I - Além de estar sujeita aos ónus previstos para a impugnação da decisão da matéria de facto, a ampliação da decisão da matéria de facto requer o preenchimento da previsão da parte final da alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, ou seja, que se considere indispensável a ampliação da decisão da matéria de facto.
II - A ampliação da decisão da matéria de facto, quando necessária, processar-se-á no tribunal ad quem, desde que para tanto constem do processo todos os elementos que permitam essa ampliação, pressupondo que sobre a matéria em causa foi produzida prova, com a devida observância do contraditório.
III - A ampliação da decisão da matéria de facto não constitui um expediente processual para incluir factualidade instrumental na factualidade provada, pois não se pode considerar matéria indispensável para a dilucidação das questões que importa resolver e à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito, já que tem apenas relevo probatório dos factos essenciais.
IV - Por força da sua função probatória da factualidade essencial, a factualidade instrumental não deve constar nos fundamentos de facto, antes deve operar em sede de motivação da decisão da matéria de facto para justificar a prova ou a não prova de algum facto essencial que haja sido alegado por qualquer das partes.
V - A reapreciação da matéria de facto não é um exercício dirigido a todo o custo ao apuramento da verdade afirmada pelo recorrente, mas antes e apenas um meio de o recorrente poder reverter a seu favor uma decisão jurídica fundada numa certa realidade de facto que lhe é desfavorável e que pretende ver reapreciada de modo a que a realidade factual por si sustentada seja total ou parcialmente acolhida judicialmente.
VI - Logo que faleça a possibilidade de uma qualquer alteração da decisão factual poder ter alguma projeção na decisão da matéria de direito em sentido favorável ao recorrente, à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito, deixa de ter justificação a reapreciação requerida, traduzindo-se antes na prática de ato inútil, legalmente proibido (artigo 130º do Código de Processo Civil).
VII - O resultado de operações aritméticas não constitui matéria sujeita a prova judiciária, mas antes matéria que se deve determinar com recurso às regras aritméticas.
VIII - Apesar da apresentação de contestação fora de prazo, em termos processuais, equivaler à não apresentação de contestação, quando, como sucede no caso dos autos, o mandante não questiona a correção e fidelidade do conteúdo da contestação julgada intempestiva ao que foi transmitido ao mandatário, cremos que a aferição da consistência e seriedade da perda de chance se deve fazer por referência a esse articulado.
IX - Na ação declarativa comum laboral, à semelhança do que sucede na ação declarativa civil comum, a revelia operante, como sucedeu na ação que correu termos contra a aqui autora, tem consequências processuais gravosas, já que determina a passagem dos autos de imediato para a decisão final, considerando-se confessados os factos articulados pelo autor.
X - Não havendo neste caso instrução e sendo a matéria de facto julgada essencialmente com base na confissão ficta do demandado, não podia a aqui autora juntar prova documental depois do desentranhamento da contestação e, se acaso essa prova acompanhasse a contestação julgada extemporânea, seguiria o mesmo destino da contestação, pois que as provas devem ser oferecidas com os articulados (artigo 63º do Código de Processo do Trabalho).
XI - A fim de aferir da seriedade e consistência da defesa deduzida a título principal pela agora autora na ação em que ocorreu a apresentação intempestiva da sua contestação, a autora carecia de alegar nestes autos os factos concretos tendentes a descaraterizar a relação laboral afirmada pela contraparte e de indicar as provas que serviam de base a essa factualidade, provas que teriam de ser produzidas nestes autos e, só assim procedendo, a aqui autora poderia demonstrar a consistência e seriedade da chance processual perdida em consequência da conduta do seu então advogado.
XII - O Tribunal da Relação tem poderes amplos de cognição em matéria de facto e de direito, ao contrário do que sucede com o Supremo Tribunal de Justiça que apenas conhece de questões de direito, não tendo por isso base legal, em segunda instância, a orientação restritiva na sindicação do juízo de equidade de que resulta a fixação da compensação por danos não patrimoniais, devendo antes a Relação proceder à fixação autónoma da compensação devida tendo em conta todos os fatores relevantes para o efeito.
XIII - Num circunstancialismo em que as despesas judiciais de que a autora pretende ser ressarcidas resultam de condutas processuais por si praticadas voluntariamente fora do processo em que a sua contestação foi oferecida extemporaneamente, desnecessária uma delas e outras, indiciariamente, por ter tentado frustrar a garantia patrimonial dos seus credores, não há nexo causal entre a conduta do réu de oferecimento extemporâneo de contestação na ação declarativa laboral em que foram proferidas as sentenças em 08 de outubro de 2019 e 22 de novembro de 2020 e o acórdão deste Tribunal da Relação de 15 de novembro de 2021 e estas despesas inúteis de que a autora pretende ser ressarcida.
XIV - Respeitando a exclusão da garantia do seguro a um período anterior ao da vigência deste contrato, não pode estar em causa uma questão de participação do sinistro que, por definição, só se coloca na vigência daquele contrato.
XV - A exclusão da garantia do seguro no caso de violação da declaração inicial de risco, sem distinguir se a conduta do obrigado à declaração se reveste de natureza dolosa ou negligente institui um regime jurídico mais desfavorável ao segurado e ao beneficiário da prestação do seguro do que o previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro nos artigos 24º e 26º e, nessa medida, a referida cláusula de exclusão é nula por ser contrária a lei imperativa (artigo 294º do Código Civil), não sendo por isso oponível à beneficiária da prestação do seguro.
XVI - Excetuando o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil), da existência de questão de conhecimento oficioso (artigos 608º, nº 2, 2ª parte e 663º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil), do conhecimento de questões prejudicadas (artigo 665º, nº 2, do Código de Processo Civil), da alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do Código de Processo Civil) ou da mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil), os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas.
Sumário do acórdão proferido no processo nº 5008/21.0T8PRT.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório[1]
Em 29 de março de 2021, com referência ao Tribunal Judicial da Comarca do Porto, AA instaurou ação declarativa com processo comum, contra o Sr. Dr. BB, a Sra. Dra. CC, A..., S.A. e B..., Sucursal en España, representada em Portugal pela C... S.A. pedindo a condenação dos réus a pagar:
a) a quantia de €186.938,00, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora contados à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
b) a quantia decorrente das despesas e honorários de advogado suportadas pela autora, a liquidar posteriormente, ao abrigo do disposto no artigo 609º, nº 2 do Código de Processo Civil;
c) a quantia decorrente de despesas com taxas de justiça e custas de parte, suportadas pela autora, a liquidar posteriormente, ao abrigo do disposto no artigo 609º, nº 2 do Código de Processo Civil;
d) a quantia de €60.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Para substanciar as suas pretensões a autora alega que foi demandada numa ação judicial intentada por DD, empregada da sua mãe, distribuída ao Juízo do Trabalho de Matosinhos – ..., sob o nº 4280/17.4T8MTS; para contestar essa ação, mandatou os réus pessoas singulares para a patrocinarem naquele processo; o primeiro réu apresentou contestação fora de prazo e o incidente de justo impedimento que deduziu para justificar essa extemporaneidade foi julgado improcedente, tendo o recurso interposto contra essa decisão sido julgado intempestivo e, em consequência, foi desentranhada dos autos a contestação; os réus pessoas singulares não deram conhecimento à autora da apresentação da contestação fora de prazo e dos subsequentes desenvolvimentos processuais; no dia 08 de outubro de 2019 foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente; a autora foi notificada da sentença, tendo então conhecimento do desentranhamento da contestação, por não ter sido tempestivamente apresentada; o 1º réu interpôs recurso da sentença condenatória em 07.11.2019, vindo a ser proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, em 14.07.2020, que decidiu “anular a sentença, nos termos previstos no art.º 662.º n.º 2 al. c), do CPC, para se determinar que a 1.ª instância profira nova sentença, fixando os factos que considera provados, para depois determinar e interpretar o direito aplicável, julgando a causa conforme for de direito.”; entretanto, em 05.05.2020, o 1º réu substabeleceu, sem reserva, os poderes que lhe foram conferidos pela autora, por procuração junta aos autos, a favor das suas atuais mandatárias, substabelecimento junto aos autos em 22.05.2020; em 22.11.2020 foi proferida nova sentença, que julgou, igualmente, a ação parcialmente procedente e condenou a aqui Autora a reconhecer o vínculo laboral e a pagar várias quantias a título de créditos salariais, a diversos título e num total líquido de € 150 191,52; a autora interpôs recurso em 18.12.2020, o qual se encontra, na propositura da ação, a aguardar despacho de admissão e a ordenar a subida para o Tribunal da Relação do Porto; com base na sentença condenatória, na pendência do recurso, a autora nessa ação instaurou execução (provisória), nos próprios autos (Processo nº 4280/17.4T8MTS.1), na qual reclamou o pagamento de € 171 435,84, com juros de mora calculados até 10.01.2020 (data da apresentação do requerimento executivo); nessa execução foi efetuada a penhora de 1/3 (um terço) do vencimento auferido pela executada (aqui autora) no D..., até perfazer o montante de € 185 000,00; após a penhora, a executada, aqui autora, foi citada para os termos da execução, tendo o prazo de 20 dias para pagar a quantia em dívida, juros e custas ou deduzir oposição à execução, através de embargos de executado e/ou oposição à penhora; a autora não pagou, nem deduziu oposição à execução ou à penhora; no dia 03.07.2020, foi efetuada a penhora do crédito de IRS do ano de 2019, a reembolsar à executada, no valor € 2 062,17; neste momento, encontra-se penhorada à ordem desse processo a quantia global de € 18 699,27 correspondente à soma do valor da penhora de remunerações (€ 16 637,10) e do crédito/reembolso de IRS de 2019 (€ 2 062,17); em face do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 14.07.2020 que anulou a sentença condenatória que constituía o título executivo, a autora deduziu, em 15.09.2020, embargos de executado (Processo nº 4280/17.4T8MTS-B), invocando a inexistência de título executivo, no prazo de 20 dias a contar do conhecimento deste facto superveniente; pela dedução de embargos, a embargante e ora autora pagou a taxa de justiça de € 612,00; esses embargos foram liminarmente indeferidos por sentença de 28.09.2020, que condenou a embargante em custas; entretanto, a autora na ação pendente no Tribunal do Trabalho (DD) havia requerido uma providência cautelar de arresto contra a aqui autora, EE e E... Unipessoal, Lda., e que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, Juízo Central Cível de Penafiel – ..., sob o nº 77/20.2T8BAO, tendo como objetos a arrestar 14 imóveis, o qual veio a ser decretado, sem audiência prévia dos requeridos, tendo a aqui autora sido citada no dia 09.06.2020; a requerida, aqui autora, deduziu oposição ao arresto, tendo pago a respetiva taxa de justiça no valor de € 306,00; as outras requeridas deduziram também oposição; em 10.07.2020, foi proferida sentença que julgou improcedentes as oposições deduzidas, mantendo o arresto decretado nos seus precisos termos e condenou os opoentes nas custas; dessa sentença, a requerida e ora autora interpôs recurso de apelação, tendo pago a taxa de justiça no valor de € 306.00; o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 24.09.2020, julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida, condenando as recorrentes (dado que as outras requeridas interpuseram também recurso) nas custas; o arresto foi instaurado como preliminar de ação de impugnação pauliana, que veio a ser intentada no dia 05.01.2021, ação essa para a qual a ré, aqui autora, foi citada por ofício de 13.01.2021, estando a decorrer o prazo para apresentar a contestação; para apresentar a contestação, a autora terá de proceder ao pagamento da taxa de justiça no valor de € 714,00; o valor das taxas de justiça pagas pela autora até esta data (com exclusão das taxas de justiça da presente ação) ascende, assim, a € 1 938,00; para além das taxas de justiça já pagas até esta data, acima referida, a autora terá ainda de pagar as taxas de justiça e custas de parte que vierem a ser devidas nos diversos processos judiciais acima referidos, e que neste momento não é possível quantificar, pelo que devem os réus ser condenados no pagamento das despesas com taxas de justiça e custas de parte que recaírem sobre a autora, as quais, não sendo possível proceder à sua imediata quantificação, deverão ser liquidadas posteriormente; a conduta dos réus pessoas singulares determinou que a autora tivesse de recorrer aos serviços de advogado para obter assessoria jurídica no âmbito da representação nos diversos processos judiciais acima referidos, e, por conseguinte, suportar encargos com despesas e honorários; desde o momento em que recebeu a sentença de condenação no pagamento de quantia de € 150 191,52, a autora viu-se confrontada com vários processos (ação executiva, providência cautelar de arresto, ação pauliana), aos quais teve de fazer face organizando a sua defesa, estando presente em reuniões, recolhendo documentos e outros meios de prova, procedendo ao pagamento de taxas de justiça e despendendo de muito tempo para todo este contencioso; a autora viu o seu património arrestado, o seu salário e crédito de IRS penhorados, e nomeados à penhora os saldos das suas contas bancárias, o que lhe causou sofrimento, ansiedade, transtorno, inquietude e angústia pelas consequências da condenação, insónias, sentimento de perda e insegurança e revolta para com a injustiça da condenação por a autora na ação de trabalho não ter sido sequer sua empregada e não deter os créditos que reclamou e por apenas ter sido condenada a pagar em virtude de a sua contestação não ter sido admitida (e não ter sido considerada, por esse motivo, a sua versão dos factos e do direito aplicável); o facto de ter o salário e os saldos das contas bancárias nomeados à penhora provocou na autora um sentimento de vergonha e humilhação; o seu estado de saúde agravou-se, porquanto a ansiedade constitui fator perturbador da estabilidade da esclerose múltipla de que padece; a notificação da sentença condenatória, por falta de apresentação atempada da contestação, provocou na autora uma evolução negativa das suas condições de saúde, com retrocesso no equilíbrio, na condução de veículo, no desempenho profissional e no meio social onde se insere; as perturbações causadas interferiram ainda ao nível do relacionamento com as pessoas que rodeiam a autora, com prejuízo para a inserção no seu meio social; a autora não dorme, não descansa, não relaxa e está permanentemente angustiada, preocupada e num estado de ansiedade; a transmissão do património familiar para a filha da autora, que era quem já explorava a atividade agrícola, foi posta em causa no âmbito do arresto e ação pauliana, o que muito tem perturbado a autora na medida em que se trata de um património familiar que herdou e cuja continuidade no seio familiar foi sempre, para si, uma prioridade; este circunstancialismo determinou uma alteração dos comportamentos e vida social da autora, que passou a ser mais reservada e a ter desconfiança em relação a tudo e a todos com quem contacta; os réus pessoas singulares, por sua conta e risco, subscreveram como tomadores/beneficiários um contrato de seguro contra riscos próprios do exercício da profissão, sendo, em qualquer caso, aplicável à responsabilidade do 1º réu, o seguro de grupo que a Ordem dos Advogados subscreveu, como tomadora, nos anos de 2017 e 2018, respetivamente com a 3ª e a 4ª Rés.
