o modo mais intenso da vontade, artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal;
- As quantidades e qualidades das substâncias detidas: 30.218 gramas (pl) de cocaína com um grau de pureza de 60% (THC) equivalentes a 90 (noventa) doses individuais; 73,128 gramas (pl) de canabis com graus de pureza compreendidos entre 14,1% e 32,9% equivalentes a 298 (duzentos e noventa e oito) doses individuais; e 14,612 gramas (pl) de MDMA com graus de pureza compreendidos entre 9,9% e 19,7% equivalentes a 22 (vinte e duas) doses individuais;
- A situação de desocupação laboral;
- Os fins que determinaram a sua conduta: a obtenção de proventos financeiros fáceis;
- As necessidades de prevenção geral que se impõem com elevada acuidade, pois são consabidos os efeitos nefastos para a comunidade associados ao tráfico de estupefacientes;
- As necessidades de prevenção especial que se exasperam na medida em que o arguido após ser submetido a 1.º interrogatório judicial no dia 02/05/2023, acabou por ser indiferente a esse contacto com as instâncias formais de controlo e optou por retomou a actividade de tráfico, tudo a reclamar, também, agora sob outro ponto de vista, um maior juízo de censura;».
6. Todavia, relativamente a essas mesmas exigências de prevenção geral e especial (em particular estas últimas) cumpre também ter em conta que o arguido não possui antecedentes criminais e, bem assim, efectuou um reduzido número de vendas provadas (três) e, sempre de pequenas quantidades, respectivamente, de 0,957 de cocaína a DD, 0,463gramas de cocaína a EE e 3,979 gramas de canábis a FF, sendo certo também que, desenvolveu a mencionada actividade durante um reduzido período temporal, motivos pelos quais, o grau de culpa se situa num patamar mediano.
7. Acresce ainda, que pese embora não se verifique qualquer das circunstâncias atenuativas a que se alude no artigo 72.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal e, nem tão-pouco ficou minimamente demonstrado que o arguido fosse consumidor de substâncias estupefacientes (pelas razões exaradas no acórdão sob recurso), certo é que, pelos motivos que acima se indicou (reduzido número de vendas e curto período temporal em que desenvolveu a sua actividade), afigura-se-nos que, considerando o grau de culpa do agente deverá ser lhe aplicada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva (em consonância, aliás, com o que o Ministério Público pugnou em sede de alegações orais).
8. De resto, consideramos que a aludida pena não poderá ser suspensa na sua execução, pois, dado o percurso do arguido e o crime praticado considera-se que as exigências de prevenção geral e especial impõem a aplicação de uma pena de prisão efetiva. Na verdade, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto não existem elementos que nos permitam concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido AA.
9. Com efeito, o arguido veio para ..., pelo menos, em Agosto de 2022 e nunca dispôs de contrato de trabalho, não se inscreveu na Segurança Social, nem no Centro de Emprego (factos provados n.ºs 11 e 12), sendo certo também, que antes de ser detido vivia numa tenda no parque de campismo em ... (facto provado n.º 14) e não possui qualquer apoio familiar em território nacional (facto provado n.º 16).
10. Em face de todo o supra exposto, deve o recurso ser julgado parcialmente procedente e, em consonância, ser o arguido AA condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão (efectiva) pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
CONTUDO, V.ªS EX.ªS, FARÃO COMO SEMPRE JUSTIÇA!
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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer, realçando, i) quanto à qualificação jurídico-penal dos factos provados, que não sendo prolongada a actuação criminosa do recorrente, nem sofisticados os meios empregues na prática da infracção, a variedade, quantidade e qualidade dos estupefacientes detidos, aliadas ao conjunto de meios relacionados com a actividade de tráfico directo ao consumidor e a quantidade elevada de dinheiro apreendido, não proveniente de actividade lícita conhecida, indiciando o tráfico como fonte de subsistência não ocasional, revelam uma conduta longe de poder qualificar uma considerável diminuição da ilicitude, assim afastando o preenchimento do tipo do crime de tráfico de menor gravidade, ii) quanto à pretendida atenuação especial da pena, a inexistência de factualidade provada subsumível à previsão do art. 72º, nºs 1 e 2 do C. Penal, impede a aplicação do instituto, iii) quanto à medida concreta da pena, para além de o recorrente invocar factos e circunstâncias não provados ou não totalmente provados, esquece que só interrompeu, e de forma não voluntária, a conduta delituosa, quando foi interceptado pela segunda vez pelo OPC, em plena actividade, que a desinserção familiar, laboral e social são factores reveladores do perigo de ‘reincidência’, o facto de alegar ser consumidor de estupefacientes, não provado, não é factor atenuante da conduta, e o apelo a uma história pessoal difícil a todos os níveis, não reduz o nível das exigências de prevenção nem a medida da culpa, pelo que, a pena aplicada pelo tribunal recorrido é necessária, proporcional, adequada e por isso, justa, não sendo merecedora da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça e, concluiu pela improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
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Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
3. Factos provados
A matéria de facto provada que provém da 1ª instância é a seguinte [com excepção da factualidade relativa às condições pessoais do co-arguido]:
“(…).
1. No dia 01/05/2023, pelas 00h15, junto ao estabelecimento “...”, sito na Travessa do ..., em ..., o arguido AA encontrava-se na posse de:
- 110.00 € (cento e dez euros) em numerário;
- 60 Libras em numerário;
- 4.971 gramas (pl) de canábis (resina) com um grau de pureza de 32.8% (THC) equivalentes a 32 (trinta e duas) doses individuais;
- 3.255 gramas (pl) de canábis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 16.7% (THC) equivalentes a 10 (dez) doses individuais;
2. No mesmo dia 01/05/2023, o arguido AA detinha dentro do quarto n.º 55 do estabelecimento “...”, onde estava hospedado,
→ guardado no interior de um cacifo identificado com o n.º 57 existente no quarto:
- 30.218 gramas (pl) de cocaína com um grau de pureza de 60% (THC) equivalentes a 90 (noventa) doses individuais, dentro de 1 (um) saco de plástico transparente;
- 4.013 gramas (pl) de canábis (resina) com um grau de pureza de 32.9% (THC) equivalentes a 26 (vinte e seis) doses individuais;
- 20.691 gramas (pl) de canábis (resina) com um grau de pureza de 27.5% (THC) equivalentes a 113 (cento e treze) doses individuais;
- 7.007 gramas (pl) de canábis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 14.1% (THC) e equivalentes a 19 (dezanove) doses individuais;
- 33.191 gramas de canábis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 14.9% (THC) equivalentes a 98 (noventa e oito) doses individuais;
- 5.813 gramas (pl) de MDMA (treze comprimidos) com um grau de pureza de 9.9% equivalentes a 5 (cinco) doses individuais;
- 7.057 gramas (pl) de MDMA (dezasseis comprimidos) com um grau de pureza de 19.9% equivalentes a 14 (catorze) doses individuais;
- 1.742 gramas de MDMA (quatro comprimidos) com um grau de pureza de 19.7% equivalentes a 3 (três) doses individuais.
