RECURSO DE REVISTA
SUCUMBÊNCIA
QUESTÃO NOVA
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTOS CONCLUSIVOS
MATÉRIA DE DIREITO
Sumário


I - Pretendendo o Autor a repristinação da decisão do Juízo do Trabalho de ..., com a declaração da ilicitude do alegado despedimento de que foi alvo e a inerente condenação no pagamento pela 1.ª Ré da indemnização em substituição da reintegração e das retribuições intercalares, que aí foram provisoriamente quantificadas [artigos 389.º, 391.º e 390.º do CT/2009] e nunca se podendo falar no trânsito em julgado, quer de tal sentença, quer do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto quanto a essas matérias, é manifesto que a sucumbência sofrida pelo recorrente relativamente ao julgamento feito pela 2.ª instância do objeto do recurso de Apelação é superior a 15.000,00 € [metade da alçada do tribunal da relação].
II - Por se tratar de uma questão nova, que nunca foi levantada perante as instâncias, em sede da Petição Inicial e das contra-alegações de recurso de Apelação [tornando-se despiciendo analisar se o podia fazer apenas nessa peça processual e perante o Tribunal da Realção do Porto], impedindo que as Rés tivessem a oportunidade de exercer, oportunamente o princípio do contraditório, assim como os respetivos tribunais judiciais pudessem apreciar e decidir a mesma, é manifesto que a sua análise e julgamento está vedada a este Supremo Tribunal de Justiça [STJ].
III - Da leitura da Motivação constante do Acórdão do Tribunal da Realção do Porto resulta que os Pontos de Facto indicados basearam-se, quer no plano do julgamento efetuado na 1.ª instância, como no plano daquele efetuado pelo TRP, no depoimento de testemunhas assim como na interpretação e avaliação de documentos particulares, o que significa a impossibilidade legal deste STJ poder interferir, apreciar o seu valor probatório e alterar, em consequência, o teor de tais Pontos de Facto.
IV - Cabe dentro dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça em sede de Fundamentação de Facto a apreciação crítica da valoração efetuada pelo TRP acerca da natureza conclusiva ou jurídica dos factos descritos nos Pontos indicados pelo recorrente, face ao estatuído no número 3 do artigo 674.º do CPC/2013.
V - O tribunal da 2.ª instância, ao contrário do afirmado pelo recorrente, não se baseia no regime do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho para proceder a tal supressão dos Pontos de Facto aqui em causa, mas radica-se antes na distinção entre matéria de facto e matéria de direito – e que, no quadro do anterior Código de Processo Civil de 1961, nos remetia para o número 4 do artigo 646.º, que considerava como não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e sobre factos que reclamassem uma prova qualificada ou tabelada ou que já estivessem dados como assentes -, dado o atual artigo 607.º do NCPC [como o anterior 659.º] reclamar da sentença uma dada estrutura lógica e sequancila, em que é feita claramente a distinção entre a fundamentação de facto e a fundamentação de direito, vindo a nossa jurisprudência a associar aos factos com teor jurídico aqueles com cariz conclusivo.
VI - Quanto ao Ponto 25., a supressão efetuada justifica-se plenamente no que concerne à utilização da expressão «impôs» que contém, nitida e escusadamente, um juízo de valor negativo e desfavorável à Recorrida quanto à forma como o Autor era contratado pela 1.ª Ré que, no fundo e na ausência de outros factos que enquadrassem, corporizassem e secundassem tal afirmação genérica, se reconduz a uma conclusão que só poderia ser extraída em sede de fundamentação de direito e face a um conjunto de factos que o concretizassem.
VII - Quanto aos outros três Pontos de Facto que foram eliminados pelo Tribunal da Relação do Porto, depois de analisados o conteúdo, o sentido e o alcance do texto dos mesmos, afigura-se-nos que os mesmos não poderão ser liminar e radicalmente desconsiderados [dados como não escritos] como julgado no Acórdão recorrido mas deverão antes manter-se nos seus precisos moldes, o que implica a sua repristinação ou recuperação para a Factualidade dada como Provada e, nessa medida, ser levada na devida conta pelo tribunal da 2.ª instância.
VIII - Atenta a proibição a que legalmente se encontra sujeito o Supremo Tribunal de Justiça em termos de se poder subsituir ao tribunal recorrido em cenários como o resultante da determinação da inclusão dos mencionados Pontos de Facto na Factualidade dada como Provada – dado o Acórdão recorrido ter sido prolatado com uma Fundamentação de Facto distinta da derivada do presente julgamento por parte deste Supremo Tribunal de Justiça [não competindo, por regra, a este último fazer qualquer prévio juízo de valor quanto à sua maior ou menor importância e relevância para a boa decisão do pleito] - há que proceder à anulação do Aresto recorrido e ordenar a baixa dos autos ao tribunal da 2.ª instância para aí ser proferido novo Aresto, com base na Matéria de Facto Provada ampliada pelo STJ.
IX - Tal significa, por outro lado, que fica prejudicada a apreciação por este Supremo Tribunal de Justiça das demais cinco questões levantadas neste recurso de revista

Texto Integral


RECURSO DE REVISTA N.º 1156/23.0T8AVR.P1.S1 (4.ª Secção)

Recorrente: AA

Recorridas: IMPROVISÂNGULO – EMPRESA DE TRABALHO PORTUÁRIO, UNIPESSOAL, LDA.

PTM IBÉRICA, UNIPESSOAL, LDA.

(Processo n.º 1156/23.0T8AVR – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo do Trabalho de ... - Juiz ...)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I – RELATÓRIO

1. AA, com os sinais constantes dos autos, intentou, no dia no dia 21/03/2023, a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra IMPROVISÂNGULO – EMPRESA DE TRABALHO PORTUÁRIO, UNIPESSOAL, LDA. [1.ª Ré] e PTM IBÉRICA, UNIPESSOAL, LDA. [2.ª Ré], igualmente identificadas nos autos, pedindo, em síntese, o seguinte:

NESTES TERMOS E MELHORES DE DIREITO, que V. Exa. doutamente suprirá, deverá considerar-se o despedimento ilícito do trabalhador e assim, ser o trabalhador reintegrado, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, nos melhores termos legais e ser a entidade empregadora condenada a pagar ao trabalhador, como respeitosamente se requer, acrescidos de juros até efectivo e integral pagamento,

a.) O trabalhador nunca teve de formação, sendo devidas 7 x 40h, num total de 280 horas, pelo valor/hora de 7,49 € Cfr. recibo de vencimento, perfazendo assim, o valor de 2.097,02€

b.) O trabalhador liquida, a título de trabalho suplementar verdadeiramente prestado e não contabilizado nas contas de pagamento da empregadora, um valor de 2 horas de trabalho por dia, não apenas na senda da presunção legal, mas na média (imensamente aquém) de trabalho efectivamente prestado, perfazendo assim, 7 x 12 (84) num total de 84 meses+22 (1.848,00), assim totalizando 1.848 x 2 (3.696 horas), num valor a pagar por 7,49 €/h de 27.683,04 € (vinte e sete mil seiscentos e oitenta e três euros e quatro cêntimos).

c.) Pelos danos melhor anteriormente aduzidos, provocados na sequência do despedimento sub judice, estamos em face de danos não patrimoniais que devem ser compensados, pelo valor que se arbitra em valor não inferior a 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros), acrescidos de juros até efectivo e integral pagamento.

d.) Nas retribuições do Autor a entidade patronal não procedeu ao pagamento de subsídio de natal, sendo assim devido o valor de 1.300,00 € (mil e trezenos euros), bem como não procedeu ao pagamento dos proporcionais de férias, subsídio de férias, subsídio de natal, acendendo a 1.300,00 € (433 € + 433 € + 433 €), num assim global de 2.600,00€

e.) Ao que acresce, nos termos do art. 390.º do CT, no tocante à compensação em caso de despedimento ilícito, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, para e com os necessários e advindos efeitos legais”


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2. Alegou o Autor, muito em síntese, o seguinte:

- Que as Rés são materialmente a mesma entidade, tendo o mesmo sócio, sendo que o Autor sempre trabalhou para as duas empresas, recebendo ordens das duas (que é apenas uma), trabalhando no mesmo local e com a mesma hierarquia.

- Acrescentou que iniciou funções na 1.ª Ré sem assinar qualquer contrato de trabalho escrito, encontrando-se, por isso, vinculado por contrato de trabalho por tempo indeterminado, para um horário de 40 horas semanais, mas que todos os dias entrava às 8 h e saía de madrugada ou quando o deixavam, sem receber qualquer pagamento extraordinário e sem usufruir de descanso compensatório.

- Aditou que já depois disso foi obrigado a assinar contratos diários fraudulentos e que, após a cessação do último deles, continuou a prestar trabalho normalmente sem qualquer contrato que o titulasse.

- Ademais, os contratos contêm como justificação as cargas e descargas de determinadas embarcações, mas que o Autor diariamente prestava outros tipos de trabalhos.

- Invocou ainda que a Ré reconhece a antiguidade do Autor a 01 de março de 2016, e que não havia necessidades temporárias da empresa, antes uma atividade contínua e continuada, para o exercício da sua atividade habitual.

- Alega que, em 04/04/2022, a 1.ª Ré o despediu sem procedimento disciplinar, invocando factos graves, falsos e difamatórios e sem lhe conceder qualquer direito de defesa.

- Que essa imputação lhe causou danos emocionais, sociais e psicológicos.

- E que a inconstância dos contratos que era forçado a assinar contribuiu para esses danos.

Por fim, refere que sempre prestou trabalho suplementar, que lhe era exigido aos berros e com ameaças de despedimento, e que não recebia o respetivo pagamento, liquidando-o em 2 horas diárias.


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3. Frustrada a conciliação em sede de Audiência de Partes, as Ré, que haviam sido citadas regularmente, contestaram por excepção e por impugnação a presente ação, pugnando pela improcedência da mesma.

Identificaram-se como entidades jurídicas distintas, que apenas têm em comum a gerência.

Explicaram que a 1.ª Ré é uma empresa de trabalho portuário, que se dedica exclusivamente à cedência temporária de trabalhadores portuários qualificados, e que os cede, nessas condições, a empresas que se dedicam a operações portuárias de movimentação de cargas (empresas de estiva), como a 2.ª Ré, ou a utentes de áreas portuárias privativas.

Acrescentaram que a 2.ª Ré tem um quadro privativo de trabalhadores em número insuficiente para as necessidades de cargas e descargas de navios que chegam ao porto de Aveiro e que requisita trabalhadores à 1.ª Ré.

Alegaram nunca ter sido celebrado qualquer contrato de trabalho por tempo indeterminado com o Autor, mas sim contratos de trabalho temporário portuário com validade diária, executados por períodos específicos, constantes do seu teor e referentes a tarefas neles devidamente concretizadas.

Afirmaram que o Autor faz parte de uma listagem de trabalhadores priorizados por força do acordo celebrado com o sindicato em que este se encontra filiado e que a sua contratação estava sempre condicionada à prévia disponibilidade manifestada pelo próprio Autor para ser contratado.

Foi nesse contexto que o Autor foi sendo contratado, em inúmeros contratos diários celebrados para prestar trabalho de acordo com as indicações da 2.ª Ré, mantendo a 1.ª Ré o poder disciplinar e os pagamentos, como o Autor sabia.

Negaram a prestação pelo Autor de 8 horas trabalho por dia e 40 horas semanais e a prestação de trabalho suplementar, exceto em situações identificadas e pelas quais era pago.

No que tange ao alegado despedimento, explicaram que inexistia qualquer contrato vigente pois os contratos iam caducando à medida em que se executavam, e que a 1.ª Ré comunicou ao Autor a decisão de não mais o requisitar fundamentando a sua decisão.

No que concerne aos danos não patrimoniais, alegaram que os mesmos não têm dignidade para tutela legal e que em momento algum imputaram ao Autor os factos que o mesmo refere.

Invocaram a caducidade dos créditos de formação.

Acrescentaram que o subsídio de Natal reclamado foi pago e que não são devidos os proporcionais peticionados, tendo-os, de resto, pago em excesso.

Nessa sequência, a Ré IMPROVISÂNGULO – EMPRESA DE TRABALHO PORTUÁRIO, UNIPESSOAL, LDA. deduziu reconvenção, peticionando a condenação do Autor a reembolsar a quantia de 1.359.15€ que recebeu em excesso relativamente aos proporcionais de férias, férias não gozadas e de natal referente ao trabalho por ele prestado no ano de 2022.


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4. O Autor respondeu a tal reconvenção, impugnando o valor peticionado pela 1.ª Ré, tendo alegado que o mesmo lhe foi pago a título de créditos anteriores, vencidos e correspondentes a trabalho prestado, nada tendo a ver com o trabalho prestado em 2022.

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5. Foi proferido Despacho Saneador em 21/6/2023, já transitado em julgado, onde se fixou à causa o valor final de € 58.739,21.

A reconvenção foi admitida e foi dispensada a Audiência Prévia, tendo sido considerada regular a instância, bem como o tribunal de comarca se abstido de proferir o despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas de prova.


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6. Realizou-se Audiência de Discussão e Julgamento com observância do legal formalismo, no âmbito da qual foi expressamente concedido ao Autor o contraditório quanto à exceção de caducidade.

No seu decurso as Rés opuseram-se à reintegração, tendo sido concedido o contraditório quanto à eventual extemporaneidade de tal requerimento, sendo que o Autor declarou não se opor.


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7. Foi proferida pelo tribunal da 1.ª instância sentença datada de 17/05/2024, com o seguinte dispositivo final:

“Em face do exposto, julga-se a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e o pedido reconvencional parcialmente procedente, e, em consequência, reconhecendo-se a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre as partes:

a) Declara-se a ilicitude do despedimento do Autor, levado a cabo pela 1.ª Ré,

b) Condena-se a 1.ª Ré no pagamento ao Autor:

i. de uma indemnização em lugar da reintegração, pelo despedimento ilícito, na proporção de 45 dias por cada ano de antiguidade, até ao trânsito em julgado da decisão, a liquidar em incidente de liquidação de sentença, e que à data da presente decisão se cifra em € 17.550,00 (dezassete mil quinhentos e cinquenta euros;

ii. das retribuições que este tenha deixado de auferir desde o despedimento ilícito até ao trânsito em julgado da decisão, deduzidas dos valores que recebeu e vier a receber, nos termos do artigo 390.º, n.º 2, al. c) do Código do Trabalho, e cuja quantificação se relega para incidente de liquidação de sentença, mas que à presente data se cifram em € 33.681,70 (trinta e três mil seiscentos e oitenta e um euros e setenta cêntimos), já deduzidos os montantes devidos pelo Autor à Ré, no âmbito do pedido reconvencional (ao abrigo do disposto no artigo 390.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho);

iii. da quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros) a título de crédito de horas de formação não ministrada;

iv. da quantia de € 1.300,00 (mil e trezentos euros), a título de subsídio de natal de 2021;

v. dos juros de mora, vencidos, desde a data de vencimento de cada um dos créditos, e vincendos, à taxa supletiva legal em vigor de 4% ao ano, nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se a 1.ª ré do demais peticionado.

c) absolve-se a 2.ª Ré dos pedidos”.


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8. A 1.ª Ré IMPROVISÂNGULO – EMPRESA DE TRABALHO PORTUÁRIO, UNIPESSOAL, LDA. interpôs recurso de Apelação da aludida Sentença, com impugnação da Decisão da Matéria de Facto, com vista à sua absolvição dos pedidos relativos à ilicitude do despedimento e de pagamento do subsídio de Natal e à redução do valor devido a título de formação não ministrada.

Para o caso de se manter a decisão na parte relativa à ilicitude do despedimento, sem prejuízo do mais, a recorrente pretende a redução do valor devido a título de retribuições intercalares.


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9. Tendo esse recurso de Apelação subido ao tribunal da 2.ª instância, vieram, em 18/11/2024, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto [TRP] a proferir acórdão com o seguinte dispositivo:

“Por todo o exposto, acordam os juízes desta secção social:

a) Alterar oficiosamente a decisão da matéria de facto, eliminando-se a 1.ª parte do ponto 25. e os pontos 28., 37. e 38. dos factos provados;

b) Julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pela recorrente, eliminando os pontos 16. dos factos provados e gg) dos factos não provados, alterando a redação dos pontos 18., 25. e 39. dos factos provados e aditando a alínea c) ao ponto 42, nos termos exarados supra.

c) Julgar o recurso procedente, revogando as alíneas a), b) i., ii. e iv do dispositivo da sentença, absolvendo-se a recorrente dos correspondentes pedidos e revogando parcialmente a alínea b) iii. do dispositivo, condenando a recorrente a pagar ao autor a quantia de € 900,00 (novecentos euros) a título de crédito de horas de formação não ministrada, absolvendo-se a recorrente da parte restante;

d) Alterar a decisão relativa à responsabilidade pelas custas na 1.ª instância, condenando o autor e a 1.ª ré na proporção dos respetivos decaimentos, que se fixam respetivamente em 98,43% e 1,56%.

d) Condenar o autor/recorrido nas custas do recurso”.


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10. O Autor interpôs recurso de revista desse Acórdão do TRP, tendo o mesmo sido admitido por despacho de 10/02/2025.

Foi determinada a subida do presente recurso de revista a este Supremo Tribunal de Justiça, onde foi objeto de um despacho liminar que entendeu se mostrarem reunidos os pressupostos formais de cariz geral que se mostram legalmente previstos para o Recurso ordinário de Revista [artigos 629.º, número 1 e 671.º, número 1 do NCPC].


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11. O recorrente AA apresentou alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:

«A - Os fundamentos de Revista em causa consistem: 1) na violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, alínea a), do CPC, bem como, 2) O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, previsto no artigo 674.º, n.º 3, do CPC.

B – O Tribunal a quo declarou ilícito o despedimento do autor, levado a cabo pela 1.ª Ré e condenou a 1.ª Ré no pagamento de uma indemnização em lugar da reintegração, das retribuições que este tenha deixado de auferir desde o despedimento ilícito até ao trânsito em julgado da decisão, da quantia de 1.200,00€ (mil e duzentos euros) a título de créditos de horas de formação não ministrada, da quantia de 1.300,00 € (mil e trezentos euros) a título de subsidio de natal de 2021, bem como no pagamento dos juros de mora, absolvendo a 2.ª Ré dos pedidos.

C – Todavia, o sumário do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto enuncia haver similitude entre o trabalho portuário e o trabalho temporário, aplicando-se, subsidiariamente, ao trabalho portuário o regime previsto para o trabalho temporário.

D – Ademais, entendeu o Tribunal da Relação do Porto que a vinculaçao laboral dos trabalhadores cedidos temporariamente por empresa de trabalho portuário pode ser por contrato de trabalho por tempo indeterminado ou por contrato de trabalho temporário, entendendo, por aplicação do Código de Trabalho de 2009, que não existe proibição legal de celebração de um contrato a termo por parte do trabalhador já contratado por tempo indeterminado e que, por identidade de razões deverá ser admitida a mesma possibilidade quanto à celebração de contratos de trabalho temporário.

E – Concluindo, portanto, que não constituiria despedimento ilícito, por falta de processo disciplinar, a comunicação da empresa de trabalho portuário ao trabalhador portuário da decisão de não voltar a proceder à sua requisição na situação em que a relação existente se constitui por meio de contratos de trabalho temporários portuários, diários, cuja celebração depende da requisição diária do operador portuário e caducam com a conclusão da tarefa que lhes serve de justificação, chegando aquela comunicação ao conhecimento do trabalhador já depois de cessado o contrato temporário.

F - O fundamento de Revista em causa consiste na violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável, nos termos do artigo 674.o, n.o 1, alínea a), do CPC.