B..., Sucursal en España contestou suscitando a exclusão da garantia do seguro contratado com a ré pessoa singular em virtude do sinistro de que se queixa a autora não estar coberta pelo seguro contratado e que, em todo o caso, não foi alegada pela autora a prática pela ré pessoa singular de qualquer ato que a possa constituir na obrigação de indemnizar a autora; suscitou ainda a exclusão da garantia do seguro do sinistro imputado aos réus pessoas singulares por este ser do conhecimento dos segurados antes do início de vigência do contrato de seguro; impugnou por desconhecimento grande parte da factualidade alegada pela autora e bem assim a prova documental oferecida pela mesma; alega que em qualquer caso as pretensões da autora improcedem por falta de alegação de factos que permitam o estabelecimento de um nexo causal entre a conduta imputada aos réus pessoas singulares e os danos cuja reparação pretende obter neste autos; alega ainda que ao admitir que a relação estabelecida com a autora na ação laboral seja integrada no contrato de serviço doméstico, esta sempre teria que pagar o trabalho extraordinário prestado aos sábados e domingos, os subsídios de Natal e de férias e as férias vencidas e não gozadas, o que implica a inexistência de uma perda de chance séria, real e consistente, tanto mais que o alegado dano nem sequer se acha ainda estabelecido podendo ainda a decisão condenatória ser revertida em via de recurso; além disso, os procedimentos judiciais subsequentes à condenação proferida na ação declarativa não são imputáveis ao réu pessoa singular mas sim à autora, não podendo os honorários que venham a ser pagos pela autora a advogados por esta contratados considerar-se um prejuízo causado pelo réu pessoa singular; os danos não patrimoniais invocados pela autora, por falta de gravidade, não merecem a tutela do direito; conclui pugnando pela total improcedência da ação.
A..., S.A. contestou suscitando a exclusão do sinistro cujo ressarcimento é pretendido pela autora da garantia do seguro em virtude de o seguro ter sido acionado depois do seu termo da vigência; impugnou por desconhecimento grande parte da factualidade alegada pela autora e bem assim a prova documental oferecida pela mesma; refere que não foi alegada pela autora a prática pela ré pessoa singular de qualquer ato que a possa constituir na obrigação de indemnizar a autora; alega que em qualquer caso as pretensões da autora improcedem por falta de alegação de factos que permitam o estabelecimento de um nexo causal entre a conduta imputada aos réus pessoas singulares e os danos cuja reparação pretende obter neste autos; alega ainda que ao admitir que a relação estabelecida com a autora na ação laboral seja integrada no contrato de serviço doméstico, esta sempre teria que pagar o trabalho extraordinário prestado aos sábados e domingos, os subsídios de Natal e de férias e as férias vencidas e não gozadas, o que implica a inexistência de uma perda de chance séria, real e consistente, tanto mais que o alegado dano nem sequer se acha ainda estabelecido podendo ainda a decisão condenatória ser revertida em via de recurso; além disso, os procedimentos judiciais subsequentes à condenação proferida na ação declarativa não são imputáveis ao réu pessoa singular mas sim à autora, não podendo os honorários que venham a ser pagos pela autora a advogados por esta contratados considerar-se um prejuízo causado pelo réu pessoa singular; os danos não patrimoniais invocados pela autora, por falta de gravidade, não merecem a tutela do direito; conclui pugnando pela total improcedência da ação.
Os Srs. Drs. BB e CC contestaram suscitando a ilegitimidade ativa da autora em virtude de ainda não se achar transitada em julgado a condenação de que resultam os danos que pretende ver ressarcidos nestes autos; impugnaram grande parte dos factos alegados pela autora na petição inicial, alegando que a ré nenhuma intervenção teve nos factos de que a autora faz derivar as suas pretensões indemnizatórias; alegaram que os procedimentos judiciais subsequentes à condenação proferida na ação declarativa não são imputáveis ao réu pessoa singular mas sim à autora, não podendo os honorários que venham a ser pagos pela autora a advogados por esta contratados considerar-se um prejuízo causado pelo réu pessoa singular; alegam ainda que dos factos descritos pela autora não decorre a existência de todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, nomeadamente, o dano e o nexo causal entre o facto e o dano; referem que a autora não demonstra a existência dos danos não patrimoniais que pretende sejam compensados; o dano na perda de chance não corresponde ao dano final mas sim à oportunidade perdida pelo que tem de ser inferior àquele e concluem pela procedência da exceção dilatória deduzida ou caso assim não se entenda pela improcedência da ação, tanto mais que o dano alegado pela autora ainda não se pode ter como consumado.
Notificada a autora para, querendo, se pronunciar sobre a defesa por exceção deduzida pelos réus, a autora respondeu pugnando pela improcedência das exceções deduzidas pelos réus pessoas singulares e pelas rés seguradoras e, em todo o caso, pela inoponibilidade das exceções invocadas pelas rés seguradoras à autora lesada, dado estar em caso um seguro de responsabilidade civil obrigatório.
Em 17 de maio de 2022 realizou-se audiência prévia na qual se frustrou a tentativa de conciliação das partes e, após audição destas, proferiu-se despacho a suspender a instância com fundamento em motivo justificado decorrente de ainda não ter transitado em julgado a decisão final proferida na ação declarativa em que a autora alega terem sido violados os deveres profissionais pelos réus advogados.
Em 07 de outubro de 2022, fixou-se o valor da causa no montante de € 246 938,00, proferiu-se despacho saneador julgando-se improcedente a exceção de ilegitimidade ativa deduzida pelos réus, pessoas singulares, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas da prova, conheceu-se dos requerimentos probatórios das partes e designaram-se datas para realização da audiência final.
As rés seguradoras vieram reclamar contra o despacho saneador por omissão de referência quer na identificação do objeto da ação, quer nos temas da prova às exceções que deduziram nas suas contestações e requereram uma diligência probatória.
Em 25 de outubro de 2022, atento o trânsito em julgado da decisão final proferida na ação declarativa em que a autora alega terem sido violados os deveres profissionais pelos réus advogados, a autora veio reduzir o pedido deduzido na alínea a) do seu petitório final para o montante de € 32 057,89.
Em 09 de novembro de 2022 os réus advogados requereram que lhes fossem notificadas as contestações da corrés, a fim de poderem exercer o contraditório relativamente às exceções por elas deduzidas, requereram que o tribunal recorrido considerasse como data da produção dos efeitos pela denúncia do contrato de seguro celebrado entre a terceira ré e a Ordem dos Advogados e bem assim do reforço de seguro celebrado com o primeiro réu, o dia 23 de agosto de 2018 e ainda que se promovesse a redução do pedido formulado pela autora sob a alínea a) da petição inicial para o valor de € 21 995,33.
Em 09 de dezembro de 2022 foi proferido despacho a admitir a redução do pedido requerida pela autora, deferiu-se a notificação das contestações das rés seguradoras aos réus advogados, indeferindo-se a pretensão destes de que a redução do pedido operasse para um valor inferior ao pretendido pela autora.
Em 24 de janeiro de 2023 foi deferida a reclamação das rés seguradoras contra os temas da prova.
A audiência final realizou-se em quatro sessões e em 26 de março de 2024 foi proferida sentença[2] que terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente, por provada, a presente acção e, em consequência:
A. Condeno os RR. BB e “B..., Sucursal en Espanã” a pagar à A. AA a quantia global de € 21.590,95 (€ 14.090,95+7.500,00) como indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos em função da situação descrita nos autos.
As supra referidas quantias são acrescidas de juros de mora à taxa anual de 4% incidentes:
1) Sobre a quantia de € 14.090,95 fixada a título de indemnização por danos patrimoniais, desde a data de citação (15-04-2021) e até integral pagamento;
2) Sobre a importância de € 7.500,00, atribuída a título de indemnização dos danos não patrimoniais, contados desde a data da prolação desta sentença, até efectivo e integral pagamento;
Absolvo os ditos RR. do demais peticionado.
B. Absolvo os RR. CC e “A..., S.A.” da totalidade do pedido contra eles formulado no âmbito dos presentes autos pela A. AA.
Custas pela A. e RR. BB e “B..., Sucursal en Espanã”, na proporção do decaimento.
Registe e notifique.”
Em 02 de maio de 2024, inconformada com a sentença cujo dispositivo precede, AA interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões[3]:
(…)
Em 02 de maio de 2024, também inconformada com a sentença cujo dispositivo antes se reproduziu, B..., Sucursal en España interpôs recurso de apelação[4], terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
Em 17 de maio de 2024, também inconformado com a sentença de que se reproduziu anteriormente o dispositivo, BB interpôs recurso de apelação[5], terminando as suas alegações com as conclusões que seguem:
(…)
Em 03 de junho de 2024, B..., Sucursal en España respondeu ao recurso interposto por AA pugnando pela sua total improcedência.
Em 05 de junho de 2024, AA respondeu ao recurso interposto pela B..., Sucursal en España pugnando pela sua total improcedência.
Em 26 de junho de 2024, AA respondeu ao recurso interposto por BB requerendo a retificação do ponto 65 dos factos provados, pugnando pela inocuidade da pretendida alteração ao ponto 27 dos factos provados, não se opondo à pretensão subsidiária do recorrente relativamente ao ponto 47 dos factos provados, e, no mais, pela improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto, concluindo pela total improcedência do recurso em matéria de direito e pela consequente manutenção da sentença recorrida, mas sem prejuízo da procedência do recurso por si interposto.
Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida imediata[6], nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta os objetos dos recursos delimitados pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica[7] e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil[8]
2.1 Apelação interposta por AA em 02 de maio de 2024:
2.1.1 Da ampliação da decisão da matéria de facto com inclusão nos factos provados da matéria vertida nos artigos 160º a 162º da petição inicial;
2.1.2 Do aumento do valor percentual para cálculo do dano da perda de chance;
2.1.3 Da condenação dos recorridos ao pagamento das despesas com taxas de justiça e honorários a advogado;
2.1.4 Da compensação por danos não-patrimoniais.
2.2 Apelação interposta pela seguradora B..., Sucursal en España em 02 de maio de 2024:
2.2.1 Da falta de nexo de causalidade entre a conduta profissional ilícita do Sr. Dr. BB e os danos alegadamente sofridos pela autora;
2.2.2 Da falta de fundamentação e da excessividade da compensação por danos não patrimoniais arbitrada à autora;
2.2.3 Da falta de cobertura do sinistro invocado pela autora pelos contratos de seguro nºs. ES000...5EO21A (contrato de seguro base celebrado com a Ordem dos Advogados) e ES000...EO21A-...03 (contrato de seguro complementar de reforço, celebrado com o réu BB em 01 de janeiro de 2019), por força da cláusula contratual prevista na alínea a) do artigo 3º das condições especiais das apólices e bem assim do nº 2 do artigo 44º da Lei do Contrato de Seguro e ainda com base no artigo 24º, nºs 1 e 2 da mesma lei e relativamente ao seguro de reforço;
2.2.4 Da franquia no montante de cinco mil euros prevista na apólice nº ES000....5EO21A.
2.3 Apelação interposta por BB em 17 de maio de 2024:
2.3.1 Da impugnação dos pontos 27, 46, 47, 49, 54, 55, 60, 64, 87, 89, 90 dos factos provados e das alíneas E), F), G), H) e I) dos factos não provados;
2.3.2 Da ausência de perda de chance em virtude de ter sido acolhida judicialmente a segunda linha da defesa prevista na contestação que foi julgada extemporânea e não ter sido produzida prova da seriedade e consistência do reconhecimento da existência de um contrato de prestação de serviço;
2.3.3 Da falta de gravidade dos danos não patrimoniais invocados pela autora para merecerem a tutela do direito.
3. Fundamentos
3.1 Da impugnação dos pontos 27, 46, 47, 49, 54, 55, 60, 64, 87, 89, 90 dos factos provados e das alíneas E), F), G), H) e I) dos factos não provados (questão suscitada pelo réu recorrente pessoa singular) e da ampliação da decisão da matéria de facto com inclusão na mesma da factualidade vertida nos artigos 160 a 162 da petição inicial (questão suscitada pela autora)
O réu recorrente impugna os pontos 27, 46 a 49, 54, 55, 60, 64, 87, 89 e 90 dos factos provados e bem assim as alíneas E), F), G), H) e I) dos factos não provados.
O recorrente, com base no teor do documento nº 24 oferecido pela autora com a sua petição inicial (folhas 158 verso do processo físico), pretende que o ponto 27 dos factos provados[9] passe a ter a seguinte redação: “O Helpdesk respondeu em 12.02.2018, confirmando a criação da peça em 31.10.2017 e o seu envio e adiantando uma possível explicação relacionada com a não utilização/instalação de novo certificado emitido pela AO, nos termos do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido (doc. n.º 24).”
