I. A relevância jurídica prevista no art.º 672.º, n.º 1, a), do CPC, pressupõe uma questão que apresente manifesta complexidade ou novidade, evidenciada nomeadamente em debates na doutrina e na jurisprudência, e onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa assumir uma dimensão paradigmática para casos futuros.
II. A temática suscitada pela recorrente que, já por si, é de fácil e corriqueiro surgimento em sinistros laborais e que, desde logo e para a sua exata aferição e rigorosa solução, depende muito do caso em presença, conforme se mostra concretamente provado na respetiva ação, não suscita particulares dificuldades ou perplexidades «cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». [aínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC].
III. No quadro do Acórdão-Fundamento é visada a figura da descaracterização do acidente de trabalho por ação do trabalhador sinistrado, nos termos e para os efeitos do já referido artigo 14.º da LAT, ao passo que no Aresto recorrido, prolatado pelo Tribunal da Relação do Porto, é um cenário de violação das regras de segurança pelo empregador e das suas consequências a nível jurídico que está em causa [artigo 18.º do mesmo diploma legal].
IV. Sem pretendermos ser excessivamente formalistas na interpretação jurídica da alínea c) do número 1 do artigo 672.º do NCPC, seguro é que, a existir contradição, seria, realmente, entre o Acórdão do TRE e a sentença do Juízo do Trabalho ... ou se quisermos, seria apenas de forma indireta entre os dois Arestos aqui colocados em contraposição, num cenário adjetivo e substantivo que não corresponde, em rigor, ao legalmente determinado.
V. De qualquer maneira e independentemente desta segunda objeção à admissibilidade deste recurso de revista excecional por contradição de Arestos proferidos por dois tribunais da relação, seguro é que os mesmos não tratam da mesma questão fundamental de direito nem se traduzem numa fundamentação de facto idêntica ou similar.
Recorrente: PLASPUR - SOCIEDADE DE MATERIAIS PLÁSTICOS LDA.
Recorridos: AA
LUSITÂNIA COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
(Processo n.º 216/23.1T8MAI – Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho ... - Juiz ...)
ACORDAM NA FORMAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 672.º, N.º 3, DO CPC, JUNTO DA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I – RELATÓRIO
1. AA, devidamente identificado nos autos, intentou, em 12/01/2023, ação especial emergente de acidente de trabalho [fase contenciosa] contra PLASPUR - SOCIEDADE DE MATERIAIS PLÁSTICOS LDA e LUSITÂNIA COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., ambas igualmente identificadas nos autos, tendo peticionado a final, no seu articulado inicial, a condenação das Rés no seguinte:
“a) Pensão anual de € 1. 028,16 calculada com base no salário do sinistrado e com base no coeficiente global de incapacidade de (IPP) de 11,4988%, o que corresponde ao capital de remição de € 17.382,15
b) Pelos períodos de incapacidade temporárias que sofreu a quantia de € 151,44
c) Despesas de deslocações a quantia de € 20,00
d) Danos não patrimoniais a quantia de € 10.000,00”.
Alegou, ainda, que à data do acidente, auferia o salário anual de 12.773,56 €, encontrando-se a responsabilidade infortunística transferida para a Ré Companhia de Seguros mediante contrato de seguro pela retribuição de 12.494,34 €.
Concluiu que a máquina em causa não reúne as condições para acautelar a segurança, pois não está provida de meio para evitar o entalamento de quem a manuseia.
Invocou que o acidente ficou a dever-se à violação grosseira de normas de segurança por parte da co-Ré empregadora, mormente a falta de proteção das partes móveis nos cilindros, a falta de sistema de desligamento automático em caso de aproximação às mesmas, a falta de instruções para o desligamento da máquina antes de proceder à troca de bobines, ou caso hajam sido transmitidas, por ter o autor desobedecido de forma temerária às instruções da empregadora.
Concluiu que tem direito de regresso sobre a empregadora relativamente às prestações asseguradas ao sinistrado, cabendo igualmente àquela a reparação agravada do sinistro, ou que, em caso de descaracterização do acidente por negligência grosseira do Autor, deverá ser absolvida.
Foi, ainda, determinado o desdobramento do processo para fixação da incapacidade para o trabalho.
