ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
IMPEDIMENTOS
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
PRÉDIO RÚSTICO
USO PARA FIM DIVERSO
PRÉDIO CONFINANTE
EXPLORAÇÃO AGRÍCOLA
TERRENO
ÓNUS DA PROVA
SOCIEDADE COMERCIAL
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
Sumário


I – O artigo 1381º do Código Civil prevê situações impeditivas do exercício do direito de preferência pelo proprietário de terreno confinante que revestem a natureza de excepção peremptória, competindo nessa medida aos alegantes o ónus da sua demonstração em juízo.
II – A 2ª parte da alínea a) do artigo 1381º do Código Civil impede o direito de preferência do proprietário do terreno confinante quando os prédios em causa se destinem ao uso não agrícola.
III – Tendo o prédio de natureza rústica mantido até à realização da escritura a afectação exclusivamente agrícola, sem que nele houvesse sido prosseguido, com real significado ou consistência mínima, o projecto de urbanização que fora décadas antes idealizado pela 1ª Ré (mas nunca concretizado antes de ser alienado na sequência de insolvência e liquidação do património), não está demonstrado que esta quisesse efectivamente conferir ao prédio uma finalidade diferente da agrícola.
IV - No mesmo sentido, a adquirente do imóvel não se encontra vocacionada, nem legalmente habilitada, para a prossecução de quaisquer projectos urbanísticos no local, o que desde logo extravasaria manifestamente o seu objecto social (consistente na compra e venda e gestão de bens imobiliários; compra e venda e aluguer de máquinas e equipamentos; comércio por grosso de bens novos e usados provenientes de vendas judiciais e leilões), sendo o seu único propósito a possibilidade da revenda a terceiro, o que a suceder, não impediria que essa futura transacção pudesse, naturalmente e em abstracto, incidir sobre um prédio rústico com finalidade agrícola.
V - A mera previsibilidade hipotética de um futuro aproveitamento de qualquer dos prédios para finalidades diversas das agrícolas – mormente através da sua possível urbanização -, alicerçada no convencimento da recorrente em relação àquilo que julga vir a ser, no futuro, a decisão a tomar sobre o mesmo, não satisfaz o preenchimento da previsão do artigo 1381º, alínea a), 2ª parte, do Código Civil, que exige, bem pelo contrário, a prova, concreta e efectiva, a realizar pelos RR. alegantes, de que o destino que pretendiam dar aos terrenos não era o agrícola, mas outro dele diverso.
VI – O facto de o Plano Director Municipal incluir a possibilidade de urbanização futura dos terrenos não altera a sua actual qualificação como prédios rústicos, importando nesta matéria a concreta destinação dos prédios em causa em conformidade com o critério legal densificado no nº 2 do artigo 204º do Código Civil.
VII – Logo, esta circunstância não afasta nem prejudica a conclusão de que estamos perante imóveis destinadas à agricultura, não havendo prova de que o anterior proprietário ou o novo adquirente destinassem o prédio rústico a finalidade diferente da agrícola que constitui, de resto, a sua vocação natural.

Texto Integral


 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção-Cível).

I - RELATÓRIO.

Casa Agrícola – E...Lda. instaurou contra A. L..., Lda. e Leilomeireles, S.A. a presente acção declarativa constitutiva (acção de preferência), sob a forma de processo comum.

Alegou essencialmente:

É dona do prédio rústico confina com o prédio rústico pertencente à primeira Ré, sendo que no dia 18 de Setembro de 2020, a primeira e segunda Rés celebraram entre si um contrato de compra e venda tendo por objeto aquele segundo prédio, mediante o qual e pelo preço de € 30.000,00 a segunda Ré adquiriu o aludido prédio e registou tal aquisição a seu favor na competente Conservatória do Registo Predial.

A segunda Ré, adquirente do prédio alienado, não era à data da celebração da escritura de compra e venda, nem actualmente, proprietária de qualquer prédio rústico confinante com o alienado e destinado a fins agrícolas.

O prédio da Autora tem a área de 1.100m2, a qual é inferior à unidade de cultura legalmente fixada para a região onde se localiza.

O prédio alienado pela primeira R. à segunda Ré tem a área de 11.400 m2.

O prédio rústico alienado, apesar de se encontrar a monte, por se encontrar abandonado, é um terreno de regadio e está apto e destina-se à cultura agrícola, predominantemente de milho, feijão, batatas, erva, etc., ou seja, predominantemente do tipo arvense ainda árvores de fruto.

O prédio rústico da Autora também possui as mesmas características de terreno apto para a agricultura e de regadio, encontrando-se adstrito ao mesmo fim agrícola que o alienado pela primeira Ré à segunda Ré, nomeadamente para árvores de fruto e campo de experimentação para prática e aplicação na agricultura de sementes, novas culturas, produtos fitossanitários e adubos agrícolas.

A Autora goza do direito de preferência, por ser proprietária do prédio rústico confinante.

Concluiu pedindo que:

“a) sejam os RR. condenados a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre o prédio identificado no artº. 1º da p.i.;

b) Reconhecer-se á A. o direito de preferência na compra do prédio referido no artigo 9º do presente articulado, a saber:

Prédio rústico, composto de terreno de mato, com a área de 220m2, denominado ...”, sito no Lugar de “...”, ..., ... e ..., concelho de ..., a confrontar do norte com Caminho de Ferro, do sul com AA cab. casal do poente com BB e outro e do nascente com estrada nacional, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º..81 (antes artigo ..56 da extinta freguesia de ...), descrito na Conservatória do registo predial de ..., sob o número ..84/....

c) Serem os RR. condenados a reconhecer que a A. tem o direito a haver para si o prédio alienado pela primeira R. à segunda Ré, decidindo-se pela substituição desta, na qualidade de compradora, pela ora A., ficando o direito de propriedade sobre o prédio mencionado no artigo 9º da p.i. a pertencer, em exclusivo, à A.;

d) Ordenar-se o cancelamento no registo predial da transmissão a favor da segunda Ré, efetuado com base ou no pressuposto do mencionado contrato de compra e venda (doc. n.º 3), com as demais consequências legais”

Regularmente citados, contestou a segunda Ré.

Essencialmente alegou:

Sobre o prédio em causa já tinha sido obtido um licenciamento camarário para edificação de alguns prédios e que, inclusive, se iniciaram as obras.

Apesar do anterior proprietário não ter alterado a natureza do prédio, mantendo o mesmo como rústico, sobre o mesmo já foi concedida a necessária licença de construção e iniciada pela extinta empresa A. L..., Lda.

Conclui referindo que está demonstrada a sua potencialidade edificativa, resultando assim afastado o direito de preferência da Autora.

Termina pugnando pela improcedência do pedido.

Realizada audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, datada de 19 de Janeiro de 2023, que julgou a presente acção improcedente.

A A. apresentou recurso de apelação, o qual veio a ser julgado procedente por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 9 de Janeiro de 2025, nos seguintes termos:

“(…) condenam-se as demandadas a:

- Reconhecer à demandante o direito de preferência na compra do prédio rústico, alienando Através de escritura publica de compra e venda, outorgada em 18 de Setembro de 2020, no Cartório Notarial do Dr. CC, pelo preço de € 30.000,00, composto de terreno de mato, com a área de 220m2, denominado ...”, sito no Lugar de “...”, União das freguesias de ..., ... e ..., concelho de ..., a confrontar do norte com caminho de ferro, do sul com AA cab. casal do poente com BB e outro e do nascente com parque se estacionamento do edifício “...”, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º ..81 (antes artigo ..56 da extinta freguesia de ...), descrito na Conservatória do registo predial de ..., sob o número ..84/....

- A reconhecer que a Autora tem o direito a haver para si o prédio alienado pela primeira Ré à segunda Ré, substituindo esta última, na qualidade de compradora, pela Autora, ficando o direito de propriedade sobre o prédio mencionado a pertencer, em exclusivo, à Autora.”.

Veio a Ré interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:

A) A Recorrida intentou a acção contra a aqui Recorrente peticionando que lhe fosse reconhecido o direito de preferência na compra do prédio rústico alienado à ora Recorrente, assentando a causa de pedir no facto de ser proprietária de um prédio rústico confinante com o da Recorrente, ambos inferiores à unidade de cultura estabelecida para a região e que não lhe foram comunicados os termos do negócio da compra e venda entre os Réus.

B) Produzida a prova na primeira instância e realizado o julgamento, foi doutamente decidido que a acção não tinha provimento, pois o prédio da Recorrente era urbano, encontrando-se verificada a exceção da alínea a) do artigo 1381.º do C.C.

C) Não conformada com tal decisão, a Recorrida apresentou recurso de apelação para oTribunalda RelaçãodeGuimarães quelhedeurazão, concedendo-lhe o direito de preferência, porquanto não se encontra verificada a aludida exceção.

D) Ora, é precisamente contra esta tese e não aplicação da alínea a) do artigo 1381.º do C.C. que a Recorrente se manifesta com a interposição do presente recurso de revista.

E) O douto Acórdão objecto do presente recurso, no que diz respeito à qualificação do prédio como rústico ou urbano, apenas atende à definição constante do artigo 204.º do C.C., o que, salvo melhor entendimento, não nos parece correto.

F) Na solução de uma questão cível concorrem, segundo o princípio fundamental da unidade da ordem jurídica, as normas relevantes de todo o ordenamento jurídicoe não apenas as normas do CódigoCivil.

G) No caso, importa referir que ficou assente no ponto 27. da matéria de facto dada como provada que os prédios estão destinados, segundo o PDM, a terreno de construção.

H) Sendo que o prédio da Recorrente nunca esteve afeto à exploração agrícola.

I) Ora, um prédio sem qualquer construção, mas cujo solo, ainda que parcialmente, tenha potencialidade construtiva natural e coberta pelos regulamentos administrativos, não pode ser qualificado como prédio destinado à produção agrícola ou florestal.

J) A destinação económica previsível do prédio da Recorrente, apesar da estagnação da construção urbana, nos últimos anos, era a construção.

K) O direito de preferência consagrado no artigo 1380.º do CódigoCivil representa uma restrição relevante ao princípio basilar da liberdade contratual e apenas está consagrado para assegurar a rentabilidade das explorações agrícolas e evitar oexcessivo parcelamento dosolo apto para cultura, no pressuposto necessário de ser previsível que o prédio do preferente e o objeto da preferência vão continuar a ser destinados à produção agrícola ou florestal.