No que respeita ao ponto 46 dos factos provados[10], o recorrente pretende que com base nos depoimentos das testemunhas FF e GG, nos segmentos que localiza temporalmente na gravação e transcreve passe a ter o seguinte teor: “O 1º Réu e a 2ª Ré não deram conhecimento de que a Contestação não fora admitida, de que tinha invocado justo impedimento e de que, na sequência da decisão de o julgar não verificado, fora ordenado o desentranhamento da Contestação, factos que a Autora só veio a saber, mais tarde, em reunião convocada pelo 1.º Réu, antes de ter sido notificada da sentença que foi proferida nessa acção no dia 08.10.2019 (notificação expedida em 09.10.2019).”
Quanto ao ponto 47 dos factos provados[11], com base no teor do documento nº 10 oferecido pela autora com a petição inicial (folhas 108 verso a 116 verso do processo físico) e no depoimento de FF, nos segmentos que localiza temporalmente na gravação e transcreve, o recorrente pretende que seja julgado não provado e, subsidiariamente, quer que passe a ter a seguinte redação: “A Contestação compreendia as seguintes linhas de defesa: A primeira, consistia na celebração de um contrato de prestação de serviços, que se desenvolvia em quatro capítulos: “Dos Serviços Prestados pela “ F..., Lda.”; “Dos serviços Prestados pela Autora”; “Do Fim da Prestação de Serviço de Cuidados Domiciliados prestados pela Autora”; e “Do Abuso do Direito e da Consequente Litigância de Má Fé.” A segunda, a considerar-se da existência de um contrato de trabalho, consistia que este teria que ser enquadrado no serviços doméstico, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 2.º, do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24/1.”
No que respeita ao ponto 49 dos factos provados[12], o recorrente refere que a demonstração da defesa da agora autora não estava exclusivamente dependente de meios de prova documental e, por outro lado, depois de desentranhada a contestação, nem a autora alegou, nem o tribunal recorrido explicou como se podiam juntar posteriormente documentos ao processo, face ao disposto no artigo 63º do Código do Processo de Trabalho e nos artigos 423 e 425º, ambos do Código de Processo Civil e por força do disposto no artigo 1º, nº 2, alínea a) do Código do Processo de Trabalho, pugnando deste modo por que seja julgado não provado este ponto de facto.
Relativamente ao ponto 54 dos factos provados[13], remete para as provas indicadas para o ponto 46 dos factos provados, pugnando por que se julgue não provado.
No que tange ao ponto 55 dos factos provados[14], remete para as provas indicadas para os pontos 46 e 54 dos factos provados, pugnando por que se julgue não provado.
Quanto ao ponto 60 dos factos provados[15], o recorrente pretende que com base no depoimento da testemunha GG, no segmento que localiza temporalmente na gravação e transcreve, passe a ter a seguinte redação: “O 1º réu interpôs recurso da sentença condenatória em 07.11.2019, a pedido da Autora”.
No que tange ao ponto 64 dos factos provados[16], com base em cópia do acórdão deste Tribunal da Relação proferido em 15 de novembro de 2021 que alega juntar[17], sem que o faça verdadeiramente, pretende que seja a final aditado o seguinte: “… tendo a ali Ré,, e aqui Autora, que havia sido condenada em 1.ª instância ao pagamento da quantia global de 150.198,73 €, viu ser-lhe reduzida tal condenação para um valor global de 22.002,54 €.”
Relativamente ao ponto 87 dos factos provados[18], o recorrente pretende que com base nos depoimentos das testemunhas GG e HH, nos segmentos que localiza temporalmente na gravação e transcreve seja eliminada a parte final deste facto, ou seja, que foram nomeadas à penhora as contas bancárias da autora.
No que respeita ao ponto 89 dos factos provados[19], o recorrente remete para as provas indicadas para o ponto 87 dos factos provados, pugnando que em consequência seja eliminada a referência constante do mesmo aos saldos das contas nomeados à penhora.
Quanto ao facto 90 dos factos provados[20], o recorrente funda a sua impugnação na alegação de que nos autos nada consta relativamente a esta matéria, que o agravamento do estado de saúde e da doença da autora só poderiam ser atestados por documento, indica o depoimento da testemunha II nas passagens que localiza na gravação e transcreve, concluindo que deve este ponto de facto ser julgado não provado.
No que tange às alíneas E), f), G), H) e I) dos factos não provados[21], sustenta o recorrente que devem julgar-se provadas, abonando-se para tanto com o seu próprio depoimento de parte que prestou no dia 30 de janeiro de 2023, entre as 14h57 e as 15h51, não indicando as passagens do seu depoimento em que concretamente se pronunciou sobre esta matéria nem procedendo à transcrição das pertinentes declarações por si prestadas.
A recorrida pronuncia-se na resposta ao recurso interposto pelo réu BB sobre a impugnação da decisão da matéria de facto, em síntese, nos seguintes termos:
- o ponto 27 dos factos provados foi alegado no artigo 40 da petição inicial que não foi impugnado e a alteração pretendida pelo recorrente é irrelevante;
- o ponto 46 dos factos provados deve manter-se pois que a reunião a que o réu BB se refere teve lugar depois da notificação da sentença, como o próprio recorrente afirma no artigo 39º da sua contestação, os depoimentos em que o impugnante se apoia não permitem o resultado probatório por ele pretendido e tratando-se de facto demonstrado por via documental não pode ser infirmado por prova testemunhal, abonando-se ainda com o documento nº 52 que ofereceu com a sua petição inicial[22];
- no que respeita à impugnação do ponto 47, a recorrida afirma que o impugnante não explica por que motivo deve o mesmo ser julgado não provado, não se opondo à redação que o mesmo propõe a título subsidiário, ainda que na sua perspetiva se trate de alteração inócua para a sorte da lide;
- quanto ao ponto 49 dos factos provados a recorrida afirma que não tendo sido admitida a contestação, podiam em momento processual posterior ter sido juntos os documentos e, além disso, o impugnante não apresenta qualquer fundamento para alteração deste ponto para não provado;
- no que respeita aos pontos 54 e 55 dos factos provados, a recorrida reitera a sua argumentação desenvolvida a propósito do ponto 46 dos factos provados, referindo ainda que não foi indicado qualquer fundamento válido para a alteração destes dois pontos de facto;
- quanto ao ponto 60 dos factos provados, a recorrida alega que não está em causa que o recurso foi interposto a pedido da autora, pois era a única via de que dispunha para alterar a sentença condenatória;
- no que tange o ponto 64 dos factos provados, a recorrida alega que aquilo que o impugnante pretende seja aditado é conclusivo;
- relativamente ao ponto 87 dos factos provados, a recorrida alega que nenhum dos depoimentos testemunhais invocados pelo impugnante suporta a sua pretensão;
- quanto ao ponto 89 dos factos provados, a recorrida remete para a argumentação desenvolvida a propósito do ponto 87 dos mesmos factos;
- no que respeita ao facto 90, a recorrida pugna por que se mantenha citando para tanto os depoimentos das testemunhas JJ, FF, GG, HH, nas passagens da gravação que localiza temporalmente e transcreve;
- finalmente, no que se prende com a impugnação das alíneas E) a I) dos factos não provados, a recorrida afirma que o único meio de prova invocado pelo impugnante para suportar a sua pretensão é de todo insuficiente para o efeito.
A recorrente e autora nestes autos pretende que seja ampliada a decisão da matéria de facto com inclusão na mesma da factualidade vertida nos artigos 160 a 162 da petição inicial[23] por, na sua perspetiva, se tratar de matéria relevante para a boa decisão da causa e que não foi impugnada pelos réus pessoas singulares, tendo o réu BB confessado expressamente no seu depoimento de parte os factos vertidos nos artigos 45, 46 e 57[24] da petição inicial[25].
Na sua resposta ao recurso da autora, a recorrida seguradora alega que a matéria vertida nos artigos 160 a 162 da petição inicial é absolutamente irrelevante para a boa apreciação e decisão da causa e, além disso, consta já dos pontos 33, 34, 37, 46, 50 e 51, todos dos factos provados e que, em todo o caso, foi por si impugnada no artigo 90 da sua contestação.
O tribunal a quo motivou os pontos de facto da forma que segue:
“Os documentos nºs 14 a 45 junto com a petição inicial relatam os elementos relacionados com a apreciação do requerimento de juros [justo] impedimento, o indeferimento do mesmo, a interposição de recurso, a rejeição do mesmo e da reclamação apresentada por causa dessa rejeição, o que culminou no desentranhamento da contestação apresentada pelo 1º Réu, na sequência do trânsito em julgado da decisão que julgou improcedente o justo impedimento invocado, situação que suporta os factos 17. a 45..
O depoimento de parte do 1º R. foi claro que no que diz respeito ao conhecimento pela A. da matéria apenas após a notificação da sentença proferida no processo nº 4280/17.4T8MTS (facto 46.) e bem assim à questão da junção de documentos (facto 48. e 49.), sendo que o documento nº 10 junto com a petição inicial permite apreender o exposto no facto 47. em relação ao conteúdo da contestação, verificando-se que os documentos nºs 46 a 48 juntos com a petição inicial habilitam o descrito em 50. e 51..
Naturalmente, os documentos nºs 49 a 52 titulam a primeira sentença proferida no processo nº 4280/17.4T8MTS, com destaque para o exposto no dispositivo e sua notificação aos mandatários e partes, o que se mostra plasmado no conteúdo dos facto 52. a 54..
Os depoimentos das testemunhas FF, GG, EE e HH, irmãs, filha e genro da A., respectivamente, credibilizaram o alegado a propósito do momento em que a A, tomou conhecimento da decisão e de toda a realidade que envolveu a mesma, sendo que o depoimento de parte do 1º R. já tinha elementos sobre esta realidade, o que redundou no exposto em 55. e 56. e depois 95..
No que diz respeito à Segurança Social, os elementos sobre a matéria que envolve esta entidade e a aqui A. está vertida nos documentos nºs 53 a 55 juntos com a petição inicial, que suportam o referido nos factos 57. a 59., sendo que é ponto assente que o 1º Réu interpôs recurso da sentença condenatória em 07.11.2019 (doc. nº 56 junto com a petição inicial e facto 60.), o que deu lugar ao Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, de 14.07.2020, que decidiu “anular a sentença, nos termos previstos no art.º 662.º n.º 2 al. c), do CPC, para se determinar que a 1.ª instância profira nova sentença, fixando os factos que considera provados, para depois determinar e interpretar o direito aplicável, julgando a causa conforme for de direito.” (doc. nº 57 junto com a petição inicial e facto 61.), verificando-se que, entretanto, em 05.05.2020, o 1º Réu substabeleceu, sem reserva, os poderes que lhe foram conferidos pela Autora, por procuração junta aos autos, a favor das suas actuais mandatárias, o qual foi junto aos autos em 22.05.2020 (docs. nºs 58 e 59 juntos com a petição inicial e facto 62.).
O documento nº 60 junto com a petição inicial diz respeito à nova sentença proferida no processo nº 4280/17.4T8MTS (factos 63. e 65.), de que a Autora interpôs recurso em 18.12.2020, o que deu lugar ao Acórdão da Relação do Porto de 15-11-2021 junto em anexo com o ofício de 20-07-2022, emanado do processo nº 4280/17.4T8MTS (factp 64.).
Os documentos nºs 62 a 69 juntos com a petição inicial contendem com as várias situações relacionadas com a execução (provisória), nos próprios autos (Processo nº 4280/17.4T8MTS.1), na qual foi reclamado o valor de € 171.435,84, com juros de mora calculados até 10.01.2020 (data da apresentação do requerimento executivo), o que diz respeito ao referido em 66. a 73. ao passo que os documentos nºs 70 a 75 aludem à questão do procedimento de arresto (factos 74. a 82. e depois 87.).
(…)
Já no que diz ao factos 88. a 90., com referência às repercussões da situação na saúde e vida da A., o Tribunal ponderou, para além dos depoimentos das testemunhas FF, GG, EE e HH, irmãs, filha e genro da A., respectivamente, o depoimento das testemunhas JJ e II, médicas, com largo conhecimento sobre a situação, sendo o depoimento da testemunha JJ particularmente esclarecedor no que concerne à influência desta matéria na A. em função da sua condição de saúde, o que permitiu afirmar a realidade acima apontada.
A procuração que o 1º R. juntou aos autos do processo nº 4280/17.4T8MTS traduz o alcance do mandato conferido pela aqui A., o que determina o referido em C. e D., sendo que a versão do 1º R. em relação ao exposto em E. a I. não tem pontos de apoio que permitam conferir relevância ao exposto, pelo que, em função do vasto conjunto de elementos que envolve a relação entre as partes neste processo, tais pontos não tiveram eco suficiente no sentido de permitir ao Tribunal uma valoração pela positiva de tal matéria, o que arrastou tal situação para a factualidade não provada.”
Cumpre apreciar e decidir.
Antes de mais, apreciemos a pretensão da recorrente autora de retificação do ponto 65 dos factos provados[26], na parte em que remete para o ponto 64 dos mesmos factos e que, na perspetiva da recorrente, deveria remeter para o ponto 63 dos factos provados.
Esta pretensão da recorrente não mereceu qualquer oposição.
O ponto 64 dos factos provados refere-se ao acórdão deste Tribunal da Relação de 15 de novembro de 2021, enquanto o ponto 63 respeita à sentença proferida em primeira instância em 20 de novembro de 2020, sendo o somatório das parcelas constantes desta última decisão no montante global de € 150 191,52.
Atento o valor indicado no ponto 65 dos factos provados e a decisão para que remete (sentença e não acórdão), é inequívoco que se tinha em vista a decisão a que se alude no ponto 63 dos factos provados, razão pela qual se defere a retificação do ponto 65 dos factos provados, devendo ler-se “63” onde ficou escrito “64”.
Ajuizemos agora se a pretensão da recorrente autora de ampliação da factualidade provada reúne os requisitos legalmente estabelecidos.