→ No interior de um saco de viagem junto à cama:
- um número não concretamente apurado de sacos herméticos e uma balança de precisão;
- 4 (quatro) telemóveis de marcas e modelos não concretamente apurados;
→ Dentro de um bolso de um casaco de cor verde em cima da sua cama:
- 400,00 € (quatrocentos euros) em numerário.
3. No dia 29/07/2023, pelas 00:38, no parque privado do Hotel ..., o arguido AA vendeu:
- a DD 0,957 gramas (pl) de cocaína;
- a EE 0,463 gramas (pl) de cocaína,
a troco de quantias monetárias não concretamente apuradas.
4. No dia 21.08.2023 pelas 23h00m, junto ao Hotel “...”, o arguido AA vendeu 3.979 gramas (pl) de canábis a FF a troco de quantia monetária não concretamente apurada.
4.1. O canábis vendido a FF tinha um grau de pureza de 13.7% (THC) e era equivalente a 10 (dez) doses individuais.
5. No dia 21.08.2023 pelas 23h00m, junto ao empreendimento turístico “...”, o arguido BB vendeu 4,006 gramas (pl) de canábis a GG a troco de 35,00 €.
5.1. O canábis vendido a GG tinha um grau de pureza de 12% (THC) e era equivalente a 9 (nove) doses individuais.
6. No dia 29/08/2023, na Rua ...,
a) o arguido AA detinha:
- 1 (um) telemóvel, cuja marca não foi possível apurar;
- 640,00 € (seiscentos e quarenta euros) em numerário.
Na mesma data, mas no interior na tenda do parque de campismo onde pernoitava, o arguido AA detinha 4.500,00 €;
b) por sua vez, na mesma data, o arguido BB detinha:
-1 (um) telemóvel de marca “Samsung” modelo A51;
-115,00 € (cento e quinze euros) em numerário.
7. No dia 29/08/2023 no parque de estacionamento e corredores traseiros do dos apartamentos turísticos “...” encontrou-se:
-2 (dois) sacos de plástico transparentes, contendo no seu interior canábis (fls/sumidades), com um grau de pureza de 15.5% (THC) e um peso líquido de 5.803 gramas, correspondentes a 17 (dezassete) doses individuais;
-1 (um) saco de plástico transparente contendo no seu interior, canábis (fls/sumidades), com um grau de pureza de 13.0% (THC) e um peso líquido de 4.034 gramas, correspondentes a 10 (dez) doses individuais;
-1 (um) saco de plástico transparente contendo no seu interior, canábis (resina), com um grau de pureza de 26.0% (THC) e um peso líquido de 4.287 gramas, correspondentes a 22 (vinte e duas) doses individuais, escondido dentro de um quadro plástico modular de eletricidade inserido numa parede falsa em “pladur” no corredor traseiro da cave ao lado da porta do apartamento D2, dos Apartamentos Turísticos ...;
-3 (três) sacos de plástico transparente contendo no seu interior, canábis, com um grau de pureza de 15.15% (THC) e um peso líquido de 12.645 gramas, correspondentes a 38 (trinta e oito) doses individuais, escondido dentro de um aplique de luz na parede do corredor traseiro da cave ao lado da porta do apartamento D2, dos Apartamentos Turísticos ...;
-3 (três) sacos de plástico transparente contendo no seu interior, canábis, com um grau de pureza de 14.4% (THC) e um peso líquido de 12.246 gramas, correspondentes a 35 (trinta e cinco) doses individuais, escondido dentro um aplique de luz na parede das escadas do corredor traseiro da cave a frente da porta do apartamento D2, dos Apartamentos Turísticos ...;
-13 (sacos) de plástico contendo no seu interior, canábis, com um grau de pureza de 12.4% (THC) e um peso líquido de 54.627 gramas, correspondentes a 135 (cento e trinta e cinco) doses individuais, escondido dentro de uma floreira na sub-cave do corredor traseiro dos Apartamentos Turísticos “...”;
-13 (treze) sacos de plástico contendo seu interior, cocaína, com um grau de pureza de 44.4% e um peso líquido de 6.292 gramas, correspondentes a 13 (treze) doses individuais, escondido dentro de uma floreira na sub-cave do corredor traseiro dos Apartamentos Turísticos ...;
-1 (um) saco de plástico transparente contendo no seu interior, canábis (resina), com um grau de pureza de 26.7% (THC) e um peso líquido de 3.190 gramas, correspondentes a 17 (dezassete) doses individuais, escondido dentro de um quadro plástico modular de eletricidade inserido numa parede falsa em “pladur” no corredor traseiro da cave ao lado da porta do apartamento D2, dos Apartamentos Turísticos “...”;
8. Conheciam os arguidos a natureza estupefaciente dos referidos produtos e sabiam que, por tal motivo, não os podiam deter, vender, ceder ou proporcionar a outrem, por qualquer forma, não obstante não se inibiram de praticar os mencionados factos.
9. Os arguidos agiram de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
10. O arguido AA é natural e nacional da Gâmbia, filho único, e frequentou a escola até aos 15 anos de idade.
11. Encontra-se em ... desde, pelo menos, Agosto de 2022.
12. Nunca dispôs de contrato de trabalho, não se inscreveu no Centro de Emprego, nem na Segurança Social.
13. Esporadicamente fazia divulgação/publicidade para restaurantes e bares em ... auferindo uma percentagem não concretamente apurada nas vendas.
14. Por último, antes da sua detenção, o arguido AA vivia numa tenda no Parque de Campismo em ....
15. No Estabelecimento prisional o arguido não está profissionalmente ocupado, faz faxina voluntariamente.
16. O arguido AA não dispõe de qualquer apoio familiar em território nacional.
17. O arguido AA não possui antecedentes criminais.
(…)”.
B) Factos não provados
Não se provaram os seguintes factos:
“(…).
a) Que no dia 29/07/2023, pelas 00h10m, o arguido BB tenha abordado os consumidores DD e EE a fim de lhes vender produto estupefaciente e, para tal desiderato, encaminhou-os para junto do arguido AA;
b) Que no dia 29/07/2023 o arguido AA tenha recebido concretamente a quantia de 170,00 € de DD e EE;
c) Que no dia 21.08.2023 o arguido AA tenha recebido concretamente a quantia de 50,00 € de FF;
d) Que os objectos encontrados no 29/08/2023 no parque de estacionamento e corredores traseiros do dos apartamentos turísticos “...” estivessem na posse dos arguidos AA e BB;
e) Que o arguido BB detivesse 4.500,00 € no interior da tenda do parque de campismo;
f) Que os arguidos AA e BB tenham actuado em concertação mútua de esforços e vontades ou em comunhão de esforços e intenções.
(…)”.
C) Fundamentação quanto à qualificação jurídico-penal dos factos [na parte relevante]
“(…).
