JUS VARIANDI
FUNDAÇÃO
DIREITO PRIVADO
IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
Sumário


1. Do mesmo modo que não é suficiente um nome para que haja uma categoria também não será suficiente que se designe uma importância como subsídio de funções para excluir a presunção de que tal importância integra a retribuição e está abrangida pelo princípio da irredutibilidade da retribuição quando tais funções não têm real autonomia e não correspondem a um cargo na orgânica da Ré.
2. Como se afirma no Parecer n.º 160/2004, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, "[a] identificação das pessoas coletivas como públicas ou privadas decorrerá da análise casuística da sua finalidade, modo de criação, titularidade de poderes de autoridade e integração, por forma a concluir pela predominância ou não dos seus atributos administrativos”.

Texto Integral


Processo n.º 1935/21.2T8LSB.L1.S2

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

1. Relatório

AA intentou contra Fundação Inatel ação declarativa de condenação com processo comum, formulando os seguintes pedidos:

“NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, respeitosamente supridos por V. Exa., deve a presente ação ser recebida porque tempestiva e fundamentada e na sequência, condenar-se a R. a:

a) Reintegrar a A. na Divisão de Turismo, no cargo e funções de Coordenadora do ... INATEL Turismo, ou em função atual e equivalente, com efeitos desde Outubro de 2014;

b) Reconhecer à A. a retribuição base mensal de Euros. 2.808,01 ou a quantia que corresponder àquele cargo, se for mais elevado, com efeito na data da entrada desta ação;

c) Pagar à A. as seguintes quantias:

i) Euros. 34.206,24, a título de férias, subsídio de férias e de natal não pagos no período de 2 de julho de 2002 a 01 de julho de 2008, acrescido de juros de mora vencidos de Euros. 17.103,12 e vincendos até efetivo e integral pagamento;

ii) Euros. 86.000,78, a título de prestações de carácter retributivo não pagas pela R. à A. no período de Julho de 2008 até 31 de Dezembro de 2020 acrescido de juros de mora vencidos de Euros. 43.000,00 e vincendos até efetivo e integral pagamento;

iii) Euros. 3.742,34, a título de redução indevida da retribuição de base no período de 2013 até setembro de 2016, acrescido de juros de mora vencidos de Euros. 1.047,86 e vincendos até efetivo e integral pagamento;

iv) Euros. 22.400,00, a título de prestações de carácter retributivo respeitantes ao apelidado subsídio de função excluídas do vencimento da R. em Maio de 2016 até 31 de Dezembro de 2020, acrescido de juros de mora vencidos de Euros. 3.584,00 e vincendos até efetivo e integral pagamento;

v) Euros. 7.263,34, a título de prestações de carácter retributivo respeitantes às apelidadas despesas de representação excluídas do vencimento da R. em Dezembro 2019 até 31 de dezembro de 2020, acrescidas de juros de mora vencidos no valor de Euros. 290,53 e vincendos até efetivo e integral pagamento;

vi) Euros. 15.000,00 a título de indemnização por danos morais;”.

A Ré contestou.

Foi proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento.

Em 18.06.2022, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

Por tudo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e em consequência:

A. Declaro ilícito o recurso da ré ao instituto da mobilidade funcional ou ius variandi no que respeita à autora e ao período temporal iniciado no mês de Dezembro de 2019 e até à atualidade, com e para todos os efeitos.

B. Condeno, em consequência do acima exposto em A., a ré a reintegrar a autora na Divisão de Serviços de Turismo, bem como a confiar à mesma autora efetivas funções inerentes à sua categoria de técnica superior de grau III.

C. Condeno a ré a pagar à autora indemnização no valor total de € 5.000,00 (Cinco mil euros), por força dos danos não patrimoniais acima apurados e na decorrência da conduta acima exposto em A.

D. Sobre a quantia acima determinada em C. são devidos juros de mora, computados às sucessivas taxas legais, até efetivo e integral pagamento (artigos 804.º, 805.º n.º 2, alínea a), e 806.º do Código Civil e Portarias n.º 171/1995, de 25 de Setembro; n.º 263/1999, de 12 de Abril e n.º 291/2003, de 8 de Abril).

E. Absolvo a ré do mais peticionado pela autora, face à manifesta ausência de prova”.

A Autora interpôs recurso de apelação. A Ré interpôs recurso subordinado.

Por acórdão de 10.04.2024, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu julgar:

“a) o recurso da A. improcedente;

b) o recurso da R. parcialmente procedente e revoga a sentença recorrida na parte em que condenou a ré a pagar à autora a indenização de € 5.000,00 por danos não patrimoniais.

No mais confirma a sentença recorrida”.

Inconformada, a Autora veio interpor recurso de revista simultaneamente recurso de revista comum e de revista excecional do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Lisboa em 10.04.2024, para a Secção Social deste Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto nos artigos 671.º, n.º 1, e 672.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil.

O recurso de revista excecional foi admitido pelo douto Acórdão da Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do Código do Processo Civil junto desta Secção Social proferido a 29.01.2025.

Por sua vez, o recurso de revista comum veio a ser recebido pelo despacho proferido pelo Relator a 21.02.2025.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Nas Conclusões do seu recurso a Recorrente começa por invocar uma nulidade do Acórdão recorrido que resultaria, ao abrigo do disposto nos artigos 674.º, n.º 1, al. c), 666.º e 615.º, n.º 1 al. c) do CPC., de uma contradição entre a decisão e os fundamentos da mesma. E isto porquanto o Acórdão recorrido embora reconhecendo o recurso ilícito pela Ré da mobilidade funcional ou ius variandi entre dezembro de 2009 e a data da propositura da ação, condenando a Ré a reintegrar a Autora na divisão de serviços de turismo, mas mantendo “a decisão de licitude da exclusão do vencimento da Autora do subsídio de função atribuído aquando da afetação ao cargo de Coordenadora do ... com fundamento na reversibilidade e transitoriedade limitada das alegadas funções” (Conclusão n.º 1). Afirma, assim, que “não pode motivar-se a exclusão do subsídio de função de Euros. 400,00 mensais por se tratar de funções reversíveis e temporariamente exercidas pela Autora, dado que esta transitoriedade é indeterminada e indefinida no que à Autora diz respeito” (Conclusão n.º 7).