Além de estar sujeita aos ónus previstos para a impugnação da decisão da matéria de facto, a ampliação da decisão da matéria de facto requer o preenchimento da previsão da parte final da alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, ou seja, que se considere indispensável a ampliação da decisão da matéria de facto.
De facto, nos termos do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, a Relação deve, ainda, mesmo oficiosamente anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.
Deste modo, o tribunal ad quem apenas deve proceder à ampliação da matéria de facto sempre que conclua que, à luz das diversas soluções plausíveis das questões decidendas, existe matéria de facto alegada que não foi conhecida pelo tribunal recorrido, emitindo um juízo de provado ou não provado e isso desde que se trate de matéria indispensável à dilucidação das aludidas soluções plausíveis.
Pode ainda a ampliação da decisão da matéria de facto decorrer de factualidade complementar ou concretizadora da que as partes tenham alegado e que se tenha vindo a revelar no decurso da instrução da causa, tal como previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil e que se revele indispensável com referência às diversas soluções plausíveis das questões decidendas.
A ampliação da decisão da matéria de facto, quando necessária, processar-se-á no tribunal ad quem, desde que para tanto constem do processo todos os elementos que permitam essa ampliação, pressupondo que sobre a matéria em causa foi produzida prova, com a devida observância do contraditório [27].
A ampliação da decisão da matéria de facto não constitui um expediente processual para incluir factualidade instrumental na factualidade provada, pois não se pode considerar matéria indispensável para a dilucidação das questões que importa resolver e à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito, já que tem apenas relevo probatório dos factos essenciais.
Na realidade, por força da sua função probatória da factualidade essencial, a factualidade instrumental não deve constar nos fundamentos de facto, antes deve operar em sede de motivação da decisão da matéria de facto para justificar a prova ou a não prova de algum facto essencial que haja sido alegado por qualquer das partes.
No caso dos autos, como justamente observou a recorrida seguradora, nos pontos 33, 34, 37, 50 e 51 dos factos provados consta já a matéria necessária para dar conta da conduta adotada pelo réu BB para evitar o pagamento de taxa de justiça aquando da interposição de recurso contra a decisão que indeferiu o incidente de justo impedimento e bem assim aquando da interposição de reclamação contra a decisão de não admissão daquele recurso.
Acresce que os artigos 161 e 162 da petição inicial, na parte em que inovam relativamente à factualidade já assente, com exceção da referência à adoção daquelas condutas pelo réu BB sem o consentimento da autora[28], contêm matéria valorativa e conclusiva, o que os torna inidóneos para serem passíveis de prova.
Assim, em conclusão, indefere-se a ampliação da decisão da matéria de facto requerida pela autora.
Analisemos agora a impugnação da decisão da matéria de facto requerida pelo réu BB.
Como é sabido, a impugnação da decisão da matéria de facto exige do impugnante a observância de diversos ónus previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil, ou seja, a indicação dos concretos pontos de facto impugnados, dos concretos meios probatórios e da decisão que deve ser proferida sobre os pontos impugnados.
No caso de os meios probatórios invocados pelo impugnante consistirem em provas gravadas, incumbe-lhe ainda indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda a impugnação.
Os ónus impostos ao recorrente que pretende sindicar o julgamento da matéria de facto visam combater uma indiscriminada e vaga manifestação contra o julgamento de facto, obrigando-o a uma tomada de posição precisa quanto aos pontos de facto que entende mal julgados e ainda à indicação dos meios de prova que “impõem”[29] decisão diversa da tomada.
Além disso, esses ónus processuais ajustam-se ao figurino paradigmático dos recursos no nosso sistema processual enquanto recursos de revisão ou de reponderação[30].
No entanto, afigura-se-nos que o ónus imposto ao recorrente que impugna a matéria de facto, no que tange a indicação dos meios de prova que impõem decisão diversa da tomada, teve em vista essencialmente a situação em que a pretensão do recorrente se funda na existência de provas que conduzem a um resultado probatório diferente daquele que foi acolhido na decisão sob censura. De facto, essa indicação parece mais talhada para os casos em que o recorrente sustenta a existência de prova do contrário ou de contraprova daquela que na decisão sob censura foi relevada (veja-se o artigo 346º do Código Civil).
Porém, estes casos não esgotam o universo das situações passíveis de motivar inconformismo contra a decisão de facto.
Assim, o erro no julgamento da matéria de facto pode derivar simplesmente de o meio de prova aduzido para fundamentar a decisão do ponto de facto impugnado não conduzir a tal resultado probatório. Por exemplo, é afirmado que se julga provado o facto X, com base no depoimento da testemunha Y, quando, analisadas as declarações prestadas, se chega à conclusão de que efetivamente essa testemunha nada afirmou que permita a prova de tal facto, não tendo feito qualquer referência direta ou indireta à matéria dada como provada.
Outra situação que nos parece não ter sido diretamente contemplada na alínea b) do nº 1, do artigo 640º, do Código de Processo Civil, é a da alegada falta de credibilidade de um meio de prova pessoal aduzido para fundamentar um ponto de facto objeto de impugnação pelo recorrente.
Nas situações antes enunciadas é manifesto que o ónus de indicação das provas que impõem decisão diversa da impugnada tem que ser adequadamente entendido, sob pena de conduzir a resultados absurdos.
Assim, no primeiro caso, parece que o recorrente observará suficientemente o ónus processual previsto na alínea b), do nº 1, do artigo 640º, do Código de Processo Civil, indicando o depoimento que afirma por si só insuficiente para conduzir ao resultado probatório que impugna, não tendo que o reproduzir na totalidade para comprovar o que afirma, tal como quando estiver em causa a credibilidade de um certo meio de prova pessoal, bastará a remissão para os segmentos do meio de prova em causa que contenham a sua razão de ciência e a sua análise crítica ou, nos casos em que não seja indicada razão de ciência, a mera referência à ausência dessa indicação.
Finalmente, a reapreciação da matéria de facto não é um exercício dirigido a todo o custo ao apuramento da verdade afirmada pelo recorrente, mas antes e apenas um meio de o recorrente poder reverter a seu favor uma decisão jurídica fundada numa certa realidade de facto que lhe é desfavorável e que pretende ver reapreciada de modo a que a realidade factual por si sustentada seja total ou parcialmente acolhida judicialmente.
Logo que faleça a possibilidade de uma qualquer alteração da decisão factual poder ter alguma projeção na decisão da matéria de direito em sentido favorável ao recorrente, à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito, deixa de ter justificação a reapreciação requerida, traduzindo-se antes na prática de ato inútil, legalmente proibido (artigo 130º do Código de Processo Civil).
Apreciemos agora do preenchimento dos pressupostos de admissibilidade da impugnação da decisão da matéria de facto relativamente a cada ponto de facto impugnado.
O ponto 47 dos factos provados é transcrição integral do artigo 40 da petição inicial, não tendo este artigo da petição inicial sido impugnado pelo réu BB, o que desde logo lhe retira legitimidade para impugnar esta factualidade.
Acresce que as precisões que o recorrente BB pretende ver introduzidas são inócuas para o que se discute nos autos e até mesmo inúteis já que o ponto de facto ao remeter para o documento 24 oferecido com a petição inicial apropria-se do conteúdo deste.
Finalmente, embora a “questão do julgamento dentro do julgamento” seja uma questão de facto relevante atento o objeto do processo, certo é que, como reconhece o próprio impugnante, exorbita do conteúdo deste ponto de facto.
Por isso, nesta parte, não deve ser admitida a impugnação deste ponto de facto, seja porque o impugnante não se pode considerar vencido relativamente a esta matéria de facto, seja porque em todo o caso o objeto da impugnação constitui um ato inútil e por isso legalmente proibido (artigo 130º do Código de Processo Civil).
Quanto ao ponto 49 dos factos provados, o impugnante não questiona a não junção de documentos ao processo laboral depois do desentranhamento da contestação por extemporaneidade, apenas questionando a segunda parte deste ponto quando se deu como provado que “poderiam ter sido juntos a posteriori, ainda que não admitida a junção da contestação, tendo ficado assim a autora sem qualquer meio de prova nos referidos autos, para defesa da sua posição contra os pedidos formulados.”
Ora, é evidente que esta segunda parte do ponto 49 dos factos provados não integra matéria de facto, mas sim matéria de direito, já que determinar se podem ou não ser juntos documentos a um processo laboral pela ré que viu a sua contestação desentranhada dos autos por intempestividade, constitui matéria de direito.
Deste modo, deve amputar-se este segmento ao ponto 49 dos factos provados, ficando assim prejudicada a sua impugnação pelo recorrente BB.
O aditamento que o impugnante pretende seja introduzido no artigo 64 dos factos provados integra matéria conclusiva. De facto, o resultado de operações aritméticas não constitui matéria sujeita a prova judiciária, mas antes matéria que se deve determinar com recurso às regras aritméticas. Por isso, não deve ser vertida em sede de fundamentos de facto o resultado da soma das diversas alíneas do dispositivo do acórdão referido nesse ponto de facto, razão pela qual, nesta parte, deve ser indeferida esta impugnação.
O recorrente impugnou as alíneas E) a I) dos factos não provados apoiando-se para tanto no seu próprio depoimento.
Porém, o impugnante limita-se a remeter para o depoimento que prestou na sessão de 30 de janeiro de 2023, no período compreendido entre as 14h57 e as 15h51, que corresponde à totalidade do depoimento de parte por si prestado, sem curar de destacar as concretas passagens em que depôs sobre esta matéria ou de transcrever o depoimento prestado nas partes pertinentes.
Ao proceder deste modo, o impugnante não observa o ónus prescrito na alínea a) do nº 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil, o que constitui motivo de rejeição imediata da impugnação na parte referente às alíneas E) a I) dos factos não provados.
No que respeita aos pontos 46, 47, 54, 55, 60, 87, 89 e 90 dos factos provados, o impugnante observa suficientemente os ónus que sobre si recaem, pelo que deve ser conhecida a impugnação da decisão da matéria de facto, nesta parte.
Procedeu-se à audição da prova pessoal indicada pelo recorrente para sustentar a sua impugnação, bem como a indicada pela recorrida autora e examinou-se a extensa prova documental junta aos autos.
FF, irmã da autora, relativamente à matéria impugnada declarou que foi convocada juntamente com as irmãs para uma reunião com o réu BB, na parte da tarde de um dia que não foi capaz de identificar precisamente. Por estar impedida de comparecer na parte da parte da tarde, contactou o réu BB na manhã desse dia que lhe pediu desculpa por ter apresentado fora de prazo a contestação no processo em que sua irmã AA era ré. Depois de alguma hesitação quanto à data em que teve esse encontro com o réu BB, acabou por afirmar que quando isso sucedeu já se sabia o resultado da sentença (ouça-se a gravação deste depoimento entre os minutos trinta e dois e vinte segundos e os minutos trinta e seis e quarenta e cinco segundos). Por sugestão do Sr. Dr. BB ainda se apresentou recurso contra a sentença condenatória. Referiu que parte do vencimento de sua irmã AA foi penhorado e que igualmente sucedeu com bens imóveis da mesma. Sua irmã AA ficou envergonhada com as penhoras, pois as pessoas do seu serviço e os moradores em ... ficaram a saber disso. Sua irmã AA não é pessoa de se queixar, mas toda esta situação se repercutiu negativamente no equilíbrio e no sono de sua irmã AA. Tiveram conhecimento da contestação que era para ser apresentada no processo movido contra sua irmã e correspondia aquilo que haviam conferenciado em reunião havida com o réu Dr. BB.
GG, irmã da autora, médica fisiatra, induzida pela Sra. Advogada que patrocina a autora, declarou que tal como suas irmãs, recebeu cópia da contestação destinada ao processo laboral instaurado contra sua irmã AA e que nessa altura nada lhe foi referido quanto a algum problema com a contestação; declarou que quando soube que a contestação não tinha sido entregue foi depois falar com o Dr. BB; referiu que a irmã, sem identificar a que irmã se referia, é que lhe disse que a contestação não deu entrada no processo dentro do prazo; a reunião com o Dr. BB decorreu numa tarde de um dia que não é capaz de precisar tendo comparecido a depoente, sua irmã AA e uma sobrinha filha de sua irmã AA, enquanto sua irmã FF já havia reunido com o Dr. BB na manhã desse dia; nessa reunião falou-se da possibilidade de interposição de recurso, tendo sua irmã AA pedido ao Sr. Dr. BB para interpor recurso da sentença; pouco depois da sentença foi penhorado o vencimento da irmã AA e as terras que ela tinha em nome dela; a irmã AA tem esclerose múltipla; instada sobre as consequências desta situação na sua irmã AA declarou que se a si lhe fez mal, a uma pessoa com uma doença dessas fará pior; quando penhoraram o ordenado à sua irmã AA esta ficou ansiosa e vexada pois que no hospital todos sabiam dessa penhora, referindo depois que tudo isto causou “stresse” na sua irmã, tendo piorado em termos de marcha e de fala, esclarecendo que estas consequências negativas se integram na evolução normal da doença, mas que a situação de “stresse” constitui um fator agravador; instada pelo Sr. Advogado das rés seguradoras, declarou que pensa que não foram penhoradas contas bancárias à sua irmã AA; declarou ainda que nessa altura faleceu sua mãe, o que também afetou a irmã AA.
HH, genro da autora, engenheiro eletrotécnico, prestou um depoimento carregado de agressividade e ressentimento, fundado muitas vezes naquilo que lhe era transmitido pela esposa; declarou que sua sogra tem esclerose múltipla e que com esta situação a saúde dela degradou-se; instado pelo Sr. Advogado das seguradoras declarou que não foram penhorados saldos de contas bancárias da sogra e que esta não tinha poupanças.
