REVISTA EXCECIONAL
REQUISITOS
RELEVÂNCIA JURÍDICA
TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL
Sumário


I. A relevância jurídica prevista no art.º 672.º, n.º 1, a), do CPC, pressupõe uma questão que apresente manifesta complexidade ou novidade, evidenciada nomeadamente em debates na doutrina e na jurisprudência, e onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa assumir uma dimensão paradigmática para casos futuros.
II. Face ao único facto dado como assente - onde se faz apenas menção a negociações e ao pagamento de um dado montante ao Autor, que nem sequer corresponde à importância substancialmente superior avançada pelas Rés como resultado final do pretenso «acordo» - e ao que se passou na ação quanto à invocada mas nunca comprovada «transação extra-judicial», conforme ressalta do relato fidedigno efetuado pelo TRP, com base nas Atas das sessões de julgamento, é por demais evidente que inexiste demonstrado no processo qualquer ato real, genuíno, completo e assinado que possa ser material e juridicamente qualificado como uma «transação extrajudicial» e que, nessa medida, seja suscetível de produzir quaisquer efeitos de direito no seio do complexo pleito carreado para esta ação.
III. A recorrente – ou a outra Ré ainda a funcionar – não interpuseram oportuno recurso de Apelação do despacho judicial que, em sede de Audiência Final, rejeitou os demais documentos para além daquele que continha uma mera minuta ou proposta de acordo entre as partes [que, frize-se, não estava assinado por ninguém], o que acarreta que o mesmo transitou em julgado e que se constituiu caso julgado formal.
IV. Logo, encontrando-se este Supremo Tribunal de Justiça face a uma falsa ou, talvez mais exatamente, a uma não-questão, que não pode ser analisada e configurada nos termos e para os efeitos da alínea a) do número 1 do artigo 672.º do CPC/2013, é manifesta a improcedência deste recurso de revista excecional.

Texto Integral


RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL N.º 1167/11.8TTPRT.P1.S2 (4.ª Secção)

Recorrente: LIFE GO – COMÉRCIO, SERVIÇOS E IMOBILIÁRIA, LDA.

Recorrido: AA

(Processo n.º 1167/11.8TTPRT – Tribunal Judicial da Comarca do Porto -Juízo do Trabalho ... - Juiz ...)

ACORDAM NA FORMAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 672.º, N.º 3, DO CPC, JUNTO DA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – RELATÓRIO

1. AA, devidamente identificado nos autos, intentou, no dia 29/07/2011, ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra as seguintes empresas e Rés, devidamente identificadas nos autos :

- 1.ª Ré M..., Lda.

- 2.ª Ré MB..., S.A.

- 3.ª Ré SE..., Lda

- 4.ª Ré SOCIEDADE DE I..., Lda.

- 5.ª Ré S..., S.A.

- 6.ª Ré T..., S.A.

- 7.ª Ré U..., Lda.

- 8.ª Ré W..., Lda.

- 9.ª Ré S..., Lda.

- 10.ª Ré C..., Lda.

- 11.ª Ré J..., Lda.

- 12.ª Ré LIFE GO – COMÉRCIO, SERVIÇOS E IMOBILIÁRIA, LDA.

- 13.ª Ré T..., Lda.

Formulando contra elas e a final os seguintes pedidos:

“Termos em que e nos mais aplicáveis, deve a presente ação ser julgada provada e procedente, declarada lícita a rescisão do contrato de trabalho e, em consequência, serem as Rés solidariamente condenadas a pagar ao Autor:

a) Indemnização pela antiguidade que neste momento perfaz a quantia de €. 44.880,00;

b) Férias já vencidas em Janeiro de 2010, no valor de €. 1.870,00;

c) Férias não gozadas vencidas em Janeiro de 2010, no valor de €. 1.870,00;

d) Subsídio de férias vencido em Janeiro de 2010, no valor de €. 1.870,00;

e) Proporcional de subsídio de Natal de 2010, no valor de €. 1.246,66;

f) Proporcional de férias a gozar em 2011, no valor de €. 1.246,66;

g) Proporcional de subsídio de férias do ano de 2011, no valor de €. 1.246,66.

h) A quantia de €. 12.500,00, a título de diminuição do valor do salário – créditos salariais;

i) A quantia de €. 107.500,00, a título de prémios regulares e que deveriam ser pagos mensalmente e não o foram.

j) A quantia de €. 6.740,07, a título de juros de mora, à taxa de 4%, desde 10 de Agosto de 2010 até à data da entrada desta ação (29/07/2011);

k) Os juros legais de mora vincendos sobre as quantias mencionadas nas alíneas a) a i) desta petição inicial, desde 10 de Agosto de 2011 e até efetivo e integral pagamento”.