Sustenta, seguidamente, o seu direito a uma compensação por danos não patrimoniais ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido. Sublinha que o comportamento da Ré a que a Autora foi sujeita com a sua continuada afetação a funções muito diversas das que eram o objeto do seu contrato lhe causou um sentimento de injustiça: Se tal percurso tivesse sido leve e alegre ou até simplesmente devido e resultante de uma carreira previamente determinada, não se tinha demonstrando qualquer tristeza ou sentimento de injustiça. Estes sentimentos revelaram-se na sequência do tratamento pouco digno e humilhante a que a Fundação INATEL votou a A. ao longo destes anos e que culminou no facto de, atualmente, se encontrar afeta a um Departamento com o qual nenhuma das suas habilitações académicas e habilidades profissionais se encontra consentâneo (…)” (Conclusão n.º 16). Por conseguinte pede que seja repristinada a condenação da Ré no pagamento de cinco mil euros de compensação por danos não patrimoniais decidida pela a sentença de 1.ª instância, acrescida dos devidos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento (Conclusão n.º 19).

Sobre a aplicação das Leis do Orçamento Geral do Estado à Inatel refere que:

“Com apublicaçãodoDecreto-Lein.º106/2008de 25dejunho foiextinto [o] Instituto de Direito Publico e criada a Fundação sujeita a direito privado, transitando o pessoal do quadro do instituto, com iguais direitos, benefícios e deveres para o quadro da Fundação, cfr. art. 9.º daquele diploma” (Conclusão n.º 27)

“Determina-se no art. 4.ºdo DL 106/2008 e no art. 1.º dos Estatutos da Fundação INATEL que esta é uma pessoa coletiva de direito privado de natureza fundacional e regula-se nos arts. 43.º e 44.º destes Estatutos que o regime aplicável aos trabalhadores da Fundação INATEL é o regime privado, quer da legislação laboral quer o contributivo” (Conclusão n.º 28).

“Por sua vez, o estatuto de utilidade publica é conferido à Fundação INATEL relegando-se para o DL 460/77 de 7 de novembro na redação que lhe foi conferida pelo DL 391/2007 de 13 de dezembro”. (Conclusão n.º 29)

Sustenta, assim, que sendo a Fundação Inatel “uma pessoa coletiva de direito privado, ainda que com utilidade pública, não se encontra abrangida pelos cortes salariais determinados pelas Leis do Orçamento de Estado dos anos de 2013 a 2016” (Conclusão n.º 33).

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.

A Ré respondeu ao Parecer, manifestando a sua concordância com o mesmo.

2. Fundamentação

De Facto

1. A autora celebrou com a ré “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, com a duração de seis meses e com início a 03-01-2000 para exercer as funções de técnica Superior Estagiária, Nível 1, Escalão 1 (documento n.º 1 junto com a PI, a fls. 25 e 25 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

2. A 03-7-2000 o aludido contrato foi renovado pelo prazo de 1 ano, através da celebração de acordo com a epígrafe “Contrato de Trabalho a Termo Carto - Renovação” (documento n.º 2 junto com a PI, a fls. 26 e 26 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

3. Voltou a ser renovado a 02-7-2001, com termo previsto a 02-7-2002 (documento n.º 3 junto com a PI, a fls. 27 e 27 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

4. Por tais funções a autora auferia um salário de € 927,76 inicialmente e de € 1.283,60 no ano de 2002 (documentos n.ºs 4 a 9 junto com a PI, a fls. 28 a 30 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

5. Dá-se aqui por reproduzido o teor da “Informação n.º 36” de 17-6-2002 com o assunto “Proposta de integração da funcionária AA”, a qual foi subscrita pela então ... de turismo da ré - Sra. Dra. BB - (documento n.º 10 junto com a PI, a fls. 31 a 32 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido). Através da referida Informação é proposto que a autora fosse integrada nos quadros da ré.

6. Através de comunicação datada de 12-6-2002, a ré comunicou à autora que não pretendia renovar o contrato de trabalho a termo certo, pelo que considerava o mesmo cessado a 02-7-2002 (documento n.º 11 junto com a PI, a fls. 33, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

7. De todo o modo, a autora continuou a desempenhar funções para a ré e a auferir salário (cfr. recibos de vencimento aos meses de Julho de 2002 e de Setembro de 2002, juntos como documentos n.ºs 12 e 13 da PI, a fls. 33 verso e 34, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido). De tais recibos, a título indicativo, consta a seguinte categoria: Técnica Superior Grau I.

8. A 16-10-2002, a Sra. Dra. BB, na qualidade de ...de Departamento de Turismo e Férias da autora, subscreve a “Informação n.º 47”, através da qual requer a contratação da autora em regime de prestação de serviços, fundamentando, nomeadamente, com a necessidade de preparar a elaboração da brochura “Turismo ...” (documento n.º 14 junto com a PI, a fls. 34 verso e 35, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

9. A 21-10-2002 a ré celebra acordo com a epígrafe “Contrato de Prestação de Serviços” com a autora pelo período de um ano (documento n.º 15 junto com a PI, a fls. 35 verso e 36 / com repetição a fls. 183 verso e ss, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido), sendo que se passa a transcrever os seguintes excertos:

“(…) Primeira (Objeto) – O segundo outorgante obriga-se a prestar ao primeiro outorgante os seus serviços de Assessoria Técnica ao Departamento de Turismo e Férias, na área da programação de viagens.

Segunda (Retribuição) – Pelos serviços prestados, receberá o segundo outorgante a quantia mensal ilíquida de 1.748,24 € (Mil Setecentos e Quarenta e Oito Euros e Vinte e Quatro Cêntimos), mediante a prévia entrega de Nota de Honorários acompanhada de Recibo do mod. n.º 6, devidamente preenchido.