II, médica, ouvida por videoconferência, de relevante para a matéria impugnada referiu que a autora padece de esclerose múltipla e que ficou afetada com a situação decorrente do processo que lhe foi movido e que, de acordo com “zunzuns” que ouviu, perdeu por causa do advogado; declarou que a autora andava preocupada e que não dormia; não pode relacionar a afetação do equilíbrio da autora com o que lhe aconteceu no processo; a autora ficou constrangida com a penhora do salário.
JJ, médica, colega de trabalho da autora no serviço de hematologia; conhece a autora desde 1983; declarou que a situação objeto dos autos, que foi do conhecimento dos serviços onde a autora trabalha, afetou psicologicamente a autora, o seu desempenho profissional e ainda o sono e a fala; o vencimento da autora foi penhorado e também foi apreendido património da autora; a autora sofre de esclerose múltipla, doença incurável, degenerativa com uma evolução não uniforme e com surtos; referiu que o “stresse” é um fator que agrava a doença; a autora tem dificuldades motoras, na fala e de concentração, sofrendo de ansiedade, situações que se agravaram com a penhora do vencimento da autora.
Resumido o essencial dos depoimentos relevados pelo impugnante e pela recorrida autora, é tempo de conhecer a impugnação de cada um dos factos.
No que respeita ao ponto 46 dos factos provados, constata-se que nem os depoimentos destacados pelo impugnante suportam o aditamento por ele pretendido.
Além disso, a conduta do réu Dr. BB tendente a ocultar da autora a sua falha processual, requerendo apoio judiciário sem conhecimento da autora, para beneficiar de dispensa de pagamento de taxa de justiça nos meios processuais de que lançou mão para tentar que a contestação julgada extemporânea acabasse por ser admitida, é pouco consentânea com a transmissão do sucedido à autora e irmãs desta ainda antes da notificação da sentença.
Finalmente, o próprio réu Dr. BB alude a uma reunião com a autora e as irmãs desta para discussão do sucedido em data posterior àquela em que deve considerar feita a notificação da sentença à autora (veja-se o artigo 33 da contestação deste réu e o documento 50 oferecido com a petição inicial e junto a folhas 238 verso do processo físico).
Deste modo, tudo sopesado, não foi produzida prova que sustente a alteração pretendida pelo impugnante, mantendo-se por isso intocado o ponto 46 dos factos provados.
Apreciemos agora a impugnação dos pontos 54 e 55 dos factos provados.
Pelos fundamentos indicados quando se conheceu da impugnação do ponto 46 dos factos provados, improcede a pretensão do impugnante de que os pontos 54 e 55 dos factos provados sejam julgados não provados.
Vejamos agora a impugnação do ponto 60 dos factos provados.
No que respeita este ponto de facto, atento o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas FF e GG pode concluir-se que o recurso foi interposto a pedido da autora.
Tendo a decisão recorrida sido proferida depois de julgada intempestiva a contestação oferecida pela aqui autora, factos que foram do seu conhecimento, dificilmente se concebe que o réu Dr. BB, à semelhança do que havia feito relativamente a dois pedidos de apoio judiciário, impugnasse a referida sentença sem consentimento da aqui autora.
Assim, tudo sopesado, procede esta impugnação, devendo aditar-se ao ponto 60 dos factos provados que o recurso foi interposto a pedido da autora.
Vejamos agora o ponto 87 dos factos provados.
Os depoimentos das testemunhas GG de HH foram claramente no sentido de não terem sido penhorados saldos de contas bancárias da autora, precisando a testemunha HH que sua sogra não tinha poupanças.
Não existe no processo executivo atual um ato de nomeação à penhora, como existiu anteriormente (veja-se o artigo 833º do Código de Processo Civil de 1961, na redação introduzida pelo decreto-lei nº 329-A/95 de 12 de dezembro e o artigo 89º do Código de Processo do Trabalho, revogado pelo decreto-lei nº 295/2009 de 13 de outubro), sendo certo que as diligências para penhora, seja a requerimento, seja oficiosamente pelo agente de execução são sempre reduzidas a escrito.
No caso dos autos, existe expediente que permite concluir que a Sra. Agente de Execução na ação executiva movida contra a autora fez algumas diligências junto de diversas entidades bancárias no sentido da penhora de saldos bancários da titularidade da autora, diligências que foram infrutíferas por ausência de saldo disponível (vejam-se folhas 457 verso a 460 do processo físico).
Neste contexto probatório, improcede a impugnação, devendo, não obstante, alterar-se o ponto 87 dos factos provados que passa a ter a seguinte redação:
- A Autora viu o seu património arrestado, o seu salário e crédito de IRS penhorados, tendo sido solicitada a penhora dos saldos das suas contas bancárias no Banco 1..., S.A., na Banco 2..., S.A., na Banco 3..., no Banco 4..., S.A. e no Banco 5..., S.A.
Apreciemos agora a impugnação do ponto 89 dos factos provados.
Ao analisar-se o ponto 87 dos factos provados deu-se nota de que não tendo havido nomeação à penhora de saldos de depósitos bancários, existe prova documental que comprova que foi solicitada a penhora dos saldos das contas bancárias da autora no Banco 1..., S.A., na Banco 2..., S.A., na Banco 3..., no Banco 4..., S.A. e no Banco 5..., S.A.
Porém, neste ponto de facto, não está só em causa a realização destas diligências, mas também o reflexo das mesmas na pessoa da autora.
Ora, nesta vertente, a prova pessoal produzida não permite concluir que as diligências de penhora de saldos bancários de contas da autora lhe provocaram vergonha e humilhação.
Por isso, no que respeita este ponto de facto a impugnação procede, deve o mesmo passar a ter a seguinte redação:
- O facto de ter o salário penhorado provocou na autora um sentimento de vergonha e humilhação.
Apreciemos agora o ponto 90 dos factos provados.
O impugnante tem razão quando afirma que nada existe nos autos relativamente a esta matéria, pois não foi produzida qualquer prova documental ou pericial que sobre ela tenha incidido.
Contudo a matéria do ponto 90 dos factos provados não é daquelas que apenas se possa provar por via documental, como em certa medida insinua o impugnante.
Ora, foi produzida em audiência final prova pessoal qualificada, porque resultante de depoimentos produzidos por médicas, que conforta a decisão do tribunal a quo.
A circunstância de GG ser irmã da autora e de JJ e II serem amigas da autora não é bastante, a nosso ver, para retirar credibilidade a estas depoentes, pois que depuseram de forma espontânea e isenta, revelando conhecimento próprio dos factos decorrente da relação próxima que mantêm com a autora e da sua qualidade profissional.
Assim, tudo sopesado, foi produzida prova pessoal bastante da matéria contida no ponto 90 dos factos provados, pelo que improcede nesta parte a impugnação.
Em conclusão, no que respeita à retificação, impugnação e ampliação da decisão da matéria de facto decide-se o seguinte:
- defere-se a retificação do ponto 65 dos factos provados, devendo ler-se “63” onde ficou escrito “64”;
- indefere-se a ampliação da decisão da matéria de facto requerida pela autora;
- não se admite a impugnação do ponto 27 dos factos provados;
- indefere-se a impugnação do ponto 47 dos factos provados em virtude de o impugnante a ter admitido na sua contestação e por a alteração pretendida ser inócua;
- por integrar matéria de direito, amputa-se do ponto 49 dos factos provados o seguinte segmento: “poderiam ter sido juntos a posteriori, ainda que não admitida a junção da contestação, tendo ficado assim a autora sem qualquer meio de prova nos referidos autos, para defesa da sua posição contra os pedidos formulados”;
- indefere-se a impugnação do ponto 64 dos factos provados em virtude de ter por objeto matéria conclusiva;
- rejeita-se a impugnação das alíneas E) a I) dos factos não provados em virtude de o impugnante não observar o ónus prescrito na alínea a) do nº 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil;
- improcede a impugnação dos pontos 46, 54, 55 e 90 dos factos provados;
- procede a impugnação do ponto 60 dos factos provados que passa a ter o seguinte conteúdo: “O 1º réu interpôs recurso da sentença condenatória em 07.11.2019, a pedido da autora”;
- improcede a impugnação do ponto 87 dos factos provados que contudo se altera oficiosamente passando a ter o seguinte conteúdo: “A Autora viu o seu património arrestado, o seu salário e crédito de IRS penhorados, tendo sido solicitada a penhora dos saldos das suas contas bancárias no Banco 1..., S.A., na Banco 2..., S.A., na Banco 3..., no Banco 4..., S.A. e no Banco 5..., S.A.”;
- procede a impugnação do ponto 89 dos factos provados que passa a ter o seguinte teor: “O facto de ter o salário penhorado provocou na autora um sentimento de vergonha e humilhação”.
3.2 Fundamentos de facto[31] exarados na sentença recorrida com as alterações decorrente do conhecimento das pretensões de retificação, impugnação e ampliação da decisão da matéria de facto na questão a decidir que precede
3.2.1 Factos provados
3.2.1.1
A autora é médica, com a especialidade de imunohemoterapia e foi demandada numa ação judicial intentada por DD, empregada da sua mãe, distribuída ao Juízo do Trabalho de Matosinhos – ..., sob o nº 4280/17.4T8MTS.
3.2.1.2
Para contestar essa ação mandatou o 1º réu, Advogado, que usa o nome profissional de BB, inscrito na Ordem dos Advogados, titular da Cédula Profissional nº ...52P, com escritório na Rua ...., no Porto, e a 2ª ré, Advogada Estagiária, que usa o nome profissional de CC, inscrita na Ordem dos Advogados, titular da Cédula Profissional nº ...75P, com escritório na Rua ...., no Porto.
3.2.1.3
Por ofício expedido no dia 20 de setembro de 2017, a autora foi citada, por carta registada, para comparecer pessoalmente no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Trabalho de Matosinhos- ..., no dia 16 de outubro de 2017, pelas 14h45m, a fim de se proceder à audiência de partes no âmbito do processo nº 4289/17.4T0MTS.
3.2.1.4
A autora contactou o 1º réu para a representar neste processo em 09 de outubro de 2017 e reuniu com o mesmo no seu escritório, no dia 14 de outubro de 2017, no período da manhã.
3.2.1.5
O 1º réu aceitou patrociná-la, tendo-lhe solicitado procuração forense a seu favor e da 2ª ré, Advogada Estagiária, cuja minuta redigiu e apresentou à autora para assinatura, procuração essa que a autora assinou e entregou nessa data ao mandatário.
3.2.1.6
Por requerimento apresentado em juízo no dia 16 de outubro de 2017, o 1º réu juntou ao processo a procuração forense.
3.2.1.7
No dia 16 de outubro de 2017 teve lugar a audiência de partes, na qual a autora se fez representar pelo 1º réu e pela 2ª ré, como pode verificar-se da ata que se junta como doc. nº 9.
3.2.1.8
Não tendo sido possível a conciliação das partes, a autora foi notificada, na pessoa dos seus mandatários, para contestar a ação no prazo de 10 dias, “sob pena de se considerarem confessados os factos alegados pela Autora”
3.2.1.9
E foi logo designado o dia 24 de janeiro de 2018, pelas 09h30, para a audiência de julgamento.
3.2.1.10
O prazo para apresentar a contestação terminava no dia 26 de outubro de 2017, podendo esse articulado ser apresentado num dos três dias úteis subsequentes, até 31 de outubro de 2017, ficando a sua validade dependente do pagamento de uma multa fixada nos termos do nº 5 do artigo 139º do Código de Processo Civil.
3.2.1.11
O 1º réu elaborou a contestação que devia ser apresentada até à referida data, cujo conteúdo consta do documento nº 10 que se dá aqui por reproduzido.
3.2.1.12
No dia 31 de outubro de 2017, às 11h29m (pm), o 1º réu enviou por telecópia para o Tribunal as 3 primeiras páginas da contestação (artigos 1º a 15º).
3.2.1.13
Nesse mesmo dia, às 11h39m (pm), o 1º réu enviou, também por telecópia, para o Tribunal, 13 páginas da contestação (artigos 16º a 95º dessa peça processual).
3.2.1.14
No dia 1 de novembro de 2017, à 01h03m, o 1º réu remeteu um email ao Tribunal de Matosinhos, pelo qual deu conta da ocorrência de um denominado “erro certificado” que impediu o envio da contestação, documentos e taxa de justiça pelo Citius.
3.2.1.15
Tendo alegado que procedera ao envio da contestação por fax pela impossibilidade de resolver o problema informático da plataforma Citius e que o aparelho de fax havia encravado, o que só permitiu o envio de 3 folhas e em nova tentativa ocorrera um erro na transmissão, invocando justo impedimento, “nos termos do artº 140º, nº1 do C.P.C.”.
3.2.1.16
Por email de 02.11.2017, o 1º réu enviou à autora a contestação, sem qualquer menção às vicissitudes da sua apresentação em juízo.
3.2.1.17
Em 06.11.2017 foi apresentada, via Citius, a contestação acompanhada do DUC relativa ao pagamento da primeira prestação da taxa de justiça, emitido no dia 31.10.2017, e do comprovativo do pagamento naquele dia, às 14h20m, bem como o DUC relativo a multa, emitido no dia 31.10.2017, e do documento do comprovativo do pagamento naquele dia às 14h25m.
3.2.1.18
No mesmo dia, o 1º réu apresentou um requerimento para que fosse verificada a existência de justo impedimento e requereu diligências probatórias.
3.2.1.19
Por despacho proferido em 07.11.2017 (referência eletrónica 386441933), a Mma. Juíza responsável por esse processo ordenou a notificação da autora para se pronunciar sobre “o expediente apresentado pela ré”, “para efeitos do disposto no artº 140º, nº 2 do C.P.C.”.
3.2.1.20
A autora nessa ação veio responder por requerimento apresentado em 10.11.2017, no sentido de que a contestação não devia ser admitida.
3.2.1.21
O 1º réu, por requerimento de 23.11.2017, respondeu à pronúncia apresentada pela autora e requereu diligências de prova.