“Na desinência do exposto, julgo a presente ação procedente, por provada, e em consequência, declaro que em virtude do acidente de trabalho objeto dos autos o sinistrado AA encontra-se afetado de IPP de 11,4988% desde 10-1-2023, e em consequência:
I - Condeno a entidade responsável COMPANHIA DE SEGUROS LUSITÂNIA S.A. a pagar ao sinistrado a quantia remanescente de 3,32€ (três euros e trinta e dois cêntimos), pela indemnização por incapacidades temporárias, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data do vencimento de cada prestação mensal até integral pagamento, sem prejuízo do direito de regresso sobre a entidade empregadora;
II) Condeno a entidade responsável COMPANHIA DE SEGUROS LUSITÂNIA S.A. a pagar ao sinistrado a pensão anual, vitalícia, no montante de 1.005,69€ (mil e cinco euros e sessenta e nove cêntimos), acrescida de juros, à taxa anual de 4%, desde 10-1-2023, até efetivo e integral pagamento, sem prejuízo do direito de regresso sobre a entidade empregadora;
III) Condeno a entidade responsável COMPANHIA DE SEGUROS LUSITÂNIA PORTUGAL S.A. a pagar ao sinistrado a quantia de 20,00€ (vinte euros) a título de despesas com transportes, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a data da tentativa de conciliação (30-5-2024), até integral e efetivo pagamento, sem prejuízo do direito de regresso sobre a entidade empregadora;
IV) Condeno a entidade responsável PLASPUR - SOCIEDADE DE MATERIAIS PLÁSTICOS LDA. a pagar ao sinistrado a quantia de 3.120,51 € (três mil e cento e vinte euros e cinquenta e um cêntimos) pela indemnização por incapacidades temporárias agravada, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data do vencimento de cada prestação mensal até integral pagamento;
V) Condeno a entidade responsável PLASPUR - SOCIEDADE DE MATERIAIS PLÁSTICOS LDA. a pagar ao sinistrado a pensão anual, vitalícia, agravada, no montante de 463,12€ (quatrocentos e sessenta e três euros e doze cêntimos), acrescida de juros, à taxa anual de 4%, desde 24-5-2022, até efetivo e integral pagamento;
VI) Condeno a entidade responsável PLASPUR - SOCIEDADE DE MATERIAIS PLÁSTICOS LDA. a pagar ao sinistrado a indemnização por danos não patrimoniais, no valor de 5.000,00€ (cinco mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da presente decisão, até integral pagamento.
VII) absolvo as Rés do demais peticionado.
Custas da fase contenciosa da ação a cargo da Ré seguradora e da Ré Empregadora na medida das respetivas responsabilidades – art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Valor da ação: 32.975,53 € - art.º 120,º, n.ºs 1 e 3 do CPT.
Registe e notifique.
Nos termos dos artigos 148.º, n.ºs 3 e 4, ex vi artigo 149.º, do Código de Processo de Trabalho, e 75.º, n.º 1 da Lei 98/2009, de 4/9, uma vez que o sinistrado deverá receber um capital de remição, proceda ao cálculo do capital e após remeta os autos ao Ministério Público para entrega.”.
O recurso de revista excecional foi interposto nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 672.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Civil de 2013.
«21.No âmbito do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, o Recurso de Apelação apresentado pela Recorrente foi considerado totalmente improcedente mantendo-se a decisão recorrida.
22. É deste douto aresto que vem interposto o presente Recurso de Revista Excecional, por a Recorrente considerar que o respetivo Acórdão se encontra em contradição com outros, proferidos no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de Direito, que decidiram de forma divergente questões apreciadas e decididas no presente, para além de estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor apreciação do Direito.
23. Em ambas as decisões proferidas, concluiu-se pela atuação culposa da Recorrente, alegando-se que as normas de segurança para que o Autor pudesse operar a máquina não estavam cumpridas, fosse por questões referentes à máquina em si, fosse por falta de instruções dadas ao Autor quanto ao modo funcionamento da máquina em segurança. […]
57. As decisões proferidas em primeira instância e pelo Tribunal da Relação do Porto encontram-se em frontal oposição com acórdãos proferidos por vários Tribunais da Relação, passando-se a citar os seguintes:
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no âmbito do Processo n.º 1425/18.0T8MTS.P1, de 23.11.2020, consultável em www.dgsi.pt;
- Acórdão da Relação de Évora proferido no âmbito do Processo n.º 2216/15.6T8PTM.E1, de 31.10.2018, consultável em www.dgsi.pt; [1]
58. Aqui em discussão situações em tudo idênticas àquela que se discute nestes autos, ou seja, a atuação culposa ou não da entidade patronal e do sinistrado na produção do sinistro.
59. O artigo 18.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro que Regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais (LAT) prescreve que “Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.”