Terceira (Despesas por conta e em Nome do Cliente) – No desempenho dos serviços referidos na cláusula primeira, o segundo outorgante receberá, a título de honorários, o valor das deslocações (Kms) e a título de adiantamento para pagamento de despesas por conta e em nome do cliente, as outras despesas previstas na Nota de Honorários. Não haverá, em qualquer circunstância, lugar ao pagamento de ajudas de custo.”.

10. Pela alegada prestação de serviços a autora emitiu ao longo de 2002 e até Setembro de 2006, de forma constante e com periodicidade mensal os vulgarmente denominados recibos verdes, naquele valor (documentos n.ºs 16, 17, 18, 19 e 20 juntos com a PI, a fls. 36 verso a 40 verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido).

11. A “Informação n.º 153”, datada de 10-10-2003 e com o assunto “Renovação de contrato celebrado com a licenciada AA” a Sra. Dra. BB - ... do Departamento de Turismo e Férias - solicita a renovação do contrato de prestação de serviços da autora (documento n.º 21 junto com a PI, a fls. 41 e 41 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

12. A autora manteve-se ligada à ré através de contratos de prestação de serviços sempre a exercer as mesmas funções até ao mês de Julho de 2008.

13. Através da “Ordem de Serviço n.º 13/2008” de 9-7-2008, a autora foi integrada nos quadros da ré com efeitos a 03-01-2000 (documento n.º 22 junto com a PI, a fls. 42 e 42 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

14. Desde Outubro de 2006 até final de Junho de 2008 a autora recebeu da ré, ao abrigo do contrato de prestação de serviços, a quantia mensal, constante e periódica de € 2.132,56 (documentos n.ºs 32 a 45 juntos com a PI, a fls. 49 a 55 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

15. Em Julho de 2008, a autora foi integrada nos quadros da ré na categoria de Técnica Superior de Grau II, com efeitos retroativos a 03-01-2000 (documento n.º 22 junto com a PI, a fls. 42 e 42 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

16. À autora foi pago no mês de Agosto de 2008 uma retribuição base de € 1.634,09 (documento n.º 46 junto com a PI, a fls. 56, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

17. No ano de 2008, à autora foi pago a título de subsídio de férias e de Natal, cada, de € 817,05 (documento n.º 47 junto com a PI, a fls. 56 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

18. No ano de 2009 a autora auferiu a retribuição base de € 1681,47 (documento n.º 48 junto com a PI, a fls. 57, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

19. Dá-se aqui por reproduzido o teor dos recibos de vencimento respeitantes a Novembro de 2010, Dezembro de 2011, Dezembro de 2012 (documentos n.ºs 49 a 51 juntos com a PI, a fls. 57 verso a 58 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

20. O presidente do conselho de administração da ré subscreve a Ordem de Serviço n.º 15/2013 datada de 19-02-2013, na qual se determina uma redução do valor da retribuição e do subsídio de Natal, e a suspensão do pagamento do subsidio de férias (documento n.º 52 junto com a PI, a fls. 59 a 59 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

21. Na decorrência, é retirado à autora, no ano de 2013, o valor correspondente a 3,5% sobre a sua retribuição de base e idêntica percentagem no subsídio de Natal e de férias, cujo pagamento não foi suspenso, mas reduzido.

22. Por conseguinte, todos os meses e no decurso do ano de 2013, assim como nos subsídios de ferias e de Natal foi retirado à autora a quantia de € 59,32, num total de € 830,48 (documentos n.ºs 53 a 64 juntos com a PI, a fls. 60 a 65 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

23. Nos anos de 2014 a 2016 o vencimento da autora sofreu oscilações.

24. Dá-se aqui por integralmente reproduzido a “Estrutura Orgânica e Quadro Funcional da Direção de Turismo e Hotelaria”, a qual integra a Comunicação de Serviço n.º 83/2009 datada de 24-6-2009 (documento n.º 2 junto pela ré através do requerimento de 16-9-2021, a fls. 185 verso e ss), do qual se destacam os seguintes aspetos com relevo para a presente Decisão:

A Direção de Turismo e Hotelaria é composta por duas subdireções: Turismo e Hotelaria.

A Direção de Turismo é subdividida na área de Programação e na área de Operações.

25. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o “Organograma e Competências das Unidades Locais Orgânicas da Fundação”, a qual integra a Circular Regulamentar n.º 003/2016 datada de 24-3-2016 (documento n.º 4 junto pela ré através do requerimento de 16-9-2021, a fls. 188 e ss), do qual se destacam os seguintes aspetos com relevo para a presente Decisão:

- as anteriormente denominadas “divisões” correspondem atualmente às divisões de serviços.

- as anteriormente denominadas “áreas” correspondem atualmente aos núcleos.

A Direção de Turismo e Hotelaria é composta por duas subdireções: Turismo e Hotelaria.

A Direção de Turismo é subdividida na área de Programação e na área de Operações.

26. A autora é licenciada em Gestão e Planeamento de Turismo pela Universidade de ..., tendo iniciado o seu percurso profissional com um estágio não remunerado no então Instituto Público Inatel, hoje Fundação e aqui Ré, em Outubro de 1996 (documento n.º 101 junto com a PI, a fls. 104 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

27. Após o estágio frequentado na ré a autora dedicou-se a outros projetos nacionais e internacionais, tendo regressado à ré após convite no ano de 2000, conforme consta do respetivo curriculum vitae (documento n.º 102 junto com a PI, a fls. 105, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

28. No ano de 2008, a autora foi responsável pela elaboração e supervisão do Programa Governamental ..., atribuído ao Departamento de Turismo da ré, e responsável pela implementação da 1.ª Edição do Programa ....

29. Naquelas funções a autora coordenava e tinha a seu cargo uma equipa que a ajudava a implementar os programas, cuja execução e concretização, tinha sob a sua responsabilidade.

30. Em concomitância com semelhantes atribuições a autora desempenhou até sensivelmente finais de Setembro de 2014 as funções de International Product Manager e ainda lecionou a disciplina de ... no curso ministrado pela Academia Inatel.