Resulta dos factos provados que o arguido AA, no dia 01/05/2023, detinha, para cedência terceiros:
- 4.971 gramas (pl) de canábis (resina) com um grau de pureza de 32.8% (THC) equivalentes a 32 (trinta e duas) doses individuais;
- 3.255 gramas (pl) de canábis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 16.7% (THC) equivalentes a 10 (dez) doses individuais;
- 30.218 gramas (pl) de cocaína com um grau de pureza de 60% (THC) equivalentes a 90 (noventa) doses individuais, dentro de 1 (um) saco de plástico transparente;
- 4.013 gramas (pl) de canábis (resina) com um grau de pureza de 32.9% (THC) equivalentes a 26 (vinte e seis) doses individuais;
- 20.691 gramas (pl) de canábis (resina) com um grau de pureza de 27.5% (THC) equivalentes a 113 (cento e treze) doses individuais;
- 7.007 gramas (pl) de canábis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 14.1% (THC) e equivalentes a 19 (dezanove) doses individuais;
- 33.191 gramas de canábis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 14.9% (THC) equivalentes a 98 (noventa e oito) doses individuais;
- 5.813 gramas (pl) de MDMA (treze comprimidos) com um grau de pureza de 9.9% equivalentes a 5 (cinco) doses individuais;
- 7.057 gramas (pl) de MDMA (dezasseis comprimidos) com um grau de pureza de 19.9% equivalentes a 14 (catorze) doses individuais;
- 1.742 gramas de MDMA (quatro comprimidos) com um grau de pureza de 19.7% equivalentes a 3 (três) doses individuais;
Ou seja, as seguintes quantidades de produtos estupefacientes:
→ 30.218 gramas (pl) de cocaína com um grau de pureza de 60% (THC) equivalentes a 90 (noventa) doses individuais;
→ 73,128 gramas (pl) de canábis com graus de pureza compreendidos entre 14,1% e 32,9% equivalentes a 298 (duzentos e noventa e oito) doses individuais;
→ 14,612 gramas (pl) de MDMA com graus de pureza compreendidos entre 9,9% e 19,7% equivalentes a 22 (vinte e duas) doses individuais.
Resulta provado que nessa mesma ocasião o arguido AA estava na posse de:
- Uma balança de precisão e de um número não determinado de sacos herméticos;
- Quatro telemóveis;
- A quantia global de 510,00 € e 60 Libras.
Resulta ainda provado que o arguido AA vendeu:
- No dia 29/07/2023 a DD 0,957 gramas (pl) e a EE 0,463 gramas (pl) de cocaína;
- No dia 21.08.2023 a FF 3.979 gramas (pl) de canábis.
Resulta dos factos provados que no dia 29/08/2023 o arguido AA estava na posse de:
- Um telemóvel;
- A quantia global de 5140,00 €.
Resulta ainda dos factos provados que:
- Desde, pelos menos Agosto de 2022, que o arguido AA se encontra em ... e nunca dispôs de contrato de trabalho, não se inscreveu no Centro de Emprego, nem na Segurança Social;
- Esporadicamente fazia divulgação/publicidade para restaurantes e bares em ... auferindo uma percentagem não concretamente apurada nas vendas.
Por fim, provou-se ainda que:
O arguido AA conhecia a natureza estupefaciente dos referidos produtos e sabia que, por tal motivo, não os podia deter, vender, ceder ou proporcionar a outrem, por qualquer forma, não obstante não se inibiu de praticar os mencionados factos.
O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Logo por aqui estão preenchidas as modalidades de acção deter (para vender) e vender com referência ao canábis, à cocaína e ao Mdma, substâncias que integram as Tabelas I-B, I-C e II-A anexas ao DL 15/93, de 22/01.
E que a tais acções sempre presidiu o dolo do tipo (como conhecimento e vontade de realização dos elementos objectivos do tipo), ou seja, a actuação foi dolosa.
3.2.1. Assim, considerando:
Que em 01/05/2023 já o arguido desenvolvia a actividade de tráfico de estupefacientes, actividade findou no dia 29/08/2023, mas cessou com a detenção do arguido e aplicação, na sequência de 1.º interrogatório judicial, da medida de coacção de prisão preventiva, cf. fls. 433 e s.,
Pois o arguido já fora anteriormente presente a idêntica diligência no dia 02/05/2023, cf. fls. 90 e s. (do Nuipc 34/23.7...), ficara sujeito à medida de coacção prevista no artigo 198.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (no caso a apresentações diárias), e mesmo assim, depois desse 1.º interrogatório Judicial realizado no dia 02/05/2023, o arguido retomou a actividade de disseminação de produtos estupefacientes;
Considerando igualmente a diferente natureza das substâncias em causa (cocaína, canábis e Mdma);
A detenção para venda de:
→ 30.218 gramas (pl) de cocaína;
→ 73,128 gramas (pl) de canábis;
→ 14,612 gramas (pl) de MDMA;
A qualidade dos estupefacientes:
→ A cocaína com um grau de pureza de 60% (THC) equivalentes a 90 (noventa) doses individuais;
→ O canábis com graus de pureza compreendidos entre 14,1% e 32,9% equivalentes a 298 (duzentos e noventa e oito) doses individuais;
→ O MDMA com graus de pureza compreendidos entre 9,9% e 19,7% equivalentes a 22 (vinte e duas) doses individuais;
As vendas efectuadas de cocaína e de canábis;
A detenção de elevadas quantias em dinheiro vivo (total de 5.650,00 € e 60 £) quando o arguido não possuía qualquer ocupação laboral lícita geradora de rendimentos certos e periódicos;
Tudo sopesado leva-nos a concluir que o arguido no referido período temporal se dedicou à cedência de produtos estupefacientes, que esta actividade constituiu a forma como obteve os seus rendimentos. Mas mais, revela-nos a predisposição do arguido para tal actividade (pois que a retomou após o 1.º interrogatório a que foi sujeito) e também não se pode escamotear o que a diversidade dos estupefacientes em causa revela: a satisfação de um número maior de consumidores.
Assim, o grau de ilicitude não se apresenta reduzido, bem pelo contrário.
Desta feita, tudo ponderado, o Tribunal Colectivo conclui pela integração das condutas do arguido AA na previsão do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-B, I-C e II-A, anexas a este diploma, inexistindo qualquer causa de justificação da ilicitude ou de exclusão da culpa.
(…)”.
D) Fundamentação quanto à determinação da medida concreta da pena [na parte relevante]
“(…).
2. Concretizaremos, de seguida, os limites definidos na lei, cf. o n.º 1 do artigo 71.º, do Código Penal, ou seja, as molduras penais abstractas convocadas na situação sub judice:
a) Crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, assacado ao arguido AA: prisão de 4 a 12 anos;
a) Crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. A), do DL 15/93, de 22/01, assacado ao arguido BB: prisão de 1 a 5 anos;
3. Importa, agora, atentar nos critérios estabelecidos no artigo 71.º do Código Penal e proceder à determinação das penas concretas.