G – Da questão da validade/invalidade de vários contratos de trabalho temporário, o Tribunal da Relação do Porto andou mal porque não pode considerar que se pode celebrar sem limite vários contratos diários e sucessivos entre as mesmas partes para o mesmo trabalho, pois tal mesmo antes do nosso Código de Trabalho viola também o art. 7.º n.º 1 do RJTP pois não pode exceder 120 dias por ano como aconteceu, sendo de salientar que quer a 1.ª Instância, quer o Tribunal da Relação do Porto, sempre afirmou e assim estamos, em face de contratos sucessivos e não em qualquer renovação.

H – O Tribunal da Relação também viola diretamente o art. 143.º, n.º 1, do CT, pois também não se pode contratar antes de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato, incluindo renovações, o que não aconteceu (“A cessação de contrato de trabalho a termo, por motivo não imputável ao trabalhador, impede nova admissão ou afetação de trabalhador através de contrato de trabalho a termo ou de trabalho temporário cuja execução se concretize no mesmo posto de trabalho ou atividade profissional, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objeto ou atividade, celebrado com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, antes de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato, incluindo renovações.”).

I – Quanto ao vínculo laboral antes da data do 1.º contrato escrito, pois não se pode compreender que este não seja considerado, quando se encontra o ponto 18 dos factos provados e assim, tendo o Tribunal da Relação do Porto violado o art. 142.º, n.º 1 a contrario por remissão do art.º 7.º, n.º 1 do RJTP, pois não se tratando notoriamente de “um acréscimo excecional e substancial da atividade de empresa cujo ciclo anual apresente irregularidades decorrentes do respetivo mercado ou de natureza estrutural que não seja passível de assegurar pela sua estrutura permanente, nomeadamente em atividade sazonal no setor agrícola ou do turismo, de duração não superior a 35 dias” o contrato não pode ser verbal e assim, conforme o ponto 18 dos factos provados e não havendo qualquer contrato escrito desse período junto aos presentes autos, durante o período de 1 de Março de 2016 até 21 de Março de 2016 (a serem considerados os contratos e desfazendo a impugnação feita) o A. esteve necessariamente vinculado por contrato de trabalho por tempo indeterminado.

J - Consideração contrária, como faz o Tribunal da Relação do Porto, também viola – como nitidamente violou – o art. 147.º, n.º 1, alínea c), do nosso Código de Trabalho, por óbvia omissão do termo nesse período.

K - Nesta “questão” em apreço também o Tribunal da Relação do Porto andou muito mal, com franqueza, pois bem que violou o art. 140.º n.º 2, do CT, e até mesmo o próprio art.º 180.º n.º 2, do CT, no entendimento de um contrato temporário, e violou o art. 147.º n.º 1, alíneas a) e b), do CT no contrato de trabalho a termo quando considera o termo válido, pois a fundamentação do termos é notoriamente falsa quando todos os contratos apenas referem “necessidade de recorrer a mão-de-obra adicional, para que seja possível satisfazer o pedido efetuado pela PTM para o exercício de funções de Trabalho Portuário de Base”, mas quais concretas funções? Quais concretas tarefas?

L – Apenas o único elemento que muda são os nomes dos navios, mas tendo sido os contratos impugnados no que tange ao termo tinha a entidade patronal que provar aquele concreto termo, i.e. que as concretas necessidades foram aquelas, para aquele barco, naquele período e não provou nada, violando o Tribunal da Relação notoriamente o art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil.

M – A Ré nunca – salientamos nunca – se preocupou em provar que o termo era verdadeiro, i.e. tinha correspondência com a realidade, conforme lhe incumbia, uma vez que o termo foi impugnado e, assim, não foi provado que era o barco do contrato que naquele dia efetivamente entrou no porto e que os serviços foram para aquele específico barco, nem muito menos quais os concretos serviços.

N - Como nos parece óbvio não é pelos navios mudarem que existe um acréscimo da atividade com necessidade de recorrer a mão-de-obra adicional, pois os navios mudam todos os dias, é um porto!! É como uma loja que muda sempre o nome dos clientes, tendo sido fundamental expressamente dizer qual foi o acréscimo – concretamente – excecional e como foi – concretamente – substancial da empresa.

O - Não o tendo sido, mesmo no entendimento do R., estamos perante um contrato por tempo indeterminado, portanto, o Tribunal da Relação violou nitidamente o art.º 147.º, n.º 1, alínea a) do CT.

P – Relativamente ao Ponto n.º 39 dado como provado, muito nos parece óbvio que se o trabalhador mesmo quando o barco nem sequer entrava no porto e que alegadamente fundamentava o termo, o Autor. fica a fazer trabalho de manutenção externa (que nem se sabe bem o que isso é!), pois claro que não apenas o termo é falso, como o trabalho excedia o termo, conduzindo à sua nulidade, tendo – também por esta via – o Tribunal da Relação do Porto violado o art. 147.º n.º 1, alíneas a), b), c), do CT.

Q – De notar que o contrato tem de ser devidamente fundamentado nos termos do art.º 3.º do RJTP, e art.º 141.º n.º 1, alínea e), do CT e, sobretudo, do art.º 141.º n.º 3, do CT, o contrato tem de ter menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, ou a fundamentação do contrato, ora dizer-se que os barcos são diferentes não cumpre os requisitos legais.

R – O Tribunal da Relação do Porto considera que se pode contratar um termo um trabalhador por tempo indeterminado e analogamente “por identidade de razões sendo admissível a celebração de contrato a termo na vigência do contrato por tempo indeterminado, a mesma possibilidade deverá ser admitida quanto à celebração de contratos de trabalho temporário, inexistindo neste âmbito, qualquer proibição legal”, tendo por base a doutrina de Direito de Trabalho, Prof. Júlio Gomes, Direito de Trabalho, pág. 602, nota 1527, mas, salvo melhor entendimento, o Exmo. Sr. Prof. Dr. Júlio Gomes não diz isso, antes afirma que pode ter-se “aberto a porta” para tais entendimentos e precisamente, os considera perigosos.

S – Assim, o Tribunal da Relação do Porto nitidamente violou o art. 143.º, n.º 1, do CT, bem como o art. 7.º, n.º 1, do RJTP.

T – De ressalvar, com o mais elevado respeito, o melhor entendimento do Exmo. Sr. Conselheiro José Eduardo Sapateiro, no Proc.º 479/09.4TTLSB.L1-4.

U – Relativamente à questão da ilicitude do despedimento, o Tribunal da Relação do Porto violou o Princípio da Legalidade, bem como o art. 152.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPC, no que tange ao dever de administrar justiça nos termos da lei, porque não pode decidir sem qualquer prova, como estranhamente o mesmo admite, entendendo que, vide página 91 do douto Acórdão, “No caso, sendo a comunicação datada de 04/04/2022, ignora-se, porque não foi alegado e não resulta da matéria facto, em que data é que o Autor a recebeu ou dela tomou conhecimento, sendo de admitir que, tratando-se de carta registada com aviso de recepção, como resultado do documento junto pelo Autor, só tenha sido entregue ao Autor passados uns dias, ou seja, já depois de ter caducado o contrato de trabalho.”, sendo que, se o Tribunal da Relação do Porto considera que tal elemento é importante e não consta dos autos, não pode “adivinhar” ou colocar hipóteses decidindo em função delas.

V - O Tribunal da Relação do Porto ao considerar que se pode celebrar contratos sucessivos a termo, nos termos que foram celebrados, bem como que se pode celebrar contratos a termo na constância de um contrato por tempo indeterminado, não apenas viola as normas anteriormente mencionadas como faz uma interpretação errada e inconstitucional errada das mesmas, e assim viola o comando constitucional do art.º 13.º da CRP, por violação do Princípio n.º 13 e n.º 2 do art. 3.º da CRP, no que tange ao Princípio da Legalidade, bem como do acesso à legalidade, assim entendida no acesso ao direito, previsto no n.º 1 art. 20.º da CRP, que se deixa expressamente arguido, para e com os necessários e advindos efeitos legais.

W – Quanto à questão do valor do crédito relativo a horas de formação não ministrada, relembramos o exposto anteriormente, pois o Tribunal considera que não existe base factual bastante para a determinação do período normal de trabalho (o que ignoramos a razão pela qual não existe, porque também não é referida), mas se assim é, o Tribunal não pode salvo melhor entendimento e ofendendo as mesmas normas anteriormente mencionadas, por sua iniciativa e presunção, considerar que a retribuição horária é aquela a que as partes “consideraram relevante” para cálculo do valor a pagar pela 1.ª hora de trabalho suplementar diurno.

X – Invocando-se ainda o fundamento previsto no artigo 674.º, n.º 3, nos termos do qual: “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, importa debater a questão das alterações da matéria de facto.

Y – O Tribunal da Relação do Porto, salvo melhor entendimento, não pode alterar a matéria de facto oficiosamente – como o fez – até porque o art.º 72.º do CPT não é aplicável em sede de recurso, pelos Tribunais superiores e também não foram observados os seus adstritos trâmites procedimentais, e assim também violou o princípio do pedido, pois como decorrência do princípio do dispositivo, continua a vingar na nossa lei adjetiva o princípio do pedido, de acordo com o qual o tribunal não pode resolver qualquer conflito de interesses que a ação pressupõe sem que essa resolução lhe seja pedida (art. 3.º, n.º 1, do CPC).

Z – O Tribunal não pode, salvo melhor entendimento, retirar a palavra “verbalmente” do facto 18. quando é a própria Ré que assume que o Autor trabalhava desde 1 de Março de 2016 e o primeiro contrato escrito juntos aos autos como Doc. 1 pela Ré é de 21 de Março de 2016, tendo violado o art.º 63.º, n.º 1, do CPT, para além de para retirar “verbalmente” seria escrito e ao não existir violou o art.º 364.º, n.º 1, do CC, sendo que quanto a isso nem sequer é admissível prova testemunhal por via do art.393.º, do CC.

AA – Se é o próprio Tribunal da Relação que na sua redação do facto provado 18 afirma que a partir de 1 de Março de 2016 o Autor era contrato pela Ré (para satisfazer a mão de obra necessária e requisitada de trabalhadores pelas empresas de estiva que operavam no Porto de Aveiro) se o 1.º contrato junto aos autos tem data de 21 de Março de 2016, como é que pode alterar o ponto 25 por não ter sido o contrato assinado mais tarde?! Neste ponto concreto violou o art. 376.º, n.º 1, do CC, quanto a prova plena do documento compreendendo (com certeza) uma data diferente daquele que lá se encontra

BB – Na senda do último ponto o Tribunal ao atribui valor probatório aos documentos juntos como “Contrato de Trabalho Temporário Portuário” fez tábua rasa da impugnação que o Autor fez desses mesmos documentos e por isso mesmo violou diretamente não apenas o art.º 342.º, n.º 1, do CC, como o art.º 445.º, do CPC.

CC - Quanto ao Digníssimo Ministério Público no Tribunal da Relação do Porto, muito bem andou: “Na aplicação do bloco de legalidade tendo em consideração que os sucessivos contratos de trabalhos temporários diários e sucessivos, têm de ser reduzidos a escrito, como decorre da natureza imperativa do art.º 10.º n.º 1 do Decreto Regulamentar nº 2/94, de 28-01-1994, segundo o qual “O contrato de utilização de mão-de-obra portuária está sujeito à forma escrita.” – cfr. Parecer do Conselho Consultivo da PGR, de 20-12-1995, in DR. II. S., de 26-08-98. Como, também, seguiu a orientação do Ac. do STJ de 18 de Janeiro de 2009.”.

NESTES TERMOS E MELHORES DE DIREITO, que os Sábios Conselheiros doutamente suprirão, deverá o presente recurso proceder- por provado, mantendo-se a doutíssima decisão proferida pela 1.ª Instância e revogando-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, como muito respeitosamente se requer, para e com os necessários e advindos efeitos legais!»


*


12. A Ré IMPROVISÂNGULO – EMPRESA DE TRABALHO PORTUÁRIO, UNIPESSOAL, LDA. contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões dentro do prazo legal:

«[II – DA FALTA DE FUNDAMENTO DO RECURSO]

I. Carece de todo e qualquer fundamento o invocado pelo Recorrente no presente recurso, pelo que deverá ser mantida integralmente a douta decisão recorrida, proferida através do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18/11/2024, v.g. pelas razões a seguir indicadas, organizadas por referência às diversas alíneas das conclusões do Recorrente.

J. Não tem razão o Recorrente, ao invocar, na ALÍNEA “G” DAS CONCLUSÕES, que o Tribunal da Relação teria decidido erradamente por, alegadamente, ter considerado que se poderia celebrar sem limite os vários contratos diários e sucessivos a que se reportam os autos, alegando que teria sido violado o art. 7.º-1 do Regime Jurídico do Trabalho Portuário (RJTP), «pois não pode exceder 120 dias por ano como aconteceu».

K. Desde logo, ao invocar a alegada violação da norma do art.º 7.º, n.º 1, do RJTP, por alegadamente ter sido excedido o limite de 120 dias por ano aí previsto, o Recorrente levanta ex novo essa questão.

L. Constituindo esta matéria, inquestionavelmente, questão nova, nos termos acima caracterizados – a qual, não tendo sido discutida nas instâncias, não foi apreciada na decisão recorrida –, não pode a mesma ser objecto da reapreciação à qual se dirige a revista, não podendo, consequentemente, conhecer-se dela enquanto objecto do presente recurso.

M. Mas, de todo o modo, ainda que assim não fosse – no que não se concede e por mera cautela de patrocínio se refere –, tal alegação sempre seria totalmente improcedente, por não ter qualquer aplicação ao caso dos autos. Na verdade, o Recorrente ao fazer essa alegação, parece (embora essa sua alegação não seja clara nem suficiente) partir da qualificação dos contratos celebrados entre as partes como contratos de trabalho a termo de muito curta duração, pois só esses seriam subsumíveis ao regime previsto na norma, por si indicada, do n.º 1 do art.º 7.º do RJTP, norma essa que, por sua vez, remete para o disposto no artigo 142.º do Código do Trabalho (CT).

N. Nos termos do regime, já de si particular, consagrado no artigo 142.º do CT, a lei dispensa da observância de forma escrita os contratos que caibam na sua previsão, consistindo a especialidade introduzida, para o trabalho portuário, pelo aludido n.º 1 do art. 7.º do RJTP, no alargamento do limite máximo da duração total destes contratos, dos 70 dias de trabalho em cada ano civil previstos no n.º 3 do art. 142.º do CT para 120 dias por ano.

O. Nada disto, porém, é aplicável ao caso dos autos. Como resulta claramente do douto acórdão recorrido e da matéria de facto provada (cfr., v.g., os pontos 13. e 18. a 36. Da matéria de facto provada, a págs. 73 e segs. do douto acórdão recorrido) , os contratos de trabalho celebrados com o Autor, ora Recorrente – e, bem assim, com outros trabalhadores em situação semelhante –, eram contratos de trabalho temporário portuário, mediante os quais a Recorrida, enquanto empresa de trabalho portuário, na sequência de requisição de empresas de estiva (normalmente a 2.ª ré) e com a frequência imposta pelas necessidades de mão-de-obra portuária que se verificava em cada dia – pressupondo ainda que o próprio autor tivesse previamente manifestado para tanto a sua disponibilidade –, contratava o autor, ora Recorrente, para ceder a disponibilidade deste à empresa de estiva (empresa utilizadora) para o desempenho, sob as ordens e direcção desta, de tarefas portuárias de movimentação de cargas.

P. Ora, deve distinguir-se claramente entre dois modelos de contratação que são ou podem ser usados no âmbito do trabalho portuário:

– Um modelo de contratação directa, em que são partes no contrato de trabalho as empresas de estiva e os trabalhadores que desempenham, ao seu serviço, as tarefas portuárias de movimentação de cargas, podendo os trabalhadores ser contratados por estas empresas quer em regime de contrato sem termo quer em regime de contrato a termo;

– Um modelo triangular ou tripartido, em que intervêm, pelo menos, três partes, a saber: a empresa de trabalho portuário – cujo objecto social consiste exclusivamente na cedência temporária de trabalhadores –, o trabalhador que por esta é contratado (mediante contrato de trabalho temporário portuário ou mediante contrato de trabalho portuário por tempo indeterminado para cedência temporária) para ser temporariamente cedido, e a empresa de estiva (ou empresa que explora uma área portuária de serviço privativo) que é a empresa utilizadora que celebra, com a empresa de trabalho portuário, o contrato de utilização.

Q. Os contratos de trabalho a que se reportam os autos e a que o Recorrente se refere no ponto sob análise cabem, evidentemente, neste último modelo, são contratos de trabalho temporário portuário, e não contratos a termo de muito curta duração celebrados com a empresa de estiva.

R. A estrutura da relação de trabalho portuário com uma empresa de trabalho portuário e o facto de à mesma se aplicar subsidiariamente o regime jurídico do contrato de trabalho temporário tornam inaplicáveis a tal relação as modalidades de contrato de trabalho portuário de muito curta duração, a termo e intermitente, a que aludem os n.os 1 a 5 do artigo 7.º do RJTP, as quais se dirigem apenas à regulação da contratação directa de trabalhadores portuários por parte dos operadores portuários ou das empresas que exploram áreas de serviço privativo.

S. Não se tratando, neste caso, de contratos a termo de muito curta duração celebrados com empresa de estiva, é-lhes inaplicável o respectivo regime, designadamente o disposto no n.º 1 do art.º 7.º do RJTP, e no artigo 142.º do Código do Trabalho, carecendo de fundamento esta alegação do Recorrente.

T. De resto, a inaplicabilidade de um tal regime às relações de trabalho estabelecidas pelas empresas de trabalho portuário sempre resultaria da sua inadequação para reger tais relações, atenta a especificidade que as caracteriza, em obediência ao disposto na parte final do art.º 9.º do Código do Trabalho, como é salientado a págs. 77 e segs. do douto acórdão recorrido.

U. Com efeito, e como é universalmente conhecido, a especificidade do sector do trabalho portuário resulta, em grande parte, da constante incerteza quanto ao nível de actividade de movimentação de cargas (a qual depende fundamentalmente dos fluxos de mercadorias) e, consequentemente, quanto ao maior ou menor volume de necessidades de mão-de-obra que permita assegurar a efetivação das operações.

V. As variações no volume de cargas a movimentar tanto se podem verificar de um dia para o outro, como de uma semana para outra semana, como ainda entre períodos, mais ou menos longos, de maior atividade, e outros períodos de menor atividade, uns e outros sempre de duração incerta, sendo este o modo de ser característico deste sector, marcado pela permanente irregularidade e imprevisibilidade do nível de atividade portuária em cada momento e que tem justificado a existência de um regime legal especial para o trabalho portuário.

W. As empresas de trabalho portuário surgem em resposta, precisamente, a essa enorme variabilidade das necessidades de mão-de-obra e às características específicas e exigências de racionalidade económica da atividade de movimentação de cargas, particularmente tendo em vista a satisfação das necessidades de mão-de-obra decorrentes de imprevisíveis “picos” de atividade, alturas em que as empresas de estiva se vêem obrigadas a recorrer, na medida das suas necessidades pontuais, à utilização de mão-de-obra cedidas por aquelas ETP (cuja atividade, nos termos legais, consiste exclusivamente nessa cedência de trabalhadores qualificados para o exercício de tarefas de movimentação de cargas).

X. O Recorrente invoca, despois, sob a ALÍNEA “ H” DAS CONCLUSÕES de recurso, que o Tribunal da Relação teria decidido erradamente por, alegadamente, ter violado o art.º 143.º-1 do CT, «pois também não se pode contratar antes de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato, incluindo renovações, o que não aconteceu».

Y. Também aqui, ao invocar a alegada violação da norma do art. 143.º, n.º 1, do CT, por, alegadamente, ter havido contratação em violação desta norma, o Recorrente levanta ex novo essa questão, razão pela qual, salvo o devido respeito, e pelas razões já acima indicadas – que aqui se dão por reproduzidas –, não pode a mesma ser objecto da reapreciação à qual se dirige a revista, não podendo, consequentemente, consituir objecto do presente recurso.