31. No período em que a autora assumiu funções como Coordenadora do ..., “Inatel Turismo” auferiu, para além da retribuição de base, um “subsídio de função” no valor de € 400,00 (doc. n.ºs 74,75 e 76 juntos com a PI, cujo teor se considera integralmente reproduzido).

32. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da “Informação n.º 320” datada de 16-9-2014, a qual foi dirigida pela autora ao presidente do conselho de administração da ré, da qual se destacam os seguintes excertos (documento n.º 103 junto com a PI, a fls. 107 verso e 108, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido):

“(…) Ao longo dos tempos tenho visto a minha evolução na carreira barrada, ora por imposições governamentais, ora por constrangimentos vários de gestão, ora pela situação económica da FI verbalizada.

Gostaria ainda de salientar, que em 2008 foi proposto pela ... do extinto Departamento de Turismo e Férias a minha ocupação ao cargo de chefia de divisão, e que tal proposta foi recusada pelo Conselho de Administração da altura cujas razões desconheço.

(…)

Atualmente faço parte de uma equipa que conta comigo todos os dias na interajuda, na organização, no know-how, na experiência e nas soluções. Esta equipa coloca nos pontos de venda da FI e agências externas toda uma diversidade de produtos criativos de natureza nacional e internacional.

Tenho conhecimento do esforço que a Dra. CC tem feito, no sentido de minimizar discrepâncias e resolver situações críticas e herdadas na Direção de Turismo. Tenha ainda plena consciência que o meu nome não faz parte da lista de pessoas para as propostas de reclassificação, uma vez que a Dra. CC, tentou minimizar as solicitações a um número restrito de pessoas sob pena de não ser aceite pelo CA a resolução das questões de grande injustiça existentes.

Sr. Presidente, após a comunicação de serviço nº 164/2014 publicada a 27 de agosto, sinto necessidade de quebrar o meu silêncio de sempre no que diz respeito a pedido de reclassificações, apesar de ainda considerar que devemos ser requalificados pelo bom desempenho do nosso trabalho e não por solicitações próprias.

Ao fim deste tempo de espera e a contrariar um pouco aquilo que julguei ser a postura correta, considero que não devo aguardar que a luz ao fundo do túnel se acenda por si ´só. Neste sentido e com a concordância da Dra. CC, solicito-lhe que considere a possibilidade de uma requalificação para Técnica Superior de Grau III (escalão 2).

(…)”.

33. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da “Comunicação de Serviço n.º 075/2015” de 04-5-2015 (documento n.º 104 verso junto com a PI, a fls. 108 verso, com repetição a fls. 187 verso e ss, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido) e do qual se destacam os seguintes excertos:

“(…) Assunto: Nomeação da Coordenadora do ... “Inatel Turismo”

Para efeitos de gestão operacional e reorganização da Direção Turismo, a colaboradora AA é nomeada coordenadora do ... “Inatel Turismo”.

Considerando que a ordem de serviço nº 20/2012 de 14 de Dezembro que delega competências para autorização de despesas com empreitadas e aquisição de bens e serviços, não prevê o referido cargo, importa atribuir as suas competências. Assim, o Conselho de Administração, em Reunião de 23/04/2015, Ata nº 199, delibera delegar no titular deste cargo competências para a autorização de despesas com aquisição de bens e equiparados, ou seja despesas até ao valor de 2.500€ (…) bem como competência para a autorização de férias e ausências dos colaboradores sob a sua dependência. A realização de despesas e atos realizados no âmbito destas funções pressupõem sempre o cumprimento dos princípios enunciados na ordem de serviço citada (nº 20/2012).

A presente Comunicação de Serviço tem efeitos imediatos.

Lisboa, 04 de Maio de 2015

O Gabinete de Apoio ao Conselho

(DD)”.

34. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da “Informação de Serviço n.º 180/DHT-DST/2016” de 18-4-2016 (documento junto pela ré a 8-12-2021, fls. 222 e ss) e do qual se destacam os seguintes excertos:

“(…) Assunto: Proposta de nomeação para coordenadora de núcleo na Direção de Serviços de Turismo.

(…)

A – Enquadramento

A Direção de Serviços de Turismo funciona como agência de viagens / operador turístico da Fundação (…), mas também como direção comercial (e administrativa) das lojas Inatel e ainda como departamento de recetivo (incoming), que mantinha com o mercado internacional. Em geral, programa produtos turísticos para comercialização e responde a pedidos à medida, atuando no mercado nacional e internacional.

(…)

B – Análise

A coordenação do núcleo de Apoio às Atividades Turísticas tem como principais atribuições:

(…)

A colaboradora EE tem um percurso de grande relevância para as funções a desempenhar, considerando que iniciou a sua experiência na Fundação Inatel como ..., posteriormente, ... dos programas de Turismo Sénior, ..., 60 ... e Abrir .... Em 2008 passou a coordenadora de operações da então Divisão de Turismo e Férias tendo em 2009 assumido a direcção da loja do ... (…). Em 2014 foi convidada para exercer as funções de coordenadora das lojas (…)

C – Proposta

Tendo em consideração o exposto, propõe-se a nomeação da colaboradora EE para ... do Núcleo de apoio à Gestão das Atividades Turísticas.

(…)

CC

... de Serviços de Turismo”.

35. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da “Circular Informativa n.º 004/2016” de 03-05-2016 (documento n.º 105 junto com a PI, a fls. 109, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido) e do qual se destacam os seguintes excertos:

“(…) Assunto: Nomeação para Coordenadora de Núcleo na Direção de Serviços de Turismo.

Para os devidos efeitos, se comunica que o Conselho de Administração, em reunião de 20 de abril, ata n.º 222/2016, deliberou nomear como Coordenadora de Núcleo na Direção de Serviços de Turismo, em regime de comissão de serviço, para exercer funções

EE

Esta nomeação produz efeitos a partir de 21 de abril de 2016.”

36. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da “Circular Informativa n.º 016/2016” de 09-11-2016 (documento n.º 1 junto pela autora através do requerimento de 1-9-2021, a fls. 177, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido) e do qual se destacam os seguintes excertos:

“(…) Assunto: Nomeação para Coordenadora de Núcleo na Direção de Serviços de Turismo.