L) Ora, quando os prédios confinantes estão inseridos em área de construção urbana e tenham uma efetiva potencialidade edificativa, conferida peloPDM, comosucedein casu, não se justifica a apontada restrição, porquenecessariamente, por razões económicas e sociais, a curto ou a médio prazo deixarão de ser afetados à produção agrícola ou florestal.

M)Importa ter em conta que o primeiro e mais importante dos elementos que o artigo 9.º, n.º 1, do C.C. aponta ao intérprete para a descoberta e fixação do pensamento legislativo é a unidade do sistema jurídico, algo que o douto Acórdão objeto do presente recurso não teve, s.m.o, em consideração.

N) De acordo com a Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio, solo urbano é «o que está total ou parcialmente urbanizado ou edificado e, como tal, afeto à urbanização ou à edificação, em plano territorial ou deliberação dos órgãos das autarquias locais, nos termos da lei, mediante contratualização para a realização das respetivas obras de urbanização e de edificação.» (cfr. artigo 10.º, n.º 2, alínea b).

O) Assim, no caso, apesar do prédio em causa integrar a definição de prédio rústico nos termos do artigo 204.º, n.º 2, do C.C., por estar demonstrado que dada a sua potencialidade edificativa é previsível que não se destinem à produção agrícola ou florestal, mas antes a construção, nos termos da alínea a) do artigo 1381.º do C.C., está afastado o direito de preferência conferido pelo artigo 1380.º.

P) Ainda que tal não se entenda, o que desde já não se concebe nem se concede, a ora Recorrente logrou provar a intenção de afetar o terreno à construção, bem como, a possibilidade física e jurídica dessa afetação.

Q) Vejamos que, não resultou provado que os prédios da Recorrente e da Recorrida se destinassem a fins agrícolas e/ou florestais; aliás, quanto ao prédio da aqui Recorrida, refere um segmento do douto Acórdão o seguinte «tal matéria passará a figurar dos factos não provados e não que se destina a cultura agrícola, como pretende a Autora, uma vez que nenhuma prova foi feita nesse sentido».

R) Constando ainda da alínea f) dos factos não provados que «O prédio da A., descrito em 1., possui as mesmas características de terreno apto para a agricultura e regadio, encontrando-se adstritos ao mesmo fim agrícola que o alienado pela 1.ª R. à 2.ª R., nomeadamente árvores de fruto e campo de experimentação para novas culturas, produtos fitossanitários e adubos agrícolas.».

S) Por sua vez, quanto ao prédio da aqui Recorrente consta das alíneas e) e i) dos factos não provados o seguinte:

«O prédio alienado, apesar de se encontrar de monte, por se encontrar abandonado, é um terreno de regadio e está apto e destina-se à cultura agrícola, predominantemente de milho, feijão, batatas, erva, etc., predominantemente do tipo arvense ainda árvores de fruto.» e «O prédio alienado destina-se a fins agrícolas.».

T) As normas relativas ao «Fracionamento e emparcelamento de prédios rústicos» têm como finalidade económica e social o reordenamento da propriedade fundiária, com o objetivo de os terrenos aptos para cultura terem uma dimensão mínima (unidade de cultura) adequada a uma exploração economicamente viável, e, além disso, o fomento de explorações agrícolas viáveis e rentáveis.

U) Objetivamente, os dois prédios,odopreferenteeoprédio a preferir, têm de ser terrenos onde se possa exercer a atividade agrícola e, em última instância, os sujeitos destinem os prédios a esse fim, aqui também em concreto; não bastando a apetência agrícola dos prédios confinantes, mas efetivamente que nos mesmos seja exercida a agricultura e não qualquer intenção de vir a ser exercida.

V) Chegados aqui, podemos afirmar com toda a evidência que a ora Recorrente provou factos de que o prédio alienado nunca foi utilizado para fins agrícolas, nem tencionava, não tendo, por seu turno, a Recorrida logrado provar que pretendia utilizar o prédio para esse fim, se não veja-se no acórdão e em sede factos provados no ponto 25 e não provados na alínea g).

W)Em consonância com oquese encontra na alínea g), odouto Acórdão refere que «não visando a aquisição do prédio rústico a exploração agrária do terreno, inexiste qualquer razão para conceder essa preferência aos proprietários os prédios confinantes, pelo que o proprietário do prédio confinante deixa neste caso de gozar do direito de preferência».

X) Ora, a Recorrida não logrou demonstrar, como lhe competia, que pretendia utilizar o prédio para fins agrícolas e/ou florestais; posto que, seoseuobjetivofor apenas obter oprédio para, eventualmente, lhe conferir um destino urbano, então não há qualquer fundamento para a preferência, como referiu e bem o douto Acórdão.

Y) Conceder a preferência, como neste caso se concedeu, é não cumprir a finalidade e razão de ser das normas do emparcelamento e do fim último deste instituto que é a criação de exploração agrícola viável.

Z) Impedindo, dessa forma, a concretização da vocação urbanística do prédio e desincentivando a requalificação do território.

AA) Ademais, e face ao que resultou provado nos pontos 22. e 23., facilmente se conclui que a Recorrida nunca teve intenções de adquirir o prédio, pois oportunidades não lhe faltaram, não sendo verosímil que desconhecesse a venda do mesmo; e, muito menos, pretendia adquirir o mesmo para a exploração agrícola.

BB) Pois que, o prédio preferido, ainda que apto para cultura, foi objeto de um pedido de loteamento, o qual permitiu o saneamento, as escavações, a edificação de alguns pilares de suporte e as guias para passeios, o que indicia que a sua aptidão para cultura sairá a curto ou médio prazo defraudada, como aliás já se referiu.

CC) Tanto é que, não faz sentido que um terreno agrícola e com tais fins tenha as características supra elencadas, nunca tendo sido feito qualquer cultivo, nem antes da alienação, nem após; o que leva à fácil conclusão de que o destino a dar ao terreno não é rural.

DD) A reforçar tudo isto, está também o facto de se ter considerado provado que «o terreno estava a ser desmatado e limpo» (cfr. ponto 14.).

EE) O referido acórdão parece olvidar que a escritura pública foi celebrada em 18 de Setembro de 2020 e a acção deu entrada em 27 de Novembro de 2020, ou seja, dois meses depois.

FF) Apenas por causa disto, a ora Recorrente não avançou com o necessário projeto de construção, uma vez que se encontrava a aguardar o desfecho do litígio; pois, como é sabido, dar início a todo o processo de licenciamento acarreta bastantes custos, não fazendo sentido que a ora Recorrente, que não sabe qual será o desfecho do presente litígio, suportasse tais custos para, a final, perder a propriedade do prédio.

GG) Seria irrazoável exigir quea Recorrenteiniciasse umprocesso de urbanização enquanto a disputa judicial estivesse pendente.

HH) Ademais, cumpre referir, e conforme resultou do depoimento da testemunha DD, a ora Recorrente, no âmbito do mesmo processo de insolvência, comprou as lojas que se situam no edifício que confina com o prédio ora em causa, o qual diz respeito ao “Centro Comercial Peninsular Ibéria”, e é também o Lote A que pertencia à 1.ª Ré,

II) ARecorrentecomprou as vinte e seis lojas que se encontravam abandonadas, com o intuito de dinamizar e valorizar aquela zona; sendo devido a esse interesse que o Sr. Administrador de Insolvência contactou a Recorrente questionando-a se também pretendia comprar os lotes B e C.

JJ)A Recorrente sempre teve intenção de edificar no prédio, até porque tal traria mais-valias para as restantes frações que adquiriu e, no fundo, para todo o Centro Comercial que se encontrava abandonado; ou seja, a Recorrente adquiriu o prédio precisamente pela sua capacidade construtiva, nunca para o destinar a fins agrícolas/florestais.

KK) A Recorrente, bem como a anterior proprietária, não desenvolve, nem desenvolveu no prédio qualquer atividade agrícola, o que indicia à luz da experiência comum que o intuito da mesma, com o terreno aqui em causa, não é a agricultura ou uso rural, mas na realidade a edificação futura.

LL) Até porque, e seguindo a mesma linha de pensamento que o douto Acórdão, se tal a construção seria contrária ao objeto social da Recorrente, também assim o seria a actividade agrícola/florestal.

MM) Essa intenção de afectar o terreno à construção, denota-se, no demais, pelo facto de a Recorrente ter ido reunir com o Chefe da Divisão de Urbanismo e Planeamento, em 22 de Junho de 2022 (cfr. certidão junta aos autos em 10 de Outubro de 2023), bem como pelo facto de após o pedido de caducidade do loteamento da Recorrida, se ter pronunciado sobre projeto, através de carta dirigida à Câmara Municipal de Valença, onde expôs que tinha iniciado um estudo com técnicos habilitados para projetar as construções que melhor se enquadravam, tendo suspendido tal estudo após a entrada da presente ação.

NN) e, ainda que, pretende edificar no terreno e assim o fará aquando da decisão da presente ação, solicitando a renovação do licenciamento e dando entrada do necessário projeto de construção, requerendo, por fim, a suspensão do projeto de decisão a ordenar o cancelamento do loteamento (cfr. certidão junta aos autos em 10 de Outubro de 2023).

OO) Posto que, a Recorrente adquiriu e destina o imóvel para fins de edificação, construção e comércio e ainda revenda neste enquadramento e com estes fins.

PP) Assim, a Recorrente provou a sua intenção de afectar o terreno a algum fim que não seja a cultura.

QQ) No entanto, para afastar o direito de preferência em causa, a Recorrente teria ainda de provar a possibilidade física e jurídica da afetação correspondente à sua intenção.

RR) Resultou provado que, de acordo com o Plano Diretor Municipal, ambos os prédios se situam em área qualificada de “solo urbano” (cfr. ponto 27).

SS) Ora, o Estado/Município ao ter traçado o PDM nos termos em que o fez, prevendo ou possibilitando que a zona onde se encontra o prédio da Recorrente como terreno urbanizável, entendeu certamente que era mais vantajoso para a população a edificação de habitações com vista à satisfação das necessidades de habitação.

TT) Até porque, as incumbências constitucionais do Estado não se limitam ao sector agrícola, impondo-se que ele as concilie de modo social e economicamente integrado, para obter um desenvolvimento harmónico e equilibrado de todos os setores de actividade.