60. Assim sendo, para haver responsabilidade agravada da Recorrente, prevista no referido artigo 18.º da LAT, tem de verificar-se uma de duas situações: que o acidente tenha sido provocado pela empregadora, seu representante ou entidade por aquela contratada e por uma empresa utilizadora de mão de obra, ou então que o sinistro resulte da falta de observância, por parte daqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho. […]
75. No que diz respeito ao Acórdão da Relação de Évora proferido no âmbito do Processo n.º 2216/15.6T8PTM.E1, de 31.10.2018, consultável em www.dgsi.pt, consta o seguinte sumário:
“[…]
III – Os ónus de alegação e prova das situações que permitem descaracterizar o acidente de trabalho, recaem sobre quem pretende beneficiar do regime legal previsto no artigo 14.º da LAT.
IV – A descaracterização do acidente prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei nº 98/2009,exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) existência de regras de segurança desrespeitadas por parte do destinatário/trabalhador; (ii) atuação voluntária/consciente do destinatário/trabalhador, embora não intencional, por ação ou omissão e sem causa justificativa; (iii) nexo de causalidade entre a conduta voluntária e o acidente.
V – A exclusão do direito à reparação do acidente prevista na aludida alínea, alicerça-se na consciência da inobservância do dever de cumprimento de regras sobre segurança, sem causa justificativa, do ponto de vista do sinistrado.
VI – Para que se verifique a situação que exclui o direito à reparação pelo acidente prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, mostra-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) que se verifique negligência grosseira do sinistrado; (ii) que essa negligência grosseira constitua a causa exclusiva do acidente.
VII – O sinistrado que viu uma peça de pavimento em cimento (pavê) caída por baixo da máquina paletizadora com que estava a trabalhar e que reage automaticamente e de imediato, tentando retirara peça para evitar que a máquina encravasse, com a máquina em funcionamento, sem consciencializar que estava a violar normas de segurança e sem que tenha ficado provado que lhe tenha sido dada formação em matéria de segurança sobre o funcionamento da máquina ou tenha recebido ordens específicas de segurança, beneficia do regime de proteção legal dos acidentes de trabalho, por falta de demonstração, pela seguradora responsável, de que o comportamento do sinistrado se subsume às alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT.” […]
77. Nos arestos supra referidos, ficou claro que os sinistros não ficam apenas a dever-se a situações de violação das regras de segurança por parte da entidade patronal, mas também a culpa grosseira do sinistrado que podem levar à descaracterização do acidente como de trabalho, bem como aos casos em que o sinistrado atua com um grau de culpa menor, culpa leve, a qual fica a dever-se a variados motivos tais como distração, imprudência, imperícia, o contacto habitual com o perigo que determinada atividade pode comportar, a experiência, o excesso de confiança nas tarefas a desempenhar que muitas vezes leva a desempenhar uma tarefa em violação das regras que lhe foram transmitidas, com vista a não perder tempo, o agir sem pensar, entre outros.
78. De volta ao nosso caso, entende a Recorrente que o facto de o Autor executar aquele trabalho há cerca de dois anos o tornou mais confiante nas tarefas por si desempenhadas, todavia, como resulta do normal acontecer, fez com que o Autor descurasse, diminuísse a cautela com que fazia as tarefas.
79. A experiência no desempenho das funções embora boa e gratificante, pois ajuda a superar dificuldades e desafios, a evitar correr riscos, também os potencia, na medida em que o trabalhador confia que atentos os conhecimentos de que dispõe consegue contornar eventuais situações de perigo.
80. Na verdade, salvo o devido respeito e atento tudo quanto aqui supra se expôs, não poderá a Recorrente ser responsabilizada com base na violação de regras de segurança.
81. A responsabilidade pela produção do sinistro não se ficou a dever à atuação da Recorrente.
82. O acidente ficou a dever-se a um lamentável incidente, para qual em nada contribuiu, e que sucedeu devido à atuação do Autor.
83. Trata-se de uma questão de indiscutível relevância jurídica, cujo esclarecimento se torna necessário para uma melhor aplicação do Direito, justificando-se por isso a pronúncia deste Colendo Tribunal.
84. A situação aqui em apreço é o reflexo de grande parte do que acontece na indústria em Portugal.
85. Temos empresas em que a tecnologia está cada vez mais desenvolvida e o uso de grandes máquinas industriais é cada vez mais frequente.
86. A laboração de toda e qualquer máquina industrial, por mais moderna que seja comporta um risco na sua utilização.
87. Temos de nos lembrar que nem todas as empresas conseguem adquirir máquinas de última geração, tecnologia de ponta, para laborar.
88. Fazendo-o muitas vezes com máquinas que possuem décadas e que desempenham perfeitamente a função para a qual foram concebidas, mantendo-se, atuais e seguras.