*

2. Fundou o Autor os seus pedidos alegando, muito em síntese, o seguinte:

- Que foi admitido como trabalhador da 1.ª Ré em 01/02/1994, como diretor de serviço, apenas sendo inscrito na Segurança Social em 01/07/1994;

- Um dos sócios da 1.ª Ré é BB;

- Em 13/06/1995, apesar de continuar a trabalhar para a 1.ª Ré, passou a constar na Segurança Social como trabalhador da 2.ª Ré (de que é Presidente da Administração, BB), acumulando as funções de diretor de serviços em ambas as empresas;

- Entretanto, em 1999, foi constituída a 3.ª Ré (por BB), passando o Autor a acumular as funções de diretor de serviços nessa empresa;

- Em setembro de 1990 foi constituída a 4.ª Ré (por BB);

- O Autor também acumulou funções de diretor de serviços nesta empresa; em outubro de 1990 foi constituída a 5.ª Ré (por BB);

- O Autor também acumulou funções de diretor de serviços nesta empresa;

- Em agosto de 1996 foi constituída a 6.ª Ré (por BB);

- O Autor também acumulou funções de diretor de serviços nesta empresa, sendo inscrito na Segurança Social como seu trabalhador desde 01/09/1996;

- Em 17/06/2002 foi constituída a 7.ª Ré (por BB);

- O Autor também acumulou funções de diretor de serviços nesta empresa;

- Em 2004, BB através de duas empresas das quais era sócio/gerente/presidente da administração, adquiriu as quotas da 8.ª Ré;

- O Autor também acumulou funções de diretor de serviços nesta empresa, sendo inscrito na Segurança Social como seu trabalhador desde 01/08/2004;

- Em 2005, BB através das duas empresas, adquiriu as quotas da 9.ª Ré (havendo posteriormente cessão de quotas);

- O Autor também acumulou funções de diretor de serviços nesta empresa;

- Em 2006 foi constituída a 10.ª Ré (por BB);

- O Autor também acumulou funções de diretor de serviços nesta empresa;

- Em julho de 2007 foi constituída a 11.ª Ré (por BB, inicialmente com diferente denominação);

- O Autor também acumulou funções de diretor de serviços nesta empresa, tendo estado inscrito na Segurança Social;

- Em 04/10/2007 foi constituída a 12.ª Ré;

- O Autor também acumulou funções de diretor de serviços nesta empresa sob as ordens de BB;

- Em 2008 foi constituída a 13.ª Ré (inicialmente com outra denominação), tendo sido BB quem sempre geriu e facto e em exclusividade esta sociedade, embora só a partir 09/09/2008 adquirisse quotas;

- O Autor também acumulou funções de diretor de serviços nesta empresa sob as ordens de BB, sendo inscrito na Segurança Social como seu trabalhador em 01/02/2009;

- Com data de 09/08/2010 o Autor comunicou à 13.ª Ré a resolução do contrato de trabalho com justa causa (apenas a esta por ser a última para a qual foi inscrito na Segurança Social);

- Não lhe foram pagos os prémios dos anos de 2007 a 2009, com caráter de mensalidade como vinham sendo pagos.


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3. Por despacho de 13/06/2012 as Rés MB..., S.A. (2.ª Ré) E SOCIEDADE DE I..., Lda. (4.ª Ré) foram absolvidas da instância, por terem sido declaradas insolventes por sentenças transitadas em julgado em data anterior à propositura da ação.

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4. Por sentença de 18/09/2013, foi homologada a desistência da instância quanto às Rés M..., Lda. (1.ª Ré) e W..., Lda. (8.ª Ré).

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5. As Rés SE..., Lda (3.ª Ré), T..., S.A. (6.ª Ré), U..., Lda. (7.ª Ré), S..., Lda. (9.ª Ré), J..., Lda. (11.ª Ré) e T..., Lda. (13.ª Ré) foram citadas editalmente.

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6. Em 25.11.2013 o Ministério Público foi citado em representação das Rés ausentes.

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7. Em 27.11.2013, a Ré C..., Lda. (10.ª Ré) contestou.