UU) Aquando da escritura, não se encontrava declarada a caducidade do loteamento pela Câmara Municipal de Valença e é essa a data que releva para aferir da possibilidade legal de mutação do destino do prédio, já que as condições para o exercício do direito de preferência e respetivas exclusões são aferidas por reporte à data do ato translativo que se quer pôr em causa.

VV) À datada escritura decompra evenda era legalmentepossível conferir ao prédio comprado um destino diferente da atividade agrícola e/ou florestal.

WW) Ora, o prédio da Recorrente foi objeto de um loteamento quando ainda pertencia à 1.ª Ré, encontrando-se à data declarada a sua caducidade.

XX) Com a licença de loteamento surgem dois grandes efeitos imediatos no prédio, e que são a sua divisão física e jurídica, e um efeito mediato, queé odireito à edificabilidadenos lotes constituídos (cfr. artigo 2.º, alínea i), do RJUE).

YY) Apesar de ter caducado o alvará de loteamento de que beneficiava o prédio dos autos, há algo que lhe foi concedido com esse acto administrativo e se mantém: o potencial de capacidade edificativa que pode ressurgir em qualquer momento; pelo que, o facto de o prédio já ter sido alvo de um loteamento demonstra a sua capacidade construtiva.

ZZ) Assim, no prédio da Recorrente é viável a construção, permitindo o da Recorrida a construção de arrumos/armazém.

AAA) Perante isto, e uma vez que está demonstrada não só a potencialidade edificativa do prédio alienado, como a sua destinação a fins alheios à cultura, mostram-se preenchidos os requisitos exigidos pela alínea a) do artigo 1381.º do C.C.

BBB) Pelo que, deverá, em consequência, ser revogada a douta decisão que atribui à Recorrida o direito de preferência previsto no artigo 1380.º Código Civil.

CCC) Só uma decisão com este conteúdo respeitará o critério de interpretação da lei, enunciado no artigo 9.º do Código Civil que, deve reconhecer-se, o Venerando Tribunal a quo, não só desconsiderou, como ostensivamente, terá violado.

Contra-alegou a A. recorrida, apresentando as seguintes conclusões:

1- O presente Recurso de Revista não preenche os requisitos legais para sua admissibilidade.

2- Não se afigura à recorrida que o Acórdão ora objecto do presente recurso, enferma de qualquer erro de interpretação ao alterar os factos provados e não provados, e muito menos violou o nº1 do artigo 9º do C. Civil, sendo que o Tribunal da Relação de Guimarães fez uma análise correcta, sensata, congruente e objectiva de toda a prova produzida e conclui quer nos factos provados quer nos factos não provados, na sua ampla substancial alteração de forma irrepreensível.

3- A recorrida alegou e provou, como lhe competia, os pressupostos do artigo 1380º do C. Civil, para o exercício do direito à preferência na aquisição do prédio dos autos.

4- A recorrente não alegou nem provou, como lhe competia, as causas impeditivas do direito de preferência invocado pela recorrida, constantes da alínea a) do artigo 1381º do C. Civil..

5- Não basta o facto de no Plano Director Municipal constar que os terrenos da recorrida e da recorrente estarem classificados como “Solo Urbano – solo urbanizado – espaço predominantemente multifamiliar de baixa densidade” para retirar as características de prédios rústicos, nos termos do nº 2 do artigo 204º do Código Civil, bem como se mostra totalmente indiferente para os fins previstos na parte final da alínea a) do artigo 1381º do Código Civil, pois o que releva é a concreta destinação do prédio, isto é a objectiva possibilidade de aproveitamento do terreno, a sua concreta aptidão, avaliada em função das concretas características, situação, localização e condicionantes técnicas do solo e em função dos planos e da lei, e nunca pode operar de forma directa só porque está classificado como solo urbano.

6- O Acórdão ora objecto do presente recurso, não viola qualquer preceito substantivo.

7- Das decisões da Relação proferidas sobre matéria de facto, sobre erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, não cabe recuso para o Supremo Tribunal de Justiça.

II – FACTOS PROVADOS.

Encontra-se provados nos autos que:

1. A A. é dona, legítima proprietária e possuidora do prédio rústico, composto de terreno de mato, com a área de 1.100 m2, a confrontar do norte com caminho de ferro, do sul com BB, do nascente com A. L..., Lda. e do poente com caminho, (atualmente denominado Travessa de ...), denominado “...”, sito no Lugar do mesmo nome, em ..., atualmente União de freguesias de ..., ... e ..., concelho de ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo n.º 3387, correspondente ao artigo rústico nº 1162 da extinta freguesia de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...........24 ..., onde se encontra inscrito a favor da A.

2. A A. adquiriu o prédio descrito em 1, a EE, residente na estrada nacional nº ..., lugar de ..., ..., da extinta freguesia de ..., hoje União de freguesias de ..., ... e ..., por escritura de justificação e compras e vendas outorgado no Cartório Notarial de ... da notária FF, no dia 10 de Setembro de 2012.

3. Através de escritura publica de compra e venda, outorgada em 18 de Setembro de 2020, no Cartório Notarial do Dr. CC, sito na Rua de ... nº. ... ...., ... ..., a primeira Ré, representado nesse contrato pelo seu Administrador de insolvência, Dr. GG, vendeu à segunda Ré, pelo preço de € 30.000,00 o prédio rústico, composto de terreno de mato, com a área de 220m2, denominado ...”, sito no Lugar de “...”, União das freguesias de ..., ... e ..., concelho de ..., a confrontar do norte com caminho de ferro, do sul com AA cab. casal do poente com BB e outro e do nascente com parque se estacionamento do edifício “...”, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º ..81 (antes artigo ...6 da extinta freguesia de ...), descrito na Conservatória do registo predial de ..., sob o número ..84/....

4. Com base no referido contrato de compra e venda a 2ª Ré registou o mencionado prédio a seu favor na Conservatória do Registo Predial de ..., através da AP. ..34 de 2020/09/18 da Conservatória do Registo Predial de ....

5. Para instruir o referido contrato de compra e venda, a 2ª Ré liquidou junto da Autoridade Tributária o valor de €1.500,00 de IMT e o valor de €240,00, de Imposto de Selo.

6. O prédio da A., identificado em 1, é prédio contíguo e confinante, pelo seu lado nascente, com o prédio identificado em 3, este vendido pela primeira Ré à segunda Ré.

7. O prédio rústico alienado pela primeira Ré à segunda Ré, é contíguo e confronta do seu lado poente com o prédio rústico da A, descrito em 1.

8. A segunda Ré, adquirente do prédio alienado, não era à data da celebração da escritura de compra e venda, nem actualmente, proprietária de qualquer prédio rústico confinante com o alienado.

9. O prédio da A., identificado em 1, tem a área de 1.100m2.

10. O prédio alienado pela primeira R. à segunda R. tem a área de 11.400 m2.

11. Ambos os prédios têm área inferior a 2,5 hectares.

12. A venda referida em 3 foi feita sem que à A. fosse dado conhecimento da mesma, nomeadamente, das cláusulas essenciais do contrato.

13. Nem a R. alienante, nem qualquer seu representante, deram conhecimento à A. da intenção de vender o referido imóvel, muito menos das condições ou elementos essenciais em que o pretendiam fazer, nomeadamente, o preço, condições de pagamento, prazo para a sua realização, pessoa do adquirente, etc., nem da sua venda.

14. A A. só veio a ter conhecimento da alienação efetuada pela primeira Ré à segunda Ré, do prédio identificado em 3, quando verificou que o terreno estava a ser desmatado e limpo.

15. Tendo sido informada pelos trabalhadores que estavam a proceder à limpeza do terreno acima identificado e vendido pela primeira Ré à segunda Ré que o mesmo tinha sido vendido.

16. Após diligenciou junto das repartições públicas, nomeadamente Conservatória do Registo Predial de ... e Autoridade Tributária Serviço de Finanças de ..., no sentido de apurar a data, modo e local da celebração do respetivo contrato de compra e venda.

17. Vindo a apurar que o prédio foi vendido em 18 de Setembro de 2020, através da referida escritura pública, mantendo a sua natureza rústica nos documentos registrais e fiscais.

18. A A. depositou em 25 de Novembro de 2020, o preço da venda pago pela Ré adquirente, no montante de € 30.000,00, e as despesas com o IMT, no valor de €1.500,00 e €240,00, referente ao imposto de selo, no montante global de € 31.740,00.

19. (…)

20. (…)

21. A escritura referida em 3 foi realizada em virtude da venda por negociação particular do bem imóvel apreendido nos autos do processo de insolvência com o n.º 823/11.5... correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de ... – Juiz....

22. A venda do referido prédio, como outros pertença do insolvente A. L..., Lda., foi publicitada, tendo ocorrido mais do que um leilão eletrónico para promover a venda dos bens apreendidos à primeira Ré, e no referido imóvel e nas fracções existentes no Centro Comercial ... eram bem visíveis as placas a informar a ocorrência do leilão dos bens apreendidos.

23. A A. não apresentou qualquer proposta para a sua compra, nem tentou a negociação particular do prédio com a primeira Ré.

24. (…)

25. O prédio da segunda R. já se encontra com o saneamento, foram iniciadas as escavações, a edificação de alguns pilares de suporte e foram colocadas guias para os passeios.

26. O prédio da A. é utilizado como um campo de ensaio onde se colocam sementes para mostrar aos clientes.

27. Os prédios da Autora e da 2ª. Ré são localizados em área urbana de construção.

28. Foi concedido à A. L..., Lda., por deliberação da Câmara Municipal de ..., de 18 de Junho de 1980, o licenciamento de uma operação de loteamento urbano do prédio sito no lugar de ..., freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz predial rústica sob os arts. nºs. 511, 512, 513 e 2930 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob os nºs. ...00, ..31 e ...30, com a constituição de três lotes, designados de “A”, “B” e “C”, e com obras de urbanização, para a realização das quais foi fixado o prazo de 360 dias em função do que foi emitido o alvará de loteamento nº ..., de 12 de Fevereiro de 1981.

29. A promotora do referido loteamento apenas executou obras de urbanização referentes ao lote “A”, no qual se encontra construído o edifício projetado para o mesmo.

30. Sendo a actual proprietária do prédio correspondente aos dois lotes do loteamento designados por lotes “B” e “C”, a segunda R.