3.1. Arguido AA.
Fazendo-o considera o Tribunal, em desfavor do arguido:
- A diversidade das substâncias detidas e comercializadas (cocaína, canábis e MDMA), estupefacientes de elevado poder aditivo e danosidade para saúde, principalmente a cocaína;
- O dolo com que o arguido agiu, intenso e directo, modalidade que exprime o modo mais intenso da vontade, artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal;
- As quantidades e qualidades das substâncias detidas: 30,218 gramas (pl) de cocaína com um grau de pureza de 60% (THC) equivalentes a 90 (noventa) doses individuais; 73,128 gramas (pl) de canábis com graus de pureza compreendidos entre 14,1% e 32,9% equivalentes a 298 (duzentos e noventa e oito) doses individuais; e 14,612 gramas (pl) de MDMA com graus de pureza compreendidos entre 9,9% e 19,7% equivalentes a 22 (vinte e duas) doses individuais;
- A situação de desocupação laboral;
- Os fins que determinaram a sua conduta: a obtenção de proventos financeiros fáceis;
- As necessidades de prevenção geral que se impõem com elevada acuidade, pois são consabidos os efeitos nefastos para a comunidade associados ao tráfico de estupefacientes;
- As necessidades de prevenção especial que se exasperam na medida em que o arguido após ser submetido a 1.º interrogatório judicial no dia 02/05/2023, acabou por ser indiferente a esse contacto com as instâncias formais de controlo e optou por retomou a actividade de tráfico, tudo a reclamar, também, agora sob outro ponto de vista, um maior juízo de censura;
Em favor do arguido:
- A ausência de antecedentes criminais;
- O reduzido número de vendas provadas.
Em face de tudo quanto foi exposto e devidamente ponderado, entende o Tribunal Colectivo condenar o arguido AA, pela prática em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
(…)”.
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Âmbito do recurso
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.
Deste modo, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões. Quando tal não acontece deve entender-se que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.
Por outro lado, também não deve ser conhecida questão referida nas conclusões, que não tenha sido tratada no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir no presente recurso, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, por ordem de precedência lógica, são:
- A incorrecta qualificação jurídico-penal dos factos;
- A aplicação da atenuação especial da pena;
- A incorrecta determinação da medida concreta da pena;
- A substituição da pena de prisão.
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Nota prévia
Nos pontos 1, 2, 4 e 7 dos factos provados do acórdão recorrido, as várias quantidades de substâncias estupefacientes aí referidas mostram-se quantificadas em gramas, dando-se como exemplo o referido ponto 1, que tem o seguinte conteúdo [na parte em que agora releva]:
“(…),
- 4.971 gramas (pl) de canábis (resina) com um grau de pureza de 32.8% (THC) equivalentes a 32 (trinta e duas) doses individuais;
- 3.255 gramas (pl) de canábis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 16.7% (THC) equivalentes a 10 (dez) doses individuais;
(…)”.
Sendo usado, na definição das quantidades referidas, o sinal gráfico ponto, poderíamos ser levados a pensar que, por referência ao ponto 1, o recorrente detinha, para cedência a terceiros, quatro mil novecentos e setenta e um gramas de canábis (resina) e três mil duzentos e cinquenta e cinco gramas de canábis (folhas/sumidades).
Não é assim, porém, como resulta do número de doses individuais que cada quantidade proporciona, e se pode ler no relatório pericial do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, junto aos autos.
Na verdade, em vez do sinal gráfico ponto, deveria ter sido usado o sinal gráfico virgula pois este, quando usado em aritmética, separa a parte inteira da parte decimal de um número [enquanto o ponto assinala os milhares].
E tanto assim é, que os pontos 3 e 5 dos factos provados mostram as quantidades de estupefaciente aí mencionadas devidamente escritas, isto é, com o uso de virgula.
Assim, consigna-se que nos pontos 1, 2, 4 e 7 dos factos provados, e na repetição dos respectivos conteúdos, na fundamentação da qualificação jurídico-penal do acórdão em crise, a utilização de ponto, no que à quantificação dos estupefacientes concerne, deve ser entendida como utilização de virgula.
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Da incorrecta qualificação jurídico-penal dos factos
1. Alega o arguido e ora recorrente – conclusões 1 a 23 – que os factos foram praticados durante cerca de quatro meses, tendo actuado só na venda de pequenas doses de estupefacientes a consumidores, usando, para o efeito, sacos herméticos e uma balança de precisão, detendo pequenas quantidades de estupefacientes e auferindo proventos não elevados, tendo em seu poder, em 1 de Maio de 2023, € 510 e £ 70, e em 29 de Agosto de 2023, € 5140, não se tendo apurado que estas quantias eram exclusivamente provenientes do tráfico, pois, esporadicamente, fazia divulgação de publicidade para restaurantes e bares, mediante remuneração, vivendo inicialmente num hostel e depois, no parque de campismo e sem sinais de riqueza, pelo que, perante uma ilicitude dos factos consideravelmente diminuída, face à forma de actuação, às quantidades de estupefaciente e às quantias apreendidas, que configuram um pequeno tráfico, deve a sua conduta ser qualificada como crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, a), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Oposta é a posição do Ministério Público, na 1ª instância e neste Supremo Tribunal, para quem deve ser mantida a qualificação jurídica feita no acórdão recorrido, de crime de tráfico e outras substâncias ilícitas, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do mesmo diploma legal.
Vejamos.
a. Com a tipificação da actividade de tráfico de substâncias estupefacientes visa a lei tutelar o bem jurídico saúde e integridade física dos cidadãos portanto, a saúde pública.
O tipo base ou matricial, denominado tráfico e outras actividades ilícitas, encontra-se previsto no art. 21º, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, que dispõe, na parte em que agora releva:
1 – Quem, sem para tal se encontra autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.
Trata-se de um crime comum, pois pode ter por agente qualquer pessoa, de perigo abstracto, pois consuma-se com a mera criação do perigo ou risco do dano para o bem jurídico tutelado, não integrando o perigo o tipo, antes sendo apenas motivo da proibição, e exaurido ou de empreendimento, pois a protecção do bem jurídico tutelado recua a momentos anteriores a qualquer manifestação danosa.
Sendo inquestionável o enorme desvalor social da actividade de tráfico de substâncias estupefacientes, bem como a sua elevada danosidade, o legislador não podia ignorar que tal actividade é exercida em distintos graus de perigosidade a carecerem de diferenciadas reacções penais.
Assim, ao lado da previsão do tipo matricial (art. 21º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro), igualmente previu um tipo especial agravado (art. 24º do mesmo diploma legal), um tipo especial privilegiado (art. 25º do mesmo diploma legal) e ainda o tipo especial de tráfico-consumo (art. 26º do mesmo diploma legal).
Detenhamo-nos no tipo especial privilegiado, por ser esta a incriminação que o arguido AA reclama para a qualificação da sua conduta.
b. Dispõe o art. 25º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com a epígrafe «Tráfico de menor gravidade»:
Se, nos caos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:
a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III e VI;
b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.