Para os devidos efeitos, se comunica que o Conselho de Administração, em reunião de 25 de Outubro de 2016, ata n.º 232/2016, deliberou nomear como Coordenadora de Núcleo na Direção de Serviços de Turismo, em regime de comissão de serviço, para exercer funções

FF

Esta nomeação produz efeitos a partir de 26 de outubro de 2016.”

37. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da “Circular Informativa n.º 006/2017” de 11-05-2017 (documento n.º 2 junto pela autora através do requerimento de 1-9-2021, a fls. 177 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido) e do qual se destacam os seguintes excertos:

“(…) Assunto: Nomeação para Coordenadora do Núcleo de ..., no Gabinete de Apoio à Administração Relações Públicas

Para os devidos efeitos, se comunica que o Conselho de Administração, em reunião de 18 de julho de 2016, ata n.º 229/2016, e em reunião de 10 de abril de 2017, ata n.º 243/2017, deliberou nomear como Coordenadora do Núcleo de ..., no Gabinete de Apoio à Administração Relações Públicas, com funções de coordenação funcional das ..., em regime de comissão de serviço, para exercer funções

EE

Esta nomeação produz efeitos a partir de 26 de março de 2016.”

38. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da “Informação de Serviço n.º 618” datada de 06-12-2019, subscrita pela Dra. GG – Direção de Serviços de ... (documento n.º 3 junto pela autora através do requerimento de 1-9-2021, a fls. 178 e 180, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido) e do qual se destacam os seguintes excertos:

“(…) Assunto: Procedimento por ajuste direto (…)

7. No dia 04.11.2019, a Coordenadora do Núcleo de ..., Dr.ª AA, dirigiu um e-mail à signatária, com o seguinte teor: (…)”.

39. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da “Circular Informativa n.º 019/2018” de 16-07-2018 (documento n.º 106 junto com a PI, a fls. 109 verso, sendo que repete a fls. 202 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido) e do qual se destacam os seguintes excertos:

“(…) Assunto: Nomeação para Coordenadora do Núcleo de ....

Para os devidos efeitos, comunica-se que o Exmº Senhor Presidente do Conselho de Administração, Dr. HH, através de despacho urgente datado de 16 de Julho de 2018, tomou a decisão de nomear como Coordenadora do Núcleo de ..., em regime de comissão de serviço, para exercer funções AA

Esta nomeação produz efeitos a partir de 17 de Julho de 2018, inclusive.”

40. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da “Circular Informativa n.º 004/2020” de 13-01-2020 (documento n.º 109 junto com a PI, a fls. 111, o qual repete a fls. 203, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido) e do qual se destacam os seguintes excertos:

“(…) Assunto: Cessação de funções como Coordenadora do Núcleo de ....

Para os devidos efeitos, comunica-se que o Conselho de Administração, em reunião de 13 de Janeiro de 2020, ata n.º 301/2020, ratificou a cessação de funções como Coordenadora do Núcleo de ..., do Gabinete de Apoio à Administração e Relações Públicas, que exercia em regime de comissão de serviço, do trabalhador, AA

Esta cessação produz efeitos a partir de 5 de Dezembro de 2019.”

41. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor dos recibos de vencimento da autora reportados aos meses de Outubro de 2014 (doc. n.º 74 da PI, fls. 77 verso), Novembro de 2014 (doc. n.º 75 da PI, fls. 78), Dezembro de 2014 (doc. n.º 76 da PI, fls. 78 verso), Janeiro de 2015 (doc. n.º 77 da PI, fls. 79), Fevereiro de 2015 (doc. n.º 78 da PI, fls. 79 verso), Março de 2015 (doc. n.º 79 da PI, fls. 80), Abril de 2015 (doc. n.º 80 da PI, fls. 80 verso), Julho de 2015 (doc. n.º 83 da PI, fls. 81), Agosto de 2015 (doc. n.º 84 da PI, fls. 81 verso), Setembro de 2015 (doc. n.º 85 da PI, fls. 82), Outubro de 2015 (doc. n.º 86 da PI, fls. 82 verso), Novembro de 2015 (doc. n.º 87 da PI, fls. 83), Dezembro de 2015 (doc. n.º 88 da PI, fls. 83 verso), Janeiro de 2016 (doc. n.º 89 da PI, fls. 84), Fevereiro de 2016 (doc. n.º 90 da PI, fls. 84 verso), Março de 2016 (doc. n.º 91 da PI, fls. 94 verso), Abril de 2016 (doc. n.º 92 da PI, fls. 95).

42. Nos recibos de vencimento referentes aos meses de Outubro, Novembro, Dezembro de 2014, de Janeiro de 2015 a Junho de 2016 consta a rubrica “Red. Subsídio de Função”.

43. Por comunicação verbal, e de forma imediata, a autora foi excluída das funções de Coordenadora do ... “Inatel Turismo que até então desempenhava, a 21-4-2016, tendo tal sido comunicado verbalmente pela Dr.ª CC – ... de Serviços do Turismo, a sua chefia direta da altura e pela Dr.ª II – ... do Departamento Hotelaria, Turismo, Intervenção Social e Sustentabilidade.

44. A autora ingressou a Direção da Economia e Inovação Social, de Janeiro a Julho de 2017 na qual exerceu funções de Programadora de Projetos Sociais, incumbindo-lhe, a criação de base de dados de farmácias e parcerias, Programação e operação do projeto Aldeia ..., participação na organização e logística do projeto Desafio ..., proposta de ideias para a criação de projetos sociais.

45. Em Julho de 2017 a autora é reencaminhada para o Gabinete de Apoio ao Conselho de Administração e Relações Públicas (GAARP), tendo integrado um dos Núcleos, ou seja o Núcleo de ....

46. Entre Julho de 2017 a Julho de 2018 a autora, integrada naquele Núcleo, desempenhava funções ligadas à ativação da marca Inatel em eventos do Inatel e realizados em parceria com outras entidades, dedicou-se à produção executiva de espetáculos culturais no Teatro da ..., bem como do Espaço Inatel no Festival de ..., carregamento e transporte de material para os eventos e distribuição de merchandising para Unidades locais Inatel.