Z. Mas, de todo o modo, ainda que assim não fosse – no que não se concede e por mera cautela de patrocínio se refere –, tal alegação sempre seria totalmente improcedente, por não ter qualquer aplicação ao caso dos autos, porquanto também aqui o Recorrente, ao fazer essa alegação, parece partir da qualificação dos contratos celebrados entre as partes como contratos de trabalho a termo, subsumíveis ao regime previsto na norma, por si indicada, do n.º 1 do art. 143.º do CT,

AA. Com isso fazendo o Recorrente tábua rasa de que, como decorre da matéria de facto provada (cfr., v.g., os pontos 13. e 18. a 36. da matéria de facto provada, a págs. 73 e segs. do douto acórdão recorrido), os contratos de trabalho celebrados com o Autor, ora Recorrente – e, bem assim, com outros trabalhadores em situação semelhante –, eram contratos de trabalho temporário portuário, juridicamente enquadráveis no modelo de contratação tripartido ou triangular supra mencionado, e não no modelo de contratação directa a que se referem, v.g., a propósito do regime especial do trabalho portuário, os n.ºs 2 e 3 do art. 7.º RJTP.

BB. Não se tratando, pois, de contratos a termo celebrados com empresa de estiva, é-lhes inaplicável o regime do artigo 143.º do Código do Trabalho, carecendo igualmente de fundamento esta alegação do Recorrente.

CC. Sendo que, de todo o modo, sempre seriam aqui de convocar as razões também já referidas no que respeita à inaplicabilidade de um tal regime às relações de trabalho estabelecidas pelas empresas de trabalho portuário, em consequência da sua inadequação para reger tais relações, atenta a especificidade que as caracteriza, em obediência ao disposto na parte final do art. 9.º do Código do Trabalho.

DD. Sob as ALÍNEAS “ I “ E “J” das suas conclusões de recurso, o Recorrente insurge-se contra a decisão do Tribunal da Relação por, relativamente ao período de 01/03/2016 a 21/03/2016, não considerar que teria existido entre a Recorrida e o Recorrente um contrato de trabalho, verbal, por tempo indeterminado, para isso invocando o ponto 18 dos factos provados e a circunstância de não existir junto aos autos qualquer contrato escrito relativamente a este período, pelo que teria sido violado «o art.º 142.º, n.º 1 a contrário por remissão do art.º 7.º, n.º 1 do RJTP», invocando ainda, com referência ao mesmo período, a violação do «art.º 147.º, n.º 1, alínea c) do nosso Código de Trabalho, por óbvia omissão do termo nesse período».

EE. Antes de mais, no que respeita às disposições legais que o Recorrente alega neste ponto terem sido violadas, remete-se, dando-se por integralmente reproduzidas, para evitar repetições desnecessárias, para o que já acima ficou dito a respeito da sua inaplicabilidade ao caso dos autos.

FF. De todo o modo, com a invocação isolada do ponto 18 dos factos provados, o Recorrente pretende truncar e desvirtuar a matéria de facto, dela querendo retirar o que lá não está e não querendo “ver” o que lá está e ficou efectivamente demonstrado.

GG. Do teor do ponto 18. dos factos provados e da sua conjugação com a inexistência nos autos de contratos escritos entre o referido dia 01/03/2016 e o dia 21/03/2016 (data do primeiro dos contratos juntos aos autos), pretenderia o Recorrente que se retirasse a existência de um «contrato de trabalho por tempo indeterminado».

HH. Ao fazê-lo, o Recorrente ignora ostensivamente a matéria de facto provada e, convenientemente, “esquece”, desde logo, e como se refere no douto acórdão recorrido, que:

HH.1 – «o Autor não logrou demonstrar, como lhe competia nos termos do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, ter celebrado o alegado acordo verbal com a recorrente para desempenhar as funções de trabalhador portuário de base, num horário de 8 horas diárias, sendo 40 horas semanais, mediante o pagamento base de € 1 300,00 por mês (al. d) dos factos não provados)» (cfr. pág. 82 do douto acórdão); que,

HH.2 – Datando o primeiro dos contratos escritos juntos aos autos de 21/03/2016, «Não se provou que o Autor antes dessa data tenha acordado com a recorrente a prestação de qualquer trabalho, nomeadamente à 2.ª ré, ou sequer que nesse período, ou naqueles que decorreram entre os contratos escritos que outorgou, tenha executado qualquer trabalho» (cfr. pág. 84 do douto acórdão), e que,

HH.3 – «tanto quanto resulta da matéria de facto, a atividade prestada pelo autor à 2.ª Ré, ocorreu a coberto de contratos de trabalho temporários escritos celebrados entre aquele e a 1.ª Ré, nos dias e horários dele constantes, inexistindo qualquer vício de forma na contratação» (cfr. pág. 85 do douto acórdão).

II. E “esquece” também não só a própria matéria do ponto 18. dos factos provados como a sequência expositiva constante nos pontos 19. e seguintes da mesma matéria de facto provada, onde constam os factos que permitem esclarecer em que moldes era feita «essa contratação» (como expressamente se diz logo de seguida, no ponto 19.), tendo ficado demonstrado, designadamente, que

II.1 – «(…) fazendo o autor, por nisso ter demonstrado interesse, parte de uma listagem para ser contratado pela 1.ª ré quando as necessidades de mão-de-obra o exigisse, para que a sua disponibilidade fosse cedida à 2.ª ré sempre e quando esta requisitasse mão de obra, a partir do dia 1 de março de 2016, a recorrente passou a contratar o autor para satisfazer a mão de obra necessária e requisitada de trabalhadores pelas empresas de estiva que operavam no Porto de Aveiro, tendo em vista a cedência temporária dessa mão de obra a tais empresas, surgindo a contratação mediante requisição por empresas de estiva, por um período de tempo de trabalho previamente definido.» (cfr. matéria de facto provada, ponto 13.);

II.2 – «A frequência da requisição do autor pela 1.ª Ré era variável, dependendo das flutuações da atividade portuária e da própria disponibilidade do autor para prestar o seu trabalho naquelas datas, previamente manifestada por este, situação que o autor sabia e aceitava.» (cfr. matéria de facto provada, ponto 21.);

II.3 – «Mesmo que a empresa de estiva (2.ª Ré) tivesse necessidade de mão de obra para a realização de tarefas de movimentação de cargas na área portuária e que tivesse requisitado à 1.ª Ré a satisfação dessa mão de obra, não existia qualquer garantia para o autor de que fosse chamado pela 1.ª Ré, pois é esta que escolhe os trabalhadores a contratar para a sua cedência à empresa de estiva, a partir de um conjunto de trabalhadores que manifestaram a sua disponibilidade para prestar o seu trabalho naquele dia/data.» (cfr. matéria de facto provada, ponto 22.);

II.4 – «O horário de trabalho (período de trabalho) do autor era definido aquando da celebração de cada um dos contratos de trabalho temporário portuário, e correspondia aos períodos de trabalho para os quais a disponibilidade do autor e de outros trabalhadores era requisitada pelas empresas de estiva (normalmente 2.ª Ré).» (cfr. matéria de facto provada, ponto 24.).

JJ. Mais se provou, v.g., que «1.ª Ré celebrou com o Autor contratos de trabalho temporários diários e sucessivos juntos como doc. 4 da petição inicial e 1 a 461 da contestação, cujo teor se reproduz, nos termos dos quais prestaria a sua atividade a empresas de estiva, normalmente a 2.ª Ré, colocando no contrato cargas e descargas de navios, e identificando o navio onde o autor ia desempenhar as suas funções, o dia e hora de início do trabalho, e a função.» (cfr. matéria de facto provada, ponto 25.), e que esses «contratos de trabalho celebrados entre a 1.ª Ré e o Autor dizem respeito às requisições feitas pela 2.ª Ré à 1.ª Ré desde [de] março de 2016 a 30 junho de 2018, as quais eram feitas para um determinado dia.» (cfr. matéria de facto provada, ponto 26.).

KK. Assim, e como se conclui no douto acórdão recorrido, «o que resulta da matéria de facto provada é que o Autor e a recorrente (empresa de trabalho portuário, devidamente licenciada para o efeito) acordaram a prestação de atividade pelo autor mediante requisição pela [de] empresa de estiva, habitualmente a 2.ª Ré, por períodos de tempo de trabalho previamente definidos e com frequência variável, o que não se subsume ao estabelecimento de um vínculo sem termo, mas antes de um vínculo laboral temporário».

LL. O Recorrente, nas alíneas “K”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P” e “Q” das CONCLUSÕES, discorda do decidido pelo Tribunal da Relação no que respeita à validade do termo aposto aos contratos de trabalho temporário celebrados, alegando que os mesmos seriam nulos, pelo que deveria ter sido considerado estarmos perante um contrato por tempo indeterminado.

MM. Nesse sentido, argumenta o Recorrente, designadamente, que, no seu entender: – A fundamentação dos termos seria «notoriamente falsa», não tendo correspondência com a realidade (alínea “K” das conclusões);

– Tendo o termo sido impugnado, a ora Recorrida não teria feito prova do termo, não se tendo provado, designadamente, as concretas funções ou tarefas a desempenhar, as concretas necessidades, qual o concreto barco que em cada dia entrou no porto e que os serviços foram para aquele específico barco, não bastando que exista mudança do navio para demonstrar o acréscimo de actividade, bem como a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado (alíneas “L”, “M”, “N” e ”O” das conclusões);

– Não tendo assim entendido, o Tribunal da Relação teria violado o art. 147.º, n.º 1, al. a) do CT (cfr. ponto 25.º das alegações, e alínea “O” das conclusões), e ainda os artigos 3.º do RJTP e 141.º, n.º 1, alínea e) e 141.º, n.º 3 do CT (alínea “Q” das conclusões);

– Do facto que integra o n.º 39. do elenco dos factos provados («Além das cargas e descargas, quando o navio para o qual tinha sido contratado não chegava a entrar no porto, o Autor fazia manutenções externas.») deveria concluir-se pela falsidade do termo e que «o trabalho excedia o termo, conduzindo à sua nulidade, tendo – também por esta via – o Tribunal da Relação do porto violado o art. 147.º, n.º 1, alíneas a), b), c), do CT.» (alínea “P” das conclusões).

NN. Antes de mais, forçoso é dizer que o Recorrente se recusa a aceitar a decisão proferida, no douto acórdão recorrido, sobre a matéria de facto (incluindo a decisão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto [cfr. págs. 57 a 72 do acórdão], e a consequente fixação definitiva da matéria de facto [cfr. págs. 72 a 76 do acórdão]), assim desrespeitando as limitações em que o Supremo Tribunal se tem de mover no que respeita à matéria de facto, por força do disposto, v.g., nos artigos 662.º-1-2-4, 674.º-3 e 682.º-1-2 do CPC, o que, para os devidos efeitos, expressamente se invoca.

OO. De todo o modo e sem conceder, a decisão sobre a matéria de facto proferida no douto acórdão recorrido encontra-se, salvo o devido respeito, devidamente fundamentada, com base nas provas produzidas nos autos, tendo o Tribunal concluído, designadamente, pela veracidade dos motivos invocados nos contratos de trabalho celebrados entre o Recorrente e a aqui Recorrida, pelo que falece razão ao Recorrente.

PP. Na verdade, conclui-se na douta douta decisão recorrida, depois de se sintetizar a matéria de facto considerada provada, v.g., sob os n.ºs 6, 8, 10, 11, 12, 13, 18, 19, 20, 21, 26 e 27, que «face a esta factualidade, tendo-se ainda em consideração as especificidades próprias do trabalho portuários, não se vislumbra qualquer motivo para considerar que os motivos invocados nos contratos são falsos, ressaltando, pelo contrário a sua veracidade, sendo certo que a tal conclusão não obsta a circunstância de ter ficado também provado que, além das cargas e descargas, quando o navio para o qual tinha sido contratado não chegava a entrar no porto, o Autor fazia manutenções externas, não só por se tratar de situações pontuais, mas também por não ter sido concretizada por referência aos contratos celebrados, qualquer situação em que tal tenha efetivamente acontecido. Conclui-se, pois, ao contrário da 1.ª instância que o Autor não esteve vinculado à 1.ª Ré por contrato de trabalho por tempo indeterminado, mas por sucessivos contratos de trabalho temporário.»

QQ. Como ficou provado, «1.ª Ré celebrou com o Autor contratos de trabalho temporários diários e sucessivos juntos como Doc. 4 da petição inicial e 1 a 461 da contestação, cujo teor se reproduz, nos termos dos quais prestaria a sua atividade a empresas de estiva, normalmente a 2.ª Ré, colocando no contrato cargas e descargas de navios, e identificando o navio onde o autor ia desempenhar as suas funções, o dia e hora de início do trabalho, e a função.» (cfr. ponto 25. dos factos provados).

RR. Infundada é igualmente a alegação de que do facto provado sob o n.º 39 («Além das cargas e descargas, quando o navio para o qual tinha sido contratado não chegava a entrar no porto, o Autor fazia manutenções externas.») se deveria concluir pela falsidade do termo e que «o trabalho excedia o termo, conduzindo à sua nulidade, tendo – também por esta via – o Tribunal da Relação do Porto violado o art. 147.º, n.º 1, alíneas a), b), c), do CT.».

SS. À conclusão a que chegou a Relação sobre a veracidade do termo «não obsta a circunstância de ter ficado também provado que, além das cargas e descargas, quando o navio para o qual tinha sido contratado não chegava a entrar no porto, o autor fazia manutenções externas, não só por se tratar de situações pontuais, mas também por não ter sido concretizada por referência aos contratos celebrados, qualquer situação em que tal tenha efetivamente acontecido».

TT. Aliás, seria uma solução completamente violenta e inaceitável que, ainda que se tivesse provado que, em determinado dia, depois de a Recorrida ter contratado o Recorrente para trabalhar na carga ou descarga de determinado navio, por razões que as partes não controlam (por exemplo devido a condições atmosféricas adversas), esse navio não tivesse chegado a entrar nesse dia, ou no horário previsto, se não admitisse o funcionamento do ius variandi relativamente ao objecto do contrato, antes se partindo desde logo para a invalidade do termo e a consequente consideração da existência de um contrato por tempo indeterminado,

UU. Sendo de salientar que, no douto acórdão, o tribunal a quo, na formação da sua decisão relativa à fundamentação do termo, para além de toda a factualidade provada, levou «ainda em consideração as especificidades próprias do trabalho portuário», especificidade essa que, como é conhecido, decorre essencialmente da imprevisibilidade estrutural do movimento do porto, de modo de ser próprio da actividade, que torna regra a existência das necessidades temporárias que justificam a existência de contratos de trabalho temporário portuário, e que sempre tem de ser levada em consideração na aplicação subsidiária do regime comum.

VV. Para além disto, também nestas alíneas o Recorrente alega que teriam sido violadas normas que são inaplicáveis ao caso dos autos – pois, como acima melhor se disse e aqui se dá por reproduzido, estamos perante contratos de trabalho temporário portuário celebrados com a Recorrida enquanto empresa de trabalho portuário e não perante contratos a termo celebrados com empresa de estiva.

WW. Sob as alíneas “R”, “S“ E T” DAS CONCLUSÕES, o Recorrente discorda da posição expressa no douto acórdão recorrido pelo Tribunal da Relação com referência à «3.ª questão» por este identificada (cfr. págs. 88-89 do acórdão), no sentido de que, ainda que tivesse estado pendente entre as partes algum contrato por tempo indeterminado (o que, como se referiu já, se demonstrou que não aconteceu), sempre esse contrato teria cessado por força da outorga, entre as partes, dos contratos de trabalho temporário documentados nos autos.

XX. Afirma, efectivamente, o Tribunal da Relação, – depois de ter considerado que, inexistindo entre as partes qualquer contrato sem termo, mas antes sucessivos contratos de trabalho temporário, tal questão ficava prejudicada – que, «mesmo que se tivesse concluído que os contratos de trabalho temporário tinham sido outorgados na pendência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, sendo tais contratos formal e substantivamente válidos, a sua outorga sempre determinaria a cessação daquele contrato» (cfr. pág. 88 do acórdão).

YY. E isto por considerar que, actualmente no âmbito de aplicação do Código do Trabalho de 2009 – e ao contrário do que acontecia no regime anterior à publicação do Código do Trabalho de 2003 (em que era cominado com a nulidade o contrato a termo celebrado na pendência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado) –, não existe proibição legal de celebração de um contrato a termo por parte do trabalhador já contratado por tempo indeterminado, devendo essa possibilidade ser igualmente admitida quanto à celebração de contratos de trabalho temporário.

ZZ. Por isso, considerou o Tribunal da Relação que, «no caso dos autos, sendo, face ao acervo factual relevante, nomeadamente o dos pontos 13, 20, 21, 23, 24 e 25, inquestionável a vontade do Autor de se vincular à recorrente por meio de contratos temporários, sempre teria de se concluir que com a celebração de tais contratos havia cessado qualquer contrato de trabalho por tempo indeterminado vigente».

AAA. Contra esta posição, invoca o Recorrente, designadamente, pronunciamentos que alegadamente iriam em sentido contrário na doutrina e na jurisprudência (indica um voto de vencido), mais alegando que, não tendo assim entendido, o Tribunal da Relação teria violado o art. 143.º, n.º 1, do CT, bem como o artigo 7.º, n.º 1, do RJTP.

BBB. Ora, desde logo, o Recorrente, como melhor se explica nas precedentes alegações, não faz uma interpretação correcta das fontes doutrinárias que invoca.

CCC. Não se compreende também a invocação pelo Recorrente, nesta matéria – relativa à cessação de um eventual contrato de trabalho por tempo indeterminado que tivesse vigorado entre as partes por força da celebração, entre as mesmas partes, dos contratos de trabalho temporário portuário a que os autos se reportam –, da alegada violação, pelo Tribunal da Relação, do art.º 143.º, n.º 1, do CT, e do artigo 7.º, n.º 1, do RJTP (cfr. ponto 32.º das alegações, e alínea “S” das conclusões), normas que se reportam, respetivamente, à sucessão de contratos a termo e ao regime especial dos contratos de trabalho a termo de muito curta duração.

DDD. De todo o modo, por um lado, tais preceitos, como acima ficou explicado – dando-se aqui por reproduzido, para evitar repetições inúteis, o supra alegado com referência a essa matéria –, não são aplicáveis ao caso dos autos, porquanto os contratos celebrados entre as partes eram contratos de trabalho temporário portuário, celebrados entre o Recorrente e a Recorrida enquanto empresa de trabalho temporário Portuário, e não contratos a termo nem contratos a termo de muito curta duração celebrados com empresa de estiva.

EEE. E, por outro lado, como a Recorrida fez constar nos fundamentos do seu recurso de apelação (cfr. conclusões CXXXVII a CXL desse seu recurso), – mesmo que tivesse havido – o que não se aceita - durante todo o período em que o Recorrente foi sucessivamente contratado – centenas de vezes – em regime de contrato de trabalho temporário portuário, fundamento para que houvesse, durante algum período, vigorado algum contrato por tempo indeterminado, sempre se teria de entender que esse contrato teria cessado por caducidade, na sequência da celebração, a posteriori, de outros contratos temporários portuários entre o Recorrente e a Recorrida, por manifesta incompatibilidade entre aqueles dois tipos de contrato;

– Na verdade, a nossa jurisprudência e doutrina têm entendido que um dos fundamentos da caducidade do contrato de trabalho pode ter por base a celebração sucessiva, pelo mesmo trabalhador, com a mesma entidade patronal, de outros contratos de trabalho incompatíveis com contrato anterior;

– Ora, no caso dos autos, é manifesta a incompatibilidade existente entre a celebração de centenas de contratos de trabalho temporário portuários, todos eles sucessivamente posteriores, com a celebração e vigência simultânea de um contrato de trabalho por tempo indeterminado anterior;

– A verdade é que a celebração sucessiva de cada um dos contratos de trabalho temporário portuário pelo mesmo trabalhador (como era o caso do Recorrente) com a mesma entidade patronal (a aqui Recorrida) sempre teria feito caducar qualquer contrato de trabalho anterior que fosse com ele incompatível.