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8. Em 28.11.2013, as Rés S..., S.A. (5.ª Ré) e LIFE GO – COMÉRCIO, SERVIÇOS E IMOBILIÁRIA, LDA. (12.ª Ré) contestaram.

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9. Em 20/01/2014, foi proferido Despacho Saneador, onde foi fixado à ação o valor de € 180.970,05, nos termos do número 2 do artigo 297.º do NCPC.

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10. Por despacho de 1/04/2014 foi determinada a notificação das contestações ao Autor.

Em 28/04/2014, o Autor respondeu às exceções invocadas pelas Rés.


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11. Por despacho de 5.03.2015, foi declarada extinta a instância quanto à Ré S..., S.A. (5.ª Ré), com fundamento na aprovação de Plano de Revitalização.

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12. Por despacho judicial de 30/08/2021, retificado por subsequente despacho judicial de 4/11/2021:

- As Rés SE..., Lda (3.ª Ré) e U..., Lda. (7.ª Ré) foram absolvidas da instância, por terem sido declaradas insolventes por sentenças transitadas em julgado em data anterior à propositura da ação;

- A instância foi julgada extinta por inutilidade superveniente da lide quanto à Ré J..., Lda. (11.ª Ré);

- Foi julgada extinta a instância quanto à Ré C..., Lda. (10.ª Ré), com fundamento na aprovação de Plano de Revitalização.

13. Por despacho de 1/02/2022, foi julgada extinta a instância quanto às Rés T..., S.A. (6.ª Ré) e S..., Lda. (9.ª Ré) e determinado o prosseguimento dos autos quanto às Rés LIFE GO – COMÉRCIO, SERVIÇOS E IMOBILIÁRIA, LDA. (12.ª Ré) e T..., Lda. (13.ª Ré).


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14. Foi proferido, com a mesma data de 1/02/2022, novo Despacho Saneador, onde foi julgada improcedente a nulidade de Ineptidão da Petição Inicial do Autor arguida pelas Rés e relegada para decisão final a exceção perentória da prescrição dos créditos laborais reclamados pelo demandante.

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15. Foi realizada Audiência de Julgamento, com observância do legal formalismo.

16. Em 27.06.2023, foi proferida sentença (retificada pelo despacho judicial de 24/01/2024), com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente o pedido formulado, declarando lícita a resolução do contrato operada pelo Autor e, consequentemente:

a) Condeno as Rés a pagar solidariamente ao Autor:

1- Indemnização pela justa causa no montante de 30.898,55 €;

2 - Férias já vencidas em Janeiro de 2010, no valor de 1.870,00 €;

3 - Férias não gozadas vencidas em Janeiro de 2010, no valor de 1.870,00 €;

4 - Subsídio de férias vencido em Janeiro de 2010, no valor de 1.870,00 €;

5 - Proporcional de subsídio de Natal de 2010, no valor de 1.246,66 €;

6 - Proporcional de férias a gozar em 2011, no valor de €. 1.246,66 €;

7 - Proporcional de subsídio de férias do ano de 2011, no valor de 1.246,66 €.

8 - A título de prémios dos anos de 2007, 2008 e 2009, o valor de 107.500,00 €,

9 - As referidas quantias serão deduzidas do valor de 27.500€, recebido pelo Autor;

10 - Às apuradas quantias acrescem juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, a contar de 10/08/10 até efetivo e integral pagamento (artigo 559.º, 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil);

b) No mais absolvo as Rés do pedido”.


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17. A Ré LIFE GO – COMÉRCIO, SERVIÇOS E IMOBILIÁRIA, LDA. (12.ª Ré) interpôs recurso de Apelação, que foi admitido e subiu a sua normal tramitação, tendo o Autor contra-alegado e em 9/09/2024, o Tribunal da Relação do Porto proferido Acórdão com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência decide-se alterar a alínea a) do dispositivo de modo que passa a ter a seguinte redação [mantendo-se no mais o decidido em 1.ª instância]:

a) Condeno as Rés a pagar solidariamente ao Autor:

1- Indemnização pela justa causa no montante de € 30.898,55;

2/3 - Férias já vencidas em janeiro de 2010, e não gozadas, no valor de € 1.870,00;

4 - Subsídio de férias vencido em janeiro de 2010, no valor de € 1.870,00;

5 - Proporcional de subsídio de Natal de 2010, no valor de € 1.246,66;

6 - Proporcional de férias a gozar em 2011, no valor de € 1.246,66;

7 - Proporcional de subsídio de férias do ano de 2011, no valor de € 1.246,66;

8 - A título de prémios dos anos de 2007, 2008 e 2009, o valor de € 107.500,00;

9- as referidas quantias serão deduzidas do valor de € 27.500,00, recebido pelo Autor;

10- às referidas quantias acrescem juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, sendo para a quantia referida em 1- desde 27/06/2023, e para as demais quantias desde 10/08/2010 até efetivo e integral pagamento”.