Na nota justificativa enviada à Assembleia da República, na parte relativa ao art. 25º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, foi enfatizado o propósito de, com ele, permitir “ao julgador distinguir os casos de tráfico importante e significativo do tráfico menor, que apesar de tudo não pode ser aligeirado de modo a esquecer-se o papel essencial que os dealers de rua representam na cadeia do tráfico. Haverá, assim, que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que, ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial.”.
O tipo privilegiado fica preenchido quando, preenchido o tipo do art. 21º ou do art. 22º, se mostre consideravelmente diminuída a ilicitude do facto.
Não é uma qualquer diminuição da ilicitude do facto que possibilita a aplicação do tipo privilegiado, pois a lei exige mais, exige uma diminuição considerável, portanto, uma diminuição notável, importante, muito grande.
A imprescindível considerável diminuição da ilicitude do facto deve resultar de uma avaliação global da situação de facto, cuja ponderação incluirá, entre outros factores – a presença do advérbio “nomeadamente”, na previsão legal, significa poderem e deverem ser consideradas todas as circunstâncias que, concorrendo no caso, sejam relevantes para aferir se, objectivamente, a ilicitude da acção tem menor relevo que a tipificada para os arts. 21º e 22º –, os meios utilizados [a organização e a logística], a modalidade e circunstâncias da acção [em função do grau de perigosidade para a difusão do estupefaciente], e a qualidade e/ou quantidade das substâncias, plantas ou preparados [em função da intensidade do ‘ataque’ ao bem jurídico protegido].
Ao estabelecer uma moldura penal menos severa, o art. 25º impõe ao intérprete verificar se a imagem global do facto se enquadra ou não, dentro dos limites das molduras penais dos arts. 21º e 22º, sob pena de a reacção penal ser, à partida, desproporcionada pois, a concretização da considerável diminuição da ilicitude em cada caso, exige a aplicação de critérios de proporcionalidade que são pressupostos da definição das penas e depende, em grande parte, de juízos essencialmente jurisprudenciais (Maria João Antunes, Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1993, Comentários, GPCCD, pág. 296).
No que respeita às circunstâncias tipificadas no art. 25º, cumpre dizer, i) relativamente aos meios utilizados, traduzidos na organização e na logística de que o agente se serve, que eles podem ser nulos, incipientes, médios ou de grande dimensão e sofisticação, aqui devendo ser ainda incluída a posição relativa do agente na pirâmide da rede do tráfico, ii) relativamente à modalidade ou às circunstâncias da acção, releva, essencialmente, o grau de perigosidade para a difusão da droga designadamente, a maior ou menor facilidade de detecção da sua penetração no mercado, e o número de consumidores fornecidos, iii) relativamente à qualidade das plantas, substâncias ou preparações, referida à respectiva perigosidade, ela pode ser aferida pela sua colocação em cada uma das tabelas anexas ao Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e pelos resultados da investigação científica relativamente à capacidade aditiva de cada uma e às consequências do respectivo uso e, iv) relativamente à quantidade das plantas, substâncias ou preparações, há que ponderar, em função dela, o maior ou menor risco para os valores tutelados pela incriminação.
Aqui chegados, e revertendo para o caso concreto temos provado, em síntese, que:
- No dia 1 de Maio de 2023 o arguido AA tinha na sua posse, £ 60, € 510 [€ 110 + € 400], 29,675 g de canábis (resina) [4,971g/32% THC + 4,013g/32,9%THC + 20,691g/27,5%THC] aptas a produzirem 171 doses individuais, 42,453 g de canábis (folhas/sumidades) [3,255g/16,7%THC + 7,007g/14,1%THC + 33,191g/14,9THC] aptas a produzirem 127 doses individuais, 30,218 g de cocaína, aptas a produzirem 90 doses individuais e 14,612 g de MDMA [5,813g + 7,057g + 1,742g] aptas a produzirem 22 doses individuais, sacos herméticos, uma balança de precisão e quatro telemóveis;
- No dia 29 de Julho de 2023 o arguido vendeu a DD 0,957 g de cocaína a troco de quantia não apurada, e vendeu a EE 0,463 g de cocaína a troco de quantia não apurada;
- No dia 21 de Agosto de 2023 o arguido vendeu a FF 3,979 g de canábis, com 13,7% de THC, aptas a produzirem 10 doses individuais, a troco de quantia não apurada;
- No dia 29 de Agosto de 2023 o arguido tinha na sua posse um telemóvel e € 5140 [€ 640 + € 4500];
- O arguido conhecia a natureza estupefaciente das referidas substâncias, sabia que não as podia deter, vender, ceder ou proporcionar a terceiros, mas não deixou de praticar as condutas descritas, sabendo que elas eram proibidas e punidas por lei;
- O arguido é cidadão nacional da Gâmbia, vive em ... desde Agosto de 2022, não dispõe em Portugal de apoio familiar, nunca teve contrato de trabalho, nunca se inscreveu em centro de emprego nem na segurança social e, esporadicamente, fazia a divulgação de publicidade de restaurantes e bares de ..., auferindo como contrapartida, quantias não apuradas.
No corpo da motivação o arguido alega que praticou os factos provados entre 1 de Maio e 29 de Agosto de 2023, portanto, num período relativamente curto de tempo, agindo fora de qualquer associação ou organização, sem meios sofisticados, guardando os estupefacientes no cacifo do quarto do hostel onde, então, estava hospedado, guardando os sacos herméticos e a balança de precisão num saco de viagem, junto à cama, no mesmo quarto, e vendendo os estupefacientes em pequenas doses, em contactos de rua, perto do hostel, a consumidores dos mesmos. Daqui retira que o grau de ilicitude da conduta é pequeno, pois no quadro do ‘tráfico comum’, as quantidades de estupefaciente detidas não era elevadas.
Como também não eram elevados os proventos auferidos pois, diz, se em 1 de Maio de 2023 lhe foram apreendidos, £ 60 e € 540, e em 29 de Agosto de 2023 lhe foram apreendidos € 5100, não se provou que tais quantias eram exclusivamente provenientes do tráfico, uma vez que ficou provado que, de forma esporádica, fazia divulgação de publicidade de bares e restaurantes, mediante remuneração, não podendo, em qualquer caso, ser tais quantias consideradas elevadas no âmbito do tráfico de estupefacientes, tanto mais que não exibia sinais exteriores de riqueza.
Vejamos.
Relativamente aos meios utilizados, traduzidos na organização e na logística utilizada, resulta que o arguido actuou isoladamente, com os meios ´normais´ neste concreto tipo de tráfico – estância balnear, com elevado número de turistas nacionais e estrangeiros, com transacções directas na via pública – dispondo, portanto, de uma organização pouco desenvolvida, integrada por telemóveis, balança de precisão e sacos herméticos.
Relativamente à modalidade ou às circunstâncias da acção, face ao tipo de tráfico executado, não obstante estarem apenas provadas três transacções de estuperfacientes, o elevado número de veraneantes nacionais e estrangeiros no Algarve, sobretudo na Primavera e no Verão, facto que é notório, e a diversidade de estupefacientes traficados, aumenta o grau de perigosidade da sua difusão.