47. Aquela Coordenação cessou em Dezembro de 2019, por Circular Informativa n.º 004/2020 datada de 13-01-2020, cuja transcrição consta supra do ponto 40.

48. No mês de Dezembro de 2019 ainda é pago à autora o valor de despesas de representação, sendo deduzido o valor de € 432,34 do vencimento de Janeiro de 2020 (documentos n.ºs 110 e 111 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

49. Desde Julho de 2018 até Dezembro de 2019, a autora auferiu interruptamente, o valor de € 518,81, sob a epigrafe “despesas de representação” (documentos n.ºs 107, 108, 110, 112 a 127 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

50. Desde o mês de Dezembro de 2019 que a autora exerce as seguintes funções no Núcleo do ... da ré: gestão de contratos de arrendamento em vigor na ré na qualidade de Senhoria e Inquilina; Gestão de Dívidas; Gestão de Espaços Verdes e Florestas; Acompanhamento das necessidades de manutenção do Património.

51. A autora mantém atualmente a categoria de Técnica Superior de Grau III com o vencimento base de € 1.920,92, o qual aufere desde Dezembro de 2018 (documentos n.ºs 115, 116 e 127 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

52. A autora vivencia estado de tristeza e sentimento de injustiça, os quais são motivados pelo facto de se encontrar a exercer funções no Núcleo do ....

53. O valor estabelecido nos contratos de prestação de serviços celebrados com a autora, entre 03-7-2002 e 30-6-2008, foram calculados de forma que refletissem mensalmente o incremento de uma percentagem correspondente ao valor de subsídio de férias e subsídio de Natal que a autora teria direito, mediante a celebração de um contrato de trabalho com a ré.

54. Ou seja, nas situações de prestação de serviços o prestador é obrigado a pagar uma contribuição de 29,5% sobre o rendimento – à data da prática dos factos –, passando os valores, nas situações de trabalhador por conta de outrem, a ser de 11% a cargo do trabalhador e de 24% a cargo da entidade patronal, foi pago à autora um montante que lhe permitisse auferir um resultado líquido após pagar a sua parte de segurança social e, a partir de 2006, que lhe possibilitasse custear as suas deslocações, tudo conforme consta do seguinte mapa, o qual consta do artigo 52.º da contestação e que aqui se reproduz:

Pagamento

mensal

Meses

pagos

Rendimento

anual

Média

mensal

Taxa SSMensal

SS

Salário base quadro1634,091422877,261906,438111717,512
Prestação de Serviços entre 07/2006 e Julho de 20082132,561225590,722132,5629,51646,764
Prestação de Serviços

até 2006

1784,241221410,881784,2429,51377,792

55. O cargo de Coordenadora do ... “Inatel Turismo” não existia nem existe na orgânica da ré. Ou seja, tais funções não consubstanciam uma situação de coordenador de área ou de coordenador de núcleo, nos termos e para os efeitos do acima exposto, respetivamente, nos pontos 24 e 25.

56. Os cargos de coordenador de área ou de coordenador de núcleo representam lugares de especial confiança, cuja nomeação é concretizada através de comissão de serviço.

57. A autora exerceu funções da área de programação (aditado pelo Tribunal da Relação).

De Direito

O Tribunal da Relação em Acórdão preferido pela conferência decidiu não existir qualquer nulidade porquanto a decisão seria claramente inteligível no sentido da manutenção da decisão da 1.ª Instância. Contudo o sentido da reclamação apresentada não é o de que a decisão é incompreensível, mas sim o de que existe uma contradição entre os seus fundamentos e a decisão. O Acórdão recorrido decidiu que o “subsídio de funções” recebido pela Autora correspondia a funções transitórias e era reversível, podendo ser suprimido quando tais funções cessassem. Todavia, e desde logo, na matéria de facto vem como provado que tais funções não correspondiam nem correspondem a qualquer posto de trabalho existente no organigrama da Ré (facto 55: O cargo de Coordenadora do ... “Inatel Turismo” não existia nem existe na orgânica da ré). Trata-se, além do mais, de funções que não cabem no objeto do contrato de trabalho, não havendo na decisão do empregador a esse respeito qualquer referência ao seu caráter transitório. Acresce que o designado “subsídio” cessou em resultado do que o próprio Acórdão recorrido reconheceu ser um exercício ilícito do ius variandi. Com efeito, tratou-se de um exercício ilícito daquela faculdade não só pelos limites temporais que lei lhe impõe, mas porque o Código do Trabalho exige uma ordem justificada que deve referir a duração previsível da mesma (artigo 120.º, n.º 3). Assim, mesmo que o referido subsídio correspondesse a funções temporárias reversíveis não poderia ser uma ordem ilícita a modificar validamente tais funções e a suprimir o “subsídio”. Existe, pois, a alegada nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Sublinhe-se que a nomeação da Autora como coordenadora do ... “Inatel Turismo” é realizada em 2015 (facto 33), mas a mesma tinha funções de coordenação desde data muito anterior como resulta dos factos 28, 29 e 30 em que se provou que já desde 2008 a Autora exercia funções de coordenação de uma equipa. Não sendo tal “cargo” de Coordenadora (que, repete-se, não existe enquanto tal na orgânica da empresa) tão-pouco um cargo de especial confiança, há que concluir que do mesmo modo que não é suficiente um nome para que haja uma categoria também não será suficiente que se designe uma importância como subsídio de funções para excluir a presunção de que tal importância integra a retribuição e está abrangida pelo princípio da irredutibilidade da retribuição quando tais funções não têm real autonomia.

Relativamente à compensação de danos não patrimoniais o Acórdão recorrido revogou neste segmento a decisão da 1.ª instância por considerar que face ao facto 52 – “A Autora vivencia estado de tristeza e sentimento de injustiça, os quais são motivados pelo facto de se encontrar a exercer funções no Núcleo do ...” – os danos não patrimoniais dados como provados não seriam suficientemente importantes para merecer a tutela do direito.