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18. A Ré LIFE GO – COMÉRCIO, SERVIÇOS E IMOBILIÁRIA, LDA. (12.ª Ré) veio interpor recurso de revista.

O Autor apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido por despacho de 6/11/2024.


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19. Foi determinada a subida do presente recurso de revista excecional, que tendo chegado a este Supremo Tribunal de Justiça, foi objeto de dois despacho judiciais, datados de 14/2/2025 e 18/03/2025, onde foi decidido, por se mostrarem verificados os requisitos gerais e especiais e legais de aceitação do mesmo, admiti-lo e remetê-lo à formação prevista no número 3 do artigo 672.º do NCPC, mas tão somente quanto à questão relativa à transação judicial celebrada entre as partes no âmbito do processo n.º 18036/11.4..., cuja certidão se mostra junta aos autos, tendo a matéria da prescrição de juros, por inexistência de dupla conforme, sido relegada para posterior apreciação no quadro da revista ordinária em que foi convolado, nessa parte, a revista excecional interposta pela Ré.

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20. A recorrente LIFE GO – COMÉRCIO, SERVIÇOS E IMOBILIÁRIA, LDA. (12.ª Ré) resume nas conclusões abaixo selecionadas a sua visão jurídica quanto à problemática da transação judicial, não se transcrevendo as conclusões referentes à prescrição dos juros de mora dos créditos laborais, por não ser integrar o objeto desta revista excecional e, por tal motivo, não dever nem poder ser apreciada por esta formação, nos termos e para os efeitos do número 3 do artigo 672.º do NCPC]:

«[…] R/ A celebração de acordo judicial quanto à questão objeto destes autos é questão fundamental e necessária, e determina a extinção da instância.

S/ Foi junta aos autos certidão judicial contendo sentença do Proc.º n.º 18036/11.4..., do Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., proferida em setembro de 2017, onde se pode ler: “FACTOS PROVADOS (...) 6. O arguido e o assistente já chegaram a acordo para resolução do citado processo laboral, obrigando-se a assistente a pagar ao arguido a quantia de 85.000,00 € em prestações mensais de 2.500,00€ cada uma, com garantia de hipoteca, como consta do documento junto no decurso da audiência de julgamento, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

T/ No caso, a transação celebrada pelas partes resulta das declarações do Autor em audiência de julgamento e de sentença judicial (proferida naquele Processo n.º 18036/11.4...).

U/ O efeito daquela transação – daquele “acordo laboral”, como as partes a ele se referiram, não foi outro senão o pôr fim à presente ação (e àquele processo crime).

V/ As partes conferiram ao acordo celebrado um nome (acordo laboral), declararam a sua celebração e a sua existência em Tribunal, perante Juiz e Magistrado do Ministério Público, o seu conteúdo é válido e regula o conflito de interesses que opõe recorrente e recorrido neste processo – tudo a confirmar a natureza de um contrato de transação.

X/ Deveria, por isso, o Tribunal a quo decidir em conformidade, qualificando como contrato de transação o acordo celebrado antes entre as partes - naquele processo nº 18036/11.4..., do Juízo Local Criminal ... – Juiz ....

Z/ Sobre o valor da sentença reza o art.º 671.º do CPCivil: “transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele.

A questão que aqui se (prossegue) discutindo foi decidida no acordo celebrado naquele processo – não podendo este prosseguir, nos termos que até aqui nos conduziram.

Termos em que, dando-se provimento à revista excecional, deve ser revogado o acórdão recorrido, reconhecendo-se que só são devidos juros dos últimos cinco anos, posto que os demais se mostram prescritos, e reconhecendo-se que a sentença que pôs termo ao identificado processo crime pôs também termo a este, assim se fazendo JUSTIÇA!»


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21. O Autor AA veio apresentar as suas contra-alegações, onde nas pertinentes conclusões, se pronunciou nos seguintes moldes quanto à interposição deste recurso de Revista Excecional:

«1- O presente recurso de revista excecional foi interposto nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC.