Relativamente à qualidade das plantas, substâncias ou preparações, referida à respectiva perigosidade, há que notar a detenção e venda de três distintos estupefacientes, cocaína, MDMA e canábis, todos com apreciáveis níveis de pureza, e distintos graus de adição, havendo que destacar, quanto a este último aspecto, a cocaína que, pela grande dependência física e psíquica que provoca, causando forte excitação do sistema nervoso central, e pelos danos à saúde que origina, integra o grupo das, comummente qualificadas, drogas duras [deixando-se nota, no entanto, de não ter sido propósito do legislador aderir à distinção entre drogas duras e drogas leves, como claramente se afirma no Preâmbulo do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro], e o MDMA, droga alucinogénica e anfetamínica que provoca dependência psicológica. Já a canábis, droga de iniciação entre nós, e a maior procura pelas camadas jovens de consumidores, não obstante ser comummente qualificada de droga leve, provoca dependência psicológica e causa perturbações do sistema nervoso central, com alteração do humor e das percepções.
Relativamente à quantidade das plantas, substâncias ou preparações, devendo reconhecer-se que o arguido, no somatório da detenção e venda das três qualidades de estupefaciente, não envolveu na sua actividade ilícita, durante o tempo em que a desenvolveu – cerca de quatro meses – quantidades consideráveis, deve igualmente reconhecer-se que a quantidade detida de cocaína é significativa e que a quantidade de canábis [nas duas modalidades] detida não é de desconsiderar.
Relativamente aos proventos obtidos, não tendo o arguido fonte de rendimentos lícitos estável, os que possa, eventualmente, ter auferido com a divulgação de publicidade de bares e restaurantes – actividade que, em bom rigor, lhe terá facilitado os contactos para a actividade de tráfico exercida, ao mesmo tempo que, de alguma forma, a camuflou –, nunca atingiriam volume significativo, face à dimensão das quantias apreendidas. Na verdade, esta dimensão, conjugada com a duração, breve, da actividade ilícita, permite inferir a rentabilidade desta e a sua relativa grandeza.
Assim, considerando globalmente a situação objectiva revelada pelos factos provados, com especial destaque para a pluralidade de estupefacientes traficados, entre os quais se conta a cocaína, com as características aditivas apontadas, e as quantidades envolvidas, que não sendo elevadas, também não são insignificantes, particularmente no que respeita à cocaína e à canábis, e ao volume das quantias monetárias apreendidas, para um período de quatro meses de actividade, não vemos que da imagem global do facto resulte uma ilicitude consideravelmente diminuída.
Com efeito, o que dela ressuma é uma ilicitude de grau baixo, mas ainda enquadrável na ilicitude abstratamente pressuposta pela previsão do art. 21º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, sendo perfeitamente possível encontrar, dentro do arco de punibilidade deste tipo legal, uma pena concreta adequada e proporcional às exigências de prevenção e à medida da culpa do arguido.
c. Em conclusão, mostra-se correcta a qualificação jurídico-penal da provada conduta do arguido, feita pela 1ª instância, devendo, por isso, ser mantida a sua condenação pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-B [cocaína], I-C [canábis] e II-A [MDMA], anexas.
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Da aplicação da atenuação especial da pena
2. Alega o arguido e ora recorrente – conclusões 36 e 37 – que, a manter-se a qualificação jurídico-penal feita pela 1ª instância, deveria ter-lhe sido aplicada a atenuação especial da pena pelo que, ao decidir diferentemente, violou o tribunal a quo o art. 72º do C. Penal.
No corpo da motivação, o arguido limita-se a repetir o alegado nas identificadas conclusões, apenas acrescentado ao que destas consta o segmento inicial «Pelas razões supra expostas, …», sem que se perceba, concretamente, ao que se refere.
Não obstante, sempre diremos o que segue.
Existindo no Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, norma que prevê a atenuação ou dispensa de pena, no âmbito dos crimes previstos nos seus arts. 21º, 22º e 28º, que é a do art. 31º, brevitatis causa, consideramos que não se verifica, in casu, nenhuma das situações neste artigo previstas, que permitem a atenuação especial da pena, sendo certo que o arguido tão-pouco invoca o referido art. 31º.
A atenuação especial da pena, prevista no art. 72º do C. Penal, constitui uma válvula de segurança do sistema, prevenindo situações não expressamente previstas na lei, porque a imagem global do facto surge de tal forma atenuada, que escapa ao padrão normal dos casos previstos pelo legislador quando estabeleceu a moldura penal para um determinado tipo de crime, de modo que, a aplicação desta moldura determinaria uma pena concreta superior à medida da culpa do agente e à imposta pelas exigências de prevenção (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas/Editorial Notícias, pág. 302 e Maria da Conceição Ferreira da Cunha, As Reacções Criminais no Direito Português, 2ª Edição, UCP Editora, págs. 143-144).
Só tem cabimento a sua aplicação quando, na imagem global do facto e de todas as circunstâncias que o envolvem, a ilicitude do facto, a culpa do arguido ou a necessidade da pena se apresentam acentuadamente diminuídas portanto, quando o caso concreto é menos grave que o complexo ‘normal’ de casos pressuposto pelo legislador quando fixou a moldura penal abstracta aplicável ao tipo de ilícito praticado. Como nota Figueiredo Dias, princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção (op. cit., pág. 305).
Constituem índices da acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena, entre outras, as circunstâncias previstas no nº 2 do art. 72º do C. Penal portanto, a actuação do agente sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa a quem dependa ou a quem deva obediência, ter o agente actuado por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da vítima, ou por provocação ou ofensa imerecida, ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente, a reparação, dentro do possível, dos danos causados, ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta. Porém, a verificação de qualquer uma destas circunstâncias não tem, como efeito automático, a atenuação especial da pena, dependendo esta, ainda, da comprovação, no caso concreto, de se ter verificado uma acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou das exigências da prevenção (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 306),
Sublinhe-se que a enumeração prevista no nº 2 do art. 72º do C. Penal é meramente exemplificativa, como decorre do segmento «entre outras», pelo que, qualquer outra ou outras circunstâncias atenuantes gerais, designadamente, as previstas no nº 2 do art. 71º do mesmo código, podem conduzir a uma atenuação especial, desde que tenham aptidão para comprovar a indispensável diminuição acentuada da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena (Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral II, Penas e Medidas de Segurança, 1989, Editorial Verbo, pág. 135-136).
Atenta a factualidade provada, não é viável a sua subsunção a qualquer das circunstâncias previstas nas quatro alíneas do nº 2 do art. 72º do C. Penal. E também nenhumas outras existem aptas a desencadearem a aplicação da atenuação especial.
Aliás, cremos que muito dificilmente pode ser especialmente atenuada a pena nos crimes dos arts. 21º, 22º e 28º, do Dec. Lei 15/93, de 22 de Janeiro, fora do regime especial previsto no seu art. 31º (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Dezembro de 2021, processo nº 13/20.6GALLE.S1, in www.dgsi.pt).