89. Sendo certo, que muitas vezes em máquinas com décadas de existência nunca se verificou a ocorrência de um acidente.
90. Não é porque vemos uma máquina já com alguma antiguidade, como aquela em que ocorreu o sinistro, que devemos partir do pressuposto que não reúne condições de segurança.
91. Nos dias que correm, é frequente regra geral, em todos os ramos de seguro, as seguradoras virem invocar todo o tipo de fundamentos para se escusarem ao pagamento de indemnizações.
92. A culpa ou é da entidade empregadora ou é do sinistrado, pelo que a seguradora tenta sempre excluir-se da responsabilidade de pagamento de indemnizações seja a que título for.
93. Torna-se imperativo esclarecer as situações em que a entidade patronal possa ser responsabilizada pela violação das regras de segurança.
94. Daquelas em que houve culpa grave do sinistrado na produção do acidente.
95. Bem como, daquelas em que ocorrendo culpa leve do sinistrado, que não leve à descaracterização do acidente como de trabalho, determine que compete à seguradora o pagamento de indemnização ao sinistrado.
96. Tudo motivos pelos quais deverá ser a Ré Lusitânia - Companhia de Seguros, S.A. ser condenada naquilo que o Tribunal entender ser necessário para ressarcir os prejuízos sofridos pelo Autor, com exceção dos montantes que não se encontravam transferidos para aquela Ré, devendo a Recorrente ser absolvida de todo o demais peticionado contra si. […]»
II. FACTOS
18. Com relevância para a decisão, há a considerar os factos provados que constam do Acórdão do Tribunal da Relação de Porto [TRP] de 05/11/2024 e que correspondem aos já dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância, na sua sentença, dado a impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto deduzida pela Ré empregadora ter sido julgada totalmente improcedente:
A) O Autor nasceu a.../3/1993.
B) No dia 28 de Fevereiro de 2022, pelas 09:30h, o trabalhador encontrava-se ao serviço sob as ordens, direção e fiscalização da Ré PLASPUR - SOCIEDADE DE MATERIAIS PLÁSTICOS LDA, com o NIPC 504871226 e com sede na Rua do Castanhal N.º 140 Gemunde - Zona Industrial da Maia 1 - Setor II, 4475-122 Maia.
C) Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o Autor magoou-se na mão esquerda.
D) Com efeito, perante a necessidade de efetuar a troca da bobine de plástico que alimentava a máquina, o sinistrado foi buscar outra bobine com o empilhador, posicionou-a a par com a bobine que teria de ser emendada, colocou-se lateralmente para as bobines, efetuando com os braços o movimento de junção de ambos os filmes de plástico.
E) Nesse momento a máquina puxou a manga esquerda da farda do Autor, não conseguindo o sinistrado libertar-se, sentindo uma queimadura na mão, altura em que gritou por socorro, tendo um dos colegas desligado a máquina no painel lateral.
F) Com efeito, um outro trabalhador, BB, que se encontrava a trabalhar na máquina ao lado, efetuou a paragem de emergência da máquina operada pelo Autor, tendo para o efeito acionado o botão de emergência.
G) O Autor não desligou a máquina previamente à troca da bobine, tendo, no entanto, realizado a pausa na engrenagem da máquina.
H) A máquina em causa não apresentava qualquer sensor que desligasse automaticamente em caso de aproximação do operador às partes móveis, nem qualquer barreira de proteção dos cilindros.
I) Para operar com a máquina em causa, o Autor foi acompanhado no posto de trabalho, durante 1 mês, pelo trabalhador BB, que lhe transmitiu conhecimentos sobre a execução das actividades inerentes à função quanto ao corte, soldagem e laminagem.
J) A Ré empregadora nunca deu instruções ao Autor para desligar previamente a máquina antes de proceder à troca das bobines.
K) O Autor, à data do acidente, auferia o salário anual total de 12.773,56 € (€ 705,00 x 14 + € 110,00 x 11 + € 1 693,56 x 1 - salário base, subsídio de refeição e outras remunerações).
L) A essa data a Ré empregadora havia transferido para a Ré seguradora a responsabilidade por acidentes de trabalho, através da apólice n.° 8168024, mediante a retribuição anual de 12.494,34 €.
M) Em virtude do evento descrito em B) a E) o sinistrado esteve afetado de ITA de 1/03/2022 a 24/11/2022, ITP de 30% de 25/11/2022 a 9/01/2023, data da consolidação médico legal, ficando afetado de IPP de 11,4988% desde 10/1/2023.