2 - O acórdão fundamento versa, e apenas aprecia e decide sobre a matéria atinente a juros, à prescrição dos juros, que não sobre a matéria constante das alíneas R) a Z) das conclusões do recurso.

3 - Sobre a qual se pronunciaram a 1.ª e a 2.ª Instância, quer em sede de matéria de facto, quer em sede de direito, verificando-se a “dupla conforme”.

4 - Por falta de fundamento legal, mormente ao abrigo do disposto no art.º 672.º, do CPC, este segmento do recurso não deve ser admitido, o que se requer.

[…]

17 - Face a tudo quanto se deixou escrito nesta alegação e pelo muito que douta e proficientemente Vossas Excelências suprirão, deve confirmar-se o acórdão recorrido, assim se fazendo serena, sã e objectiva JUSTIÇA»


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22. Cumpre decidir, tendo sido remetido previamente o projeto de Acórdãos aos restantes membros da formação e tendo estes últimos tido acesso ao processo no CITIUS.

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II. FACTOS

23. Com relevância para a decisão da única questão suscitada nos autos, há a considerar os factos provados e não provados que constam do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto [TRP] de 05/11/2024 e que correspondem aos já dados como assentes e não assentes pelo tribunal da 1.ª instância, na sua sentença:

1.º a 107.º - […]

108.º - No âmbito das conversações tidas entre as partes, com vista a alcançar um acordo nestes autos, foi paga ao Autor a quantia de € 27.500,00 [1].


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E foram considerados como NÃO PROVADOS os seguintes factos, que igualmente se reproduzem:

[…]


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III - QUESTÃO SUSCITADA AO ABRIGO DA ALÍNEA A) DO NÚMERO 1 DO ARTIGO 672.º DO NCPC [2]

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24. Recordemos aqui que este recurso de revista excecional foi interposto ao abrigo das alíneas a) e c) do número 1 do artigo 672.º do NCPC e por referência a duas matérias – prescrição dos juros de mora e transação celebrada entre as partes noutro processo – sendo que, como bem realça o Autor nas suas contra-alegações, a questão da exceção perentória da prescrição dos juros de mora radica-se nos fundamentos previstos nas duas referidas alíneas, ao passo que a segunda questão se consubstancia apenas na alínea a) do número 1 do artigo 672.º do CPC/2013.

Logo, será apenas com base em tal motivo legal que iremos abordar o objeto desta revista excecional.


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25. Nos termos e para os efeitos do art.º 672.º, n.º 1, alínea a), reclamam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça as questões “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, como tal se devendo entender, designadamente, as seguintes:

– “Questões que motivam debate doutrinário e jurisprudencial e que tenham uma dimensão paradigmática para casos futuros, onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa ser utilizada como um referente.” (Ac. do STJ de 06-05-2020, Proc. n.º 1261/17.1T8VCT.G1.S1, 4.ª Secção).

– Quando “existam divergências na doutrina e na jurisprudência sobre a questão ou questões em causa, ou ainda quando o tema se encontre eivado de especial complexidade ou novidade” (Acs. do STJ de 29-09-2021, P. n.º 681/15.0T8AVR.P1.S2, de 06-10-2021, P. n.º 12977/16.0T8SNT.L1.S2, e de 13-10-2021, P. n.º 5837/19.4T8GMR.G1.S2).

– “Questões que obtenham na Jurisprudência ou na Doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação que suscite problemas de interpretação, nos casos em que o intérprete e aplicador se defronte com lacunas legais, e/ou, de igual modo, com o elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, em todo o caso, em todas as situações em que uma intervenção do STJ possa contribuir para a segurança e certeza do direito.” (Ac. do STJ de 06-10-2021. P. n.º 474/08.1TYVNG-C.P1.S2).

– “Questões que obtenham na jurisprudência ou na doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação com elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, suscetíveis, em qualquer caso, de conduzir a decisões contraditórias ou de obstar à relativa previsibilidade da interpretação com que se pode confiar por parte dos tribunais.” (Ac. do STJ de 22-09-2021, P. n.º 7459/16.2T8LSB.L1.L1.S2).

– Questão “controversa, por debatida na doutrina, ou inédita, por nunca apreciada, mas que seja importante, para propiciar uma melhor aplicação do direito, estando em causa questionar um relevante segmento de determinada área jurídica” (Ac. do STJ de 13-10-2009, P. 413/08.0TYVNG.P1.S1).