FFF. Alega ainda o Recorrente, nas alíneas “U” e “V“ das CONCLUSÕES, o seguinte:

– «Relativamente à questão da ilicitude do despedimento, o Tribunal da Relação do Porto violou o Princípio da Legalidade, bem como o art.º 152.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPC, no que tange ao dever de administrar justiça nos termos da lei, porque não pode decidir sem qualquer prova, como estranhamente o mesmo admite, entendendo que, vide página 91 do douto Acórdão, “No caso, sendo a comunicação datada de 04/04/2022 ignora-se, porque não foi alegado e não resulta da matéria facto, em que data é que o Autor a recebeu ou dela tomou conhecimento, sendo de admitir que, tratando-se de carta registada com aviso de recepção, como resultado do documento junto pelo autor, só tenha sido entregue ao autor passados uns dias, ou seja, já depois de ter caducado o contrato de trabalho.”, sendo que, se o Tribunal da Relação do Porto considera que tal elemento é importante e não consta dos autos, não pode “adivinhar” ou colocar hipóteses decidindo em função delas.» (alínea “U “das conclusões da Recorrente)

– «O Tribunal da Relação do Porto ao considerar que se pode celebrar contratos sucessivos a termo, nos termos que foram celebrados, bem como que se pode celebrar contratos a termo na constância de um contrato por tempo indeterminado, não apenas viola as normas anteriormente mencionadas como faz uma interpretação errada e inconstitucional errada das mesmas, e assim viola o comando constitucional do art. 13.º da CRP, por violação do Princípio n.º 13 e n.º 2 do art. 3.º da CRP, no que tange ao Princípio da Legalidade, bem como do acesso à legalidade, assim entendida no acesso ao direito, previsto no n.º 1 art. 20.º da CRP, que se deixa expressamente arguido, para e com os necessários e advindos efeitos legais. (alínea “ V “das conclusões da Recorrente)

GGG. A Recorrida não compreende o motivo nem o Recorrente explica o motivo de tais alegações.

HHH. Relativamente à conclusão da alínea “U“, refira-se que foi o próprio Autor, ora Recorrente, que juntou a referida carta – na sua douta p.i., sob o Doc. nº 6 – o que, só por si, demonstra que o Autor recebeu e tomou conhecimento do conteúdo da mesma, não existindo, pois, qualquer dúvida sobre se o Autor recebeu ou não a referida carta.

Acresce que, foi o Autor/Recorrente, na sua douta p.i., usou e juntou a referida carta para invocar que tinha existido um despedimento.

III. Salvo melhor entendimento, é irrelevante a data em que o Recorrente recebeu a referida carta, uma vez que a Recorrida até podia nem ter feito qualquer comunicação, porquanto não existia, quer à data em que essa carta foi enviada quer à data em que o Recorrente a recebeu, qualquer contrato de trabalho entre a Recorrida e o Recorrente que impusesse uma tal comunicação: como se provou, o Recorrente era contratado em regime de contrato de trabalho temporário portuário, ao dia, cessando esse contrato no final do período para qual o mesmo fora celebrado, e não existia uma garantia para o Recorrente de que voltaria a ser chamado pela ora Recorrida (ver facto provado n.º 22).

JJJ. Relativamente à alínea “V“ das conclusões, para além de se desconhecer a existência de um «Princípio n.º 13 da CRP,…», não se compreende, nem o Recorrente explica, as razões pelas quais teria sido alegadamente violado o princípio da legalidade. Não encontra a Recorrida sentido na referida alegação, nem a invocação de uma alegada violação do artigo 13.º da CRP, e do n.º 2 do artigo 3.º da CRP,

KKK. Menos ainda se compreendendo a alegação de que o Tribunal da Relação teria violado o princípio do acesso ao direito previsto no n.º 1 do artigo 20.º da CRP quando, nos presentes autos, o Recorrente está a exercer os seus direitos sem qualquer reserva, e está a exercer na sua plenitude o seu direito de acesso à Justiça, não sendo impedido, por qualquer forma ou meio, de o exercer.

LLL. Sob a ALÍNEA “W “das suas conclusões de recurso, o Recorrente discorda da posição expressa pelo Tribunal da Relação, no douto acórdão recorrido «Quanto à questão do valor do crédito relativo a horas de formação não ministrada, relembramos o exposto anteriormente, pois o Tribunal considera que não existe base factual bastante para a determinação do período normal de trabalho (o que ignoramos a razão pela qual não existe, porque também não é referida), mas se assim é, o Tribunal não pode salvo melhor entendimento e ofendendo as mesmas normas anteriormente mencionadas, por sua iniciativa e presunção, considerar que a retribuição horária é aquela a que as partes “consideraram relevante” para calculo do valor a pagar pela 1.ª hora de trabalho suplementar diurno.»

MMM. É manifesto que o Recorrente, nesta alínea “W“ das conclusões de recurso, não interpretou corretamente a fundamentação que o Tribunal da Relação explana sobre aquela matéria, pois que, contrariamente ao referido pelo Recorrente, não é unicamente o valor da 1ª hora do trabalho suplementar que o Tribunal da Relação toma por referência para o cálculo do valor da retribuição horária do Autor para fixar o crédito relativo à formação profissional não ministrada ao Recorrente.

NNN. Os Exmos. Senhores Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto fundamentam objectiva e claramente a decisão que proferem neste matéria, considerando todos os elementos de que o Tribunal dispunha, nomeadamente, tendo entendido, dada a existência de um Instrumento Regulamentação Colectiva (IRC) aplicável para o cálculo do valor da retribuição do trabalho suplementar, aplicar o ali estabelecido quanto ao apuramento do valor da retribuição horária do Autor/Recorrente, para fixar o crédito relativo à formação profissional não ministrada (cfr. págs. 92 a 96 do douto acórdão, que, por brevidade, se dá aqui por reproduzido).

OOO. Sob as ALÍNEAS “X“ , “Y“, “Z“, “AA” E “ BB” das suas conclusões de recurso, o Recorrente alega o seguinte:

«X – Invocando-se ainda o fundamento previsto no artigo 674.º, n.º 3, nos termos do qual: “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, importa debater a questão das alterações da matéria de facto.

Y – O Tribunal da Relação do Porto, salvo melhor entendimento, não pode alterar a matéria de facto oficiosamente – como o fez – até porque o art. 72.º do CPT não é aplicável em sede de recurso, pelos Tribunais superiores e também não foram observados os seus adstritos trâmites procedimentais, e assim também violou o princípio do pedido, pois como decorrência do princípio do dispositivo, continua a vingar na nossa lei adjetiva o princípio do pedido, de acordo com o qual o tribunal não pode resolver qualquer conflito de interesses que a ação pressupõe sem que essa resolução lhe seja pedida (art. 3.º, n.º 1, do CPC).

Z – O Tribunal não pode, salvo melhor entendimento, retirar a palavra “verbalmente” do facto 18. quando é a própria Ré que assume que o Autor trabalhava desde 1 de Março de 2016 e o primeiro contrato escrito juntos aos autos como Doc.1 pela R. é de 21 de Março de 2016, tendo violado o art.º 63.º, n.º 1, do CPT, para além de para retirar “verbalmente” seria escrito e ao não existir violou o art.º 364.º, n.º 1, do CC, sendo que quanto a isso nem sequer é admissível prova testemunhal por via do art.º 393.º, do CC.

AA – Se é o próprio Tribunal da Relação que na sua redação do facto provado 18 afirma que a partir de 1 de março de 2016 o A. era contrato pela R. (para satisfazer a mão de obra necessária e requisitada de trabalhadores pelas empresas de estiva que operavam no Porto de Aveiro) se o 1.º contrato junto aos autos tem data de 21 de março de 2016, como é que pode alterar o ponto 25 por não ter sido o contrato assinado mais tarde?! Neste ponto concreto violou o art. 376.º, n.º 1, do CC, quanto a prova plena do documento compreendendo (com certeza) uma data diferente daquele que lá se encontra.

BB – Na senda do último ponto o Tribunal ao atribui valor probatório aos documentos juntos como “Contrato de Trabalho Temporário Portuário” fez tabua rasa da impugnação que o A. fez desses mesmos documentos e por isso mesmo violou diretamente não apenas o art. 342.º, n.º 1, do CC, como o art. 445.º, do CPC.»

PPP. Como é sabido, o STJ, em regra, apenas julga em matéria de direito, cabendo-lhe, no recurso de revista, aplicar o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (cfr. art. 682.º-1 do CPC), não podendo a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674.º (cfr. art. 682.º-2 do CPC).

QQQ. Por outro lado, das decisões tomadas pelo Tribunal da Relação ao abrigo do disposto nos números 1 e 2 do artigo 662.º não cabe recurso para o STJ, como está expressamente consagrado no n.º 4 do mesmo artigo 662.º do CPC.

RRR. Ora, o Recorrente, embora transcreva a norma do art. 674.º-3 do CPC (cfr. alínea “X” das suas conclusões), na verdade desrespeita essa mesma norma nas alíneas subsequentes: para além de, sob as alíneas agora em análise, não alegar qualquer situação que lhe seja subsumível, pretende pôr em causa a decisão proferida pelo Tribunal da Relação quanto à matéria de facto, em violação dos preceitos supra indicados, que delimitam a competência decisória do STJ, o que para os devidos efeitos aqui se invoca.

SSS. O Recorrente refere, na alínea “ Y “ das suas conclusões, que «…O Tribunal da Relação do Porto, salvo melhor entendimento, não pode alterar a matéria de facto oficiosamente – como o fez – até porque o art. 72.º do CPT não é aplicável em sede de recurso…»

TTT. Ora, o Tribunal da Relação não invoca em momento algum do Acórdão recorrido que tenha aplicado o artigo 72.º do CPT. Dá-se por integralmente reproduzido sobre esta matéria o que refere o Acórdão da Relação ora sob recurso, nas págs. 67 in fine e 68 (transcrito no ponto 121 das alegações), não se percebendo por que razão vem o Recorrente afirmar que o Tribunal da Relação teria aplicado o referido artigo 72.º do CPT, atenta a fundamentação do acórdão, na qual em nenhum momento se refere que o artigo 72.º do CPT seria aplicável, ou que teria sido aplicado, em sede de recurso.

UUU. O que o Tribunal da Relação afirmou foi, desde logo, que o Autor/Recorrente não alegou factos que eventualmente poderia ter alegado, e que, nessa medida - não tendo sido alegada tal matéria -, a mesma não poderia ter sido dada como provada, ainda que a mesma pudesse resultar de meios de prova produzidos (aliás, se assim não fosse, haveria uma clara e óbvia violação do princípio da estabilidade da instância, prevista no artigo 260.º do CPC), e, depois, que não resulta dos autos que o artigo 72.º CPT tenha sido aplicado em 1.ª Instância.

VVV. Alega ainda o Recorrente que o Tribunal da Relação «não pode alterar a matéria de facto oficiosamente». Ora, salvo o devido respeito, não é esse o entendimento da Doutrina (cfr., v.g., ponto 122. das presentes alegações) e da Jurisprudência dominante, antes devendo a Relação – como melhor se explica no douto acórdão, na fundamentação deste ponto a págs. 57-58, que, por brevidade aqui se dá por reproduzida –, mesmo oficiosamente, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se isso se impuser (art.º 662.º, n.º 1 do CPC), como é o caso de existir matéria de direito e/ou conclusiva a invadir a matéria de factos, aplicando-se, também, ao Tribunal da Relação o disposto no art. 607.º do CPC, ex vi do disposto no art. 663.º-2 do mesmo código.

WWW. De todo o modo, ao alegar como alega, pretende o recorrente pôr em causa a decisão proferida pela Relação sobre a matéria de facto, fora da hipótese excepcional em que isso lhe seria permitido, em violação dos comandos supra referidos que delimitam a competência decisória do STJ, sem o poder fazer, e reflectindo as conclusões contidas nas alíneas “Z“, ”AA“ e “BB” das suas conclusões puras suposições do Autor/Recorrente.

XXX. Como parece à Recorrida claro, sob essas alíneas “Z“ , ”AA“ e “ BB”, pretende o Recorrente, uma vez mais (conforme havia feito sob a alínea “I”), truncar e desvirtuar a matéria de facto, dela querendo retirar o que lá não está e ostensivamente não querendo “ver” o que lá está e ficou efectivamente demonstrado.

YYY. Por isso, para evitar repetições inúteis, dá-se aqui por reproduzida a matéria supra alegada sob os pontos 52. a 61. das presentes alegações, em que a Recorrida se pronunciou sobre a matéria das alíneas “I” e “J” das conclusões da alegação do Recorrente, reforçando-se apenas que, como bem se refere no douto acórdão recorrido:

– «o Autor não logrou demonstrar, como lhe competia nos termos do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, ter celebrado o alegado acordo verbal com a recorrente para desempenhar as funções de trabalhador portuário de base, num horário de 8 horas diárias, sendo 40 horas semanais, mediante o pagamento base de € 1 300,00 por mês (al. d) dos factos não provados)» (cfr. pág. 82 do douto acórdão); que,

– Datando o primeiro dos contratos escritos juntos aos autos de 21/03/2016, «Não se provou que o Autor antes dessa data tenha acordado com a recorrente a prestação de qualquer trabalho, nomeadamente à 2.ª ré, ou sequer que nesse período, ou naqueles que decorreram entre os contratos escritos que outorgou, tenha executado qualquer trabalho» (cfr. pág. 84 do douto acórdão), e que, – «tanto quanto resulta da matéria de facto, a atividade prestada pelo Autor à 2.ª Ré, ocorreu a coberto de contratos de trabalho temporários escritos celebrados entre aquele e a 1.ª Ré, nos dias e horários dele constantes, inexistindo qualquer vício de forma na contratação» (cfr. pág. 85 do douto acórdão);

– A matéria de facto provada esclarece em que moldes surgiu e era feita «essa contratação» (como expressamente se diz logo de seguida, no ponto 19.), sendo de relevar, v.g., os pontos 9. a 39. da matéria provada.

ZZZ. É, pois, o Autor/Recorrente que alega que celebrou com as Rés, verbalmente, um contrato de trabalho. Contudo, o Autor/Recorrente não logrou provar tal facto, como lhe competiria nos termos das regras do ónus da prova. E não se provou que, antes do dia 21/03/2016, entre as partes tivesse sido acordada «a prestação de qualquer trabalho, nomeadamente à 2.ª Ré, ou sequer que nesse período, ou naqueles que decorreram entre os contratos escritos que outorgou, tenha executado qualquer trabalho» (cfr. pág. 84 do douto acórdão). Como se demonstrou, o que aconteceu foi, antes, que «a atividade prestada pelo autor à 2.ª Ré, ocorreu a coberto de contratos de trabalho temporários escritos celebrados entre aquele e a 1.ª Ré, nos dias e horários dele constantes, inexistindo qualquer vício de forma na contratação» (cfr. pág. 85 do douto acórdão).

AAAA. Conforme bem decidiu o Tribunal da Relação, os contratos que foram celebrados e executados entre as partes foram contratos de trabalho temporário portuário, que revestiram a forma escrita legalmente exigida, pelo que não ocorreu qualquer violação dos arts. 364.º-1 e 393.º do Código Civil, ao contrário do que – partindo da já referida invocação falsa e desvirtuada do ponto 18 dos factos provados – pretende o Recorrente sob a alínea “Z” das suas conclusões.

BBBB. Por outro lado, o contrato de trabalho junto sob o Doc. nº 1 pela Recorrida tem como data de início e fim do contrato o dia 21 de março de 2016, e da prova produzida, não resultou que o referido contrato de trabalho não tivesse sido assinado na data dele constante, nem tal facto foi alguma vez alegado pelo Autor/Recorrente, pelo que, ao contrário do que afirma o Recorrente sob a alínea “AA” das suas conclusões, também não ocorreu qualquer violação do art. 376.º-1 do Código Civil.

CCCC. Tal como não ocorreu, contrariamente ao que afirma o Recorrente sob a alínea “BB” das suas conclusões, qualquer violação dos artigos 342.º-1 do Código Civil ou do art. 445.º do CPC uma vez que, a mera impugnação dos documentos não impede que o Tribunal, avaliando esses mesmos documentos e as demais provas de que lhe seja lícito conhecer, os considere genuínos e idóneos para provar os factos que os mesmos comprovem e que o Tribunal considere relevantes para a decisão.

DDDD. Por último, sob a ALÍNEA “CC” das suas conclusões de recurso, o Recorrente limita-se a transcrever parcialmente o Parecer do Ministério Público, a que adere.

EEEE. Ora, desde logo, resulta evidente do referido trecho do parecer do Ministério Público que é feita uma confusão entre dois tipos de contrato: o parecer começa por se referir aos contratos de trabalho temporários diários e sucessivos, afirmando a necessidade da respetiva redução a escrito, mas, de seguida, refere que a imposição da forma escrita de tais contratos resultaria de uma norma aplicável aos contratos de utilização (art.º 10.º n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 2/94, de 28-01-1994)!

FFFF. Nessa medida, não se compreende o teor da citação feita pelo Recorrente, desde logo porque é feita, no texto citado, uma clara confusão entre contrato de utilização e contrato de trabalho temporário, contratos esses que, obviamente, se não confundem. Sendo que, de todo o modo e como acima se referiu, os contratos que foram celebrados e executados entre as partes foram contratos de trabalho temporário portuário, que revestiram a forma escrita legalmente exigida.

Termos em que deverá ser mantido, na íntegra, o douto acórdão recorrido. Assim se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!»


*


13. O ilustre Procurador-Geral Adjunto colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça proferiu Parecer nos autos que concluiu nos seguintes moldes:

«Por tudo o exposto, somos de parecer que o presente recurso deverá ser considerado procedente, revogando-se o douto acórdão recorrido.»


*


14. A Ré, ao contrário do Autor, veio pronunciar-se sobre o teor desse Parecer, dentro do prazo legal de 10 dias, tendo pugnado pela manutenção integral do Acórdão recorrido.

*


15. Cumpre decidir, depois de o coletivo ter tomado conhecimento dos autos, recebido o projeto de Acórdão elaborado pelo relator e debatido o seu teor.

II. FACTOS

16. Com relevância para o presente Aresto, há a considerar os seguintes factos, que resultam já das alterações introduzidas pelo TRP, a título oficioso [Eliminação dos Pontos 28, 37, 38 e parte do Ponto 25] e por força do deferimento parcial da impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto deduzida pela Ré, no âmbito do seu recurso de Apelação [Eliminação do Ponto 16, que passou a alínea hh) e modificação do texto dos Pontos 18, 25 – parte restante – e 39]:

A - FACTOS PROVADOS PELAS INSTÂNCIAS:

«1. A 1.ª Ré designa-se IMPROVISÂNGULO - EMPRESA DE TRABALHO PORTUÁRIO, UNIPESSOAL LDA, tem sede no Edifício RO-RO, r/c, Terminal Norte, Forte da Barra, na Gafanha da Nazaré, em Ílhavo, Aveiro, tem o número de identificação de pessoa coletiva 513138145, e dedica-se à cedência temporária de trabalhadores portuários.

2. A 1.ª Ré é uma empresa de trabalho portuário (ETP), constituída sob a forma de Sociedade por Quotas, estando licenciada para o exercício da sua atividade, que consiste exclusivamente na cedência temporária de trabalhadores portuários.

3. Os trabalhadores contratados pela 1.ª Ré, incluindo o Autor, são qualificados, cedidos a empresas que têm por objeto a operação portuária de movimentação de cargas (empresas de estiva), ou a utentes de áreas portuárias privativas, para que as referidas empresas de estiva utilizem essa mão-de-obra nas tarefas de embarcar ou desembarcar na zona portuária, compreendendo as atividades de estiva, desestiva, conferência, carga, descarga, transbordo, movimentação e arrumação de mercadorias em cais, terminais, armazéns e parques, manobramento de máquinas, bem como de formação e decomposição de unidades de carga, e ainda de receção, armazenagem e expedição de mercadorias.