N) Em virtude do evento descrito em B) a E) o Autor foi submetido a cirurgia, ficando internado no Hospital de ... vários dias, fez fisioterapia, o que lhe causou dores, não conseguindo ainda hoje mover a mão na totalidade.
O) Em resultado do evento descrito em B) a E), o Autor ficou com cicatrizes distróficas no dorso da mão, rigidez das MF e IF do 3.°, 4.° e 5.° dedo.
P) Pela indemnização por incapacidades temporárias a Ré Seguradora pagou ao Autor a quantia de 6.773,06 €.
Q) O Autor despendeu a quantia de 20,00 € em deslocações obrigatórias ao tribunal e ao INML.»
19. Nos termos e para os efeitos do art.º 672.º, n.º 1, alínea a), reclamam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça as questões “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, como tal se devendo entender, designadamente, as seguintes:
– “Questões que motivam debate doutrinário e jurisprudencial e que tenham uma dimensão paradigmática para casos futuros, onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa ser utilizada como um referente.” (Ac. do STJ de 06-05-2020, Proc. n.º 1261/17.1T8VCT.G1.S1, 4.ª Secção).
– Quando “existam divergências na doutrina e na jurisprudência sobre a questão ou questões em causa, ou ainda quando o tema se encontre eivado de especial complexidade ou novidade” (Acs. do STJ de 29-09-2021, P. n.º 681/15.0T8AVR.P1.S2, de 06-10-2021, P. n.º 12977/16.0T8SNT.L1.S2, e de 13-10-2021, P. n.º 5837/19.4T8GMR.G1.S2).
– “Questões que obtenham na Jurisprudência ou na Doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação que suscite problemas de interpretação, nos casos em que o intérprete e aplicador se defronte com lacunas legais, e/ou, de igual modo, com o elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, em todo o caso, em todas as situações em que uma intervenção do STJ possa contribuir para a segurança e certeza do direito.” (Ac. do STJ de 06-10-2021. P. n.º 474/08.1TYVNG-C.P1.S2).
– “Questões que obtenham na jurisprudência ou na doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação com elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, suscetíveis, em qualquer caso, de conduzir a decisões contraditórias ou de obstar à relativa previsibilidade da interpretação com que se pode confiar por parte dos tribunais.” (Ac. do STJ de 22-09-2021, P. n.º 7459/16.2T8LSB.L1.L1.S2).
– Questão “controversa, por debatida na doutrina, ou inédita, por nunca apreciada, mas que seja importante, para propiciar uma melhor aplicação do direito, estando em causa questionar um relevante segmento de determinada área jurídica” (Ac. do STJ de 13-10-2009, P. 413/08.0TYVNG.P1.S1).
– “Questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclame aturado estudo e reflexão, ou porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores, ou porque se trata de questão nova, que à partida se revela suscetível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, suscetíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo STJ para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir.” (Ac. do STJ de 02.02.2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1).
Importa realçar, até por referência às normas adjetivas contidas nos artigos 108.º a 112.º, 127.º, 131.º e 135.º do Código de Processo do Trabalho, que a entidade empregadora, que aqui é recorrente, adotou duas posturas distintas quanto às circunstâncias em que o acidente de trabalho dos autos aconteceu e quanto à responsabilidade do Autor na sua verificação, dado que - não obstante ter afastado sempre a sua responsabilidade por qualquer violação das regras de segurança reclamadas pela máquina com que o trabalhador, conjuntamente com um outro colega, operava – vem, na Tentativa de Não Conciliação e na Contestação, atribuir a uma causa fortuita a ocorrência do mesmo, ao passo que nas suas alegações de Apelação e de Revista já vem assacar ao Recorrido uma conduta culposa e negligente que, contudo, nunca chega a qualificar de negligência grosseira para efeitos de descaracterização do dito sinistro, nos termos do artigo 14.º da Lei de Acidentes de Trabalho de 2009 [LAT].
Tal perspetiva não coincide com a da Ré Seguradora, que quer no Auto de Não Conciliação, como na subsequente Contestação, sustenta, ainda que a título principal e subsidiário, essa violação das regras de segurança por parte da Ré empregadora ou, em segundo plano, por parte do trabalhador, quer no estrito plano da segunda parte da alínea a) do número 1 do citado artigo 14.º, quer já a nível de negligência grosseira [alínea b) desse mesmo número e disposição legal] [3].
Tal defesa ampla da Companhia de Seguros acaba por retirar relevância jurídica às diferentes posições assumidas pela Ré empregadora e acima descritas.