– “Questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclame aturado estudo e reflexão, ou porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores, ou porque se trata de questão nova, que à partida se revela suscetível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, suscetíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo STJ para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir.” (Ac. do STJ de 02.02.2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1).


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26. Debrucemo-nos então sobre a única questão que foi remetida para apreciação por esta formação, de maneira a apurarmos se os exatos contornos em que a mesma se acha suscitada e discutida pelas partes nos seus articulados e alegações e tratada pelas instâncias, lhe confere a relevância jurídica proeminente reclamada pela alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC.

Ora, se atentarmos na Factualidade dada como Provada e Não Provada na presente ação, veremos que apenas o Ponto 108.º dos Factos Assentes se refere a negociações realizadas no âmbito destes autos com vista a um eventual acordo a firmar entre as partes e que terá dado lugar ao pagamento ao Autor da quantia

Verifica-se, no entanto, que não é essa situação descrita no nosso processo, no referido Ponto 108.º, mas antes a uma genuína e concretizada transação realizada nesta ação e que terá sido dada como provada num outro processo de natureza criminal, com eventual formulação de pedido cível que a recorrente se refere.

A notícia dessa transação celebrada entre o Autor e as Rés contestantes – sendo a recorrente (12.ª Ré) e a T..., Lda. (13.ª Ré) as únicas sobreviventes das treze inicialmente demandadas pelo recorrido - chega aos autos já na fase do julgamento dos mesmos e vem fundada numa certidão judicial extraída de um processo-crime e apresentada nessa altura e conjuntamente com o respetivo requerimento avulso.

27. O Aresto proferido pelo Tribunal da Relação do Porto e aqui objeto de recurso, ao decidir a nulidade de sentença da alínea d) do número 1 do artigo 615.º do NCPC [omissão de pronúncia] que foi invocada no recurso de Apelação, relativamente à decisão da 1.ª instância, faz-nos uma descrição e apreciação do que esse respeito se passou nesta ação que se revelam muito pertinentes:

«Da nulidade da sentença:

A Recorrente alega ser nula a sentença, por omissão de pronúncia [art.º 615.º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil], porque, diz, o tribunal a quo não se pronunciou sobre acordo que as partes lograram obter na pendência do processo, que determinaria a extinção da instância por composição do litígio.

O Recorrido contrapôs que a transação referida pela Recorrente nunca foi celebrada, muito menos formalizada.

Vejamos.

[…]

No caso sub judice, está em causa a alegada junção de “transação” por requerimento de 02/05/2023, sobre a qual, segundo diz a Recorrente, o tribunal a quo não se pronunciou na sentença.

Sucede que, compulsado o processo, constatamos que, depois de juntos os documentos, mas antes da prolação da sentença, teve lugar sessão de julgamento, em 11/05/2023, na qual foram proferidos despachos que versaram sobre o dito requerimento de 02/05/2023, e resposta ao mesmo pelo Autor em 09/05/2023, despachos esses que não foram objeto de recurso.

Ressalta daqui, desde já, que a alegada omissão de pronúncia da sentença carece de fundamento, porquanto houve despachos proferidos sobre o requerimento que procedeu à junção de alegada “transação”, nada impondo que a sua apreciação tivesse que ser em sentença.

Mas para melhor perceção resumamos o que se passou no processo aquando da junção em causa:

Na sessão de julgamento que teve lugar em 18/04/2023, na qual foi ouvido o Autor em declarações de parte, foi proferido despacho com o seguinte teor:

«No seguimento das declarações prestadas até este momento pelo Autor, e face à informação de que terá existido um princípio de acordo escrito e ainda de que terão sido feitos pagamentos ao Autor, nesse âmbito, determino que se notifique ambas as partes para, em 10 dias, virem aos autos juntar esse acordo extra judicial, caso este exista.

A presente audiência prosseguirá no próximo dia 11/05/2023, pelas 15:00 horas, para a continuação da recolha do depoimento de parte do Autor e para as alegações finais.

Notifique.»

No seguimento desse despacho, em 02/05/2023, a 12.ª Ré apresentou requerimento com o seguinte teor (anexando documentos):

«LIFE GO – Comércio, Serviços e Imobiliária, Lda., Ré nos autos, vem requerer a junção dos documentos que o advogado signatário referiu na última sessão e que são demonstrativos do acordo oportunamente celebrado e assim formalizado entre o Autor, a Ré e o Senhor BB e os respetivos advogados.»