Em conclusão, a provada conduta do arguido não justifica a aplicação da atenuação especial da pena, prevista no art. 72º do C. Penal.
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Da incorrecta determinação da medida concreta da pena de prisão
3. Alega o arguido e ora recorrente – conclusões 34 e 38 – que, a manter-se a qualificação jurídico-penal feita pela 1ª instância e sendo, portanto, punido pela prática de um crime p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, a pena aplicada de 5 anos e 6 meses de prisão é desajustada, desproporcional e injusta, antes devendo situar-se próximo do mínimo legal.
Quanto a esta pretensão, no corpo da motivação, e com relevo, nenhuma argumentação foi acrescentada pelo arguido.
Vejamos.
a. Dispõe o art. 40º do C. Penal, com a epígrafe «Finalidades das penas e das medidas de segurança», no seu nº 1 que, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Estabelece, por sua vez, o seu nº 2 que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, exprimindo esta a responsabilidade individual do agente pelo facto, sendo, assim, o fundamento ético da pena. Prevenção geral – protecção dos bens jurídicos – e prevenção especial – reintegração do agente na sociedade – constituem, pois, as finalidades da pena, através delas se reflectindo a necessidade comunitária da punição do caso concreto.
É neste quadro que vai funcionar o critério legal de determinação da medida concreta da pena, previsto no art. 71º do C. Penal.
Nos termos do seu nº 1, a determinação da medida concreta da pena é feita, dentro dos limites definidos pela moldura penal abstracta aplicável, em função das exigências de prevenção e da culpa do agente, e estabelece o seu nº 2 que, para este efeito, devem ser atendidas todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor, designadamente, as enunciadas nas diversas alíneas deste mesmo número. Assim, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84).
A medida concreta da pena resultará do grau de necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), sem que possa ser ultrapassada a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime,1993, Aequitas/Editorial Notícias, pág. 227 e seguintes e 238 e seguintes, e Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 43 e seguintes) ou, como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Julho de 2014 (processo nº 1081/11.7PAMGR.C1.S1, in www.dgsi.pt), a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
Seguindo a mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues sustenta que, «[e]m primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.» (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, Nº 2, Abril-Junho, 2002, págs. 181-182).
Como se vê, a tarefa de determinação da medida concreta da pena não corresponde ao exercício de um poder discricionário do julgador e da sua arte de julgar, mas ao uso de um critério legal, constituindo a pena concreta o resultado de um procedimento juridicamente vinculado.
Em todo o caso, o controlo desta operação pela via do recurso, podendo incidir sobre a questão do limite ou da moldura da culpa e sobre a actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, já não pode ter por objecto, o quantum exacto da pena, salvo se se mostrarem violadas as regras da experiência ou se a medida concreta fixada se mostrar desproporcionada (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 197).
Dito isto.
b. Em sede de aplicação do critério legal previsto no art. 71º do C. Penal, a 1ª instância ponderou, como circunstâncias agravantes, a diversidade de estupefaciente detida e o elevado poder aditivo e danosidade da cocaína, o dolo directo e intenso do arguido, as quantidades de estupefaciente detida e o seu grau de pureza, a motivação visando a obtenção de proventos financeiros fáceis, a desocupação laboral, e como circunstâncias atenuantes, a ausência de antecedentes criminais, e o reduzido número de transacções efectuadas.
Ao nível das exigências de prevenção, considerou elevadas as de prevenção geral e intensas as de prevenção especial, uma vez que o arguido, apesar de submetido a um primeiro contacto com as instâncias formais de controlo, após a sua primeira detenção em 1 de Maio de 2023, encarou com indiferença este circunstancialismo, retomando a actividade de tráfico.
Com este circunstancialismo e exigências de prevenção, decretou o tribunal a quo ao arguido, uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
Concordamos com a 1ª instância quanto a ser a cocaína uma droga com elevado poder aditivo e de grande danosidade para a saúde, bem como, quanto ao menor, embora significativo, poder aditivo do MDMA e da canábis.
Também a variedade, qualidade e quantidades de estupefacientes detidos relevam para aferir o grau de ilicitude do facto. E aqui, se a variedade é assinalável, já as quantidades são pequenas, ainda que as de cocaína e de canábis sejam significativas. Por outro lado, o número de vendas de estupefacientes é reduzido, sendo certo que a actividade criminosa também teve uma duração relativamente pequena.
Tudo isto aponta, portanto, para um grau de ilicitude do facto baixo.
Concordamos com a 1ª instância quanto a ter o arguido agido com dolo directo, como é, aliás, comum neste tipo de actividade ilícita. É pois, intenso e persistente o dolo do arguido.
Também concordamos com os apontados motivos da conduta.
Concordamos ainda quanto a militar a favor do arguido a inexistência de antecedentes criminais.
São evidentemente muito elevadas as exigências de prevenção geral, quer pela frequência com que o tráfico de estupefacientes continua a ser praticado, não obstante as pesadas penas com que é punível, quer, sobretudo, pelo grande alarme que causa na comunidade, designadamente, devido ao reflexo que tem na criminalidade contra a propriedade e, não raras vezes, contra as pessoas.
Por outro lado, não obstante a inexistência de antecedentes criminais, as exigências de prevenção especial de ressocialização são relevantes, quer pela referida indiferença do arguido ao ser confrontado com o poder judicial, que o não demoveu a por cobro à sua conduta, quer pela completa ausência de inserção familiar e laboral, quer por não ter revelado, por qualquer meio, a interiorização do desvalor da conduta praticada e da necessidade da sua censura.
Note-se, a propósito, que o arguido, invocou, se bem que relacionadas com a questão que, de seguida, cuidaremos [substituição da pena de prisão], circunstâncias que, podendo ser aproveitáveis para a questão de que cuidamos, mas que, contudo, não se mostram reflectidas nos factos provados.
Estamos a referir-nos à sua condição de consumidor de estupefacientes, a precariedade económica e habitacional, a desorganização pessoal e a instabilidade emocional e afectiva, e o apoio que terá, uma vez em liberdade, na obtenção de trabalho na construção civil.
Deste modo, considerada a moldura penal abstracta aplicável ao crime de tráfico e outras actividades ilícitas, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa – pena de prisão de 4 a 12 anos –, sobrepondo-se, de algum modo, as circunstâncias agravantes à circunstâncias atenuantes, sendo muito elevadas as exigências de prevenção geral e relevantes as de prevenção especial, deve reconhecer-se, no entanto, que o grau de ilicitude do facto e o seu modo de execução se situam significativamente abaixo da média, relativamente ao crime de tráfico e outras actividades ilícitas.
Assim, atenta a referida moldura penal, consideramos mais adequada e proporcional, em razão das exigências de prevenção, e seguramente suportada pela medida da culpa do arguido, a pena de 4 anos e 9 meses de prisão, em linha, aliás, com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, para casos semelhantes (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Fevereiro de 2024, processo nº 188/15.6JACBR.C1.S1, in www.dgsi.pt).