Regressando então aos requisitos legais de que depende o funcionamento da responsabilidade agravada do empregador pela verificação dos acidentes de trabalho [artigo 18.º da LAT], procura a recorrente atribuir um significado jurídico transcendente e abrangente, que extravasa, em termos de direito, os precisos e estreitos limites do litígio dos autos e que demanda uma abordagem mais ou menos comum, de cariz geral, por parte deste Supremo Tribunal de Justiça, a situações de responsabilidade agravada, em que possa haver igualmente a concorrência culposa do sinistrado, que seja aplicável de forma mais ou menos genérica a todos os cenários em que se discuta tal responsabilidade agravada.
Ora, salvo melhor opinião, há que convir que, nesta matéria de acidentes de trabalho, da sua caracterização ou descaracterização, da sua ocorrência radicada ou não em responsabilidade culposa – dolosa ou negligente – e , por isso, agravada do empregador, bem como dos pressupostos de factos e de direito de que o legislador faz depender essas distintas tipificações jurídicas [sem olvidar, finalmente, a sua tramitação procedimental], existe, por um lado, inúmera jurisprudência das duas instâncias, deste Supremo Tribunal de Justiça [inclusive, por via da elaboração de Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência], do Tribunal Constitucional e mesmo da jusridição administrativa, assim como, finalmente e por outro lado, uma já considerável doutrina divulgada ou publicada [por exemplo, ao nível do Centro de Estudos Judiciários, Revista do Ministério Público, Julgar, etc.] que abarcam muitas das questões que, a esses diversos níveis, se têm colocado aos juristas e às entidades que apreciam e julgam, nos seus diversos planos de intervenção e atuação os acidentes de trabalho [Autoridade das Condições do Trabalho, forças policiais, instituições médico-legais e tribunais].
Sendo essa uma realidade facilmente constatada pela consulta das diversas bases de dados jurisprudenciais existentes em território nacional [DGSI e ECLI, por exemplo] ou pelos E-books e artigos surgidos em revistas, dir-se-á que, a essa luz, a dúvida ou problemática suscitada pela recorrente nesta revista excecional, não demanda a intervenção e julgamento deste Supremo Tribunal de Justiça por não ser reconduzível à previsão legal contida na alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC.
Tal temática que, já por si, é de fácil e corriqueiro surgimento em sinistros laborais e que, desde logo e para a sua exata aferição e rigorosa solução, depende muito do caso em presença, conforme se mostra concretamente provado na respetiva ação, não suscita particulares dificuldades ou perplexidades «cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A segunda linha de argumentação da recorrente reconduz-se à oposição entre o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5/11/2024, que aqui é visado por este recurso de revista [4] e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido no âmbito do Processo n.º 2216/15.6T8PTM.E1, de 31/10/2018, consultável em www.dgsi.pt [5], sendo que, nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 672.º, tal oposição é configurada legalmente nos moldes seguintes: «c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.»
Importa relembrar que a questão central deste recurso de revista excecional se situa na verificação ou não de um acidente de trabalho conforme previsto no artigo 18.º da LAT, por o mesmo ter ocorrido em função da violação culposa por parte da empregadora das regras de segurança exigíveis por um determinado equipamento mecânico de natureza fabril, de maneira a um correto, adequado e seguro manuseamento e utilização do mesmo pelos trabalhadores que com ele operam.
22. Ora, do confronto entre os dois Arestos, quer ao nível de decisão, como principalmente de fundamentação, resulta para nós, de uma forma mais ou menos evidente, que inexiste entre ambos uma qualquer contradição que justifique, segundo os requisitos legalmente enunciados, a intervenção excecional deste STJ.
Verifica-se, por um lado, que no quadro do Acórdão-Fundamento é visada a figura da descaracterização do acidente de trabalho por ação do trabalhador sinistrado, nos termos e para os efeitos do já referido artigo 14.º da LAT, ao passo que no Aresto recorrido, prolatado pelo Tribunal da Relação do Porto, é um cenário de violação das regras de segurança pelo empregador e das suas consequências a nível jurídico que está em causa [artigo 18.º do mesmo diploma legal].
Interessa igualmente atentar na fundamentação de facto de cada um desses Acórdãos para se descortinar cenários factuais diferentes, pois ao passo que no Acórdão-Fundamento está em causa um gesto reativo, espontâneo, irrefletido do trabalhador, que busca retirar uma peça de pavimento em cimento e evitar, assim, que a máquina que está sempre a funcionar e com a qual está a trabalhar, encrave, no Acórdão-recorrido o Autor tratava de substituir uma bobine de plástico já vazia por uma outra cheia, através da junção dos respetivos filmes, numa máquina ligada mas com a respetiva engrenagem em pausa, quando viu a manga esquerda da sua bata ser puxada por aquela.