31. O legal representante da Autora, HH, apresentou, no dia 7 de Março de 2022, no Município de ..., requerimento a solicitar a caducidade do Loteamento n.º ..., de 12 de Fevereiro de 1981, loteamento esse que incide sobre o prédio propriedade da Ré Leilomeireles, S.A.

32. Por despacho de 31 de Maio de 2023, foi declarada a caducidade do loteamento (Firma A. L..., Lda.), na Avª. ..., ..., com base nas informações do Chefe de Divisão de Urbanismo e Planeamento do Município de ..., e parecer jurídico, convertendo o projeto de caducidade comunicado através do ofício nº..69 de 31 de Maio de 2022, em decisão definitiva.

33. Na página do Facebook da E..., datada de 11 de Novembro 2020, é publicitada a venda do terreno rústico com 11.400 m2, dos autos, com a exibição de fotografia do mesmo.

34. Do relatório pericial junto aos autos em 13 de Abril de 2023, consta designadamente o seguinte, que se transcreve:

“(…) Quanto à natureza dos terrenos, o Perito esclarece que após análise da respetiva planta de ordenamento 2-3, a que corresponde a folha 1.3/8 do PDM de ..., afigura-se que ambos os terrenos encontram-se classificados como “Solo urbano – solo urbanizado – espaço predominantemente de utilização residencial, comércio e serviços – Espaços predominantemente multifamiliar de baixa densidade.

(…) O Perito constatou na propriedade do Autor, a existência de uma área coberta na zona poente, acedida através de um portão voltado á Travessa .... Essa zona apresenta pavimento em betonilha, possuindo um muro em alvenaria de blocos de cimento na delimitação norte (contigua ao talude da linha férrea), sendo que, na confrontação sul, designadamente com a propriedade onde se encontra instalado o estabelecimento “Casa Agrícola ...”, existe uma rede de vedação adossada aos pilares metálicos que suportam a cobertura em painéis metálicos; afigurando-se que este espaço destina-se a arrumos de alfaias agrícolas. Na restante extensão da parcela do Autor, que se desenvolve para nascente até à parcela da Ré, não se constatou a existência de qualquer construção, apresentando-se o solo lavrado.

Quanto á parcela da Ré, e conforme descrito na resposta ao quesito anterior, a propriedade apresentava-se completamente coberta de vegetação densa, o que impediu a observação da generalidade da sua extensão. Contudo foi possível observar que, junto da extremidade nascente da depressão existente na zona central do terreno, existe um elemento que se afigura ser um pilar, embora com características bastante rudimentares; bem como, a existência de alguns lancis de betão sem grande alinhamento e completamente cobertos de vegetação, junto do topo norte da parcela (próximo da base do talude da linha férrea) e na zona nascente da mesma. Foi ainda possível observar a existência de duas caixas de visita de redes de drenagem de águas residuais, também junto do limite norte da parcela, designadamente uma com tampa a indicar “Saneamento” e outra sem tampa, sendo possível observar no interior desta última, que se encontrava ligada a uma tubagem enterrada”.

35 - O objeto social da 2.ª R. consiste na compra e venda e gestão de bens imobiliários; compra e venda e aluguer de máquinas e equipamentos; comércio por grosso de bens novos e usados provenientes de vendas judiciais e leilões.

36 - A 2.ª R. destinava o prédio por si comprado à revenda.

Foi dado como não provado que:

a) A A., por si e seus antecessores, já se encontram na posse do identificado prédio, desde há mais de 1, 5, 10, 20, 30, 50 e mais anos, de boa fé, de forma pública, pacífica, ininterrupta e contínua, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição de ninguém.

b) Nele praticando actos materiais de posse, nomeadamente, fazendo benfeitorias, cultivando-os, todos os anos, pelo modo e nas condições que consideram mais rentáveis e introduzindo-lhes os melhoramentos que entenderam necessários ou úteis, nomeadamente, ao nível de vedações, uso, limpeza, manutenção e arranjos.

c) Fazendo seus todos os rendimentos que o mesmo produz, bem como pagando as respetivas contribuições e impostos.

d) Praticando todos estes actos materiais de boa fé, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma reiterada, ininterrupta e com exclusão de outrem, com a firme convicção de os exercerem em nome próprio e de actuar no uso dos poderes correspondentes ao direito de propriedade sobre os prédios referidos nas alíneas a) e b) do artigo 1º da presente peça.

e) O prédio alienado, apesar de se encontrar de monte, por se encontrar abandonado, é um terreno de regadio e está apto e destina-se à cultura agrícola, predominantemente de milho, feijão, batatas, erva, etc., predominantemente do tipo arvense ainda árvores de fruto.

f) O prédio da A., descrito em 1., possui as mesmas características de terreno apto para a agricultura e de regadio, encontrando-se adstritos ao mesmo fim agrícola que o alienado pela 1ª R. à 2ª R., nomeadamente árvores de fruto e campo de experimentação para novas culturas, produtos fitossanitários e adubos agrícolas.

g) A A. sempre teve, e mantém, o interesse em adquirir, por compra, o prédio mencionado em 3., porque quer expandir a forma de cultivo agrícola do seu prédio identificado em 1., para fins agrícolas, com culturas experimentais, para estudar o desenvolvimento novas culturas e novas formas de culturas agrícolas à semelhança do que já está acontecer na área que possui o seu terreno.

h) A A só veio a ter conhecimento da alienação da venda efetuada pela 1ª R à 2ª R no fim da semana de 16 a 20 do mês de novembro corrente.

i) O prédio alienado destina-se a fins agrícolas.

j) A A teve conhecimento dos leilões eletrónicos.

l) O anterior proprietário não alterou a natureza do prédio, mantendo-o como rústico, sobre o mesmo já foi concedida a licença de construção e iniciada pela extinta empresa A. L..., Lda., conforme decorre de uma das plantas que deu entrada na Câmara Municipal de ... em 1983 – cfr. doc. 1 junto com a contestação que aqui se dá por integralmente reproduzido.

m) O prédio pertença da segunda Ré é um prédio de construção que, já foi alvo de aprovação de projeto de edificação e nele já foram iniciadas obras de construção - cfr. docs. n.º 4 a 12 juntos com a contestação e doc. junto em 17.06.2023, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

n) No prédio da A. não existe qualquer cultura, mas existe um lugar para aparcamento de viaturas e de depósito de materiais.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

1 – Admissibilidade da presente revista.

2 – Direito de preferência. Interpretação do artigo 1381º, alínea a), 2ª parte, do Código Civil. Pressupostos essenciais de funcionamento deste impedimento ao exercício da preferência. Falta de prova da destinação diversa da finalidade agrícola, quer por parte do anterior proprietário (o alienante) quer do novo (o adquirente).

Passemos à sua análise:

1 – Admissibilidade da presente revista.

Sustenta a recorrida que das decisões do Tribunal da Relação proferidas sobre matéria de facto, ou seja, sobre erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Logo, a revista interposta pela 2ª Ré deveria ser rejeitada.

Apreciando:

A afirmação produzida pela recorrida é, em si mesma, inteiramente correcta.

Contudo, o presente recurso de revista versa, no essencial, sobre a interpretação e aplicação ao caso da previsão do artigo 1381º, alínea a), 2ª parte, do Código Civil.

No prosseguimento desta tarefa hermenêutica não há que contar com matéria de facto diversa e oposta à que foi, nesse plano, consolidada e definitivamente assente no acórdão recorrido.

É o que se respeitará, não havendo lugar à reanálise ou sindicância da matéria de facto dada como demonstrada pelo tribunal a quo.

Pelo que o recurso de revista é naturalmente admissível (nestes termos e com este alcance legalmente delimitado).

2 – Direito de preferência. Interpretação do artigo 1381º, alínea a), 2ª parte, do Código Civil. Pressupostos essenciais de funcionamento deste impedimento ao exercício da preferência. Falta de prova da destinação diversa da finalidade agrícola, quer por parte do anterior proprietário (o alienante) quer do novo (o adquirente).

A questão jurídica essencial a tratar na presente revista prende-se com a subsunção da materialidade dada como provada à previsão normativa da 2ª parte da alínea a) do artigo 1381º do Código Civil, nos termos da qual:

“Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes:

a. Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a agricultura”.

Neste tocante, entende a ora recorrente que os factos dados como provados permitem concluir pelo preenchimento da segunda parte do transcrito preceito, na medida em que o terreno por si adquirido à 1ª Ré não se destinava nem destina a finalidades agrícolas, sendo, ao invés, intenção desta a sua afectação a finalidades urbanísticas, viabilizadas e propiciadas pela sua capacidade edificativa, em consonância com o projecto de loteamento que chegou a ser apresentado junto do Município competente, prevendo-se, aliás e neste sentido, no Plano Director Municipal que os dois prédios em causa (o da A. e o adquirido pela 2ª Ré) se encontram em área urbana, com essa mesma reconhecida potencialidade edificativa.

Pelo que, a seu ver, não assiste à A., ora recorrida, o direito de preferência na mencionada aquisição, nada tendo esse mesmo exercício a ver com os objectivos prosseguidos na lei em matéria de reordenamento da propriedade fundiária (que deve assegurar pela sua dimensão mínima, a unidade de cultura, a sua rentabilidade económica que evite uma excessiva pulverização de minifúndios.

Vejamos:

Como é sabido, a atribuição pelo legislador do direito de preferência ao proprietário de terrenos confinantes teve por objectivo essencial obviar aos efeitos negativos, do ponto de vista social e económico, associados à excessiva fragmentação da exploração agrícola, com a proliferação de minifúndios, que, por sua própria natureza, não permitem nem viabilizam o devido aproveitamento e a desejada rentabilidade da actividade em causa, gerando ao invés a sistemática ineficiência produtiva da estrutura fundiária assim caracterizada.

(Sobre o tema, em geral, com pormenorizada descrição histórica sobre o instituto em referência – isto é, o emparcelamento rural e o direito de preferência do proprietário de terrenos confinantes - vide José Gualberto de Sá Carneiro, in “Revista dos Tribunais”, Ano 83, nº 1804, Outubro de 1965, a páginas 339 a 344; nº 84, nº 1807, Janeiro de 1966, páginas 5 a 10).

Este direito de preferência foi introduzido na nossa ordem jurídica pela Lei nº 2116, de 14 de Agosto de 1962, a que se seguiu a respectiva regulamentação por via do Decreto-lei 44647, de 26 de Outubro de 1962.

Tal direito de preferência veio, anos depois, a ser acolhido no Código Civil de 1966, no seu artigo 1380º, nº 1, do Código Civil.

Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, Volume III, de Pires de Lima e Antunes Varela, Coimbra Editora, 1987, a página 270:

“Há entre o nº 1 da Base VI da referida Lei (2116, de 14 de Agosto de 1962) uma diferença a assinalar. Enquanto que, nos termos desta base, qualquer proprietário confinante gozava do direito de preferência em relação aos terrenos com área inferior à unidade de cultura que fossem transmitidos a proprietário não confinante, pelo Código só gozam deste direito os proprietários de área inferior à unidade de cultura. Trata-se, como se diz no texto legal, de um direito recíproco entre proprietários de terrenos confinantes, com áreas que não atingem essa unidade.
A razão da alteração introduzida pelo Código está em não se justificar que a grande propriedade absorva a pequena propriedade que lhe é contígua. Desde que já está formada uma unidade de cultura, desaparece o interesse económico da absorção, ou, pelo menos, trata-se de um interesse que não justifica a restrição da preferência, que apresenta igualmente inconvenientes do ponto de vista social e económico”.

Mais tarde, entrou em vigor do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro, que, no seu artigo 18º, nº 1, alterou o regime até aí consagrado na lei, determinando agora que “Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”.

Finalmente, foi aprovada a Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, de 27 de Setembro de 2015, que estabelece o presente regime jurídico da estruturação fundiária e que procede, além do mais, à revogação em bloco do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro, incluindo o citado artigo 18º).

Na situação sub judice, não é discutível, nem está em causa sequer, a existência dos pressupostos legais que habilitam a A., enquanto proprietária de terreno confinante, a exercer o direito de preferência, tais como os mesmos se encontram definidos e exigidos pelo artigo 1380º do Código Civil (desde que não se verifique o mencionado impedimento).

Neste contexto, cumpre realçar que se encontram provados, com interesse para a decisão do pleito, os seguintes factos:

Os prédios da Autora e da 2ª. Ré são localizados em área urbana de construção.

O prédio da A. é utilizado como um campo de ensaio onde se colocam sementes para mostrar aos clientes.

Foi concedido à A. L..., Lda., por deliberação da Câmara Municipal de ..., de 18 de Junho de 1980, o licenciamento de uma operação de loteamento urbano do prédio sito no lugar de ..., freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz predial rústica sob os arts. nºs. .11, .12, .13 e ..30 e descrito na Conservatória do Registo Predial de... sob os nºs. ...00, ..31 e ...30, com a constituição de três lotes, designados de “A”, “B” e “C”, e com obras de urbanização, para a realização das quais foi fixado o prazo de 360 dias em função do que foi emitido o alvará de loteamento nº..., de 12 de Fevereiro de 1981.

A promotora do referido loteamento apenas executou obras de urbanização referentes ao lote “A”, no qual se encontra construído o edifício projetado para o mesmo, sendo a actual proprietária do prédio correspondente aos dois lotes do loteamento designados por lotes “B” e “C”, a segunda R.

O prédio da segunda R. já se encontra com o saneamento, foram iniciadas as escavações, a edificação de alguns pilares de suporte e foram colocadas guias para os passeios.

O legal representante da Autora, HH, apresentou, no dia 7 de Março de 2022, no Município de ..., requerimento a solicitar a caducidade do Loteamento n.º..., de 12 de Fevereiro de 1981, loteamento esse que incide sobre o prédio propriedade da Ré Leilomeireles, S.A..

Por despacho de 31 de Maio de 2023, foi declarada a caducidade do loteamento (Firma A. L..., Lda.), na Avenida ..., ..., com base nas informações do Chefe de Divisão de Urbanismo e Planeamento do Município de ..., e parecer jurídico, convertendo o projeto de caducidade comunicado através do ofício nº..69 de 31 de Maio de 2022, em decisão definitiva.

Do relatório pericial junto aos autos em 13 de Abril de 2023, consta designadamente o seguinte, que se transcreve:

“(…) Quanto à natureza dos terrenos, o Perito esclarece que após análise da respetiva planta de ordenamento 2-3, a que corresponde a folha 1.3/8 do PDM de ..., afigura-se que ambos os terrenos encontram-se classificados como “Solo urbano – solo urbanizado – espaço predominantemente de utilização residencial, comércio e serviços – Espaços predominantemente multifamiliar de baixa densidade.

(…) O Perito constatou na propriedade do Autor, a existência de uma área coberta na zona poente, acedida através de um portão voltado á Travessa .... Essa zona apresenta pavimento em betonilha, possuindo um muro em alvenaria de blocos de cimento na delimitação norte (contigua ao talude da linha férrea), sendo que, na confrontação sul, designadamente com a propriedade onde se encontra instalado o estabelecimento “Casa Agrícola...”, existe uma rede de vedação adossada aos pilares metálicos que suportam a cobertura em painéis metálicos; afigurando-se que este espaço destina-se a arrumos de alfaias agrícolas. Na restante extensão da parcela do Autor, que se desenvolve para nascente até à parcela da Ré, não se constatou a existência de qualquer construção, apresentando-se o solo lavrado.

Quanto à parcela da Ré, e conforme descrito na resposta ao quesito anterior, a propriedade apresentava-se completamente coberta de vegetação densa, o que impediu a observação da generalidade da sua extensão. Contudo foi possível observar que, junto da extremidade nascente da depressão existente na zona central do terreno, existe um elemento que se afigura ser um pilar, embora com características bastante rudimentares; bem como, a existência de alguns lancis de betão sem grande alinhamento e completamente cobertos de vegetação, junto do topo norte da parcela (próximo da base do talude da linha férrea) e na zona nascente da mesma. Foi ainda possível observar a existência de duas caixas de visita de redes de drenagem de águas residuais, também junto do limite norte da parcela, designadamente uma com tampa a indicar “Saneamento” e outra sem tampa, sendo possível observar no interior desta última, que se encontrava ligada a uma tubagem enterrada”.

O objeto social da 2.ª R. consiste na compra e venda e gestão de bens imobiliários; compra e venda e aluguer de máquinas e equipamentos; comércio por grosso de bens novos e usados provenientes de vendas judiciais e leilões.

A 2.ª R. destinava o prédio por si comprado à revenda.

Apreciando:

O artigo 1381º do Código Civil prevê situações impeditivas do exercício do direito de preferência pelo proprietário de terreno confinante, que revestem, em termos processuais, a natureza de excepção peremptória, competindo por isso mesmo aos alegantes o ónus da sua demonstração em juízo (neste caso a 2ª R., ora recorrente, enquanto adquirente do imóvel objecto do exercício do direito de preferência).

Basicamente a 2ª parte da alínea a) do artigo 1381º do Código Civil dispõe que não haverá direito de preferência do proprietário do terreno confinante quando os prédios em causa, segundo a vontade do alienante ou adquirente se destine a uso não agrícola – mormente através da sua urbanização e rentabilização -, independentemente da data do negócio aquisitivo.

Conforme salientam Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, Volume III, Coimbra Editora 1987, a página 276:

“O fim que releva, para efeitos de aplicação do disposto na alínea a) não é aquele a que o terreno esteja afectado à data da alienação, mas antes o que o adquirente pretende dar-lhe (…).

Este fim não tem de constar necessariamente da escritura de alienação, podendo provar-se por outros meios”.

Sobre esta mesma matéria escreve Henrique Mesquita in “Colectânea de Jurisprudência”, Ano XI, 1986, Tomo V, a página 52:

“A simples intenção de afectar um terreno de cultura a fim diferente (v.g. a um fim urbanístico) mesmo que conste da escritura de alienação, não pode, com efeito, só por si, bastar para precludir o direito de preferência de um proprietário confinante. De outro modo, fácil se tornaria defraudar o preceito, de interesse e ordem pública (artigo 1380º, nº 1) (…).

A possibilidade de afectar um terreno de cultura a finalidade diferente deve depender, não do critério egoísta dos proprietários vizinhos, mas antes e apenas de uma decisão administrativa tomada em função dos interesses gerais da colectividade, de acordo com os planos de ordenamento do território.

Ora, o normal (..) é que a autorização administrativa (licença) para construir só se requer e obtém após a alienação. E isto pela razão simples de que o alienante não tem, em regra, qualquer interesse em requerer a licença de construção e o adquirente só dispõe de legitimidade para o fazer depois de se tornar proprietário do terreno.

Para afastar, portanto, o direito de preferência dos proprietários confinantes ao abrigo do disposto na parte final da alínea a) do artigo 1381º, não deve considerar-se necessário que, à data da alienação, o terreno a alienar se encontre já afectado – v.g, em consequência de obras neles feitas, ou de afectação decorrente de um critério legal ou decidido pela Administração Pública, ou ainda da outorga de uma licença – a um fim diferente da cultura”.

Sobre o mesmo tema refere Agostinho Cardoso Guedes, in “O Exercício do Direito de Preferência”, Publicações Universidade Católica, Porto 2006, a páginas 123 a 124:

“Assim, desde logo o artigo 1381º, alínea a), parte final, confere relevância jurídica, directa e expressamente, à finalidade a que o prédio foi afectado pelo seu proprietário ou às finalidades a que o novo proprietário pretende afectar o prédio a alienar (ou alienado).

Esta norma traça um limite fundamental à política de emparcelamento prosseguida pelo nosso legislador, no qual se insere o direito de preferência (…) pois ao excluir a preferência nos casos em que o proprietário (ou o novo proprietário) afecte (ou tencione afectar) um terreno apto para a cultura a outra finalidade, o legislador mostra que, antes de mais, respeita o destino que o proprietário do terreno lhe quer dar, não pretendendo impor a esse proprietário uma afectação à agricultura – isto é, um terreno apto para cultura é sujeito às regras relativas ao emparcelamento enquanto o seu proprietário (ou o adquirente) não decide afectá-lo a uma finalidade diferente, dia em que essa sujeição cessará de imediato.

O artigo 1381º, a), mostra, assim, que a finalidade dada ao terreno pelo seu proprietário é juridicamente relevante; se assim é, então nos casos em que o mesmo terreno é utilizado para cultura e para outros fins (habitação, parque de estacionamento, armazém, garagem, etc.,) a solução mais razoável será, na verdade, atender ao destino predominante a que o prédio está efectivamente afecto, porque só assim a lei estará a respeitar a liberdade do proprietário em utilizar o bem da forma que entender mais conveniente. Uma solução que desse apenas relevância à aptidão abstracta do terreno estaria não só a favorecer o emparcelamento mas também a afectação de terrenos à agricultura”.