Antes de mais, importa destacar que os danos não patrimoniais que um trabalhador pode sofrer e que podem merecer a referida tutela não são apenas os danos à sua saúde, embora estes sejam, caso se verifiquem, de grande relevância. Frequentemente os trabalhadores invocam, com toda a razão, situações de depressão, perturbações e mesmo doenças psíquicas que certas condutas violadoras dos seus direitos laborais lhes causarem. Mas mesmo sem a prova de tais lesões interessa realçar que o dano não patrimonial relevante pode consistir na violação da dignidade do trabalhador e na realização profissional deste. Temos, no caso concreto, uma trabalhadora a quem, por exemplo, as funções foram alteradas por uma ordem verbal com eficácia imediata… E que, apesar da sua formação profissional e do seu passado naquela própria empresa foi colocada a exercer funções que não podem qualificar-se de afins ou funcionalmente ligadas com a sua categoria e que foram exigidas no âmbito do exercício ilícito do ius variandi, sem uma ordem que ao menos justificasse a exigência e lhe desse uma informação sobre a duração previsível da medida. Boa parte dos trabalhadores subordinados trabalham porque precisam da retribuição para viver, mas tal não afasta que muitos deles encaram o seu trabalho como uma forma de realização da sua pessoa. Entre os deveres do empregador contam-se o dever de respeito pela pessoa do trabalhador (artigo 127.º, n.º 1, alínea a) do CT) e o dever de contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do trabalhador (alínea d) do n.º 1 do artigo 127.º do CT). A violação destes deveres é suscetível de provocar um dano não patrimonial que se exprime na sensação de injustiça e na tristeza a que fazem alusão o facto 52. Entende-se que se trata, neste caso concreto, de danos não patrimoniais que merecem a tutela do direito e, assim, repristina-se o segmento decisório da sentença neste aspeto com a consequente condenação do empregador no pagamento de uma compensação de cinco mil euros por danos não patrimoniais.

A terceira questão colocada no presente recurso atém-se à licitude ou ilicitude das reduções remuneratórias efetuadas ao abrigo do artigo 27.º, n.º 9, al. s), da LOE de 2013 aplicadas pelo empregador Fundação INATEL à Autora.

No seu recurso a Autora invoca, designadamente, que no Decreto-Lei n.º 106/2008 de 25 de junho, que aprovou os Estatutos da Fundação INATEL se afirma expressamente que “[a] Fundação é uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública (…)” (artigo 4.º n.º 1) e, nos referidos Estatutos, mais precisamente no seu artigo 43.º, pode ler-se que “[a]o pessoal da Fundação aplica-se o regime do contrato individual de trabalho”. Decorreria daqui a inaplicabilidade aos trabalhadores da INATEL das reduções remuneratórias previstas nas Leis do Orçamento.

Sublinhe-se, antes de mais, que alguma doutrina corrobora este entendimento.

Assim, por exemplo, MIGUEL LUCAS PIRES sustenta a “não aplicação destes cortes aos trabalhadores das fundações privadas ou de direito privado, em consonância, aliás, com a natureza privada (não integrada na estrutura da Administração Pública) da Instituição e dos vínculos que a unem aos seus colaboradores, os quais, conforme salientado anteriormente, se encontram submetidos, no essencial, à regulamentação vertida no Código do Trabalho”1, invocando, igualmente, o princípio da irredutibilidade da retribuição.

Dispõe o art. 27.º, n.º 9, al. s), da LOE de 2013, no que interessa:

«1 - A partir de 1 de janeiro de 2013 mantém-se a redução das remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o n.º 9, de valor superior a (euro) 1500, quer estejam em exercício de funções naquela data quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, conforme determinado no artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, alterada pelas Leis n.os 48/2011, de 26 de agosto, e 60-A/2011, de 30 de novembro, e mantido em vigor pelo n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, alterada pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, nos seguintes termos:

(…)

9 - O disposto no presente artigo é aplicável aos titulares dos cargos e demais pessoal de seguida identificados:

(…)

s) Os trabalhadores e dirigentes das fundações públicas de direito público e das fundações públicas de direito privado e dos estabelecimentos públicos não abrangidos pelas alíneas anteriores;»

Destarte, e como bem refere, o bem fundamentado e minucioso Parecer do Ministério Público junto aos autos neste Tribunal importa analisar mais de perto a natureza desta Fundação Inatel.

Como destaca, CRISTINA PAULA CASAL BAPTISTA, “a distinção entre "fundações de direito público" e "fundações de direito privado" não é fácil nem pacífica”2, havendo na doutrina uma grande variedade de critérios.

Alguns Autores atribuem grande relevância ao ato de criação embora reconhecendo que a asserção de que determinada fundação é uma pessoa de direito privado pode representar uma verdadeira ficção jurídica3.

Mas não falta quem dê primazia à realidade: assim, por exemplo, ALEXANDRA LEITÂO sustenta que “não cabe à lei fazer as qualificações jurídicas, e quando o faça, o intérprete não tem de ficar preso a uma determinação legal quando esta seja manifestamente inconsistente com as características da figura em causa (…) a natureza jurídica de qualquer sujeito de Direito tem de decorrer do regime jurídico que lhe é aplicável, pelo que dificilmente se pode determinar a natureza jurídica de uma entidade com base apenas em critérios abstractos”4.

A necessidade de uma análise realista e casuística era já sustentada pelo Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, PGRP00002586 de 14-10-2005, no qual pode ler-se que: “1.ª A identificação das pessoas colectivas como públicas ou privadas decorrerá da análise casuística da sua finalidade, modo de criação, titularidade de poderes de autoridade e integração, por forma a concluir pela predominância ou não dos seus atributos administrativos”.