3.2.1.22
Por despacho proferido em 13.12.2017 (referência eletrónica 387691738), a Mma. Juíza ordenou que se solicitasse “à equipa de apoio informático informação sobre se há registo das tentativas de envio da peça processual pelo Ilustre Mandatário da Ré, no dia 31/10/2017 ou no dia 01/11/2017, juntando, se possível, a respectiva representação documental e sobre o significado da mensagem “erro certificado” recebida no momento do envio de peça processual por mandatário.”
3.2.1.23
E ordenou ainda que se solicitasse “à Ordem dos Advogados informação sobre a data em que foi instalado e activado o certificado digital avançado do ilustre mandatário da Ré a que se reporta a comunicação de fls. 61”.
3.2.1.24
Foram solicitadas à Ordem dos Advogados e à equipa de apoio informático as referidas informações em 14.12.2017.
3.2.1.25
O Departamento Informático da Ordem dos Advogados respondeu em 05.01.2018, relativamente à validade do certificado digital do advogado 1º réu.
3.2.1.26
Face à ausência de resposta da equipa de apoio informático aos tribunais, o Tribunal insistiu por despacho de 17.01.2018 (no qual dá ainda sem efeito a audiência de julgamento que estava marcada).
3.2.1.27
O Helpdesk respondeu em 12.02.2018, confirmando a criação da peça em 31.10.2017 e o seu envio e adiantando uma possível explicação relacionada com a utilização de um certificado expirado, nos termos do documento nº 24 cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.
3.2.1.28
Na sequência do despacho de 14.02.2018 (referência eletrónica 389614985), o 1º réu respondeu pelo requerimento apresentado no dia 02.03.2018, requerendo, além do mais, a confirmação de que a peça processual criada correspondia à contestação apresentada dos autos.
3.2.1.29
Por despacho de 21.03.2018 (referência eletrónica 390968316) o Tribunal ordenou que se oficiasse ao apoio informático do Ministério da Justiça e à Ordem dos Advogados para que que prestassem diversos esclarecimentos.
3.2.1.30
Os quais vieram a ser prestados em 22.03.2018, 26.03.2018 e 26.04.2018, nos termos que constam dos emails oferecidos como documentos nºs 28, 29 e 30 cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais.
3.2.1.31
O Tribunal decidiu pela não verificação da situação de justo impedimento, por despacho proferido em 24.05.2018 (referência eletrónica 393022707 – datado por erro de 28/04/2012, como pode comprovar-se pela data aposta no sistema Citius), no qual, após apreciar a argumentação do 1º réu e os meios de prova, concluiu nos termos seguintes:
“No caso dos autos ignora-se efectivamente qual o concreto problema que levou a que o ilustre mandatário não lograsse enviar a contestação e os seus anexos, ainda no dia 31/10/2017, pelo Citius, ainda que tudo aponte para um qualquer problema relacionado com a instalação do certificado digital. Mas uma coisa temos por certa, o ilustre mandatário não alegou que estivesse impedido de praticar o acto por qualquer um dos outros meios previstos pelo art. 144º, nº 7 do Código de Processo Civil, nos dias seguintes, isto é, se não no dia 1/11/2017, que era feriado, pelo menos, nos dias 2/11/2017 e 5/11/2017 (sendo 3 e 4/11 fim de semana). De facto, verificando o problema informático, sempre poderia o ilustre mandatário ter enviado a contestação por meio de fax (mesmo que se tivesse de socorrer de outro aparelho que não o seu), por correio registado, ou apresentado o articulado na secretaria do Tribunal, o que não fez. O ilustre mandatário não se apresentou, pois, a requerer logo que o impedimento cessou, já que tinha à sua disposição outros meios para além da transmissão electrónica e não os utilizou, nem resulta do que alegou que estivesse impedido de o fazer.
Ainda que assim não se entendesse sempre teríamos de considerar que a actuação do ilustre mandatário foi, no mínimo temerária, ao deixar para os últimos 10 minutos antes do fim do prazo, o envio da contestação, sendo-lhe exigível que, nas circunstâncias concretas actuasse de modo diverso. Na verdade, o mesmo bem sabia que tinha instalado um novo certificado e que depois disso não tinha voltado a utilizar o Citius, sendo-lhe exigível um acrescido dever de cuidado, dada se não a previsível, pelo menos a possível, ocorrência de um qualquer problema impeditivo da prática do acto àquela hora da noite, em que bem sabia que não poderia dispor de ajuda.
Acresce que sobre o ilustre mandatário impende não apenas o dever de diligência do bom pai de família (cfr. art. 487º, nº 2 do Código Civil), como um especial dever de diligência na condução e acompanhamento dos processos, pelo que ao actuar como actuou, não só deixando a apresentação da peça processual para os últimos 10 minutos do prazo da véspera de um feriado, como não apresentando a peça por qualquer outro meio dos legalmente admissíveis nos 5 dias seguintes, ficando a aguardar a resolução do problema informático, não é possível concluir que o mesmo actuou sem culpa.
Não se mostra, pois, verificado o justo impedimento invocado, que como tal se julga improcedente.
Custas do incidente pela ré com 1 UC de taxa de justiça.
Notifique.”.
3.2.1.32
Desse despacho interpôs o 1º réu recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto em 25.06.2018.
3.2.1.33
Juntou às alegações de recurso um requerimento de proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário para dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (para não proceder ao pagamento da taxa de justiça devida).
3.2.1.34
O qual foi por si preenchido e assinado, sem o conhecimento da autora.
3.2.1.35
Esse recurso não foi admitido por o Tribunal ter decidido, por despacho de 17.10.2018 (referência eletrónica 397135432) que o mesmo era extemporâneo, por ter sido apresentado depois de terminado o prazo legal, tendo-se entendido que o prazo para a interposição do recurso terminava no dia 11.06.2018, podendo ainda ser admitido, mediante o pagamento da multa, até ao dia 14.06.2018, tendo sido apresentado apenas em 25.06.2018.
3.2.1.36
Desse despacho que não admitiu o recurso, o 1º réu ainda reclamou, contra o indeferimento, para o Tribunal da Relação do Porto, por requerimento apresentado nos autos em 07.11.2018.
3.2.1.37
Juntou a esta reclamação novamente um requerimento de proteção jurídica, por si preenchido e assinado, para não ter de fazer o pagamento da taxa de justiça devida, o que sucedeu, novamente, sem o conhecimento da autora.
3.2.1.38
Por notificação com certificação Citius de 12.11.2018, o 1º réu foi notificado para proceder ao pagamento da multa nos termos do artigo 139º, nº 6 do Código de Processo Civil por ter praticado o ato no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo (sem ter pago a multa devida).
3.2.1.39
O Tribunal manteve o despacho reclamado (de não admissão do recurso) e ordenou a remessa ao Tribunal da Relação do Porto, por despacho de 03.12.2018 (referência eletrónica 398773465).
3.2.1.40
Por decisão singular de 25.03.2019, o Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente a reclamação, não admitindo o recurso de apelação por ter sido intempestivo.
3.2.1.41
Por requerimento apresentado no dia 11.04.2019, o 1º réu arguiu a nulidade da decisão singular por omissão de pronúncia e “inconstitucionalidades”.
3.2.1.42
O 1º réu foi notificado para pagamento da multa devida pela apresentação do requerimento no 3º dia após o termo do prazo, nos termos do artigo 139º do Código de Processo Civil, não tendo procedido ao pagamento da multa.
3.2.1.43
Por decisão do Relator de 27.06.2019 não se conheceu da nulidade arguida, em virtude da apresentação da reclamação de nulidade fora de prazo e do não pagamento da multa pelo 1º réu.
3.2.1.44
Por despacho proferido no dia 09.09.2019 foi ordenado o desentranhamento da contestação apresentada pelo 1º réu, na sequência do trânsito em julgado da decisão que julgou improcedente o justo impedimento invocado.
3.2.1.45
Este despacho foi notificado aos 1º e 2º réus no dia 10.09.2019 e transitou em julgado no dia 23 de setembro de 2019 (artigo 80º, nº 2 do Código de Processo do Trabalho, na redação em vigor à data).
3.2.1.46
O 1º réu e a 2ª ré não deram conhecimento à autora de que a contestação não fora admitida, de que tinha invocado justo impedimento e de que, na sequência da decisão de o julgar não verificado, fora ordenado o desentranhamento da contestação, factos que a autora só veio a saber, mais tarde, quando foi notificada da sentença que foi proferida nessa ação no dia 08.10.2019 (notificação expedida em 09.10.2019).
3.2.1.47
A contestação continha a argumentação para defesa da ré nesses autos, aqui autora, nomeadamente: i) a contratação da DD como prestadora de serviços, na sequência da cessação do anterior contrato, também de prestação de serviços, celebrado com a sociedade “G..., Lda.”; ii) preliminares e motivação da celebração do contrato entre a autora e a ré; iii) os termos acordados entre as partes para a prestação de serviços (sem subordinação jurídica nem sujeição ao poder de direção e disciplinar da mãe da Ré); iv) a cessação do contrato de prestação se serviços em virtude do internamento da Mãe da Ré num lar; v) a atuação da prestadora de serviços em abuso do direito; vi) a invocação da litigância de má-fé; vii) subsidiariamente, a caraterização do contrato celebrado entre autora e ré como contrato de serviço doméstico.
3.2.1.48
A ora autora havia fornecido ao 1º réu documentos para instruir a contestação, e que constituíam meios de prova para sua defesa naquela Ação de Trabalho, os quais não foram juntos pelos réus, com a contestação apresentada e, posteriormente, mandada desentranhar.
3.2.1.49
Os réus também não juntaram posteriormente esses nem quaisquer outros documentos (fornecidos pela aqui autora).
3.2.1.50
De referir, ainda, que os diversos pedidos de apoio judiciário que foram apresentados pelo 1º réu, em nome da autora, com os vários requerimentos acima mencionados, foram indeferidos pela Segurança Social, como resulta da informação junta aos autos em 23.09.2019 (referência eletrónica 23623580).
3.2.1.51
O 1º réu e a 2ª ré, mandatários da autora, foram notificados da junção aos autos dessa informação da Segurança Social em 23.09.2019.
3.2.1.52
No dia 08.10.2019 foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e em consequência decidiu:
“I – condenar a ré a reconhecer o vínculo laboral que manteve com a autora no período de 1 de Setembro de 2014 a 19 de Junho de 2017;
II - condenar a ré a pagar à autora:
a) a quantia de € 15 293,02 (quinze mil duzentos e noventa e três euros e dois cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
b) a quantia de € 345,92 (trezentos e quarenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
c) a quantia de € 1 002,74 (mil e dois euros e setenta e quatro cêntimos) a título de subsídios de férias e de Natal respeitantes ao ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
d) a quantia de € 47 613,32 (quarenta e sete mil seiscentos e treze euros e trinta e dois cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
e) a quantia de € 1 326,87 (mil trezentos e vinte e seis euros e oitenta e sete cêntimos) a título de remuneração das férias não gozadas referentes ao ano da contratação e das vencidas em 01/01/2015 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
f) a quantia de € 1 383,68 (mil trezentos e oitenta e três euros e sessenta e oito cêntimos), a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
g) a quantia de € 3 000,00 (três mil euros) a título de subsídios de férias e de Natal do ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
h) a quantia de € 47 928,64 (quarenta e sete mil novecentos e vinte e oito euros e sessenta e quatro cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
i) a quantia de € 1 269,23 (mil duzentos e sessenta e nove euros e vinte e três cêntimos) a título de férias vencidas em 01/01/2016 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
j) a quantia de € 1 729,60 (mil setecentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
l) a quantia de € 3 000,00 (três mil euros) a título de subsídios de férias e de Natal do ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
m) a quantia de € 22 230,06 (vinte e dois mil duzentos e trinta euros e seis cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento;
n) a quantia de € 1 269,23 (mil duzentos e sessenta e nove euros e vinte e três cêntimos) a título de remuneração das férias vencidas em 01/01/2017 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 19/06/2017 até integral pagamento;
o) a quantia de € 864,80 (oitocentos e sessenta e quatro euros e oitenta cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento;
p) a quantia de € 1 397,26 (mil trezentos e noventa e sete euros e vinte e seis cêntimos) a título de subsídios de férias e de Natal proporcionais à duração do contrato no ano da cessação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 19/06/2017 até integral pagamento;
q) a quantia de € 544,36 (quinhentos e quarenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos) a título de formação não ministrada, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento.
III – absolver a ré da parte restante do pedido”.
3.2.1.53
E condenou autora e ré nas custas, “na proporção dos respectivos decaimentos (cfr. art. 527º do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga a autora”.
3.2.1.54
A sentença foi notificada não apenas aos dois mandatários da autora, mas também à própria parte (tal como previsto no artigo 24º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), tendo sido nesse momento que a autora tomou conhecimento, como se disse, do desentranhamento da contestação, por não ter sido tempestivamente apresentada, e do direito que lhe assiste a uma indemnização por responsabilidade civil profissional, por incumprimento do mandato forense[32].
3.2.1.55
Assim, na data em que foi notificada da sentença condenatória, a autora tomou conhecimento não apenas da condenação (sem realização de audiência de julgamento), mas também de que não tinha sido apresentada tempestivamente a contestação (porquanto nem o 1º réu, nem a 2ª ré a tinham informado de toda a tramitação do processo acima descrita e, designadamente, da possibilidade de a contestação apresentada não ser admitida), nem tinham sido juntos ao processo os documentos que havia facultado ao 1º réu e à 2ª ré.
3.2.1.56
Na verdade, durante todo o período de tempo que decorreu entre a data em que o 1º réu comunicou à autora que a audiência de julgamento designada para janeiro de 2018 tinha sido dada sem efeito e a data da notificação da sentença, a autora esteve a aguardar a marcação da audiência de julgamento, tendo, por isso, sido surpreendida com a decisão final.