(Sobre esta temática, vide igualmente Elsa Sequeira Santos, in “Revista Julgar”, nº 51, a páginas 53 a 60).

Em termos jurisprudenciais, cumpre dar nota as seguintes decisões com interesse para o tema que nos ocupa:

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1998 (relator Ferreira Ramos) proferido no processo com referência 98A971, publicado in www.dgsi.pt, onde se consignou:

“(…)Não se questiona que, no caso dos autos, se mostram preenchidos todos os pressupostos a que o citado artigo 1380º condiciona o direito de preferência com base na confinância dos prédios.

Por isso que o cerne da questão se traduza antes em saber se se verifica a excepção peremptória prevista no artigo 1381º:

"Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes:

a) Quando algum dos terrenos ...se destine a algum fim que não seja a cultura".

Tal como em relação aos artigos 1380º e 1376º, também aqui se justifica fazer apelo, por razões de unidade sistemática, à alínea a) do artigo 1377º do mesmo Código, que se harmoniza logicamente, com a transcrita alínea a) do artigo 1381º (Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", vol. III, 1972, p. 249).

Compreende-se, com efeito, que não haja lugar à preferência quando algum dos terrenos se não destine a cultura, pois aí cessa a apontada ratio legis - o direito de preferência previsto na norma antecedente visa, como se disse, obviar aos inconvenientes derivados da exploração agrícola em áreas fragmentadas com superfícies inferiores à unidade de cultura fixada para a respectiva zona, favorecendo a recomposição das áreas mínimas para esse efeito (sumário do acórdão do Supremo de 11.7.91, no BMJ, nº 409-803).

Cabia, sem dúvida, aos autores a prova dos factos constitutivos do alegado direito de preferência (artigo 342º nº 1, do Código Civil).

Do mesmo modo, há uniformidade doutrinal e jurisprudencial quanto a fazer recair sobre o réu/adquirente o ónus de provar a referida excepção, como facto impeditivo do direito do autor (nº 2 do artigo 342º do CC); ou seja, cabe-lhe alegar e provar que o terreno adquirido se destina a um outro fim, que não a cultura (cfr., para além do já ditado acórdão de 26.11.96, os acórdãos de 18.1.94, na CJ, ano II, tomo I, . 46, e de 23.5.96, Proc. nº 39/96, 2ª Secção).

(…) Em breve súmula, salientar-se-á:

- por um lado, que decisivo é o fim que o adquirente pretende dar ao terreno, isto é, que a aquisição se destine a qualquer outro fim que não seja a cultura (sem que tal signifique exigência de que o terreno seja, de imediato, utilizado nesse outro fim, bastando que "o seu destino posterior passe a ser outro" - Pires de Lima e Antunes Varela, ob. e loc. cits. p. 240);
- por outro lado, que é necessário que este facto psicológico tenha reflexo na conduta fáctica apurada, ou seja, que a intenção de se dar determinado destino, diferente da cultura, tenha nos autos concretização e prova bastante”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Abril de 2004 (relator Ribeiro de Almeida) proferido no processo com referência 04A844, publicado in www.dgsi.pt, onde se refere:

“Dos factos dados como provados as instâncias reconhecem aos Autores a possibilidade de exercerem a preferência salvo se a invocada excepção proceder.

O cerne da questão reside, pois, em saber se a relevância do direito de preferência é excluída por o prédio rústico ser adquirido para fim que não o de cultura (cf. Artigo 1381 al. a) in fine).

Ao contrário do que afirmam os recorrentes, do contrato de compra e venda outorgado não consta o fim para que o terreno é comprado. Antes se identifica o prédio objecto do contrato de compra e venda registando-se que o prédio rústico é composto de terreno de monte (cf. escritura de fls. 5 a 8 junta aos autos).

Os Réus compradores não declararam perante o Notário qual o fim a que destinavam o prédio adquirido. Destinando-se o prédio a fim diferente da cultura não tem de constar da escritura esse fim diferente. Assim, a finalidade da aquisição é passível de prova a produzir pelo adquirente. (CJ STJ 1994/1/46 BMJ 293/355; BMJ 381/592 e Henrique Mesquita CJ 1986/V/50).

Não foi violado o disposto no Artigo 371 do Código Civil, como pretendem os recorrentes.

O fim que releva para integrar a situação que a al. a) do Artigo 1381 do Código Civil excepciona não é o que tem ou ao qual está afectado no momento da alienação mas aquele que constitui a finalidade da compra, caso essa finalidade seja legalmente possível.

(…) Como facto impeditivo do direito do preferente, tem que ser provado pelo adquirente não confinante. (Artigo 342 n.º 2 do Código Civil e 493 do Código de Processo Civil).

Porém como decorre do já dito, não basta para afastar esse direito a prova da intenção de afectar o terreno adquirido a outro fim que não seja a cultura.

O fim que o adquirente pretende dar ao terreno é decisivo para a procedência da excepção, não se exigindo que o terreno seja de imediato utilizado nesse outro fim bastando que o seu destino posterior passe a ser outro.

Por outro lado, é necessário que o facto psicológico «intenção» tenha reflexo na factualidade apurada, ou seja, que a intenção de se dar destino diferente da cultura tenha nos autos concretização e prova bastante.

O que interessa estar apurado é que os fins da aquisição sejam viável e lícito.

Atendendo a que a norma do Artigo 1380 é de interesse e ordem pública, por ter como finalidade a luta contra o minifúndio, entende-se que a excepção invocada não passe mesmo disso não seja de mera intenção sem qualquer tipo de viabilidade”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 2008 (relator Fonseca Ramos) proferido no processo com referência 08A075, publicado in www.dgsi.pt, onde se pode ler:

“Porque os fins para que o legislador consagrou o emparcelamento e o direito de preferência – arts. 1380º, nº1, a) e 1382º do Código Civil – não se alcançam quando o prédio confinante não se destina a cultura agrícola, e não relevando o facto de ter logradouro ou terrenos ainda que possam ser cultivados – dado que não estão afectos à rusticidade do prédio por ele se destinar a habitação – não existe o direito de preferência”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Maio de 2010 (relator Oliveira Vasconcelos) proferido no processo nº 537/02.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se refere:

O destino do prédio a fim que não é cultura

No acórdão recorrido entendeu-se que não se encontrava demonstrado, para o efeito de se excluir o direito de preferência invocado pelos autores, nos termos da alínea a) do artigo 1381º do Código Civil, que o prédio se destinasse a construção.

Os réus recorrentes entendem o contrário.

Cremos que desta vez têm razão.

(…) O fim que releva, para efeitos da aplicação do disposto na alínea a), não é aquele a que o terreno esteja afectado à data da alienação, mas antes o que o adquirente pretenda dar-lhe.

Para afastar o direito de preferência, o adquirente terá de provar que a sua intenção, o fim do negócio, foi dar ao terreno uma outra afectação ou destino que não a cultura.

Mas só isto não basta: ele terá de provar, ainda, que nada se opõe a que a sua intenção se concretize e que, portanto, a mudança de destino é legalmente possível.

E isto porque a possibilidade de afectar um terreno de cultura a finalidade diferente deve depender, não do critério egoísta dos proprietários vizinhos, mas antes e apenas de uma decisão administrativa, tomada em função dos interesses gerais da colectividade, de acordo com os planos de ordenamento do território.

A afectação do terreno a um fim diferente da cultura não tem necessariamente de preceder o acto de alienação.
O que interessa é o fim que o adquirente pretenda dar-lhe.

A declaração exarada na escritura notarial, de que o terreno se destina a fim diferente da cultura não afasta o direito de preferência, se se provar que aquela declaração não corresponde ao fim em vista pelo adquirente”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2021 (relatora Rosa Tching) proferido no processo nº 892/18.7T8BJA.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se afirmou:

“(…) não se vê que se possa defender resultar do espírito da lei que o citado art. 1380º, nº 1 não vincula o exercício do direito de preferência à efetiva exploração dos prédios para fins agrícolas, bastando-se com o facto de serem prédios aptos para cultura”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 2023 (relatora Catarina Serra) proferido no processo nº 249/19.2T8TVR.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:

“(…) a existência ou não de efectiva exploração agrícola do terreno não é necessária para este efeito (exercício do direito de preferência).

Por aplicação conjugada dos artigos 1381.º e 342.º, n.º 2, do CC, o ónus da prova dos factos impeditivos do direito de preferência recai sobre aqueles contra quem o direito é invocado, ou seja, aqui os réus / recorrentes.

Ora, os únicos factos que os réus / recorrentes lograram provar é que no prédio das Autoras nada foi cultivado ou plantado e que foi colocada uma casa móvel, com ar condicionado [cfr. factos provados 9) e 10) )]. Mas estes factos não contrariam a aptidão do prédio para a cultura – não demonstram que está precludida a possibilidade de, no futuro, vir a ser efectivamente desenvolvida a cultura.

Lograram os réus / recorrentes provar ainda que as autores estavam divorciadas e a decorrer um processo de inventário [cfr. facto provado 11)]. Mas, como disse o Tribunal recorrido, isso nada traz de relevante para o efeito de aplicação do artigo 1381.º, n.º 1, al. a), in fine e de exclusão do direito de preferência.

Não tendo os réus/recorrentes logrado provar qualquer facto relevante neste plano, a questão da existência do direito de preferência deve ser decidida contra eles”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2022 (relator Jorge Arcanjo) proferido no processo nº 2856/17.9T8AGD.P1.S2, publicado in www.dgsi.pt, onde se enfatizou:

“O direito de preferência de prédios confinantes e os factos constitutivos da excepção do art. 1381 alínea a) CC – destino do prédio para construção e possibilidade legal.

O direito de preferência fundado na confinância de prédios (artigo 1380 do CC) insere-se num quadro normativo que tem por finalidade evitar a excessiva fragmentação da propriedade rústica, visando, assim, fomentar o seu emparcelamento.

(…) Ao exercício do direito de preferência, ambos os Réus defenderam-se com a excepção material do destino do terreno para um fim não agrícola ( art. 1381 nº1 a), 2ª parte, do CC ).

A excepção ao direito de preferência, invocada pelos Réus – como facto impeditivo - traduz-se aqui no destino do prédio alienado para um fim diverso à cultura, mais concretamente para a construção urbana.