Interessa também atentar que o Acórdão do TRP se reconduz, praticamente, ao julgamento da impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, que, aliás, desatende totalmente, limitando-se depois em termos de fundamentação de direito a afirmar o seguinte:
«A segunda questão objeto do recurso, a de saber se a recorrente não é responsável pela reparação do acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado, na nossa perspetiva dependia, em absoluto, do sucesso da impugnação da matéria de facto.
De facto, apesar de a recorrente afirmar (conclusão 118) que “Uma vez alterada a matéria de facto dada como provada, bem como a inclusão dos factos supra referidos nos factos dados como provados, como se requereu, nos termos em cujo entendimento somos de parecer que deve suceder, atenta a prova produzida, mas sem prescindir na eventualidade de não procederem as alterações supra, terá necessariamente de efetuar-se uma alteração na análise da matéria de direito e consequentemente na apreciação do mérito da causa.”(sublinhado nosso), como se verifica elucidativamente das conclusões subsequentes, nada mais vem alegado no sentido de demonstrar que o tribunal “a quo” errou na aplicação do direito aos factos, estando, por isso, vedada a este tribunal, nos termos do disposto pelos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do CPC, a pronúncia sobre a questão.
Por conseguinte, não tendo a matéria de facto provada sido modificada e não se vislumbrando qualquer motivo que este tribunal pudesse, oficiosamente, invocar para modificar o enquadramento jurídico do litígio e a solução constantes da sentença (que sempre se dirá serem acertados), inexiste fundamento para a procedência do recurso.
Uma última nota para dizer que mesmo que se tivesse concluído que o acidente não resultou da violação de regras de segurança imputáveis à recorrente, nunca o recurso procederia na totalidade, já que como resulta da matéria de facto provada, a responsabilidade infortunística daquela pela reparação de acidentes de trabalho relativa ao sinistrado não estava integralmente transferida para a seguradora, pelo que, face ao disposto pelo art.º 79.º, n.ºs 4 e 5, sempre a recorrente responderia pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensão devidas na respetiva proporção.
Resulta, pois, do acima exposto, a improcedência total do recurso.»
Ora, se lermos e ponderarmos devidamente esta argumentação jurídica, facilmente constatamos que esta, na sua essência, se limita a remeter para o que foi decidido pelo tribunal da 1.ª instância e com o qual concorda, nada acrescentando de crucial, inovador, diferente, essencial ao que foi afirmado naquela decisão judicial, por referência à responsabilidade agravada da Ré também aqui recorrente [no que toca ao segundo aspeto ali aflorado, a Ré demosntra nas suas alegações recursórias que concorda com tal perspetiva].
A ser assim e sem pretendermos ser excessivamente formalistas na interpretação jurídica da alínea c) do número 1 do artigo 672.º do NCPC, seguro é que a existir contradição, seria, realmente, entre o Acórdão do TRE e a sentença do Juízo do Trabalho... ou se quisermos, seria apenas de forma indireta entre os dois Arestos aqui colocados em contraposição, num cenário adjetivo e substantivo que não corresponde, em rigor, ao legalmente determinado.
De qualquer maneira e independentemente desta segunda objeção à admissibilidade deste recurso de revista excecional por contradição de Arestos proferidos por dois tribunais da relação, seguro é que os mesmos não tratam da mesma questão fundamental de direito nem se traduzem numa fundamentação de facto idêntica ou similar.
Sendo assim, decide-se, pelos fundamentos expostos, não admitir o presente recurso de revista excecional interposto pela Ré PLASPUR - SOCIEDADE DE MATERIAIS PLÁSTICOS LDA.
23. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 672.º, números 1, alíneas a) e c) e 3 do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça e pelos fundamentos expostos, em não admitir o presente recurso de Revista excecional interposto pela Ré PLASPUR - SOCIEDADE DE MATERIAIS PLÁSTICOS LDA. quanto à questão suscitada [responsabilidade agravada do empregador].