3.2.1.57
Tendo em conta os pedidos de apoio judiciário apresentados pelo 1º réu, em 25.06.2018 e em 07.10.2018 – para instruírem o recurso e a reclamação contra o indeferimento (de que, como se disse, a autora não teve conhecimento) – e em face da resposta da Segurança Social no sentido do indeferimento (junta como doc. nº 46) o Tribunal oficiou o Gabinete de Proteção Jurídica da Segurança Social para vir informar sobre qual dos pedidos de apoio judiciário havia sido indeferido reportando-se à comunicação de 23.09.2019.
3.2.1.58
A Segurança Social respondeu informando que a comunicação de indeferimento do pedido de apoio judiciário era referente ao pedido apresentado em 07.10.2018.
3.2.1.59
Em 27.11.2018, a Segurança Social informou que o pedido de apoio judiciário apresentado em 25.06.2018 havia sido indeferido por falta de resposta do requerente na sequência da notificação para audiência prévia.
3.2.1.60
O 1º réu interpôs recurso da sentença condenatória em 07.11.2019, a pedido da autora.
3.2.1.61
Na sequência do que veio a ser proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, em 14.07.2020, que decidiu “anular a sentença, nos termos previstos no art.º 662.º n.º 2 al. c), do CPC, para se determinar que a 1.ª instância profira nova sentença, fixando os factos que considera provados, para depois determinar e interpretar o direito aplicável, julgando a causa conforme for de direito.”
3.2.1.62
Entretanto, em 05.05.2020, o 1º réu substabeleceu, sem reserva, os poderes que lhe foram conferidos pela autora, por procuração junta aos autos, a favor das suas atuais mandatárias, o qual foi junto aos autos em 22.05.2020.
3.2.1.63
Em 22.11.2020 foi proferida nova sentença, que julgou, igualmente, a ação parcialmente procedente e condenou a aqui autora a reconhecer o vínculo laboral e a pagar várias quantias a título de créditos salariais, como se transcreve:
“Por todo o exposto julgo a acção parcialmente procedente e em consequência decido:
I – Condenar a ré a reconhecer o vínculo laboral que manteve com a autora no período de 1 de Setembro de 2014 a 19 de Junho de 2017;
II - Condenar a ré a pagar à autora:
a) a quantia de € 15 293,02 (quinze mil duzentos e noventa e três euros e dois cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
b) a quantia de € 345,92 (trezentos e quarenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
c) a quantia de € 1 002,74 (mil e dois euros e setenta e quatro cêntimos) a título de subsídios de férias e de Natal respeitantes ao ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
d) a quantia de € 47 613,32 (quarenta e sete mil seiscentos e treze euros e trinta e dois cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
e) a quantia de € 1 383,68 (mil trezentos e oitenta e três euros e sessenta e oito cêntimos), a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
f) a quantia de € 1 326,87 (mil trezentos e vinte e seis euros e oitenta e sete cêntimos) a título de remuneração das férias não gozadas referentes ao ano da contratação e das vencidas em 01/01/2015 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
g) a quantia de € 3 000,00 (três mil euros) a título de subsídios de férias e de Natal do ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
h) a quantia de € 47 928,64 (quarenta e sete mil novecentos e vinte e oito euros e sessenta e quatro cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
i) a quantia de € 1 729,60 (mil setecentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
j) a quantia de € 1 269,23 (mil duzentos e sessenta e nove euros e vinte e três cêntimos) a título de férias vencidas em 01/01/2016 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
l) a quantia de € 3 000,00 (três mil euros) a título de subsídios de férias e de Natal do ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
m) a quantia de € 22 230,06 (vinte e dois mil duzentos e trinta euros e seis cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento;
n) a quantia de € 864,80 (oitocentos e sessenta e quatro euros e oitenta cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento;
o) a quantia de € 1 269,23 (mil duzentos e sessenta e nove euros e vinte e três cêntimos) a título de remuneração das férias vencidas em 01/01/2017 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 19/06/2017 até integral pagamento; 9/06/2017 até integral pagamento;
p) a quantia de € 1 397,26 (mil trezentos e noventa e sete euros e vinte e seis cêntimos) a título de subsídios de férias e de Natal proporcionais à duração do contrato no ano da cessação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 19/06/2017 até integral pagamento;
q) a quantia de € 537,15 (quinhentos e trinta e sete euros e quinze cêntimos) a título de formação não ministrada, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento.
III – absolver a ré da parte restante do pedido.”
3.2.1.64
A autora interpôs recurso em 18.12.2020, o que deu lugar ao Acórdão da Relação do Porto de 15-11-2021, nos termos do qual a) foi revogada a sentença quanto ao decidido no título II e alíneas a), d), h) e n) [esta deliberação foi retificada em acórdão proferido em 14 de fevereiro de 2022, substituindo-se a referência à alínea n) da sentença recorrida pela alínea m) da mesma sentença], em substituição condenando-se a ré a pagar à autora, a título de trabalho suplementar prestado para além do período normal semanal, os valores seguintes:
i) 52 x 9,01 € entre 1 de setembro de 2014 e 31 de agosto de 2015, perfazendo € 468,42;
ii) 52 x 9,01 € entre 1 de setembro de 2015 e 31 de agosto de 2016, perfazendo € 468,42;
iii) 46 x 9,01 € entre 1 de setembro de 2016 e 19 de junho de 2017, perfazendo € 414,46;
No montante global de € 5 406,00, acrescido de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos sobre aqueles valores parcelares indicados em i), ii) e iii), respetivamente, desde 1 de setembro de 2015, 1 de setembro de 2016 e 20 de junho de 2017 e b) foi revogada a sentença na parte em que condenou a ré a pagar à autora “q) a quantia de € 537,15 (quinhentos e trinta e sete euros e quinze cêntimos) a título de formação não ministrada, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento”, confirmando, no mais, a sentença recorrida.
3.2.1.65
A sentença referida em 63. [3.2.1.63] proferida na ação pendente no Tribunal do Trabalho condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 150 191,52.
3.2.1.66
Em virtude da sentença condenatória, a autora nessa ação instaurou, ainda na pendência do recurso, e utilizando esse título executivo, execução (provisória), nos próprios autos (Processo nº 4280/17.4T8MTS.1), na qual reclamou o valor de € 171 435,84, com juros de mora calculados até 10.01.2020 (data da apresentação do requerimento executivo).
3.2.1.67
Nessa execução foi efetuada a penhora de 1/3 (um terço) do vencimento auferido pela executada (aqui autora) no D..., até perfazer o montante de € 185 000,00, como pode ver-se do auto de penhora de 03.02.2020.
3.2.1.68
Após a penhora, a executada, aqui autora, foi citada para os termos da execução, tendo o prazo de 20 dias para pagar a quantia em dívida, juros e custas ou deduzir oposição à execução, através de embargos de executado e/ou oposição à penhora.
3.2.1.69
A autora não pagou, nem deduziu oposição à execução ou à penhora.
3.2.1.70
No dia 03.07.2020, foi efetuada a penhora do crédito de IRS do ano de 2019, a reembolsar à executada, no valor € 2 062,17, sendo que neste momento, encontra-se penhorada à ordem desse processo a quantia global de € 18 699,27 correspondente à soma do valor da penhora de remunerações (€ 16 637,10) e do crédito/reembolso de IRS de 2019 (€ 2 062,17).
3.2.1.71
Em face do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 14.07.2020 que anulou a sentença condenatória que constituía o título executivo, a autora deduziu, em 15.09.2020, embargos de executado (Processo nº 4280/17.4T8MTS-B), invocando a inexistência de título executivo, no prazo de 20 dias a contar do conhecimento deste facto superveniente.
3.2.1.72
Pela dedução de embargos, a embargante e ora autora pagou a taxa de justiça de € 612,00.
3.2.1.73
Esses embargos foram liminarmente indeferidos por sentença de 28.09.2020, que condenou a embargante em custas.
3.2.1.74
Entretanto, a autora na ação pendente no Tribunal do Trabalho (DD) requereu uma providência cautelar de arresto contra a aqui autora, EE e E... Unipessoal, Lda., e que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, Juízo Central Cível de Penafiel – ..., sob o nº 77/20.2T8BAO, sobre 14 imóveis, o qual veio a ser decretado, sem audiência prévia dos requeridos, tendo a aqui autora sido citada no dia 09.06.2020.
3.2.1.75
A requerida, aqui autora, deduziu oposição ao arresto, tendo pago a respetiva taxa de justiça no valor de € 306,00.
3.2.1.76
Os outros requeridos deduziram também oposição.
3.2.1.77
Em 10.07.2020, foi proferida sentença que julgou improcedentes as oposições deduzidas, mantendo o arresto decretado nos seus precisos termos e condenou os opoentes nas custas.
3.2.1.78
Dessa sentença, a requerida e ora autora interpôs recurso de apelação, tendo pago a taxa de justiça no valor de € 306,00.
3.2.1.79
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 24.09.2020, julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida, condenando as Recorrentes (dado que as outras Requeridas interpuseram também recurso) nas custas.
3.2.1.80
O arresto foi instaurado como preliminar à ação de impugnação pauliana, que veio a ser instaurada no dia 05.01.2021.
3.2.1.81
Ação essa para a qual a ré, aqui autora, foi citada por ofício de 13.01.2021, estando a decorrer o prazo para apresentar a contestação.
3.2.1.82
Para apresentar a contestação, a autora terá de proceder ao pagamento da taxa de justiça no valor de € 714,00, conforme documentos que protesta juntar, sendo que o valor das taxas de justiça pagas pela autora até esta data (com exclusão das taxas de justiça da presente ação) ascende, assim, a € 1 938,00.
3.2.1.83
Para além das taxas de justiça já pagas até esta data, acima referidas, a autora terá ainda de pagar as taxas de justiça e custas de parte que vierem a ser devidas nos diversos processos judiciais acima referidos, e que neste momento não é possível quantificar.
3.2.1.84
A autora recorreu aos serviços de advogado para obter assessoria jurídica no âmbito da representação nos diversos processos judiciais acima referidos,
3.2.1.85
E, por conseguinte, suportar encargos com despesas e honorários.
3.2.1.86
Desde o momento em que recebeu a sentença de condenação no pagamento de quantia de € 150 191,52 a autora viu-se confrontada com inúmeros processos (ação executiva, providência cautelar de arresto, ação pauliana), aos quais teve de fazer face organizando a sua defesa, estando presente em reuniões, recolhendo documentos e outros meios de prova, procedendo ao pagamento de taxas de justiça e despendendo de muito tempo para todo este contencioso.
3.2.1.87
A Autora viu o seu património arrestado, o seu salário e crédito de IRS penhorados, tendo sido solicitada a penhora dos saldos das suas contas bancárias no Banco 1..., S.A., na Banco 2..., S.A., na Banco 3..., no Banco 4..., S.A. e no Banco 5..., S.A..
3.2.1.88
O exposto tem causado à autora sofrimento, ansiedade, transtorno, inquietude e angústia pelas consequências da condenação.
3.2.1.89
O facto de ter o salário penhorado provocou na autora um sentimento de vergonha e humilhação.
3.2.1.90
O seu estado de saúde agravou-se, porquanto a ansiedade constitui fator perturbador da estabilidade da doença neurológica de que padece: esclerose múltipla.
3.2.1.91
Quando a autora foi notificada da sentença condenatória na ação pendente no Tribunal do Trabalho (proc. nº 4280/17.4T8MTS) – cfr. doc. nº 52 [aliás documento nº 50] – escreveu ao 1º réu uma carta registada, que foi por este recebida em 29.10.2019, pela qual o informou que a condenação se tinha ficado a dever à não apresentação da contestação em devido tempo e, como tal, era da exclusiva responsabilidade do 1º réu e solicitou a indicação da seguradora para a qual teria transferido a responsabilidade civil e profissional e, ainda, cópia da participação/reclamação à seguradora.
3.2.1.92
Em face da falta de resposta do 1º réu a essa carta, a autora reiterou o seu pedido de envio de cópia da participação do sinistro junto da seguradora por email de 05.12.2019.
3.2.1.93
Não tendo o réu respondido também a este email.
3.2.1.94
O estudo do assunto e a elaboração da contestação foi trabalho integralmente, e em exclusivo, realizado pelo 1.º réu.
3.2.1.95
A autora foi informada pelo 1.º réu do desfecho do processo já depois da notificação da sentença à mesma.
3.2.1.96
O 1.º réu assumiu logo todas a responsabilidades, informando a autora que o exercício da sua atividade estava a coberto de um seguro de responsabilidade civil.
3.2.1.97
Não obstante as consequências decorrentes pelo desentranhamento da contestação, o 1.º réu deu nota que aquela decisão não era definitiva, e que os factos dados como assentes ainda poderiam ser revertidos por impossibilidade objetiva de prestação de contrato de trabalho de 24 horas diárias, e que os documentos juntos com a petição inicial, nomeadamente os e-mail enviados pela DD, revelavam a assunção dum vínculo distinto daquele que se fazia constar na sentença, e que se encontrava a correr prazo para o efeito, tendo-se disponibilizado a substabelecer imediatamente no colega a indicar pela autora.
3.2.1.98
Em nova reunião, a 24/10/2019, a autora, acompanhada novamente pela filha e por uma outra irmã, questionou sobre a viabilidade de procedência de recurso, mantendo o 1.º réu a opinião já transmitida.
3.2.1.99
No decurso dessa reunião, e após contacto telefónico entre o genro e a filha da autora, esta delegou no 1.º réu a interposição do recurso de apelação.
3.2.1.100
O 1.º réu não teve nenhuma iniciativa nem interveio em nenhum negócio jurídico que tenha dado causa a arresto de bens ou a subsequente anulação dos mesmos, e de que só agora tomou conhecimento.
3.2.1.101
Associado a seguro Base da Ordem dos Advogados, a que corresponde um valor de € 150 000,00 por sinistro, o 1.º réu subscreveu com a 3.ª ré, para o período compreendido entre 23/08/2017 e 23/08/2018, um seguro de reforço, na Opção I, com acréscimo de indemnização de € 100 000,00, com um prémio total de € 78,30, sem obrigação de franquia.