É hoje entendimento prevalecente que a afectação do terreno a outras finalidades que não a cultura, não tem de constar da escritura pública ou de documento particular autenticado podendo provar-se por outros meios, impondo-se, no entanto, que essa finalidade seja legalmente possível ( cf., por ex., P.LIMA/ A.VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., pág. 276, HENRIQUE MESQUITA, C.J. ano XI, tomo V, pág. 51, AGOSTINHO GUEDES, O Exercício do Direito de Preferência, 2006, pág. 125 e 126, Ac STJ de 21/6/94, BMJ 438, pág. 450, de 19/3/98, C.J. ano VI, tomo I, pág.144).

Daqui resulta que a mera intenção sobre o destino do terreno não é suficiente para excluir a preferência, sendo indispensável a prova da mesma, por qualquer meio, e que o destino a dar ao prédio pelo adquirente seja permitido por lei.

(…) Segundo a “teoria das normas” cabe ao réu (adquirente) a alegação e prova de que o prédio vendido se destina a um fim que não a cultura, divergindo-se, no entanto, quanto a saber se tal ónus também abrange a possibilidade legal ( art. 342 nº2 do CC ).

Para determinado entendimento, ao réu incumbirá apenas a prova do destino a fim diferente do da cultura (facto constitutivo da excepção peremptória) competindo ao autor o ónus da impossibilidade legal da mudança de destino, designadamente, com base nas normas de natureza administrativa, por se tratar de facto impeditivo da excepção ( cf. por ex., Ac do STJ de 23/5/96, BMJ 457, pág. 370 ).

Outra orientação, aliás, prevalecente, e que aqui se acolhe, partindo do princípio da unidade jurídica, defende que o adquirente terá de alegar e provar, não só a intenção de dar ao terreno uma afectação diferente, mas também que nada se opõe a que a essa intenção se concretize, ou seja, que a mudança de destino seja legalmente possível (cf., por ex., HENRIQUE MESQUITA, C.J. ano XI, tomo V, pág. 53, Ac do STJ de 18/1/94, C.J. ano II, tomo I, pág.46, Ac STJ de 21/6/94, C.J. ano II, tomo II, pág. 154 , Ac STJ de 6/5/2010 ( proc nº 537/02), Ac STJ de 10/10/2017 ( proc nº 1522/13 ), em www dgsi.pt ).

(…) Como se sabe, é controversa a natureza jurídica do jus aedificandi. Quer se entenda que o jus aedificandi é imanente ao direito de propriedade, como uma das faculdades em que o direito se manifesta, pelo que as restrições de natureza administrativa são meros condicionalismos, ou, noutra perspectiva, se defenda que o direito de construir não resulta sem mais do direito de propriedade, sendo apenas reconhecido ao proprietário o direito de usufruir da propriedade nos termos permitidos pelo sistema jurídico global, e normas de “ordem pública de protecção”, como as que se destinam a regular o ordenamento do território, impõe-se sempre considerar as implicações do direito do urbanismo, tendo em conta os planos de organização do território, como resulta da conjugação dos arts. 62, 65 e 66 CRP e da “função social” da propriedade.

Pois bem, são os planos municipais de ordenamento do território que definem o regime do destino, uso, ocupação e transformação do solo, nomeadamente o plano director municipal (PDM) ou seja a afetação de parcelas do território ao desempenho de determinados fins, com a classificação e qualificação dos solos , pois, como dispõe o art.15 nº1 da Lei nº31/2014 de 30/5 (LBPOTU) “a classificação do solo determina o destino básico dos terrenos e assenta na distinção fundamental entre solo rural e solo urbano”.

Uma vez assente que cabe ao réu adquirente do prédio objecto da preferência o ónus da prova da possibilidade legal de construção, colocam-se ainda as seguintes questões:

A possibilidade legal da construção deve existir no momento da alineação ou pode ser comprovada posteriormente?

É suficiente uma aptidão genérica ou é indispensável uma viabilidade construtiva concreta e expressamente decidida pela administração Pública, como a licença de construção?

Quanto à primeira questão, deve entender-se que tanto a afectação do destino, como a possibilidade legal, no caso de construção a viabilidade por acto da Administração Pública, não têm que existir na data da alienação.

É certo que uma vez conferida judicialmente a preferência, os efeitos retroagem à data da alienação, mas daqui não resulta que o destino (dado pelo adquirente) já esteja concretizado nesse momento.

(…) Quanto à questão de saber se é suficiente uma aptidão genérica ou se torna indispensável uma viabilidade construtiva concreta e expressamente decidida pela administração Pública, importa sublinhar que dentro dos instrumentos de gestão territorial, cabe ao PDM, que tem a qualificação de regulamento administrativo, proceder à identificação e delimitação das áreas urbanas. Isto resulta tanto da Lei nº31/2014 de 30/5 ( Lei de bases gerais da política de solos, de ordenamento do território e urbanismo ), que prevê a classificação e qualificação do solo ( art. 10), como do DL nº 80/2015 de 14/5 (Regime jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial).

Ora, por força do princípio da reserva do plano, o direito de construção ou edificação pressupõe que o plano lhe atribua vocação edificativa ou o classifique o solo como urbano, nos termos dos artigos 72.º e 73.º do RJIGT, e está demonstrado o terreno se insere por força do PDM em solo urbano, na categoria de solo urbanizado – espaço residencial tipo 1, no perímetro urbano da cidade, e consta da informação prestada pela Câmara Municipal

Por conseguinte, o terreno tem uma aptidão construtiva, segundo o PDM .

Contudo, para a possibilidade legal, confirmativa do destino que não a cultura, neste caso a construção, não basta a aptidão genérica ou abstracta, sendo indispensável que em concreto se possa construir, de acordo com as características do terreno e as condicionantes impostas pela lei e pela Administração Pública.

Na verdade, nem todo o solo inserido no perímetro urbano está legitimado, sem mais, à edificação concreta, já que a lei exige determinados requisitos, para o efeito.

Neste contexto, CLÁUDIO MONTEIRO distingue o “direito ao aproveitamento urbanístico”, que corresponde “às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo para fins urbanísticos conferidas ao seu proprietário pelos instrumentos de planeamento, através da definição do respectivo regime de uso”, e o “direito de construir em sentido estrito”, que “consiste na faculdade de o proprietário materializar o aproveitamento urbanístico correspondente, sendo “consolidado” pela licença ou por outro acto análogo controlo administrativo prévio das suas operações urbanísticas” (A garantia constitucional do direito de propriedade privada e o sacrifício de faculdades urbanísticas, CJA, nº 91, pág. 3 e ss.).

Sendo assim, o direito de urbanizar ou edificar só se consolida e se incorpora na esfera jurídica do proprietário do terreno quando for emitida a autorização ou licença para urbanizar ou edificar.

Não é, pois, por mero efeito da aprovação do plano ou do requerimento para licenciamento que o direito a edificar se consuma, tanto que se trata de um procedimento urbanístico que contém uma sequência de actos, e, nesta medida, até à autorização ou licença ( como acto constitutivo de direito) para edificar o proprietário dispõe de uma expectativa jurídica, maior ou menor em conformidade com a natureza dos actos preparatórios ( por ex., pedido de informação prévia, ou aprovação do plano de arquitectura ).

Neste sentido, por exemplo, Ac STA de 12/3/2008 (proc. nº 0620/07), ( “Do acto de aprovação do projecto de arquitectura apenas decorre, para o requerente do licenciamento, que essa aprovação não possa já ser posta em causa à luz dos instrumentos de planeamento em vigor, mas não lhe confere o direito adquirido de construir pois que esse direito só emerge do acto final de licenciamento”), Ac STA de 22/5/2013 ( proc nº 01146/12), (“O direito de construir só nasce ex novo no património do proprietário quando um acto administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza o proprietário a construir ou a lotear”), ambos disponíveis em www dgsi.pt.

Se o direito de construir nasce com o acto final de licenciamento, dir-se-ia que na acção de preferência o réu teria que juntar licença de construção para comprovar a excepção. Mas não é assim, porque o que se exige, para efeitos do art.1381 a) CC, não é a prova do direito de construir ( em sentido estrito), que obviamente o adquirente jamais poderia obter antes da aquisição do prédio ou mesmo no prazo para o exercício de preferência ( atento o prazo de a caducidade da acção), mas que o prédio tenha objectiva viabilidade construtiva, que seja apto à construção, tendo em conta as suas características.

Dito de outra forma, o que releva, para afastar a preferência, não é propriamente a atribuição do direito de construir pelo acto de licenciamento, mas as possibilidades objectivas do aproveitamento do terreno, a sua concreta aptidão construtiva, avaliada em função das características do solo e em função dos planos e da Lei.”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 2019 (relator Raimundo Queiróz) proferido no processo nº 295/16.8T8VRS.E1.S2, publicado in www.dgsi.pt, onde se pode ler:

“O direito de preferência consagrado no artº 1380º do CC visa promover o emparcelamento rural de forma a tornar mais vantajosas as condições de aproveitamento fundiário das propriedades agrícolas. Este direito legal de preferência foi instituído como meio de combater a pulverização da propriedade rústica e de favorecer o emparcelamento, permitindo a unificação de prédios vizinhos de modo a formar prédios com área apropriada a uma maior e melhor produtividade e rentabilização.

Deste modo, e na interpretação da excepção estabelecida na referida al. a) do artº 1381º do CC, não se destinando a aquisição a prosseguir na exploração agrária do terreno, não se vê qualquer razão para conceder essa preferência aos proprietários dos prédios confinantes. Quer isto dizer que o proprietário do prédio confinante deixa de gozar do direito de preferência, sempre que o adquirente do prédio sobre o qual se quer exercer esse direito o destine a algum fim que não seja a cultura. “O fim que releva, para efeitos do disposto a alínea a), não é aquele a que o terreno esteja afectado à data da alienação, mas antes o que o adquirente pretenda dar-lhe (…). Este fim não tem de constar necessariamente da escritura, podendo provar-se por outros meios (…)

No entanto, para que o facto impeditivo do direito de preferência aludido na 2ª parte da al. a) do art.° 1381º do CC opere os seus efeitos, é necessário que o adquirente alegue e prove a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afectação ou um outro destino que não a cultura, mas, também, é necessário que a projectada mudança de destino seja permitida por lei. Com efeito, importa demonstrar que, sob pena de se defraudar a intenção do legislador, o destino pretendido para o terreno seja legalmente possível, pois se assim não fosse, ficaria na livre disponibilidade do adquirente a exclusão do direito de preferência que, com a simples manifestação de um desejo, faria precludir o exercício desse direito. E como vem sendo reconhecido, maioritariamente, pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, cabe ao adquirente provar que a sua pretensão é legalmente possível, isto é que nada obsta a que se concretize a sua intenção de dar ao prédio uma outra afectação ou um outro destino.