4. A 2.ª Ré designa-se PTM IBÉRICA, UNIPESSOAL LDA, tem sede no Edifício Ro-Ro 1.°, Terminal Norte, Forte da Barra na Gafanha da Nazaré, em Ílhavo, Aveiro, tem o número de identificação de pessoa coletiva 513127682, e dedica-se ao armazenamento, manuseamento e movimentação de cargas e organização do transporte designadamente o transporte por mar; atividades de agente marítimo e fretadores; e aluguer de transportes marítimos.

5. As Rés partilham instalações.

6. A 2.ª Ré é uma empresa de estiva e tem no seu quadro privativo trabalhadores em número insuficiente para as necessidades de cargas e descargas de navios que chegam ao porto de Aveiro.

7. Ambas as Rés têm o mesmo sócio único, P..., S.L., e a mesma gerência, que é exercida pela mesma pessoa - BB.

8. A 2.ª Ré requisita à 1.ª Ré os trabalhadores de que necessita para efetuar os trabalhos de carga e descarga de navios.

9. O Autor é sindicalizado no Sindicato dos Trabalhadores do Porto de Aveiro.

10. Em 03 de novembro de 2014, a 2.ª Ré celebrou, com o Sindicato dos Trabalhadores do Porto de Aveiro, um Acordo de Empresa, com vista a estabelecer o regime de prestação de trabalho portuário aplicável às relações de trabalho entre, por um lado, a 2.ª Ré e, por outro, os trabalhadores que lhe prestem serviço desenvolvendo a sua atividade profissional na movimentação de cargas no Porto de Aveiro, representados pelo Sindicato dos trabalhadores do Porto de Aveiro, e ao qual a 1.ª Ré aderiu.

11. Na mesma data, as Rés celebraram, com o Sindicato dos Trabalhadores do Porto de Aveiro, o Acordo de Prioridade na Contratação e na Colocação para o quadro de pessoal da PTM IBÉRICA, LDA. e da IMPROVISÂNGULO - EMPRESA DE TRABALHO PORTUÁRIA, UNIPESSOAL, LDA..

12. No âmbito do referido Acordo de Prioridade na Contratação, as Rés aceitam, concordam e vinculam-se a dar prioridade na contratação e na colocação para o seu quadro pessoal, aos trabalhadores que à data da celebração desse acordo, integrem o quadro pessoal da Associação do Trabalho Portuário (ETP) de Aveiro, da qual fazia parte o Autor.

13. O Autor fazia e sempre fez parte, pelo menos desde março de 2016, de um conjunto de trabalhadores, entre outros que, tendo demonstrado nisso interesse, se encontravam identificados e incluídos numa listagem própria para serem contratados pela 1.ª Ré quando as necessidades de mão-de-obra o exigissem, para que a sua disponibilidade fosse cedida à 2.ª Ré enquanto empresa de estiva sempre e quando esta requisitasse mão de obra.

14. A 29 de fevereiro de 2016 foi celebrada uma Adenda ao Acordo de prioridade na contratação e na colocação para o quadro de pessoal da PTM IBÉRICA, UNIPESSOAL LDA. e da IMPROVISÂNGULO - EMPRESA DE TRABALHO PORTUÁRIO, UNIPESSOAL, LDA.

15. O Autor, à data da celebração e outorga da referida adenda, fazia parte do quadro pessoal da Associação do Trabalho Portuário (ETP) de Aveiro que tinha por objeto a cedência temporária de trabalhadores portuários às empresas de estiva - como era o caso da 2.ª Ré.

16. Eliminado.

[16. A Associação do Trabalho Portuário (ETP) de Aveiro é associada do Sindicato dos Trabalhadores do Porto de Aveiro.]

17. O controlo do cumprimento da regulamentação do trabalho portuário é continuamente vigiado e fiscalizado pelo próprio Sindicato dos Trabalhadores do Porto de Aveiro.

18. A partir do dia 01 de março de 2016, a 1.ª Ré contratava o Autor e outros trabalhadores, para satisfazer a mão de obra necessária e requisitada de trabalhadores pelas empresas de estiva que operavam no Porto de Aveiro, tendo em vista a cedência temporária dessa mão de obra a essas empresas.

[18. A partir do dia 01 de março de 2016, a 1.ª Ré contratava verbalmente o Autor e outros trabalhadores, para satisfazer a mão de obra necessária e requisitada de trabalhadores pelas empresas de estiva que operavam no Porto de Aveiro, tendo em vista a cedência temporária dessa mão de obra a essas empresas.]

19. Essa contratação surgia mediante requisição por empresas de estiva, por um período de tempo de trabalho previamente definido, habitualmente de 7 e 8 horas, ou por meios períodos de 3 e 4 horas (08/12H; 13/17H; 21/24H; 00/03H;).

20. Para que o Autor fosse trabalhar, teria este de ter manifestado previamente a sua disponibilidade para ser contratado naquele dia afim de ser cedido à empresa de estiva (por norma a 2.ª Ré) para o exercício das funções de Trabalhador Portuário de Base em períodos concretos, de acordo com as necessidades das empresas de estiva, estas sempre dependentes da flutuação irregular da atividade portuária, verificada de forma intermitente, durante dias ou partes do dia.

21. A frequência da requisição do Autor pela 1.ª Ré era variável, dependendo das flutuações da atividade portuária e da própria disponibilidade do Autor para prestar o seu trabalho naquelas datas, previamente manifestada por este, situação que o Autor sabia e aceitava.

22. Mesmo na eventualidade da empresa de estiva (2.ª Ré) tivesse necessidade de mão de obra para a realização de tarefas de movimentação de cargas na área portuária do Porto de Aveiro e em consequência tivesse requisitado à 1.ª Ré a satisfação dessa mão de obra, não existia qualquer garantia para o Autor que fosse chamado pela 1.ª Ré, pois é a 1.ª Ré que escolhe os trabalhadores a contratar para a sua cedência à empresa de estiva, a partir de um conjunto de trabalhadores que manifestaram a sua disponibilidade para prestar o seu trabalho naquele dia/data.

23. O trabalho do Autor era prestado nos locais (navios, armazéns, terraplenos, etc.) da área portuária que lhe eram indicados pelas empresas de estiva (2.ª Ré), normalmente no Porto de Aveiro.

24. O horário de trabalho (período de trabalho) do Autor era definido aquando da celebração de cada um dos contratos de trabalho temporário portuário, e correspondia aos períodos de trabalho para os quais a disponibilidade do Autor e de outros trabalhadores era requisitada pelas empresas de estiva (normalmente 2.ª Ré).

25. A 1.ª Ré celebrou com o Autor contratos de trabalho temporários diários e sucessivos juntos como Doc. 4 da petição inicial e 1 a 461 da contestação, cujo teor se reproduz, nos termos dos quais prestaria a sua atividade a empresas de estiva, normalmente a 2.ª Ré, colocando no contrato cargas e descargas de navios, e identificando o navio onde o Autor ia desempenhar as suas funções, o dia e hora de início do trabalho, e a função.

[25. Em momento não concretamente apurado, posterior ao início da atividade pelo Autor, a 1.ª Ré impôs ao Autor a assinatura de contratos de trabalho temporário diários e sucessivos, nos termos dos quais prestaria a sua atividade a empresas de estiva, normalmente a 2.ª Ré, colocando no contrato cargas e descargas de navios, e identificando o navio onde o Autor ia desempenhar as suas funções, o dia e hora de início do trabalho, e a função.]

26. Os contratos de trabalho celebrados entre a 1.ª Ré e o Autor dizem respeito às requisições feitas pela 2.ª Ré à 1.ª Ré desde de março de 2016 a 30 junho de 2018, as quais eram feitas para um determinado dia.

27. Foi no âmbito do Acordo de prioridade e da respetiva adenda, e do acordo de empresa, que Autor e a 1.ª Ré celebraram os contratos.

28. Eliminado.

[28. Os navios indicados nos contratos diários nem sempre correspondiam àqueles em que o Autor prestava trabalho.]

29. A Ré comunicava à Segurança Social a caducidade de cada contrato celebrado.

30. Era a 1.ª Ré quem detinha o poder disciplinar sobre o Autor.

31. O trabalho prestado pelo Autor estava condicionado às ordens e direção da empresa de estiva (normalmente 2.ª Ré) - empresa utilizadora -, sendo a esta e aos seus representantes que o Autor devia obediência em tudo o que respeitasse à execução do trabalho.

32. Era à empresa de estiva (normalmente 2.ª Ré) - enquanto empresa utilizadora - que competia dirigir e coordenar todas as funções e tarefas que integram as operações de carga e descarga realizadas pelos trabalhadores.

33. A 1.ª Ré pagava a remuneração ao Autor mensalmente, em função do número de períodos de trabalho no qual o Autor tinha trabalhado naquele mês.

34. O valor da retribuição de cada um dos períodos de trabalho encontrava-se definido quer no acordo de empresa quer no acordo de prioridade de contratação.

35. A retribuição a pagar ao trabalhador pelo trabalho prestado tinha variáveis: se o trabalhador atingisse num determinado mês 12 e 19 períodos de trabalho, o valor pago ao trabalhador sofria alterações.

36. O Autor normalmente trabalhava o número de horas correspondente ao período de trabalho para o qual era contratado pela 1.ª Ré, e se por qualquer motivo, lhe fosse solicitado para executar trabalho para além do período para o qual tinha sido contratado ou em dia de descanso compensatório, esse período suplementar era pago ao Autor nos termos constantes quer do Acordo de Empresa quer do Acordo de Prioridade de contratação - que preveem este tipo de situação.

37. Eliminado.

[37. A 1.ª Ré não tinha uma necessidade temporária, mas sim perfeitamente contínua e continuada, sendo essa a sua atividade habitual, à data e atualmente.]

38. Eliminado.

[38. No recibo de vencimento do Autor, vem reconhecida a sua antiguidade por referência a 01 de março de 2016.]

39. Além das cargas e descargas, quando o navio para o qual tinha sido contratado não chegava a entrar no porto, o Autor fazia manutenções externas.

[39. Além das cargas e descargas, o Autor também prestava pontualmente, entre outros, trabalho de limpeza, serviços de mecânica, reparações, manutenções externas. ]

40. Por missiva datada de 04/04/2022, a 1.ª Ré comunicou ao Autor ter tomado a seguinte decisão «não mais proceder à sua requisição diária para prestar trabalho na nossa empresa», invocando um comportamento «inadequado e chantagista» do Autor.

41. A decisão referida no facto precedente não foi antecedida por procedimento disciplinar.

42. A Ré pagou ao Autor:

a. a título de subsídio de férias referente ao ano de 2022, o montante de € 1.359.15;

b. a título de férias não gozadas referentes ao ano de 2022, o valor de € 1.359.15, de forma antecipada aquando do pagamento do mês de janeiro de 2022, antecipação que fez desde 2016.

c. a título de subsídio de natal referente ao ano de 2021, a 1.ª Ré pagou ao Autor em Novembro de 2021, o montante de € 1.359.15. [alínea aditada e que antes era o facto não provado gg)]»

B – FACTOS NÃO PROVADOS PELAS INSTÂNCIAS

«E foi considerado não provado o seguinte:

«a) As Rés têm participações sociais distintas.

b) As Rés são uma só entidade, com a mesma estrutura e hierarquia.

c) A 1.ª Ré iniciou a sua atividade em março de 2016, data em que obteve o licenciamento para o exercício da sua atividade.

d) No dia 01 de março de 2016, o Autor e a 1.ª Ré acordaram verbalmente que o Autor desempenharia para a Ré as funções de trabalhador portuário de base, num horário de 8 horas diárias, sendo 40 horas semanais, mediante o pagamento base de € 1.300,00 por mês.

e) O primeiro contrato assinado entre o autor e a 1.ª ré teve início às 08.00H e termino às 17.00 H do dia 01 de março de 2016.

f) Todos os dias o Autor entrava às 8h da manhã e saía de madrugada ou quando o deixavam, sem qualquer remuneração extraordinária, por esse período e sem qualquer descanso.

g) O Autor trabalhava incessantemente horas e horas, sem descanso compensatório, muitas vezes sem intervalos entre jornadas laborais, num verdadeiro inferno.

h) Se o trabalhador atingisse num determinado mês 12 e 19 períodos de trabalho o valor pago ao trabalhador sofria alterações, sendo que, em 2022, último ano em que o autor foi contratado pela 1.ª Ré:

a. Se o Autor trabalhasse até 12 períodos num mês o valor que este iria receber por cada período era de trabalho era de 86.15 €;

b. Se o trabalhador trabalhasse entre 12 a 18 períodos num mês o valor que este iria receber por cada período era de trabalho era de 75.38 €;

c. Se trabalhasse mais de 18 períodos num mês o valor que este iria receber por cada período era de trabalho era de 67.31 €.

i) O Autor sempre trabalhou para ambas as Rés.

j) Os navios indicados nos contratos diários eram aleatórios, muitos dos quais o trabalhador nunca ouviu falar.

k) Os contratos foram sempre executados nos períodos (horário de trabalho) específicos e constantes nos referidos contratos.

l) O trabalhador prestava sempre o seu trabalho igual, de forma normal e contínua.

m) A 1.ª Ré realizava um pagamento arbitrário de trabalho prestado além do horário normal que não correspondia sequer a 25% do trabalhado extra efetivamente prestado, e nem quando era prestado, isto é, noturno, ao fim-de-semana e feriados.

n) A 1.ª Ré nunca disponibilizava, apesar de o trabalhador pedir insistentemente, o registo das horas efetivamente prestadas pelo trabalhador.

o) A formação era dada ao Autor e aos restantes trabalhadores no contexto de trabalho e durante a própria execução dos mesmos.

p) Quando terminou o último dos contratos assinados, o Autor continuou a prestar a sua atividade de forma habitual, sem qualquer documento que a titulasse.

q) Os factos invocados pela 1.ª Ré para cessar o contrato são falsos e causaram ao Autor perturbações emocionais, sociais e psicológicas, imputando-lhe um comportamento «inadequado e chantagista», que o Autor não teve.

r) O Autor viveu e vive ainda momentos de profunda depressão e terrível angústia, em resultado do seu despedimento, sentindo-se envergonhado, vexado, humilhado, sendo acompanhado por uma constante tristeza.

s) O Autor não consegue dormir e não tem vontade de sair e fazer vida social, sentindo-se inútil e encontrando-se profundamente sem ânimo.

t) O Autor não se sente com capacidade relacional, tem dificuldades em estar com pessoas e sente-se mal.

u) O Autor é visto como uma pessoa que se portou mal na empresa, tendo ficado devastado e tendo a sua imagem, bom nome e credibilidade sido gravemente afetadas, de forma irreparável.

v) O Autor sofreu uma enorme tristeza, angustia e graves crises de ansiedade.

w) O Autor foi apodado de mau trabalhador e é considerado uma pessoa de má índole.

x) O Autor é considerado uma pessoa sem escrúpulos, na sua família e comunidade, em virtude da forma como foi despedido e das afirmações difamatórias e insultos dos quais nem se pôde defender nem exercer o seu legítimo e democrático direito ao contraditório.

y) O trabalho suplementar prestado e não pago determinou que o Autor ficasse psicologicamente e emocionalmente abalado, debilitado e sofrido.

z) O Autor era obrigado a realizar trabalho além do seu horário, sendo as ordens de trabalho sempre dadas "aos berros", com constantes ameaças e sempre afirmando que se não fizesse era despedido e deixava de ter dinheiro para sustentar a sua família e por "pão na mesa".

aa) A inconstância de trabalho, com sucessivos contratos de trabalho fraudulentos que o trabalhador era obrigado a assinar, determinou um constante sobressalto e instabilidade, que afetou psicologicamente e emocionalmente o trabalhador, de forma séria e muito grave, marcante para a sua vida.

bb) A Ré afirmou que quem fosse testemunhar a favor do trabalhador ia também ser despedido.

cc) A Ré todos os dias dizia ao Autor «Se não ficares até à meia-noite, depois queixa-te que não tens trabalho» e que se não trabalhasse ao fim-de-semana e feriados, seria imediatamente despedido e ficaria sem sustento.

dd) Em momento algum, desde março de 2016, o Autor procedeu a uma qualquer interpelação junto de qualquer uma das Rés de que estaria em falta o pagamento de um qualquer valor a título de trabalho extraordinário/noturno/ou em dia de descanso complementar ou obrigatório que aquele tenha realizado e não lhe tenha sido pago.

ee) O Autor era daqueles trabalhadores, que com alguma regularidade, logo que atingisse os 18 períodos de trabalho num mês, manifestava de imediato a sua indisponibilidade para ser requisitado para prestar o seu trabalho nos restantes dias do mês.

ff) Agindo dessa maneira, o Autor evitava a redução do valor/período para o escalão de valor de remuneração mais baixo.

gg) Eliminado [atual alínea c) do Ponto 42]

hh) [A Associação do Trabalho Portuário (ETP) de Aveiro é associada do Sindicato dos Trabalhadores do Porto de Aveiro. – ANTERIOR PONTO 16] »


*


III – OS FACTOS E O DIREITO

17. É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 679.º, 639.º e 635.º, n.º 4, todos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).


*


A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

18. Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos autos dos quais depende o presente recurso de revista, atendendo à circunstância da instância da ação declarativa com processo comum laboral ter sido intentada no dia 21/03/2023, com a apresentação, pelo Autor da sua Petição Inicial, ou seja, já muito depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.

Tal ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Revista.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.

Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos recursórios terem ocorrido na vigência do Código de Trabalho de 2009, que, como se sabe, entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime dele decorrente que aqui irá ser chamado à colação em função da factualidade a considerar e consoante as normas que se revelarem necessárias à apreciação e julgamento do objeto do presente recurso de Revista, tudo sem prejuízo da legislação especial aplicável à atividade portuária e à respetiva contratação subordinada de trabalhadores aplicável à relação laboral dos autos [Regime Jurídico do Trabalho Portuário, publicado pelo Decreto-Lei n.º 280/93, de 13 de Agosto, objeto da Declaração de Retificação n.º 202/93 de 30/10/1993 e alterado, aditado e parcialmente revogado pela Lei n.º 3/2013, de 14/01/2013, que procedeu à republicação do texto legislativo].

B – OBJETO DA PRESENTE REVISTA

19. Neste recurso de Revista está em causa decidir as seguintes questões:

1. Se o Tribunal da Relação podia ter alterado oficiosamente a matéria de facto por ser genérica, conclusiva ou conter matéria de direito [1];

2. Se o Tribunal da Relação podia ter alterado os pontos 18 e 25 dos factos assentes;

3. Se a partir de 1.03.2016 vigorou entre as partes um contrato de trabalho sem termo;

4. Se os contratos de trabalho temporário são nulos devido à pré-existência de um contrato de trabalho sem termo e à falsidade do motivo neles aposto;

5. Se os contratos de trabalho diários sucessivos excederam o limite de 120 dias por ano previstos no artigo 7.º, n.º 1 do Regime Jurídico do Trabalho Portuário;

6. Se o acórdão recorrido violou os artigos 3.º, n.º 2, 13.º e 20.º, n.º 1 da Constituição;

7. Se o Autor foi despedido ilicitamente [2]

8. O valor a que o Autor tem direito a título de crédito de horas de formação não ministrada.

C – QUESTÃO PRÉVIA – SUCUMBÊNCIA E ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

20. A Ré, nas primeiras conclusões das suas contra-alegações vem suscitar a seguinte questão prévia:

«[I – DO OBJECTO E DA (IN) ADMISSIBILIDADE DO RECURSO]

A. Não tendo recorrido da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância – tendo apenas impugnado a decisão a ora Recorrida –, conformou-se o Autor (agora Recorrente) com a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, pelo que transitou em julgado a improcedência do peticionado pelo Autor sob as alíneas b) e c) do seu pedido (parte relativa às importâncias reclamadas a título de trabalho suplementar e de danos não patrimoniais), sendo, relativamente a essas pretensões, a sucumbência do Autor/Recorrente no pedido de € 52.683,04 (€ 27.683,04 + € 25.000,00), sendo que o pedido inicial do Autor na sua douta p.i., foi por este fixado em € 57.380.00.