Nesta esteira pronunciou-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 2251/12.6BELSB, proferido a 10-12-2020, em cuja extensa e cuidada fundamentação pode ler-se:

“O DL 106/2008, veio concretizar a extinção do INATEL - Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores, 1. P., e a instituição de uma fundação privada de utilidade pública - Fundação INATEL - , que lhe sucede em todos os seus direitos e obrigações, bem como no exercício das suas competências e na prossecução das suas atribuições de serviço público, passando a assumir uma natureza jurídica mais consentânea com as características e o tipo de atividades que prossegue.
Este desiderato é concretizado no articulado do diploma em questão e nos respetivos Estatutos, por ele aprovados, designadamente:
- A instituição da Fundação pelo Estado e afetação de património público do extinto Instituto INATEL, IP (artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 106/2008 e artigo 6.0 dos Estatutos);
- A comparticipação financeira do Estado através do Ministério do Trabalho e da Segurança Social (artigo 8.º do Decreto-lei n.º 106/2008 e artigo 7.º alínea f) dos Estatutos);
- A Fundação prossegue fins de vincado interesse público, visando, designadamente, promover a inclusão e solidariedade nacional (artigos 3.º e 5.º do Decreto-lei n.º 106/2008 e artigo 3.0 dos Estatutos);
- O plano trienal de atividades e a respetiva estimativa de orçamento, os planos de atividade e orçamentos anuais, de exploração e de investimento, assim como, os instrumentos de prestação de contas devem ser apresentados ao Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, para efeito de homologação (artigos 12.º, 13.º e 14.º dos Estatutos);

- Os membros dos órgãos sociais são nomeados por resolução (no caso do Conselho de Administração) ou por despacho (no caso do Conselho Geral) do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social (artigos 22.º e 26.º dos Estatutos);
- Os membros do Conselho de Administração podem ser demitidos pelo Conselho de Ministros (artigo 30.º dos Estatutos).

Podendo, assim, concluir-se que a Fundação INATEL está incluída na categoria híbrida das «fundações públicas de direito privado», que se caracterizam, de acordo com a doutrina resultante do Parecer n.º 611/2000 do Conselho Consultivo da Procuradoria­ Geral da República, por serem instituídas pelo Estado e pela afetação de um património público, em regime de direito privado, ao serviço de fins de interesse público da entidade pública instituidora, como o comprova o Decreto-Lei n.º 106/2008, de 25 de Junho e os Estatutos a ele anexos. Ora, como se concluiu no parecer n.º 160/2004, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, "[a] identificação das pessoas colectivas como públicas ou privadas decorrerá da análise casuística da sua finalidade, modo de criação, titularidade de poderes de autoridade e integração, por forma a concluir pela predominância ou não dos seus atributos administrativos”.

E no caso podemos encontrar na Fundação INATEL traços característicos de fundação pública de direito privado (e, portanto, pessoa coletiva pública, em sentido lato ou "quase ficção jurídica de direito privado") como acabamos de enunciar (…)

Assim, a Fundação Inatel congrega diversos elementos caracterizadores da sua natureza pública, desde logo, pela preservação da sua natureza originária e exercício das atribuições sociais e de serviço público e pela descrita dependência do poder público. E no caso, como se viu, não obstante a expressa qualificação da Fundação Inatel, como pessoa colectiva de direito privado, é uma pessoa colectiva de iniciativa pública, pois foi criada por acto do poder público ou por iniciativa pública, estando os seus planos de actividade e orçamentos anuais, de exploração e de investimento, assim como, os instrumentos de prestação de contas sujeitos a homologação pelo Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, rege-se pelo DL 106/2008 e estatutos aprovados pelo mesmo e subsidiariamente pela legislação aplicável às pessoas colectivas de utilidade pública, o que permite configurar a mesma como pessoa colectiva pública em sentido lato”.

Aderimos a esta argumentação que tem em conta a influência dominante do Estado na Fundação Inatel e a própria comparticipação financeira daquele o que até pelo elemento teleológico justifica as reduções salariais a que os trabalhadores da Inatel foram sujeitos pela estrita necessidade de redução da dívida pública exteriorizada nas mencionadas leis orçamentais. Acresce que o princípio da irredutibilidade da retribuição não é sacrossanto ou absoluto (o artigo 129.º n.º 1 alínea d) do Código do Trabalho permite a redução da retribuição “nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho”, mas não deve ser interpretado no sentido de proibir outra intervenção legislativa nesse sentido).

Deve, assim, rejeitar-se o recurso, neste segmento.

Decisão

Concedido parcialmente o recurso de revista no que toca à integração do chamado “subsídio de funções”, repristinando-se também a decisão da 1.ª instância no que toca à condenação da Ré no pagamento de cinco mil euros (a que acrescem os juros legais) de compensação pelos danos não patrimoniais.

Mantém-se a decisão do Acórdão recorrido quanto à sujeição da Autora às reduções salariais efetuadas ao abrigo do art. 27.º, n.º 9, al. s), da LOE de 2013.

Custas em proporção do decaimento.

Lisboa, 15 de maio de 2025

Júlio Gomes (Relator)

Mário Belo Morgado

Paula Leal de Carvalho

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1. MIGUEL LUCAS PIRES, Regime Jurídico aplicável às Fundações de Direito Privado e Interesse Público, Publicações Cedipre Online, Coimbra, Maio 2011, p. 29.↩︎

2. CRISTINA PAULA CASAL BAPTISTA, As Fundações no Direito Português, Almedina, Coimbra, 2.ª ed., p. 21.↩︎

3. CARLOS BLANCO DE MORAIS, Da relevância do Direito Público no regime jurídico das fundações privadas, Lex, Lisboa, p. 591.↩︎

4. Alexandra Leitão, Da admissibilidade de pessoas colectivas de iniciativa pública beneficiarem do estatuto de utilidade pública, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, Coimbra Editora, 2010, vol. II, pp. 12 e ss., p. 15. Cfr., igualmente, o que afirma, na p. 22: “Nos casos em que a lei ou as partes remetam expressamente para um regime de Direito Privado, ainda assim, parece-me legítimo que o intérprete proceda à sua requalificação, atendendo à aplicação de um conjunto de regras jurídico-públicas de natureza imperativa, que descaracterizam o seu pretenso regime jurídico-privado e permitem qualificar essas entidades como públicas”.↩︎