Esta é matéria que se insere no âmbito do facto impeditivo do direito invocado pela Autora, e, por esta razão, o respectivo ónus probatório recai sobre contra quem a invocação é feita, ou seja, sobre os Réus compradores.

É certo que do probatório consta que os Réus compradores, após a data da venda da propriedade, fizeram obras de grande vulto para concretização do seu projecto de parque/estação de serviço para auto-caravanas (factos 21 a 23); que só compraram o prédio em questão depois de terem ouvido a Câmara Municipal sobre a sua pretensão (facto 35); que cerca de quatro meses antes de terem adquirido o prédio em questão, contrataram um arquitecto que foi informado que o terreno destinar-se-ia a um parque/estação de serviço de auto-caravanas e que nesse sentido enviou documento à Câmara de ... (facto 36); que sinalizaram o terreno condicionalmente, pois necessitavam de saber se podiam fazer a sua estação de serviço para auto-caravanas, conforme consta no contrato com a ... (facto 37); que, no momento da instalação da electricidade os técnicos foram também eles informados que potência necessária deveria prever o fim a que se destinava o terreno (facto 38).

No entanto, toda esta factualidade apenas serve para demonstrar que os Réus compradores tinham como objectivo destinar o terreno a um fim diverso da cultura. Todavia, não lograram demonstrar que a sua projectada finalidade seria legalmente admissível. Na verdade, os Réus compradores não juntaram qualquer documento passado pela Câmara Municipal de ... sobre o licenciamento da sua pretensão ou sequer da sua viabilidade, nomeadamente através da apresentação de um pedido de informação prévia (PIP).

A possibilidade de afectar um terreno de cultura a uma finalidade diferente não depende da mera intenção do proprietário mas de uma decisão dos órgãos administrativos competentes (entidade regional da reserva agrícola nacional e município), tomada em função dos interesses gerais da colectividade e de acordo com os planos de ordenamento do território. A prova da viabilidade legal da afectação pretendida é, assim, um elemento essencial para que o facto impeditivo do direito de preferência referido na 2ª parte da al. a) do art. 1381° do CC opere os seus efeitos e esse facto não existe, nem ficou provado.

Assim, não tendo demonstrado a viabilidade legal de afectação do prédio adquirido ao concreto objectivo que lhe pretendiam dar, os Réus compradores não lograram afastar o direito de preferência da Autora”.

Debruçando-nos, agora e em concreto, sobre o caso em análise:

Perante os factos que foram dados como provados não é possível considerar demonstrado que os prédios em apreço se destinassem, qualquer deles, a finalidade diversa do seu destino agrícola, bem como que fosse esse o propósito dos respectivos proprietários, concordando-se nessa medida, e por inteiro, com o acórdão recorrido.

Vejamos:

Relativamente ao prédio da A. Casa Agrícola – E...Lda., não restam sequer dúvidas de que o mesmo, assumindo a natureza de rústico, está, como sempre esteve, afecto a finalidades agrícolas.

Bem mais controversa é a mesma questão em torno do prédio rústico que foi adquirido pela Ré recorrente e que pertencera à sociedade A. L..., Lda., que veio, entretanto, a ser declarada insolvente.

Trata-se de um prédio rústico que, não obstante essa sua natureza, e tal como o prédio da A., se integra em área urbana de construção, revestindo, segundo o Plano Director Municipal aprovado, capacidade edificativa.

É certo, ainda, que a sua anterior proprietária, A. L..., Lda., logrou obter em tempos licenciamento do terreno para a construção de lotes, tendo iniciado algumas edificações nesse mesmo âmbito.

Tal licenciamento de loteamento urbano foi concedido por deliberação da Câmara Municipal de ..., de 18 de Junho de 1980, com a constituição de três lotes, designados de “A”, “B” e “C”, e com obras de urbanização, para a realização das quais foi fixado o prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias em função do que foi emitido o alvará de loteamento nº12, de 12 de Fevereiro de 1981.

A promotora do referido loteamento apenas executou obras de urbanização referentes ao lote “A”, no qual se encontra construído o edifício projetado para o mesmo, sendo a actual proprietária do prédio correspondente aos dois lotes do loteamento designados por lotes “B” e “C”, a segunda R.

Neste prédio foram iniciadas escavações, a edificação de alguns pilares de suporte e foram colocadas guias para os passeios.

Ou seja, o loteamento em referência foi solicitado e obtido sensivelmente cerca de quarenta anos antes da venda em causa (celebrada em Setembro de 2020), não havendo sido durante esse longo período temporal levada a efeito no local qualquer concreta e significativa edificação.

Acresce que o legal representante da Autora, HH, apresentou, no dia 7 de Março de 2022, no Município de ..., requerimento a solicitar a caducidade do Loteamento n.º..., de 12 de Fevereiro de 1981, loteamento esse que incide sobre o prédio propriedade da Ré Leilomeireles, S.A..

Nesta sequência e por despacho de 31 de Maio de 2023, foi declarada a caducidade do loteamento (Firma A. L..., Lda.), na Avª. ..., ..., com base nas informações do Chefe de Divisão de Urbanismo e Planeamento do Município de ..., e parecer jurídico, convertendo o projeto de caducidade comunicado através do ofício nº..69 de 31 de Maio de 2022, em decisão definitiva.

Daqui resulta que constitui um facto insofismável que o indicado prédio de natureza rústica manteve até à realização da escritura de 18 de Setembro de 2020 a sua afectação exclusivamente agrícola, inexistindo há muito licença de loteamento vigorante, e não tendo sido nele prosseguido, com real significado ou consistência mínima, qualquer projecto de urbanização, o qual embora porventura idealizado pelo seu proprietário há várias décadas nunca veio a ser concretizado antes da sua alienação (na sequência da insolvência da proprietária e da liquidação do seu património em favor dos credores).

Ou seja, não está demonstrado nos autos que a 1ª Ré A. L..., Lda., tivesse querido efectivamente conferir ao seu prédio uma finalidade diferente da sua natureza rústica e finalidade agrícola, acabando o mesmo por ser vendido em leilão no âmbito da liquidação em processo de insolvência, sem deixar sinais seguros e claros de traduzir nessa altura qualquer tipo de realidade urbanística, ou com potencialidade séria de o vir a ser.

Em suma, não foi reunida prova nos autos de que a A. L..., Lda., antes de deixar de conseguir solver os seus compromissos, tivesse a vontade de levar à prática qualquer tipo de urbanização naquele local, bem como que esse mesmo putativo projecto fosse sequer legal e economicamente viável.

De resto, a este propósito, foi dado como não provado que:

“O prédio pertença da segunda Ré é um prédio de construção que, já foi alvo de aprovação de projeto de edificação e nele já foram iniciadas obras de construção” (cfr. alínea m) dos factos dados como não provados).

Por outro lado, a Ré adquirente, Leilomeireles, S.A., não se encontra vocacionada, nem mesmo legalmente habilitada, para a prossecução de quaisquer projectos urbanísticos no local com finalidades edificativas, o que desde logo extravasaria manifestamente o seu objecto social (consistente na compra e venda e gestão de bens imobiliários; compra e venda e aluguer de máquinas e equipamentos; comércio por grosso de bens novos e usados provenientes de vendas judiciais e leilões).

Aquando da sua intervenção na escritura de aquisição do imóvel o seu único propósito consistiu, portanto, e tal como da mesma consta, na possibilidade/expectativa de revenda (lucrativa) do mesmo a terceiro, o que a suceder, não impediria que essa futura transacção pudesse, naturalmente e em abstracto, ter por objecto um prédio rústico, com finalidade agrícola.

No fundo, a posição do adquirente, enquanto entidade que se limitou a adquirir em leilão um determinado terreno com o propósito de o rentabilizar através da sua venda a terceiro, não suporta, por sua natureza, a conclusão de que a Ré Leilomeireles teria algum verdadeiro e relevante propósito de destinar o imóvel a finalidade diversa da agricultura.

Ademais, e como se frisou, nem poderia legalmente fazê-lo.

E se um outro (futuro) terceiro adquirente, por hipótese, o faria ou não é matéria completamente alheia à discussão da causa, nada relevando para a decisão do pleito.

A mera previsibilidade hipotética de um futuro aproveitamento de qualquer dos prédios para finalidades diversas das agrícolas – mormente através da sua possível urbanização -, alicerçada no convencimento da recorrente em relação àquilo que julga que virá a ser, no futuro, a decisão a tomar sobre o mesmo, não satisfaz o preenchimento da previsão do artigo 1381º, alínea a), 2ª parte, do Código Civil, que exige, bem pelo contrário, a prova, concreta e efectiva, a realizar pelos RR. alegantes, de que o destino que pretendiam dar aos terrenos não era o agrícola, mas outro diverso deste.

Tal prova – insista-se - não foi realizada nos autos.

Igualmente, a circunstância de o Plano Director Municipal incluir a possibilidade de urbanização futura dos terrenos não altera, por si só, a sua actual qualificação como prédios rústicos.

A dita integração, em si mesma, não afasta, nem prejudica, a conclusão de que estamos perante prédios rústicos (e não prédios urbanos) destinados à agricultura, não havendo prova – cujo ónus competia aos alegantes da excepção peremptória em apreço – de que o anterior proprietário ou o novo adquirente destinassem o prédio rústico a finalidade diferente da agrícola que constitui, de resto, a sua natural vocação.

Fundamental nesta matéria é, portanto, a concreta destinação dos prédios em causa, em conformidade com o critério legal densificado no nº 2 do artigo 204º do Código Civil, o que, por todos os motivos elencados supra, afasta no caso presente a natureza urbana, impondo ao invés a rústica e, nessa medida, a sua finalidade agrícola.

Pelo que a revista não merece provimento.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) negar provimento à revista, confirmando a decisão recorrida.

Custas da revista pela recorrente.

Lisboa, 27 de Maio de 2025.

Luís Espírito Santo (Relator)

Cristina Coelho

Luís Correia de Mendonça

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.