B. A impugnação da Recorrida (recorrendo para o Tribunal da Relação) da decisão proferida pelo Douto Tribunal de 1.ª Instância, incidiu sobre:

a) Diversos pontos da decisão proferida sobre a matéria de facto, pedindo a respectiva alteração;

b) O reconhecimento da existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre as partes (parte inicial do dispositivo da sentença), pedindo que se reconhecesse, antes, que as relações laborais estabelecidas entre as partes se onsubstanciaram em contratos de trabalho temporário portuário, de natureza eventual, dependente dos fluxos da actividade portuária;

c) A declaração da ilicitude do despedimento do autor (alínea a) do dispositivo da sentença);

d) Condenação da 1.ª Ré, ora Recorrida, no pagamento de valores a título de indemnização por despedimento ilícito (€ 17.550,00) – alínea b) – i. do dipositivo da sentença – e de retribuições intercalares (tendo sido liquidados, com referência à data da sentença, €33.681,70, já deduzidos os montantes devidos pelo autor no âmbito do pedido reconvencional) – alínea b)–ii. do dipositivo da sentença –, pedindo a respectiva revogação;

e) – Do cálculo do valor hora da formação e respectiva condenação, pedindo a ora redução para € 900,00 do valor devido a título de horas de formação não ministradas (alínea b)–iii. do dipositivo da sentença);

f) – A condenação no pagamento de €1.300,00 a título de subsídio de Natal de 2021, pedindo igualmente a sua revogação (alínea b)–iv. do dipositivo da sentença).

C. Na apreciação do Recurso interposto pela aqui Recorrida, os Venerandos Desembargadores do Tribunal Relação do Porto vieram a proferir o Douto Acórdão recorrido, no seguinte sentido:

« … Por todo o exposto, acordam os juízes desta secção social:

a) alterar oficiosamente a decisão da matéria de facto, eliminando-se a 1.ª parte do ponto 25. e os pontos 28., 37. e 38. dos factos provados;

b) julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pela recorrente, eliminando os pontos 16. dos factos provados e gg) dos factos não provados, alterando a redação dos pontos 18., 25. e 39. dos facos provados e aditando a alínea c) ao ponto 42, nos termos exarados supra.

c) julgar o recurso procedente, revogando as alíneas a), b) i., ii. e iv do dispositivo da sentença, absolvendo-se a recorrente dos correspondentes pedidos e revogando parcialmente a alínea b) iii. do dispositivo, condenando a recorrente a pagar ao autor a quantia de € 900,00 (novecentos euros) a título de crédito de horas de formação não ministrada, absolvendo-se a recorrente da parte restante;

d) alterar a decisão relativa à responsabilidade pelas custas na 1.ª instância, condenando o autor e a 1.ª Ré na proporção dos respetivos decaimentos, que se fixam respetivamente em 98,43% e 1,56%.

d) condenar o autor/recorrido nas custas do recurso. ».

D. De acordo com as normas conjugadas dos artigos 635.º, n.ºs 3 a 5, e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, e conforme a posição quer da doutrina quer da jurisprudência, são as conclusões apresentadas pelo Recorrente que delimitam o objeto do recurso, não podendo o Tribunal “ad quem” conhecer de questão que delas não conste.

E. As questões identificadas no douto acórdão recorrido como questões a decidir (às quais, de resto, o Recorrente se refere discriminadamente no ponto 8.º das suas alegações) foram as seguintes (cfr. págs. 48/49 do douto acórdão):

«1- Impugnação da decisão da matéria de facto;

2 - Se entre o Autor e a 1.ª Ré foi celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado;

3 - Se contrato se mantinha em 04/04/2022;

4 - Se o Autor foi despedido ilicitamente;

5 - Exceção do abuso de direito;

6 - Caso se conclua que o Autor foi despedido ilicitamente determinar o valor das retribuições intercalares vencidas até à prolação da sentença.

7 - Valor do crédito relativo às horas de formação não ministrada;

8 - Se o subsídio de Natal reclamado pelo autor já foi pago».

F. As conclusões apresentadas pelo Autor/Recorrente versam exclusivamente sobre as seguintes questões:

a) existência ou não do contrato de trabalho por tempo indeterminado com a aqui recorrida;

b) validade dos contratos sucessivos de trabalho celebrados entre o Autor/ Recorrente e a Recorrida;

c) valor do crédito relativo às horas de formação não ministrada.

G. O Autor/Recorrente, tendo delimitado a matéria do recurso àquelas duas questões, não extrai nem retira delas, nem na sua alegação nem nas conclusões do recurso, qualquer consequência, e, estando o objecto de recurso delimitado pelas próprias conclusões apresentadas pelo Autor/Recorrente àquelas questões, a parte impugnada da decisão recorrida está limitada a essas mesmas questões.

H. Assim sendo, e não relevando, para efeitos de recurso de revista, a sucumbência ocorrida na parte não impugnada – e considerando que a admissibilidade de recurso independentemente do valor da sucumbência, nas hipóteses a que se refere a alínea a) do art.º 79.º do CPT, apenas é garantida relativamente aos recursos para a Relação –, entende a Recorrida, salvo o devido respeito, que o presente recurso de Revista não deverá ser admitido, por falta de verificação do requisito da sucumbência (cfr. art.º 629.º-1 do CPC).»

O relator do presente recurso de revista teve oportunidade de se pronunciar sobre tal questão da existência ou não de sucumbência no caso concreto dos autos, tendo-o feito nos seguintes moldes:

«No que respeita ao valor da sucumbência sofrido pelo Autor, importará ter na devida consideração a circunstância da sentença da 1.ª instância - que foi revogada, no que toca à declaração da ilicitude do despedimento do recorrente e dos seus efeitos jurídicos -, pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ter quantificado, ainda que provisoriamente, por referência à data da sua proferição, as importâncias pecuniárias respeitantes à indemnização em substituição da antiguidade e às retribuições intercalares, conforme resulta da sua parte decisória, que aqui se reproduz [sublinhados a negrito da nossa responsabilidade]:

«Em face do exposto, julga-se a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e o pedido reconvencional parcialmente procedente, e, em consequência, reconhecendo-se a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre as partes:

a) Declara-se a ilicitude do despedimento do Autor, levado a cabo pela 1.ª Ré,

b) Condena-se a 1.ª Ré no pagamento ao Autor:

i. de uma indemnização em lugar da reintegração, pelo despedimento ilícito, na proporção de 45 dias por cada ano de antiguidade, até ao trânsito em julgado da decisão, a liquidar em incidente de liquidação de sentença, e que à data da presente decisão se cifra em € 17.550,00 (dezassete mil quinhentos e cinquenta euros;

ii. das retribuições que este tenha deixado de auferir desde o despedimento ilícito até ao trânsito em julgado da decisão, deduzidas dos valores que recebeu e vier a receber, nos termos do artigo 390.º, n.º 2, al. c) do Código do Trabalho, e cuja quantificação se relega para incidente de liquidação de sentença, mas que à presente data se cifram em € 33.681,70 (trinta e três mil seiscentos e oitenta e um euros e setenta cêntimos), já deduzidos os montantes devidos pelo autor à ré, no âmbito do pedido reconvencional (ao abrigo do disposto no artigo 390.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho);

iii. da quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros) a título de crédito de horas de formação não ministrada;

iv. da quantia de € 1.300,00 (mil e trezentos euros), a título de subsídio de Natal de 2021;

v. dos juros de mora, vencidos, desde a data de vencimento de cada um dos créditos, e vincendos, à taxa supletiva legal em vigor de 4% ao ano, nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se a 1.ª Ré do demais peticionado.

c) Absolve-se a 2.ª Ré dos pedidos.

Custas processuais a cargo de Autor e 1.ª Ré, na proporção de 65,06% e de 34,94%, respetivamente.

Registe e notifique.»


*


O recurso ordinário de revista interposto nos termos dos números 1 dos artigos 629.º e 671.º do NCPC, foi-o em prazo, por quem tem legitimidade, em processo com valor superior à alçada do tribunal da relação e por referência a acórdão que é recorrível, por ter decidido de mérito o litígio fulcral dos autos [despedimento do Autor e correspondente créditos laborais], se traduzir, no que concerne ao recorrente, numa sucumbência superior a 15.000,00 € e não estar, por referência à questão suscitada neste recurso [a ilicitude do despedimento com invocação de justa causa e respetivas consequências jurídicas], numa situação de dupla conforme com a sentença da 1.ª instância [número 3 do artigo 671.º do CPC/2013] [1], tendo sido o mesmo, nessa medida, corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.»

Ora, do confronto entre o alegado pela Recorrida nas suas contra-alegações, do afirmado no despacho judicial do relator e das questões suscitadas pelo Autor no âmbito deste recurso de Revista e que se acham acima enumeradas – nelas se mostrando levantadas as respeitantes à ilicitude do despedimento e aos efeitos jurídicos da mesma – indemnização de antiguidade e compensação -, ainda que de uma forma meramente implícita mas decorrente claramente do pedido final que arremata as conclusões recursórsias desta Revista.

Lê-se aí, com efeito, o seguinte: «NESTES TERMOS E MELHORES DE DIREITO, que os Sábios Conselheiros doutamente suprirão, deverá o presente recurso proceder - por provado, mantendo-se a doutíssima decisão proferida pela 1.ª Instância e revogando-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, como muito respeitosamente se requer, para e com os necessários e advindos efeitos legais.»

Logo, pretendendo o Autor a repristinação da decisão do Juízo do Trabalho de Aveiro, com a declaração da ilicitude do alegado despedimento de que foi alvo e a inerente condenação no pagamento pela 1.ª Ré da indemnização em substituição da reintegração e das retribuições intercalares, que aí foram provisoriamente quantificadas [artigos 389.º, 391.º e 390.º do CT/2009] e nunca se podendo falar no trânsito em julgado, quer de tal sentença, quer do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto quanto a essas matérias, é manifesto que a sucumbência sofrida pelo recorrente relativamente ao julgamento feito pela 2.ª instância do objeto do recurso de Apelação é superior a 15.000,00 € [metade da alçada do tribunal da relação].

Importa também realçar que o valor da ação e a sucumbência exigida pelo artigo 629.º, número 1 do CPC/2013 não se confundem nem a segunda decorre necessária e inevitavelmente do primeiro.

Nessa medida, mostram-se verificados todos os requisitos legalmente exigidos para a admissão do presnete recurso de Revista.

D – CONTRATOS DE TRABALHO DIÁRIOS SUCESSIVOS QUE EXCEDERAM O LIMITE DE 120 DIAS POR ANO

21. Por uma questão de economia e celeridade processuais, iremos abordar desde logo esta problemática – contratos diários por um período anual superior a 120 dias - que é suscitada pelo Autor no seu recurso de revista.

A Recorrida, quanto a tal questão, sustenta o seguinte nas suas contra-alegações:

«24. Desde logo, ao invocar a alegada violação da norma do art. 7.º, n.º 1, do RJTP, por alegadamente ter sido excedido o limite de 120 dias por ano aí previsto, o Recorrente levanta ex novo essa questão.

25. Ora, como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2006, Proc.º n.º 156/12.0TTCSC.L1.S1, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na nossa Jurisprudência, «não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, podendo ver-se, neste sentido, os acórdãos do S.T.J. de 1.12.1998, in BMJ n.º 482/150; 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156; e os acórdãos de 24/2/2015, processo n.º 1866/11.4TTPRT.P1.S1, e de 14/5/2015, 2428/09.1TTLSB.L1.S1 desta Secção Social.».

26. Por isso, e quanto à questão suscitada pelo Recorrente, não sendo de conhecimento oficioso, não pode o Supremo Tribunal de Justiça emitir um qualquer juízo de reavaliação ou reexame.

27. Assim sendo, constituindo esta matéria suscitada pelo Recorrente na motivação/conclusões do recurso, inquestionavelmente, questão nova, nos termos acima caracterizados – a qual, não tendo sido discutida nas instâncias, não foi apreciada na decisão recorrida –, não pode a mesma ser objecto da reapreciação à qual se dirige a revista, não podendo, consequentemente, conhecer-se dela enquanto objecto do presente recurso.»

O Autor nada disse quanto a tal objeção levantada pela 1.ª Ré, apesar de ter sido notificado das contra-alegações da recorrida.

Compulsadas a Petição Inicial bem como as contra-alegações de recurso de Apelação do Autor, tal facto e inerente consequência jurídica pecam pela sua ausência e reconduzem-se a matéria constitutiva de direitos do Autor, que não é de conhecimento oficioso nem pode ser suprida judicialmente.

Ora, por se tratar de uma questão nova, que nunca foi levantada perante as instâncias, em sede da Petição Inicial e das contra-alegações de recurso de Apelação [tornando-se despiciendo analisar se o podia fazer apenas nessa peça processual e perante o Tribunal da Realção do Porto], impedindo que as Rés tivessem a oportunidade de exercer, oportunamente o princípio do contraditório, assim como os respetivos tribunais judiciais pudessem apreciar e decidir a mesma, é manifesto que a sua análise e julgamento está vedada a este Supremo Tribunal de Justiça [STJ].

Logo, tal problemática não irá ser objeto de apreciação pelo STJ neste recurso de Revista.

E - SE O TRIBUNAL DA RELAÇÃO PODIA TER ALTERADO OS PONTOS 18. E 25. DOS FACTOS ASSENTES

22. Os Pontos 18. e 25. da Factualidade dada como Provada foram alterados pelo Tribunal da Relação do Porto, quer por força da sua intervenção oficiosa [eliminação, no Ponto 25., da expressão «a 1.ª Ré impôs ao Autor a assinatura de contratos de trabalho temporário diários e sucessivos» - cf. Ponto seguinte e reprodução da motivação do TRP para tal supressão], quer em resultado da apreciação e decisão da impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto formulada pela Ré no seio do seu recurso de Apelação.

Tais Pontos possuíam depois e antes da intervenção do tribunal da 2.ª instância a seguinte redação:

«18. A partir do dia 01 de março de 2016, a 1.ª Ré contratava o Autor e outros trabalhadores, para satisfazer a mão de obra necessária e requisitada de trabalhadores pelas empresas de estiva que operavam no Porto de Aveiro, tendo em vista a cedência temporária dessa mão de obra a essas empresas.

[18. A partir do dia 01 de março de 2016, a 1.ª Ré contratava verbalmente o Autor e outros trabalhadores, para satisfazer a mão de obra necessária e requisitada de trabalhadores pelas empresas de estiva que operavam no Porto de Aveiro, tendo em vista a cedência temporária dessa mão de obra a essas empresas.]

25. A 1.ª Ré celebrou com o Autor contratos de trabalho temporários diários e sucessivos juntos como Doc. 4 da petição inicial e 1 a 461 da contestação, cujo teor se reproduz, nos termos dos quais prestaria a sua atividade a empresas de estiva, normalmente a 2.ª Ré, colocando no contrato cargas e descargas de navios, e identificando o navio onde o Autor ia desempenhar as suas funções, o dia e hora de início do trabalho, e a função.

[25. Em momento não concretamente apurado, posterior ao início da atividade pelo Autor, a 1.ª Ré impôs ao Autor a assinatura de contratos de trabalho temporário diários e sucessivos, nos termos dos quais prestaria a sua atividade a empresas de estiva, normalmente a 2.ª Ré, colocando no contrato cargas e descargas de navios, e identificando o navio onde o Autor ia desempenhar as suas funções, o dia e hora de início do trabalho, e a função.]»

Ora, sendo estes os Pontos de Facto que o Autor entende que não podiam ser modificados pelo TRP, não obstante a impugnação por si promovida – e que visou os Pontos de Facto Provados 16., 18., 25., 28., 37., 38. e 39. e os factos não provados da Alínea gg) – interessa recordar aqui que o Supremo Tribunal de Justiça tem poderes muito limitados quanto ao julgamento de questões relacionadas com a factualidade dada como provada e não provada pelas instâncias, com os meios de prova produzidos e valorados pelas mesmas e com a sua relevância para a formação da convicção do julgador.

Os artigos 682.º, 683.º e número 3 do artigo 674.º do NCPC traçam os limites de tal apreciação, importando, para esse efeito, atentar na Motivação da Decisão da Matéria de Facto desenvolvida no Aresto recorrido para justificar as alterações introduzidas nos dois Pontos de Facto, de maneira a aferirmos se nos deparamos com qualquer uma das situações excecionais contempladas naqueles dispositivos legais.

Ora, da leitura dessa Motivação resulta que tais Pontos de Facto basearam-se, quer no plano do julgamento efetuado na 1.ª instância, como no plano daquele efetuado pelo TRP, no depoimento de testemunhas assim como na interpretação e avaliação de documentos particulares, o que significa a impossibilidade legal deste STJ poder interferir, apreciar o seu valor probatório e alterar, em consequência, o teor de tais Pontos de Facto.

Também não se ignora que o Autor, para contestar a forma como tais dois Pontos de Facto foram alterados pelo TRP, invoca contradições com outros Pontos de Facto [vertente que também pode ser aprecioada pelo STJ], mas não vislumbramos qualquer oposição de conteúdo, sentido e alcance entre, por exemplo, o Ponto 18. e outros que situam a disponibilidade ou o início da atividade do Autor para a 1.ª Ré em março de 2016 [designadamente em 21/3/2016, data do primeiro contrato escrioto junto aos autos] pois naquele Ponto 18. afirma-se apenas e em termos globais que, a partir de 1/3/2016 [o que se explica, face ao quadro de acordos que se mostra descrito nos Pontos 10., 11. 12. e 14., sendo este último de 29/2/2016] o Autor e outros trabalhadores passaram a ser contratados e cedidos à 2.ª Ré e outras empresas, nos moldes ali e noutros Pontos descritos, para a atividade de estiva.

Assinale-se, por ser também sintomático da falta de contradição entre Pontos de Facto, a circunstância de, não obstante o Autor ter impugnado os já aludidos Pontos de Facto Provados e um Não Provado, ter mantido intocados e incontestados outras alíneas relativas a Factos não Assentes que são desfavoráveis à tese defendida pelo Autor nos autos e pela qual este pugna nesta sede [3].

Logo, pelo conjunto de fundamentos deixados expostos, julga-se improcedente esta vertente do presente Recurso de Revista.

F - SE O TRIBUNAL DA RELAÇÃO PODIA TER ALTERADO OFICIOSAMENTE A MATÉRIA DE FACTO PROVADA [PONTOS 25., 28., 37. e 38.]

23. O Autor, em sede da Impugnação da Decisão da Matéria de Facto, começa por questionar os poderes oficiosos do Tribunal da Relação do Porto no que respeita à eliminação total ou parcial de alguns Pontos de Facto dados como provados pela 1.ª instância.

O Tribunal da Relação do Porto, para justificar juridicamente a supressão total dos Pontos 28., 37., 38. e parcial do 25., desenvolveu a seguinte argumentação:

«1.ª questão: impugnação da decisão da matéria de facto

Seguindo a ordem imposta pela precedência lógica (cfr. art.º 608.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), importa começar a apreciação do recurso pelas questões atinentes à matéria de facto.

Antes, contudo, de proceder à análise da pretensão da recorrente, importa proceder à alteração oficiosa da decisão e facto.

Com efeito, o Tribunal da Relação deve, mesmo oficiosamente, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se tal se impuser (art.º 662.º, n.º 1 do CPC), como é o caso de existir matéria de direito e/ou conclusiva a invadir a matéria de factos.