Em 09/05/2023 o Autor exerceu o contraditório sobre essa junção de documentos e juntou um documento, alegando, no que ora importa e em síntese, que não foi concretizado qualquer acordo entre as partes.

Na sessão de julgamento que teve lugar em 11/05/2023, foram proferidos despachos com o seguinte teor [reproduzindo-se em parte a respetiva ata]:

«Neste momento, pela Mm.ª Juiz, foi proferido o seguinte:

DESPACHO

Na passada sessão de julgamento de 18 de abril foi determinado que as partes juntassem aos autos, caso o mesmo existisse, o acordo “extra judicial”. A Ré LIFE GO no requerimento de 02 de maio veio juntar uma série de documentos entre os quais 3 requerimentos dirigidos a estes autos denominados: “transação”; “cheques”; “emails”; requerimentos dirigidos a estes autos e a um processo de insolvência e atas e despachos proferidos em vários processos.

Ora, tendo em conta que o Tribunal apenas determinou a junção do acordo extra judicial alcançado entre as partes, o disposto no art.º 423.º do CPC, o facto de não se vislumbrar qualquer relevância para a decisão da causa na junção dos demais documentos e tendo por fim em conta que a junção dos emails com negociações malogradas está vedada pelo art.º 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, admito a junção dos requerimentos denominados “transação” (3), não admitindo os demais, determinando o seu desentranhamento.

De igual forma, não admito a junção do Doc. pretendido pelo Autor no requerimento de 09 de maio de 2023.

Notifique.


*

Seguidamente, a Mm.ª Juiz, proferiu o seguinte:

DESPACHO

Da prova produzida, mormente das declarações prestadas pelo Autor, resultou que no âmbito das conversações tidas entre as partes, com vista a alcançar um acordo nestes autos, foi paga ao Autor a quantia de € 27.500,00.

Entende o Tribunal, que tal facto poderá vir a ser considerado na decisão a proferir ao abrigo do disposto no artigo 72.º, n.º 1 do CPT.

Assim, por forma a evitar a prolação de decisões surpresa, determino a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem quanto a esta possibilidade adiantada pelo Tribunal, e bem assim para querendo, indicarem prova quanto a esta factualidade.

Notifique.


*

Neste momento, dada a palavra ao Ilustre Mandatário do Autor pelo mesmo foi dito nada ter a objetar, encontrando-se os conteúdos do seu requerimento gravado no sistema integrado de gravação digital disponível neste Tribunal.

De seguida, dada a palavra ao Ilustre Mandatário da Ré LIFE GO, pelo mesmo foi dito nada ter a opor ao mesmo, tendo apresentado requerimento, cujo conteúdo se encontra igualmente gravado no sistema de gravação do Tribunal.

Pela Digna Procuradora, foi dito nada ter requerer quanto ao despacho ora proferido.

Após, a Mm.ª Juiz, proferiu o seguinte:

DESPACHO

Mostrando-se esgotado o poder jurisdicional do Tribunal relativamente aos requerimentos de 02 e 09 de maio de 2023 com despacho acima proferido, nada a determinar.

Notifique.»

Ora, como se vê, foi admitida, de entre os juntos em 02/05/2023, a junção dos requerimentos denominados “transação” (3), não sendo admitidos os demais, entre eles certidão de sentença proferida em processo crime e prints de emails, donde não se poder invocar, como faz a Recorrente, esses documentos [cuja junção não foi admitida, sem que esse despacho fosse impugnado – como é consabido cabe recurso de apelação (autónomo) das decisões que não admitam um meio de prova (art.º 79.º-A, n.º 2, al. d) do Código de Processo do Trabalho)].

Na verdade, a Recorrente para sustentar a existência de transação, diz resultar de documentos subscritos por mandatários das partes (que constam dos autos), mas em especial das declarações do Autor em audiência de julgamento e de sentença judicial (proferida naquele Processo n.º 18036/11.4...) – cujo desentranhamento dos autos foi (mal) determinado.

É que, nos documentos cuja junção foi admitida, está em causa requerimento, em folha com o nome do mandatário do Autor, dirigido a este processo, pedindo a homologação de transação entre o Autor e 9 Rés, mas não consta que tal requerimento tenha dado entrada no processo por iniciativa das partes [como se viu supra, a instância encontra-se ativa apenas em relação a 2 Rés], a solicitar a homologação de acordo, ao que acresce que esse requerimento, que contém cláusulas encimadas com a palavra “TRANSAÇÃO”, tem os espaços destinados a assinatura [onde se encontra escrito “A AUTORA” e “AS RÉS”] em branco.