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Da substituição da pena de prisão
4. Alega o arguido e ora recorrente – conclusões 25 a 32 e 38 – que, a manter-se a qualificação jurídico penal da 1ª instância, devendo ser-lhe aplicada uma pena de prisão próxima do mínimo legal, também esta deverá ser substituída pela suspensão da respectiva execução pois, tendo 27 anos de idade, estando preventivamente detido desde 30 de Agosto de 2023, tendo um percurso de vida difícil – marcado pela precariedade económica, habitacional, laboral, distanciamento familiar e social, consumo de estupefacientes, desorganização pessoal e instabilidade emocional e afectiva –, não tendo antecedentes criminais e perspectivando retomar o projecto de vida com trabalho regular, no que será auxiliado por terceiro, é possível formular um juízo de prognose favorável, no sentido de que a simples censura do facto e ameaça da prisão bastarão para que a sua futura conduta seja conforme às normas sociais.
Vejamos.
a. Conforme dito, pretende o arguido que lhe seja aplicada a pena de suspensão da execução da pena de prisão que, como se sabe, é uma pena de substituição em sentido próprio – o seu cumprimento é feito em liberdade, e pressupõe a prévia determinação da medida concreta da pena de prisão que vai substituir – cujo regime legal se encontra previsto nos arts. 50º a 57º do C. Penal.
Como qualquer outra pena de substituição, a pena de suspensão da execução da pena de prisão é justificada, exclusivamente, por finalidades preventivas – prevenção geral e especial – e não, por qualquer finalidade de compensação da culpa (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 331 e Maria João Antunes, Consequência Jurídicas do Crime, 1ª edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 71).
Estabelece o art. 50º do C. Penal, no seu nº 1 que, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. São, assim, dois, os pressupostos de cuja verificação, faz a lei depender a aplicação do instituto.
Um, de natureza formal, tem por objecto a medida concreta da pena principal a substituir, que não pode ser superior a cinco anos de prisão.
Outro, de natureza material, traduz-se na necessidade de formulação pelo tribunal, de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as suas condições de vida, as circunstâncias do crime e a sua conduta anterior e posterior a este, a mera censura do facto e a ameaça da prisão darão adequada e suficiente realização às finalidades da punição.
A finalidade de política criminal que preside ao instituto é o afastamento do arguido da prática de novos crimes, portanto, o conteúdo mínimo da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 343 e seguintes).
Já vimos serem finalidades da punição, a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na comunidade (art. 40º, nº 1 do C. Penal). São, pois, razões de prevenção, geral e especial, que fundamentam o instituto da suspensão da execução da pena de prisão.
Porém, os objectivos de prevenção especial, os objectivos de reinserção social do agente, terão sempre como limite, o conteúdo mínimo da prevenção geral de integração. Como ensina Figueiredo Dias, a prevenção geral “deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.” (op. cit., pág. 333).
O juízo de prognose – a realizar pelo tribunal no momento da decisão [e não, no momento da prática do facto] – que integra o pressuposto material, parte da análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente e da sua revelada personalidade, análise da qual resultará como provável, ou não, que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.
Na formulação deste juízo o tribunal deve correr um risco prudente, pois a prognose é uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Por isso, quando tenha dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 344 e Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, I Vol., 2ª Edição, pág. 444 e acórdão. do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2023, processo nº 1310/17.3T9VIS.C1.S1, in www.dgsi.pt).
Não basta, porém, a formulação de um juízo de prognose favorável para que seja decretada a suspensão da execução da prisão. O juízo de prognose positivo radica, exclusivamente, em considerações de prevenção especial de socialização e a lei, para além desta, exige ainda, como supra se referiu já, que à suspensão se não oponham as necessidades de prevenção e reprovação do crime. Quando exista esta oposição, deve ser negada a substituição da prisão.
b. Aqui chegados, e revertendo para o caso concreto, temos que o arguido, pela via do presente recurso, irá condenado na pena de 4 anos e 9 meses de prisão, pelo que, verificado está o pressuposto formal.
Atentemos agora no pressuposto material.
O arguido é cidadão estrangeiro, encontrando-se a residir em Albufeira desde Agosto de 2022, primeiro, num hostel, e ultimamente, num parque de campismo. Nunca trabalhou com regularidade por contra de outrem, limitando-se à divulgação esporádica, mediante contrapartida de montante não apurado, de publicidade de bares e restaurantes, nunca esteve inscrito em centros de emprego nem na segurança social [o alegado futuro auxílio de terceiro, na obtenção de trabalho regular, não tem suporte nos factos provados]. E não tem apoio familiar em território nacional.
No período compreendido entre 1 de Maio e 29 de Agosto de 2023 de dedicou-se ao tráfico de estupefacientes, designadamente, cocaína, canábis e MDMA, em Albufeira, vendendo porções destas drogas a consumidores de tais produtos. Não obstante o curto período de actividade criminosa, o volume das quantias que lhe foram apreendidas, e as quantidades de estupefacientes igualmente apreendidas, não obstante o pequeno número de transacções provada, revelam um grau baixo de ilicitude mas, ainda assim, com relativa dimensão.
Tendo tido, quanto à actividade ilícita objecto dos autos, um primeiro contacto com a instância formal de controlo, em 1 de Maio de 2023, o arguido não encontrou, nesta circunstância, suficiente estímulo para por termo à sua conduta criminosa, e à mesma voltou, só em 29 de Agosto de 2023 tendo cessado, e por razões alheias à sua vontade. Por outro lado, o arguido não revelou, por qualquer meio, ter interiorizado o desvalor da conduta praticada e a necessidade da sua censura.
Assim, não obstante a inexistência de antecedentes criminais, a ausência de apoio familiar, a ausência de inserção laboral, com a inerente dificuldade em obter, por meios lícitos, os proventos necessários à satisfação das suas necessidades básicas, e a ausência de inserção social, conjugados com os traços da sua personalidade, que revelam alguma indiferença ou mesmo, incompreensão, relativamente ao bem jurídico tutelado pela norma violada, tornam altamente provável que o arguido, uma vez em liberdade, retome a actividade ilícita, o que, necessariamente inviabiliza a formulação do indispensável juízo de prognose favorável, face à existência do risco sério de a aplicação da pena de substituição não se mostra capaz de premir a sua reincidência.
Em conclusão, não se mostrando verificado o pressuposto material de que depende a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, não pode o arguido dela beneficiar.
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III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em conceder parcial provimento ao recurso.
Em consequência, decidem:
A) Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido AA – pela prática de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e Tabelas I-B, I-C e II-A, anexas – na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
B) Condenar o arguido AA – pela prática de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e Tabelas I-B, I-C e II-A, anexas – na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão.
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C) Confirmar, quanto ao mais, o acórdão recorrido.
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D) Recurso sem tributação, atenta a parcial procedência (art. 513º, nº 1, a contrario, do C. Processo Penal).
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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal).
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Lisboa, 15 de Maio de 2025
Vasques Osório (Relator)
José Piedade (1º Adjunto)
Jorge Jacob (2º Adjunto)