Na verdade, o comando normativo do art.º 607.º relativo à discriminação dos factos aplica-se, também, ao Tribunal da Relação, atento o disposto pelo art.º 663.º, n.º 2 do CPC, não podendo o acórdão que aprecie o recurso interposto fundar-se em afirmações meramente conclusivas ou que constituam descrições jurídicas.

São, pois, de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da decisão do litígio, ou seja, na expressão do Ac. do STJ de 09/12/2010 [4], que invadam o domínio de uma questão de direito essencial.

Como se escreve no Ac. RP de 08/02/2021[5], “sendo a matéria daqueles itens de natureza conclusiva e também de direito, a mesma é contrária à matéria estritamente factual que deve ser seleccionada para a fundamentação de facto da sentença, como explicitamente decorre do n.º 4 do art.º 607.º do CPC [note-se que a inclusão nos fundamentos de facto da sentença de matéria conclusiva (desde que não se reconduza a juízos periciais de facto) e/ou de direito enquadra-se na alínea c), do n.º 2, do artigo 662.º, do CPC, considerando-se uma deficiência na decisão da matéria de facto]”. E como se lê no Ac. RP de 23-11-2017 [6], com o qual concordamos, “a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídicoconclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante – art.º 607.º, n.º 4, NPCP”.

No caso concreto, constitui matéria ostensivamente conclusiva e de direito, que como tal deve ser expurgada da decisão, pelo menos, a seguinte:

- o segmento “a 1.ª Ré impôs ao Autor a assinatura de contratos de trabalho temporário diários e sucessivos” constante do ponto 25. dos factos provados, a qual, ao contrário do que seria imprescindível, não se mostra sustentada em qualquer atuação da 1.ª Ré, factualmente alegada ou descrita. De resto, na petição inicial o Autor limitou-se a alegar que «Já vinculado por contrato por tempo indeterminado a 1.ª Outorgante “obriga” o trabalhador a assinar uns contratos falsos…» e só nas contra-alegações, sendo como tal inatendível, veio esboçar uma tentativa de concretização, afirmando que «em momento posterior ao início da prestação de trabalho, os contratos passaram a ser enviados em envelopes contendo o nome de cada trabalhador e os respetivos contratos, para que fossem assinados» e que «Este procedimento, embora possa parecer formal, caracteriza-se por uma imposição indireta, uma vez que os trabalhadores não tinham margem para contestar ou para rejeitar a assinatura dos contratos que lhes eram entregues de forma repetitiva e padronizada. O envio dos contratos em envelopes prontos para serem assinados, sem qualquer intervenção dos trabalhadores, demonstra uma conduta de imposição por parte da 1.ª Ré, que os colocava perante uma situação de "aceitação forçada".

- a matéria do ponto 28. dos factos provados cujo teor é: «Os navios indicados nos contratos diários nem sempre correspondiam àqueles em que o Autor prestava trabalho.».

Na verdade, a circunstância de correspondência não existir em todos os contratos não significa que não existisse nalguns deles, mas não foi concretizada nem uma nem outra das situações, tornando a afirmação desprovida de conteúdo fáctico. E a ausência de concretização, por um lado e a sua imprescindibilidade, por outro, são ainda mais evidentes na medida em que não foi dado como provado que os navios indicados nos contratos eram aleatórios [alínea j)], como o autor havia alegado. Por fim, nem sequer resulta da matéria de facto que, para além dos juntos aos autos, não tenham sido assinados outros contratos de trabalho portuário e a redação genérica do ponto 28. não permite sequer perceber se se refere ou não apenas aos contratos juntos.

- toda a matéria do ponto 37. dos factos provados, cujo teor é “A 1.ª Ré não tinha uma necessidade temporária, mas sim perfeitamente contínua e continuada sendo essa a sua atividade habitual, à data e atualmente”. Ora, discutindo-se nos autos, além do mais, a verificação das condições de celebração dos contratos de trabalho portuário temporários, é evidente que a afirmação contida no ponto 37. constitui não só matéria conclusiva, como matéria de direito.

- a matéria do ponto 38. dos factos provados, onde se escreveu «38. No recibo de vencimento do autor, vem reconhecida a sua antiguidade por referência a 01 de março de 206». – é evidente o lapso quanto à indicação do ano, referindo-se obviamente o tribunal ao ano de 2016.

Não se questiona que nos recibos de vencimento do Autor consta como data de admissão 1 de março de 2016, o que poderia ser considerado um facto instrumental com vista à determinação da data de admissão do Autor pela 1.ª Ré (sobre o qual nem é devido um juízo probatório de provado ou não provado [7]), mas que o tribunal “a quo” nem valorou, como resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto relativa ao facto provado 18. e ao facto não provado da alínea d).

Contudo, não deixando de ter natureza meramente instrumental, o que o tribunal considerou como provado, nem sequer foi isso, foi que nos recibos vem reconhecida a antiguidade do autor. Ora, o reconhecimento da antiguidade que foi dado como provado não constitui um facto, mas sim uma valoração jurídica do facto, motivo pelo qual deve ser eliminado do elenco dos factos provados.

Sempre se dirá que, sendo os recibos meros documentos particulares, sem força probatória especial, as declarações deles constantes só podem valer como reconhecimento dos factos neles contidos, na medida em que forem contrários aos interesses dos declarantes se estiverem assinados (arts. 373.º, n.º 1 e 376.º, ambos do Código Civil), o que não acontece no caso dos autos.

Nesta medida, decide-se alterar o ponto 25. dos factos provados, eliminando o segmento “a 1.ª Ré impôs ao Autor a assinatura de contrato de trabalho temporário diários e sucessivos”, conferindo a este ponto a redação final que adiante concretizaremos e eliminar os pontos 28., 37. e 38. dos factos provados.»

Os Pontos de Facto em causa – sendo que o Ponto 25. já se mostra antes transcrito, nas suas duas versões – possuíam a seguinte redação:

[28. Os navios indicados nos contratos diários nem sempre correspondiam àqueles em que o Autor prestava trabalho.]

[37. A 1.ª Ré não tinha uma necessidade temporária, mas sim perfeitamente contínua e continuada, sendo essa a sua atividade habitual, à data e atualmente.]

[38. No recibo de vencimento do Autor, vem reconhecida a sua antiguidade por referência a 01 de março de 2016.]

Interessa realçar aqui o seguinte: cabe dentro dos aludidos poderes do Supremo Tribunal de Justiça a apreciação crítica desta valoração efetuada pelo TRP acerca da natureza conclusiva ou jurídica dos factos descritos nos Pontos antes reproduzidos, face ao estatuído no número 3 do artigo 674.º do CPC/2013.

Importa também cruzar tais Pontos de Facto com os pedidos formulados pelo Autor e a correspondente factualidade alegada e que com eles tenham relação, por forma a pesar devidamente como correta e certeira ou não a argumentação utilizada pelo TRP para proceder à supressão dos referidos Pontos de Facto, total ou parcialmente.

O tribunal da 2.ª instância, ao contrário do afirmado pelo recorrente, não se baseia no regime do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho para proceder a tal supressão dos Pontos de Facto aqui em causa, mas radica-se antes na distinção entre matéria de facto e matéria de direito – e que, no quadro do anterior Código de Processo Civil de 1961, nos remetia para o número 4 do artigo 646.º, que considerava como não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e sobre factos que reclamassem uma prova qualificada ou tabelada ou que já estivessem dados como assentes -, dado o atual artigo 607.º do NCPC [como o anterior 659.º] reclamar da sentença uma dada estrutura lógica e sequancila, em que é feita claramente a distinção entre a fundamentação de facto e a fundamentação de direito, vindo a nossa jurisprudência a associar aos factos com teor jurídico aqueles com cariz conclusivo.

G – JURISPRUDÊNCIA RECENTE DESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

24. Antes de procedermos a tal análise, impõe-se dizer o óbvio: o Tribunal da Relação do Porto não se baseia - nem sequer alguma vez o afirmou na parte da Motivação antes transcrita - no regime adjetivo contido no artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho para justificar e fundar, do ponto de vista jurídico, a eliminação dos aludidos Pontos de Facto e, nessa sequência, torna-se quase inútil rebater e rejeitar essa afirmação do Autor recorrente.

Chegados aqui, há que convocar a mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça que tem abordado estas questões, como é o caso Acórdão tirado por unanimidade e relatado pelo Juiz-Conselheiro MÁRIO BELO MORGADO no dia 15/01/2025, na Revista n.º 2315/23.0T8PTM.E1.S1 e que se mostra publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:

«1. Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos (jurídicos) geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes.

2. O atual Código de Processo Civil consagra um modelo enformado pelos princípios da prevalência do fundo sobre a forma e do aproveitamento (sempre que possível) dos atos processuais, implícitos em vários dos demais princípios estruturantes do nosso paradigma processual civil, como é o caso do direito à tutela judicial efetiva (art. 20.º, da CRP), da confiança (corolário dos princípios da boa-fé e da lealdade processual), da adequação formal e da prevalência do fundo sobre a forma (v.g., arts. 6º, 146º, nº 2, 278º, nº 3, 411º e 547º, do CPC), sem olvidar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ínsitos na ideia de processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP, e 547º, do CPC), na sua dimensão de "processo justo" ("fair trial"; "due process").

3. Assiste-se, assim, a uma tendência para a superação do formalismo e rigidez que tradicionalmente dominavam as abordagens daquela problemática, com base, precisamente, na ideia de que não há uma exata separação entre a matéria de facto e a matéria de direito.

4. No contexto do conjunto da factualidade provada e das posições assumidas pelas partes nos articulados, afigura-se-nos que as formulações em discussão na revista, embora contendo algumas valorações, se encontram suficientemente concretizadas e contêm um substrato factual relevante, sendo certo que a apreensão do seu sentido global não suscita dificuldades significativas a um destinatário normal.

5. Tratando-se de elemento decisivo para a boa decisão da causa, na fixação dos factos provados e não provados impunha-se às instâncias – relativamente ao âmbito, teor e alcance dessa alegação – uma dimensão corporizadora (traduzida na concretização do adequado e indispensável conteúdo factual), mediante o uso dos amplos poderes-deveres colocados à disposição do tribunal no plano do julgamento de facto, seja, nos termos gerais, no respeitante à consideração de factos instrumentais, complementares e concretizadores [cfr. arts. 5º, nº 2, a) e b), e 602º, nº 1, in fine, do CPC], seja, inclusive, no tocante a factos essenciais, à luz do regime especial consagrado no art.º 72.º, do CPT.»

Pode ler-se na fundamentação jurídico desse Aresto, o seguinte:

«a) – Considerações prévias:

9. Como se sabe, a matéria de facto incluída na sentença “não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”, pelo que as questões de direito que constarem da seleção da matéria de facto devem considerar-se não escritas .

Deste modo, apesar de “afastada a rigidez na seleção estrita das questões de facto nos quesitos, não pode, o Juiz no novo modelo processual, ignorar a demarcação técnica entre questões de facto e de direito”, como tem sido sustentado pela jurisprudência, são de afastar − na sentença − expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, que invadam o domínio de uma questão de direito essencial.

Embora só acontecimentos ou factos concretos possam integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão (“o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstratos com que os descreve a norma legal, por que tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste” ), são ainda de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes.

Vale isto por dizer, também na expressão de Anselmo de Castro, que “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes”.

10. O atual Código de Processo Civil consagra um modelo enformado pelos princípios da prevalência do fundo sobre a forma e do aproveitamento (sempre que possível) dos atos processuais, implícitos em vários dos demais princípios estruturantes do nosso paradigma processual civil, como é o caso do direito à tutela judicial efetiva (art. 20.º, da CRP), da confiança (corolário dos princípios da boa-fé e da lealdade processual), da adequação formal e da prevalência do fundo sobre a forma (v.g., arts. 6º, 146º, nº 2, 278º, nº 3, 411º e 547º, do CPC), sem olvidar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ínsitos na ideia de processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP, e 547º, do CPC), na sua dimensão de "processo justo" ("fair trial"; "due process").

Compreende-se, pois, que se assista a uma tendência para a superação do formalismo e rigidez que tradicionalmente dominavam as abordagens da problemática em causa nos autos, com base, precisamente, na ideia de que não há uma exata separação entre a matéria de facto e a matéria de direito.

11. Sobre o uso de factos conclusivos no processo (embora não centrado no estrito contexto da sentença, se bem se compreende), escreveu expressivamente Miguel Teixeira de Sousa:

«Os factos jurídicos são factos com relevância jurídica, mas não são factos desprovidos de qualquer sentido empírico ou valorativo. A linguagem do direito não é "insípida", "inodora" e "incolor".

Era por isto que a exclusão do antigo questionário de factos sobre os quais recaía o anátema de serem "factos conclusivos" era inaceitável. Havia uma linguagem legal que era "proibida" nos tribunais.»

E ainda sobre o mesmo tema:

«[O]s chamados "factos conclusivos" não são mais que os factos que integram a previsão de uma regra jurídica, ou seja, os factos jurídicos; ora, se não for possível operar com os "factos conclusivos", está a negar-se a existência dos factos jurídicos e a impossibilitar o preenchimento da previsão de qualquer regra jurídica.

Dito de outro modo: o juiz do processo vai ter necessariamente de recorrer à figura dos "factos conclusivos", dado que em algum momento ele vai ter de verificar se a previsão de uma regra jurídica está preenchida ou não preenchida. Portanto, o que se impõe não é combater os "factos conclusivos", mas antes concluir que esses factos são inerentes à aplicação do direito a um caso concreto. Sem "factos conclusivos" não há a conclusão de nenhum processo.

(…)

Excluir da realidade processual os "factos conclusivos" é contrariar a solução que, de forma adequada, foi finalmente consagrada no regime processual civil português: a de que não há uma estrita separação entre a matéria de facto e a matéria de direito. Afinal, qualquer facto provado em processo só tem relevância se for um facto jurídico, ou seja, um (…) "facto conclusivo". Em direito, não há senão factos jurídicos, pelo que de duas, uma:

– Do facto que é provado em processo não se pode inferir nenhum facto jurídico, porque esse facto não é subsumível à previsão de nenhuma regra jurídica; esse facto é um facto juridicamente irrelevante e não justifica a aplicação de nenhuma regra jurídica;

– Do facto que é provado em processo pode inferir-se um facto jurídico, ou seja, um facto que é subsumível à previsão de uma regra jurídica; o tribunal pode aplicar esta regra, isto é, pode aplicar ao caso concreto a estatuição dessa regra.

Em suma: em vez de serem combatidos, os "factos conclusivos" devem ser vistos como algo inerente ao carácter inferencial da prova e ao preenchimento das previsões das regras jurídicas; a única coisa que se impõe fazer é substituir a equivocada expressão "factos conclusivos" pela correta expressão "factos jurídicos".»

12. Expressões tradicionalmente tidas por “conclusivas”, não se reconduzem, afinal, nalguns casos, a puros conceitos normativos, concluindo-se, antes, que determinados adjetivos, “se devidamente, interpretados, densificam e concretizam uma realidade de facto” (cfr. Ac. do STJ de 28.09.2017, Proc. n.º 659/12.6TVLSB.L1.S1, 7.ª Secção).

Do mesmo modo, determinados pontos da matéria de facto, “pese embora algum défice de densificação e concretização no plano factual, uma vez que não acolhem conceitos normativos de que dependa a solução do caso, no plano jurídico, e na medida em que contêm um inquestionável substrato factual, que deve ser interpretado em conexão com os restantes segmentos que integram o acervo factual provado, devem subsistir como factos materiais a considerar” (cfr. Ac. do STJ de 12.12.2017, 2211/15.5T8LRA.C2.S1, 4.ª Secção).

Conexamente, “não deve o Tribunal da Relação eliminar como conclusivos factos que contenham um substrato factual relevante, ainda que acompanhado de valorações” (Ac. do STJ de 19.05.2021, Proc. n.º 9109/16.8T8PRT.P2.S1, 4.ª Secção).

Noutro caso, embora se reiterando que a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de locuções genéricas ou conclusivas ou de valorações jurídicas e que “os enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam e a prevenir obscuridade, contradição ou incompletude”, afirma-se que “a linguística deixou, hoje, de ser confinada às suas duas dimensões primárias – a dimensão gramatical (lógico-sintática) e a dimensão semântica – para se alcandorar, agora, numa nova dimensão, que é a dimensão pragmática, a qual relaciona a linguística com os contextos vivenciais e com as estratégias comunicacionais”, bem como que “na formulação dos juízos probatórios, devem ser empregues enunciados que sejam portadores de um alcance semântico o mais consensual possível, no contexto relacional em causa, de forma a denotar a correspetiva substância factual, para além das formas meramente epidérmicas da expressão linguística”, não bastando assim “apelar ao mero significado linguístico ou etimológico de determinado vocábulo ou locução, de forma atomizada, mas antes considerar o seu alcance semântico e pragmático no contexto narrativo em que se encontrem inseridos”. E, dentro destes parâmetros, conclui-se que, nas circunstâncias do caso concreto, a expressão reportada à utilização de certa construção pelos A.A., como parte integrante de um imóvel, se afigurava “suficientemente representativa do seu domínio empírico sobre aquela construção, à luz do consenso social” (Ac. de 11.03.2021, Proc. nº 1205/18.3T8PVZ.P1.S1, 2.ª Secção).

Noutra perspetiva, “factos conclusivos traduzidos na consequência lógica retirada de outros factos uma vez que, ainda assim, constituem matéria de facto, devem permanecer na factualidade provada quando facilitem a apreensão e compreensão da realidade visando uma melhor adequação e ponderação de todas as circunstâncias na resolução do litígio” (Ac. de 13.10.2020, Proc. nº 2124/17.6T8VCT.G1.S1, 6.ª Secção).

E, especificamente quanto à interpretação do art.º 395.º, n.º 1, do CT, esta Secção Social já decidiu, por exemplo, que “[c]umpre a referida disposição legal a comunicação enviada pelo trabalhador ao empregador, na qual fez consignar que pretende a resolução imediata, com justa causa, do contrato de trabalho, por motivo de violação do direito de continuar a exercer efetivamente a atividade para a qual foi contratado, na medida em que indica de forma sucinta o fundamento da resolução, com recurso a uma expressão de base factual” (Ac. de 21.10.2018, Proc. nº 16066/16.9T8PRT.P1.S1).

13. Em linha com tudo o antes exposto, uma nota adicional se impõe, para sinalizar que a deficiência ou insuficiência dos factos descritos na petição inicial não implica necessariamente a improcedência da ação, ainda que estejam em causa factos essenciais, integrantes da causa de pedir.

Como se decidiu no Ac. de 11.09.2024, Proc. n.º 2695/23.8T8LSB.L1.S1, a propósito de determinado facto tido por conclusivo e com relevância determinante para a decisão do litígio:

Apesar da natureza conclusiva do ponto em questão, afigura-se-nos que os autores – embora deficientemente – cumpriram o seu ónus de alegação quanto à matéria aí contida em termos que processualmente não permitem desvalorizá-lo e, muito menos, ignorá-lo.

Na verdade, a petição inicial não foi julgada inepta e decorre da contestação que a ré interpretou perfeita e convenientemente aquele articulado (cfr. art. 186º, n.º 3), sendo certo que a conduta processual das partes deve ser compreendida e valorada à luz das exigências de cooperação, boa-fé e lealdade processual a que se encontram adstritos aquelas e, em geral, todos os intervenientes no processo (cfr. arts. 7.º e 8.º).

Por outro lado, e determinantemente, não podem olvidar-se os imperativos de aproveitamento dos atos processuais, princípio geral implícito em vários dos demais princípios estruturantes do nosso paradigma processual civil, como é o caso do direito à tutela judicial efetiva (art. 20.º, da CRP), da confiança (corolário dos princípios da boa-fé e da lealdade processual), da adequação formal e da prevalência do fundo sobre a forma (v.g., arts. 6º, 146º, nº 2, 278º, nº 3, 411º e 547.º), sem olvidar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ínsitos na ideia de processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP, e 547º, do CPC), na sua dimensão de "processo justo" ("fair trial"; "due process").