Ou seja, não existe subscrição do requerimento em si, seja pelas partes, seja pelos seus mandatários.

Daqui resulta que a situação não se pode configurar como de apresentação de requerimento no processo a solicitar homologação de transação subscrita pelas partes que ficasse por apreciar, pois o que foi junto foi cópia de requerimento sem assinatura das partes na sequência de notificação do tribunal para junção de acordo extra judicial, caso este exista.

De todo o modo, o tribunal a quo considerou, e assim o expressou, que com a prolação dos despachos na sessão de julgamento antes de ser proferida a sentença [sobre os quais não foi apresentado recurso, reafirma-se], com a sua prolação, repete-se, ficou esgotado o poder jurisdicional do Tribunal relativamente aos requerimentos de 02 e 09 de maio de 2023 com o despacho acima proferido, nada [havendo] a determinar.

Assim, é cristalino que os requerimentos de 02 e 09 de maio de 2023 foram apreciados, não se podendo de todo falar de omissão de pronúncia da sentença [é a nulidade da sentença que está invocada].

Em suma, sem necessidade de considerações mais desenvolvidas, concluímos que a alegação da Recorrente tem subjacente discordância com despachos que não foram impugnados, mas não se verifica a nulidade apontada pela Recorrente à sentença recorrida, improcedendo o recurso nesta parte.»


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28. Ora, chegados aqui e face ao único facto dado como assente [108.º] - onde se faz apenas menção a negociações e ao pagamento de um dado montante ao Autor, que nem sequer corresponde à importância substancialmente superior avançada pelas Rés como resultado final do pretenso «acordo» - e ao que se passou na ação quanto à invocada mas nunca comprovada «transação extrajudicial», conforme ressalta do relato fidedigno efetuado pelo TRP, com base nas Atas das sessões de julgamento, afigura-se-nos por demais evidente que inexiste demonstrado no processo qualquer ato real, genuíno, completo e assinado que possa ser material e juridicamente qualificado como uma «transação extrajudicial» e que, nessa medida, seja suscetível de produzir quaisquer efeitos de direito no seio do complexo pleito carreado para esta ação.

Importa realçar que a recorrente – ou a outra Ré ainda a funcionar – não interpuseram oportuno recurso de Apelação do despacho judicial que em sede de Audiência Final, rejeitou os demais documentos para além daquele que continha uma mera minuta ou proposta de acordo entre as partes [que, frize-se, não estava assinado por ninguém], o que acarreta que o dito despacho judicial transitou em julgado e que se constituiu o inerente caso julgado formal.

Logo, encontrando-se este Supremo Tribunal de Justiça face a uma falsa ou, talvez mais exatamente, a uma não-questão, que não pode ser analisada e configurada nos termos e para os efeitos da alínea a) do número 1 do artigo 672.º do CPC/2013, é manifesta a improcedência deste recurso de revista excecional.


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IV – DECISÃO

29. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 672.º, números 1, alínea a) e 3 do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça e pelos fundamentos expostos, em não admitir o presente recurso de Revista excecional interposto pelo Autor LIFE GO – COMÉRCIO, SERVIÇOS E IMOBILIÁRIA, LDA. quanto à questão suscitada [transação entre as partes efetuada no processo].

Custas do presente recurso pela Ré recorrente - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa, 15 de maio de 2025

José Eduardo Sapateiro - Juiz Conselheiro relator

Mário Belo Morgado – Juiz Conselheiro Adjunto

Júlio Gomes – Juiz Conselheiro Adjunto

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1. «Ficou consignado antes deste ponto o seguinte: factos que são a concretização das conclusões contidas no artigo 10.º da contestação e que, apesar de não alegados, aqui se aditam ao abrigo do desposto no artigo 72.º do CPT.» - NOTA DE RODAPÉ DA FACTUALIDADE TRANSCRITA COM O NÚMERO 6.↩︎

2. As referências teóricas e jurisprudenciais constantes da presente fundamentação, assim como dois dos pontos do Sumário, foram extraídos, com a devida vénia, dos dois Acórdãos de 11/9/2024 e de 12.04.2024, proferidos, respetivamente, no Processo n.º 511/20.1T8FAR.E1.S2 (revista excecional) e no Processo n.º Processo n.º 3487/22.7T8VIS.C1.S1 (revista excecional), ambos relatados pelo Juiz Conselheiro MÁRIO BELO MORGADO.↩︎