Custas do presente recurso a cargo da Ré - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Lisboa, 15 de maio de 2025
José Eduardo Sapateiro - Juiz Conselheiro relator
Mário Belo Morgado – Juiz Conselheiro Adjunto
Júlio Gomes – Juiz Conselheiro Adjunto
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2. As referências teóricas e jurisprudenciais constantes da presente fundamentação, assim como dois dos pontos do Sumário, foram extraídos, com a devida vénia, dos dois Acórdãos de 11/9/2024 e de 12.04.2024, proferidos, respetivamente, no Processo n.º 511/20.1T8FAR.E1.S2 (revista excecional) e no Processo n.º Processo n.º 3487/22.7T8VIS.C1.S1 (revista excecional), ambos relatados pelo Juiz Conselheiro MÁRIO BELO MORGADO.↩︎
3. Pode ler-se, em consonância com o já afirmado em sede de Tentativa de Não Conciliação, o que se acha predido no final da contestação da Ré Seguradora:
«Nestes termos, por ter existido violação de regras de segurança por parte da entidade empregadora do Autor, ora 1.ª Ré, deve ser a ora contestante condenada nos termos do disposto no Art.º 79.º, n.º 3, da Lei n.º 98/2009 de 04/09, declarando-se o direito de regresso desta sobre a 1.ª Ré.
Caso, eventualmente, venha a ser produzida prova noutro sentido:
Deve a presente ação ser julgada improcedente, por o acidente dever ser descaraterizado como acidente de trabalho, por violação, por parte do Autor, de regras de segurança estabelecidas na Lei e impostas pela sua entidade empregadora ou negligência grosseira do Autor.»↩︎
4. E que possui o seguinte Sumário, mostrando-se publicado em www.dgsi.pt:
«1 – É inadmissível a inclusão de matéria conclusiva e de direito no elenco dos factos provados.
2 - Não tendo o mecanismo previsto no art.º 72.º do CPT sido utilizado em 1.ª instância, não pode o Tribunal da Relação aditar factos essenciais, não alegados pelas partes.
3 - A ampliação da matéria de facto em sede de recurso tem sempre como limite a factualidade alegada no momento e meio processuais próprios, atento o disposto pelo art.º 662.º, n.º2, al. c), in fine CPC e não se confunde com disposto pelo art.º 5.º, n.º 2, al. b) CPC.
4 - Não cumpre o ónus de formular conclusões a alegação numa delas de que, mesmo na eventualidade de não procederem as alterações da matéria de facto, terá necessariamente de efetuar-se uma alteração na análise da matéria de direito e consequentemente na apreciação do mérito da causa, se nada mais vem alegado nas restantes conclusões.↩︎
5. E que tem o seguinte Sumário:
«I – Impugnando a recorrente a decisão sobre a matéria de facto, por entender que à mesma devem ser aditados determinados pontos, que, depois de analisados, se constata que, alguns deles, consubstanciam juízos conclusivos ou apreciativos, e que, nessa qualidade, nunca poderão ser levados à fundamentação factual, improcede liminarmente a impugnação deduzida, em relação a tais pontos.
II – Só os factos que produzam ou tenham consequências jurídicas devem ser objeto de prova e de reapreciação da prova, caso contrário, estar-se-ia a praticar atos inúteis, sem qualquer incidência prática, o que se mostra proibido pelo artigo 130.º do Código de Processo Civil.
III – Os ónus de alegação e prova das situações que permitem descaracterizar o acidente de trabalho, recaem sobre quem pretende beneficiar do regime legal previsto no artigo 14.º da LAT.
IV – A descaracterização do acidente prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 98/2009, exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) existência de regras de segurança desrespeitadas por parte do destinatário/trabalhador; (ii) atuação voluntária/consciente do destinatário/trabalhador, embora não intencional, por ação ou omissão e sem causa justificativa; (iii) nexo de causalidade entre a conduta voluntária e o acidente.
V – A exclusão do direito à reparação do acidente prevista na aludida alínea, alicerça-se na consciência da inobservância do dever de cumprimento de regras sobre segurança, sem causa justificativa, do ponto de vista do sinistrado.
VI – Para que se verifique a situação que exclui o direito à reparação pelo acidente prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, mostra-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) que se verifique negligência grosseira do sinistrado; (ii) que essa negligência grosseira constitua a causa exclusiva do acidente.
VII – O sinistrado que viu uma peça de pavimento em cimento (pavê) caída por baixo da máquina paletizadora com que estava a trabalhar e que reage automaticamente e de imediato, tentando retirar a peça para evitar que a máquina encravasse, com a máquina em funcionamento, sem consciencializar que estava a violar normas de segurança e sem que tenha ficado provado que lhe tenha sido dada formação em matéria de segurança sobre o funcionamento da máquina ou tenha recebido ordens específicas de segurança, beneficia do regime de proteção legal dos acidentes de trabalho, por falta de demonstração, pela seguradora responsável, de que o comportamento do sinistrado se subsume às alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT.»↩︎