Tratando-se de elemento decisivo para a boa decisão da causa, na fixação dos factos provados e não provados impunha-se às instâncias – relativamente ao âmbito, teor e alcance da matéria contida no art.º 45.º da petição inicial – uma dimensão corporizadora (traduzida em adequado conteúdo factual), mediante o uso dos amplos poderes-deveres colocados à disposição do tribunal no plano do julgamento de facto, seja, nos termos gerais, no respeitante à consideração de factos instrumentais, complementares e concretizadores [cfr. arts. 5º, nº 2, a) e b), e 602.º, n.º 1, in fine, do CPC], seja, inclusive, no tocante a factos essenciais, à luz do regime especial consagrado no art.º 72.º, do CPT.

Vale por dizer que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, impondo-se, para o efeito, a remessa dos autos à Segunda Instância (art.º 682.º, n.º 3), isto sem prejuízo da possibilidade que a Relação sempre tem de determinar que na 1.ª Instância se proceda a novo (complementar) julgamento, se assim o entender necessário para a boa decisão da causa [art.º 662.º, n.º 2, c)].»

Também no Acórdão de 26/2/2025 deste mesmso Supremo Tribunal, Revista n.º 3477/23.2T8PTM.E1.S1, relatado pelo mesmo relator deste Acórdão, se discorre acerca da distinção processual e substantiva de tais realidades, nos seguintes moldes:

«Ora, cruzando esta argumentação jurídica, sustentada na doutrina e jurisprudência transcritas, com a situação vivida nos autos, há que dizer que a complexa e difícil distinção entre questão de facto e questão de direito [8]/[9] tem sido objeto de uma cotidiana abordagem por parte dos nossos tribunais e merecido a atenção da nossa doutrina, em todas as áreas do direito, na procura de uma precisa e objetiva determinação das respetivas fronteiras, assim como da densificação dos conceitos jurídicos envolvidos em tal apreciação.

Afigura-se-nos, no entanto, que se tem assistido, nestes dois planos que nos ocupam, a uma progressiva evolução na direção de um menor rigor conceitual e metedológico, quer ao nível de uma interpretação mais aberta e tolerante das regras vigentes, como da reeleitura e simplificação das fórmulas consagradas e da sua aplicação às realidades adjetivas duvidosas que se apresentam ao julgador.

Tal mudança de perspetiva resulta, aliás, da circunstância da aludida demarcação entre facto e direito não poder ser fixa, rígida, geométrica, traçada a regra e a esquadro, mas antes demandando, em termos da sua operacionalização, uma necessária, quando não inevitável, fluidez e flutuação, quer por força do objeto da ação em presença e da concreta posição das partes quanto aos factos que constituem a sua causa de pedir, como ainda em função da permanente existência de uma situação de vasos comunicantes entre os dois mundos [digamos assim].

Assiste-se, sem margem para dúvidas, a um cenário de apropriação e absorção pelo léxico e universo jurídico de um acervo constante de expressões e noções – predominantemente técnicas mas não só – e, na direção oposta, por parte da linguagem comum de muitos termos e noções jurídicas e do seu inerente significado que, não obstante não esgotar a sua dimensão e extensão, revela-se suficiente à compreensão pelo cidadão não jurista do seu sentido e alcance básico ou essencial.

Debruçando-nos agora sobre as conclusões de facto ou de direito que ressaltem da factualidade dada como assente ou não assente, o juízo positivo ou negativo que sobre elas incida e a consequente aceitação ou rejeição das mesmas varia também muito na razão da alegação e contraposição dos factos e razões de direito articuladas, respetivamente, pelas partes, verificando-se cenários processuais em que se pode dar, sem hesitação, como assente a celebração de um contrato de trabalho entre Autor e Ré, utilizando, para o efeito, as expressões legais constantes do artigo 10.º do CT/2009 ou equivalentes, dado haver acordo quanto à sua existência material e jurídica, postura que já não poderá ser adotada, naturalmente, em situações em que autor e réu estiverem irredutivelmente distanciados quanto à natureza jurídico do vínculo profissional que os ligou ou ainda liga.

Também aqui, no que toca à natureza conclusiva admissível ou inadmissível dos factos provados e não provados, há que perguntar igualmente por onde passa a linha definidora de tal licitude adjetiva, pois, de um ponto de vista rigoroso e extremista, tudo pode ser, afinal, conclusivo e reclamar, para não o ser, a sua decomposição ou desdobramento até aos vários elementos primários que constituem o inerente facto complexo, de forma a se proceder à sua questionação e resposta na ação ou, ao invés, numa outra visão mais maleável e casuística e, para nós, mais afeiçoada às realidades da vida e do processo, só quando os contornos particulares e específicos do pleito que estiver a ser julgado entrarem em conflito com tais factos, pelo seu próprio conteúdo global, natureza final e confusão com as soluções jurídicas procuradas nos autos, é que os mesmos deverão ser excluídos.

Finalmente – ainda que sem pretensão de se esgotar as vertentes em que estas questões sõs suscetíveis de surgir – interessa atentar na circunstância de que, com frequência, os factos jurídicos ou conclusivos não se configuram unicamente como tal mas, em muitas ocasiões, redundam numa mistura de factos genuínos, afirmações jurídicas e conclusões, que, de acordo com o contexto concreto em que acontecem e se inserem, merecem abordagens muito distintas do juiz, com a sua aceitação total ou parcial ou com a sua reformulação, até onde a sua alegação e/ou prova permitir.

Logo, face às diversas facetas que as temáticas da questão de facto, da questão de direito e dos factos conclusivos podem assumir, não é defensável da parte do julgador, nestas matérias, uma abordagem algo mecanicista, amarrada, em demasia, a uma visão de princípio, de sentido único, unívoco e inequívoco, que imponha, como regra, uma solução semelhante para situações que, adjetivamente, quer em termos factuais como jurídicos, não são iguais.»

H – SUPRESSÃO DOS PONTOS DE FACTO 25., 28., 37.º E 38.

25. Chegados aqui, importa recordar, desde logo, o conteúdo dos Pontos de Facto parcial ou totalmente eliminados, oficiosamente, pelo Tribunal da Relação do Porto:

Eliminação, no Ponto 25., da expressão «a 1.ª Ré impôs ao Autor a assinatura de contratos de trabalho temporário diários e sucessivos», sendo o texto orginal do memso o seguinte: [25. Em momento não concretamente apurado, posterior ao início da atividade pelo Autor, a 1.ª Ré impôs ao Autor a assinatura de contratos de trabalho temporário diários e sucessivos, nos termos dos quais prestaria a sua atividade a empresas de estiva, normalmente a 2.ª Ré, colocando no contrato cargas e descargas de navios, e identificando o navio onde o Autor ia desempenhar as suas funções, o dia e hora de início do trabalho, e a função.]

[28. Os navios indicados nos contratos diários nem sempre correspondiam àqueles em que o Autor prestava trabalho.]

[37. A 1.ª Ré não tinha uma necessidade temporária, mas sim perfeitamente contínua e continuada, sendo essa a sua atividade habitual, à data e atualmente.]

[38. No recibo de vencimento do Autor, vem reconhecida a sua antiguidade por referência a 01 de março de 2016.]

Diremos, quanto ao Ponto 25., que a supressão efetuada se justifica plenamente no que concerne à utilização da expressão «impôs» que contém, nitida e escusadamente, um juízo de valor negativo e desfavorável
à Recorrida quanto à forma como o Autor era contratado pela 1.ª Ré que, no fundo e na ausência de outros factos que enquadrassem, corporizassem e secundassem tal afirmação genérica, se reconduz a uma conclusão que só poderia ser extraída em sede de fundamentação de direito e face a um conjunto de factos que o concretizassem.

Seria talvez dispensável englobar em tal eliminação a restante frase transcrita, até porque a sua nova redação, que resultou do diferimento parcial da impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto levada a cabo pelo TRP veio a incluir essa segunda parte do excerto excluído oficiosamente [25. A 1.ª Ré celebrou com o Autor contratos de trabalho temporários diários e sucessivos juntos como Doc. 4 da petição inicial e 1 a 461 da contestação, cujo teor se reproduz, nos termos dos quais prestaria a sua atividade a empresas de estiva, normalmente a 2.ª Ré, colocando no contrato cargas e descargas de navios, e identificando o navio onde o Autor ia desempenhar as suas funções, o dia e hora de início do trabalho, e a função.]

Quanto aos demais Pontos de Facto que foram eliminados pelo Tribunal da Relação do Porto, depois de analisados o conteúdo, o sentido e o alcance do texto dos mesmos, afigura-se-nos que os mesmos não poderão ser liminar e radicalmente desconsiderados [dados como não escritos] como julgado no Acórdão recorrido mas deverão antes manter-se nos seus precisos moldes, o que implica a sua repristinação ou recuperação para a Factualidade dada como Provada e, nessa medida, ser levada na devida conta pelo tribunal da 2.ª instância.

Justificando melhor esta nossa perspetiva, diremos, no que toca ao Ponto 28. [Os navios indicados nos contratos diários nem sempre correspondiam àqueles em que o Autor prestava trabalho.] que não compreendemos as razões da sua eliminação, pois parece-nos excessivo, até pela sua parca relevância para uma melhor decisão do litígio, impôr a discriminação ao Autor de todas as situações em que tal troca de navios terá ocorrido, não se reconduzindo, por outro lado, a um facto conclusivo ou de conteúdo jurídioco a afirmação genérica em tal Ponto contida.

No que concerne ao Ponto 38. [No recibo de vencimento do Autor, vem reconhecida a sua antiguidade por referência a 01 de março de 2016.] que não possui um carácter conclusivo mas descritivo do conteúdo dos aí chamdos «recibos de vencimento» mas que no fundo, nos remete para o documento a que alude o número 3 do artigo 276.º do CT/2009 e cuja elaboração e entrega é legalmente obrigatória, sob pena de, pelo menos, sancionamento contraordenacional [número 4 do mesmo dispositivo legal] e que é emitido, de forma unilateral, pelo empregador, que geralmente não o assina, podendo vir a sê-lo ou não pelo trabalhador.

Tal enquadramento legal desse documento, que se traduz numa declaração da entidade empregadora, sobre o estatuto sócio-profissional e remuneratório do trabalhador, atribui-lhe uma força probatória distinta da afirmada pelo TRP e, nessa medida, retira grande parte da força às razões invocadas para a sua eliminação [v.g. às radicadas na desconsideração probatória de tais «recibos de vencimento»] e não justificam suficientemente a mesma.

Concede-se que as expressões «reconhecimento» e «antiguidade» podem ter conotações jurídicas que poderaim ser evitadas mas, se assim o é, também não restam dúvidas quanto à sua utilização pelo cidadão comum e à sua compreensão material por parte deste último, o que lhes confere, no mínimo, uma natureza mista e consente, sem criação de dúvidas de maior quanto ao seu alcance e sentido, o seu uso no Ponto de Facto em questão.

A simples inclusão deste Ponto de Facto na Factualidade dada como Provada não se confunde minimamente com a sua interpretação e com a conjugação do seu teor com os demais Pontos de Facto Assentes, sendo certo que tal leitura, que caberá ao TRP, está longe de ser unívoca e inequívoca quanto ao aí afirmado [pode referir-se ao início efetivo das funções profissionais por parte do Autor ou à sua mera disponibilidade para tal, bem como pode fundar-se em razões internas ou externas de natureza administrativa [ligadas à gestão dos recursos humanos], de cariz contabilístico [conexas com o registo do trabalhador, para efeitos de pagamentos] ou de índole tributária [Segurança Social e Finanças].

Resta-nos tratar do Ponto de Facto 37. [A 1.ª Ré não tinha uma necessidade temporária, mas sim perfeitamente contínua e continuada, sendo essa a sua atividade habitual, à data e atualmente.], que poderia ter uma redação diferente, mais enxuta e objetiva [a afirmação de que a 1.ª Ré não tinha uma necessidade temporária reproduz, sem necessidade e critério, a alegação do Autor constante do artigo 12.º da Petição Inicial, bastando quedar-se este Ponto de Facto pela sua segunda parte].

Ainda assim e já numa outra perspetiva, tal Ponto de Facto poderia ser encarado como conclusivo se fosse o único que se referia a tal factualidade, mas, tendo em atenção diversos outros Pontos de Facto e diversa documentação junta aos autos e que os complementa, que de forma direta ou indireta comprovam a atividade económica da 1.ª Ré e a sua constância e permanência, dir-se-á que tal necessidade perfeitamente contínua e continuada, sendo essa a sua atividade habitual, à data e atualmente mostra-se suficientemente enquadrada, concretizada e suportada, limitando-se a sintetizar ou a traduzir tais características da mesma.

Logo, pelos motivos expostos, há que determinar a inserção na Factualidade dada como Provada destes três Pontos de Facto que foram eliminados pelo Tribunal da Relação do Porto:

«28. Os navios indicados nos contratos diários nem sempre correspondiam àqueles em que o Autor prestava trabalho.

37. A 1.ª Ré não tinha uma necessidade temporária, mas sim perfeitamente contínua e continuada, sendo essa a sua atividade habitual, à data e atualmente.]

38. No recibo de vencimento do Autor, vem reconhecida a sua antiguidade por referência a 01 de março de 2016.»

Sendo assim, julga-se parcialmente procedente o recurso de Revista do Autor nesta sua outra faceta de natureza fáctica.

I – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA DECISÃO DE INTEGRAÇÃO DOS PONTOS 28., 37. E 38.

26. Chegados aqui e como já antes tínhamos aventado, atenta a proibição a que legalmente se encontra sujeito o Supremo Tribunal de Justiça em termos de se poder subsituir ao tribunal recorrido em cenários como o resultante da determinação da inclusão dos mencionados Pontos de Facto na Factualidade dada como Provada – dado o Acórdão recorrido ter sido prolatado com uma Fundamentação de Facto distinta da derivada do presente julgamento por parte deste Supremo Tribunal de Justiça [não competindo, por regra, a este último fazer qualquer prévio juízo de valor quanto à sua maior ou menor importância e relevância para a boa decisão do pleito] - há que proceder à anulação do Aresto recorrido e ordenar a baixa dos autos ao tribunal da 2.ª instância para aí ser proferido novo Aresto, com base na Matéria de Facto Provada ampliada por este STJ.

Tal significa, por outro lado, que fica prejudicada a apreciação por este Supremo Tribunal de Justiça das demais questões levantadas neste recurso de revista [10].

Sendo assim, pelos fundamentos expostos, determina-se a anulação do Aresto recorrido e a baixa dos autos ao tribunal da 2.ª instância para proferir novo Acórdão, com base na Matéria de Facto Provada ampliada por este Supremo Tribunal de Justiça.

IV – DECISÃO

27. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 671.º, 679.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça, em julgar parcialmente procedente o presente recurso de Revista interposto pelo Autor AA nos moldes seguintes:

a) Em julgar verificado o requisito da sucumbência para efeitos de admissibilidade do presente recurso de revista;

b) Em não apreciar, por se traduzir numa questão nova que não é de conhecimento oficioso, a matéria relativa a saber se os contratos de trabalho diários sucessivos excederam o limite de 120 dias por ano previstos no artigo 7.º, n.º 1 do Regime Jurídico do Trabalho Portuário;

c) Em não apreciar, por lhe estar vedado legalmente, a questão relativa à alteração dos Pontos de Facto Provados com os números 18. e 25.;

d) Em determinar, por falta de fundamentos suficientes para a sua eliminação, a [re]integração dos Pontos de Facto 28., 37. e 38. na Factualidade dada como Provada;

e) Ordenar a inerente anulação do Acórdão recorrido e a baixa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto a fim de ser aí prolatado novo Aresto com base na nova Factualidade Provada [porque aditada com os referidos três Pontos de Facto];

f) Não conhecer, por tal apreciação se achar prejudicada pelo que se acha ordenado nas anteriores alíneas d) e e), das demais questões suscitadas pelo Autor neste recurso de Revista.


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Custas do presente recurso pela parte vencida a final - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa, 15 de maio de 2025

José Eduardo Sapateiro [Juiz-Conselheiro Relator]

Paula Leal de Carvalho [Juíza-Conselheira Adjunta]

Domingos José de Morais [Juiz-Conselheiro Adjunto]

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1. Nas alegações de apelação a Ré impugnou, além do mais, os pontos 28, 37 e 38 da matéria de facto assente. O Tribunal da Relação eliminou oficiosamente estes pontos, sem apreciar a impugnação da Ré.

Caso o Supremo Tribunal de Justiça entenda que o Tribunal da Relação não podia ter alterado oficiosamente a matéria de facto, terá de ser apreciada a impugnação da matéria de facto que ficou prejudicada no acórdão recorrido.

Para o efeito, os presentes autos deverão ser então remetidos ao Tribunal da Relação do Porto, uma vez que a apreciação da impugnação da matéria de facto compete a esse tribunal da 2.ª instância e este Supremo Tribunal de Justiça não pode substituir-se àquele.↩︎

2. Caso este Supremo Tribunal de Justiça entenda que o recurso merece provimento nesta parte, confronta-se com o facto de haver ainda questões que, por terem ficado prejudicadas no acórdão recorrido, não foram devidamente apreciadas, tradzuindoi-se as mesmas nas seguintes:

- se o Autor actuou em abuso de direito;

- a partir de que data se vencem as retribuições intercalares.

Logo e para esse efeito, os autos terão de ser remetidos ao Tribunal da Relação do Porto, uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça, ainda que entenda que nada obsta à sua apreciação e que dispõe dos elementos necessários, não pode substituir-se aquele Tribunal da 2.ª instância, pois o artigo 679.º do Código de Processo Civil de 2013 exclui expressamente a aplicação ao recurso de revista do disposto no artigo 665.º, que prevê a regra da substituição.↩︎

3. Referimo-nos, concretamentem, às duas seguintes alíneas:

«d) No dia 01 de março de 2016, o Autor e a 1.ª Ré acordaram verbalmente que o Autor desempenharia para a Ré as funções de trabalhador portuário de base, num horário de 8 horas diárias, sendo 40 horas semanais, mediante o pagamento base de € 1.300,00 por mês.

e) O primeiro contrato assinado entre o Autor e a 1.ª Ré teve início às 08.00H e termino às 17.00 H do dia 01 de março de 2016.»↩︎

4. «Processo 838/06.5TTMTS.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA, COM O NÚMERO i.↩︎

5. «Processo n.º 701/19.0T8PFR.P1, acessível em www.dgsi.pt.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA, COM O NÚMERO ii.↩︎

6. «Processo n.º 811/13.3TBPRD.P1, acessível em www.dgsi.pt.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA, COM O NÚMERO iii.↩︎

7. «António Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil anotado, vol. I, 2.ª edição, pág. 744.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA, COM O NÚMERO iv.↩︎

8. Controvérsia que foi o fulcro da análise da Tese de doutoramento em Ciências Jurídicas apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no ano de 1967, pelo Professor CASTANHEIRA NEVES com o título de «Questão-de-facto questão-de-direito ou o problema metodológico da juridicidade: ensaio de uma reposição crítica».↩︎

9. À qual tem sido também associada a temática dos factos conclusivos, por, as mais das vezes, se confundir ou reconduzir aquela outra problemática ou demandar soluções processuais delineadas para a mesma.↩︎

10. E que são as seguintes:

- Se a partir de 1/03/2016 vigorou entre as partes um contrato de trabalho sem termo;

- Se os contratos de trabalho temporário são nulos devido à pré-existência de um contrato de trabalho sem termo e à falsidade do motivo neles aposto;

- Se o acórdão recorrido violou os artigos 3.º, n.º 2, 13.º e 20.º, n.º 1 da constituição;

- Se o Autor foi despedido ilicitamente;

- O valor a que o Autor tem direito a título de crédito de horas de formação não ministrada.↩︎