3.2.1.102
A 01/01/2019 o 1.º réu subscreveu novo reforço de seguro, agora com a 4.ª ré, com igual acréscimo de indemnização de € 100 000,00.
3.2.1.103
Foi celebrado entre a ré B..., a Ordem dos Advogados, e os réus Advogado e Advogada-estagiária, a saber:
a. Contrato de seguro de grupo de responsabilidade civil profissional, celebrado com a Ordem dos Advogados, com início em 01.01.2019 até 31.12.2020, tendo sido renovado para os períodos de seguro seguintes até 01.01.2023, prevendo um capital de € 150 000,00 e uma franquia de € 5 000,00 a cargo dos segurados, ambos por sinistro – atualmente em vigor enquanto Apólice: ES000...5EO21A.
b. Contrato complementar de seguro de reforço, celebrado com o réu Advogado, Dr. BB, com início em 01.01.2019 até 31.12.2020, tendo sido renovado para os períodos de seguro seguintes correspondentes aos anos civis de 2020 e 2021, prevendo um capital de € 100 000,00 por sinistro, excesso da Apólice ES000...5EO21A titulada pela Ordem dos Advogados (suprarreferida) e eliminação da franquia ali prevista – atualmente em vigor enquanto Apólice ES000...EO21A-...03.
c. Contrato de seguro de responsabilidade civil profissional de estagiário, celebrado com a ré, Advogada-estagiária, CC, com início em 10.12.2018 até 09.06.2020, tendo sido renovado para os períodos de seguro seguintes (10.06.2020 até 09.12.2020 e 10.12.2020 até 10.12.2021), prevendo um capital de € 50 000,00 por sinistro e anuidade e uma franquia de € 500,00 por sinistro – atualmente em vigor enquanto Apólice ES000...2EO20A-..41.
3.2.1.104
O Dr. BB e Dra. CC foram notificados do requerimento apresentado pela ali demandante que pugnava pela inadmissibilidade da contestação em 11.2017[33].
3.2.1.105
O Dr. BB e a Dra. CC sabiam, pelo menos desde a sua notificação, que a pretensa contestação submetida em nome e representação da autora podia não ser admitida.
3.2.1.106
O 1º réu não desconhecia/desconsiderava, pelo menos desde 2017 a existência de risco de imputação de responsabilidade.
3.2.1.107
A ré A... celebrou com a ORDEM DOS ADVOGADOS um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice de seguro ...058/6, com início em 01.01.2014, tendo sido renovado em janeiro de 2015, 2016 e 2017, sendo que este contrato de seguro cessou a sua vigência com o fim do período de seguro de 2017, isto é, em 31.12.2017, face à não renovação do contrato.
3.2.1.108
A ré A... foi citada para a presente ação em 06-04-2021.
3.2.2 Factos não provados
3.2.2.1
Por outro lado, a transmissão do património familiar para a filha da autora, que era quem já explorava a atividade agrícola, foi posta em causa no âmbito do arresto e ação pauliana acima aludidas, o que muito tem perturbado a autora na medida em que se trata de um património familiar que herdou e cuja continuidade no seio familiar foi sempre, para si, uma prioridade.
3.2.2.2
Este circunstancialismo determinou uma alteração dos comportamentos e vida social da autora, que passou a ser mais reservada e a deter uma desconfiança em relação a tudo e a todos com quem contacta.
3.2.2.3
A autora apenas mandatou o 1.º réu para contestar a ação judicial que ainda corre termos como Proc. n.º 4280/17.4 T8MTS.
3.2.2.4
A 2.ª ré apenas consta da Procuração Forense por iniciativa do 1.º réu e unicamente para efeitos de Estágio.
3.2.2.5
Por contacto telefónico, após a receção da missiva id.. em 102. [3.2.1.102], o 1º réu questionou a autora se mantinha o propósito que prosseguisse na apresentação do recurso de apelação, recebendo a informação que aquela interpelação visava cumprir uma formalidade, mas que não fizesse caso.
3.2.2.6
Nessas duas reuniões o 1.º réu elucidou a autora dos efeitos do recurso, e do grau de probabilidade da outra parte partir logo para execução da sentença, e das inerentes consequências, com a inevitável penhora do seu património, a incidir também sobre 1/3 do salário, tendo desaconselhado qualquer iniciativa de alteração da titularidade a favor de terceiros, pela existência de mecanismo contrários a esse tipo de expedientes.
3.2.2.7
Apenas sugeriu que os saldos bancários da autora ficassem a zero.
3.2.2.8
O 1.º réu adiantou que mesmo penhorados, dificilmente os bens sairiam da esfera patrimonial da autora, até que aquela decisão transitasse em julgado.
3.2.2.9
Depois de interposto o recurso, a autora insistiu várias vezes com o 1.º réu para que diligenciasse à transmissão dos seus bens a favor da sua filha e duma sociedade, tendo sido sistematicamente desaconselhada.
4. Fundamentos de direito
4.1 Da falta de nexo de causalidade entre a conduta profissional ilícita do Sr. Dr. BB e os danos alegadamente sofridos pela autora (questão da recorrente B...) e da ausência de perda de chance em virtude de ter sido acolhida judicialmente a segunda linha da defesa prevista na contestação que foi julgada extemporânea e não ter sido produzida prova da seriedade e consistência do reconhecimento da existência de um contrato de prestação de serviço (questão do recorrente BB)
Tanto a recorrente seguradora, como o recorrente BB, ainda que com recurso a formulações diversas, suscitam a questão da não comprovação da consistência e seriedade da perda de chance de que a autora se queixa e de que pretende ser ressarcida.
Na decisão recorrida fundamentou-se, no essencial, a reparação do dano da perda de chance, nos seguintes termos:
“Ora, é preciso notar que a contestação da então Ré no processo do foro laboral não foi sequer admitida por intempestiva, o que significa que não logrou a ali Ré, para todos os efeitos, não só tomar posição quanto aos factos alegados pela ali Autora, como, ainda, ficou ela, em absoluto e definitivamente, impedida de produzir qualquer prova quanto à matéria ali em apreciação.
Nestas hipóteses, como refere PAULO MOTA PINTO, RLJ, Ano 145º, (Março-Abril de 2016), pág. 198-199, o juízo incidental (“ o julgamento no julgamento ”) a fazer será «mais complexo», pois que a sorte da acção ou da contestação «falhada», caso não tivesse ocorrido o acto faltoso, dependeria, normalmente, em muito maior grau, do julgamento da matéria de facto, a qual, como é consabido, não é particularmente difícil de prever e condiciona, […] em muito, a solução jurídica do caso.
Neste tipo de situações, em que, de facto, na ausência de contestação, não é possível prefigurar ou prever, com o rigor e certeza exigíveis, a sorte da contestação falhada - atenta a sobredita impossibilidade de prever qual o julgamento de facto e, por inerência deste, o próprio julgamento de direito -, estamos em crer que se justificará um critério de equidade de 50%, para cada parte, no sentido de que, reconstituindo o evoluir normal do processo, sem o evento faltoso, sendo imprevisível o resultado final (se o Autora na acção de foro laboral obteria ganho total de causa; se o Autora obteria apenas ganho parcial e em que medida; se o Autora poderia decair totalmente na acção; se a Ré obteria ganho total na sua defesa ou, ao invés, se obteria apenas um ganho parcial ou, até, se decaíria totalmente na sua contestação, sofrendo assim a condenação que veio a ser proferida no tribunal de trabalho), julga-se, no caso concreto, em termos equitativos, distribuir esses riscos em igual medida por ambas as partes, ou seja os aludidos 50%.”
Cumpre apreciar e decidir.
No caso em apreço, tal como vêm construídos os objetos dos recursos pela recorrente seguradora e pelo recorrente BB e porque os mesmos não abrangem a questão da ressarcibilidade em geral do dano da “perda de chance”, afigura-se-nos que é despicienda a análise dos termos em que, em geral, tem vindo a ser admitida esta figura entre nós[34],[35], pois que a insatisfação dos recorrentes, ao fim e ao cabo se centra na questão da seriedade e consistência da perda de chance ou de oportunidade decorrente do oferecimento intempestivo da contestação por parte do réu BB e que obstou a que a defesa da aqui autora pudesse ser apreciada no processo de natureza laboral[36].
Ainda assim, dir-se-á que o dano da perda de chance ou de perda de oportunidade[37] enquanto dano distinto da dano final sofrido[38], ainda que deste sempre dependente quando, como sucede nestes autos, na sua origem está a atuação de um profissional forense no âmbito de um processo judicial [39], mesmo nos casos em que não se controverta a sua seriedade e consistência, reveste-se sempre de alguma incerteza na sua concreta delimitação na medida em que nunca há uma segurança total de que se tivesse sido adotada a conduta devida o dano final teria sido evitado.
De facto, seja por força das contingências probatórias, seja pelas diversas valorações que podem ser feitas do mesmo material probatório, seja pelas variadas qualificações jurídicas dos factos provados que podem ser convocadas, seja ainda pelas divergências na identificação, interpretação e aplicação dos normativos pertinentes à resolução do caso concreto, o resultado final na área do trabalho jurídico é particularmente incerto[40].
Essa incerteza projeta-se necessariamente na problemática do cômputo do dano da perda de chance ou de perda de oportunidade, pois que o grau ou percentagem de evitamento do dano final será determinante na fixação do dano da perda de oportunidade e quando não se lograr alcançar essa fixação, mas esteja assente a seriedade e consistência da oportunidade perdida, restará a liquidação do dano com recurso à equidade e nos termos previstos no nº 3 do artigo 566º do Código Civil[41].
Não obstante esta incerteza congénita ao labor jurídico, parece poder sustentar-se com alguma segurança que nem todos os domínios do jurídico têm a mesma incerteza, havendo áreas em que ela é menor, como sucede nalgumas questões sucessórias, no que respeita à determinação em abstrato dos quinhões hereditários e bem assim em matéria de graduação de créditos, ao menos nos casos em que se mostra estabilizada doutrinal e jurisprudencialmente a interpretação e aplicação dos preceitos jurídicos pertinentes. Ao invés, quando existam questões probatórias pendentes a provar por prova pessoal de livre apreciação, a incerteza é habitualmente maior.
No caso concreto, a recorrente seguradora e o recorrente BB questionam e consistência e seriedade da chance processual perdida pela autora.
Sobre esta problemática, no momento presente, é incontornável o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência nº 2/2022[42], publicado no Diário da República nº 18, primeira série, de 26 de janeiro de 2022 que concluiu do seguinte modo:
- “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser considerado consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.”
Nos casos de perda de oportunidade fundada na omissão ou na extemporaneidade da interposição de um recurso, tem-se entendido que a aferição da seriedade da “perda de chance” implica que se proceda ao “julgamento do julgamento”[43], “não no sentido da solução jurídica que pudesse ser adoptada pelo tribunal da presente acção sobre a matéria da causa em que ocorreu a deserção que aqui fundamenta a pretensão dos A.A., mas sim pelo que possa ser considerado como altamente provável que o tribunal de recurso dessa causa viesse a entender”[44].
A necessidade deste juízo sobre o juízo, num plano formal, exige que a toda a matéria pertinente para o efeito e que era objeto do processo em que ocorreu a “perda de chance”, seja alegada nos articulados dos autos em que se conhece da ocorrência ou não de tal dano; além disso, deve delinear-se o recurso que seria interposto[45] e os concretos pontos que seriam nele ventilados a fim de se poder aquilatar da concreta probabilidade de sucesso total ou parcial da impugnação frustrada[46].
No caso em apreço, a responsabilidade profissional imputada ao réu BB funda-se na apresentação intempestiva da contestação numa ação declarativa laboral.
O nosso mais alto tribunal já se pronunciou por diversas vezes sobre casos de perda de chance processual por apresentação de contestação fora de prazo e nem sempre em sentidos coincidentes.
Assim, por ordem cronológica, vejam-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça todos acessíveis na base de dados do IGFEJ:
- acórdão de 28 de setembro de 2010, proferido no processo nº 171/2002.S1, em que se seguiu um critério similar ao da decisão recorrida nestes autos;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de outubro de 2012, proferido no processo nº 5817/09.8TVLSB.S1 que negou consistência à perda de chance invocada;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de julho de 2024, proferido no processo nº 21481/19.3T8LSB.L1.S1 que negou consistência à perda de chance invocada.
Vejamos agora se no caso concreto se pode afirmar que a autora em consequência da conduta ilícita do réu de apresentação de contestação fora de prazo na ação declarativa laboral nº 4280/17.4T8MTS que correu termos no Juízo do Trabalho de Matosinhos – ..., perdeu uma chance processual séria e consistente de conseguir uma absolvição total do pedido e não apenas uma absolvição parcial do em parte significativa do pedido[47], como veio a lograr, mesmo sem contestação.
Apesar da apresentação de contestação fora de prazo, em termos processuais, equivaler à não apresentação de contestação, quando, como sucede no caso dos autos, o mandante não questiona a correção e fidelidade do conteúdo da contestação julgada intempestiva ao que foi transmitido ao mandatário, cremos que a aferição da consistência e seriedade da perda de chance se deve fazer por referência a esse articulado.
A revelia na ação declarativa comum laboral rege-se pelo disposto no artigo 57º do Código de Processo do Trabalho, com o seguinte teor:
“1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.
2 - Se a causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado; se os factos confessados conduzirem à procedência da ação, a fundamentação pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor.”
Na ação declarativa comum laboral, à semelhança do que sucede na ação declarativa civil comum[48], a revelia operante, como sucedeu na ação que correu termos contra a aqui autora, tem consequências processuais gravosas, já que determina a passagem dos autos de imediato para a decisão final, considerando-se confessados os factos articulados pelo autor.
Não havendo neste caso instrução e sendo a matéria de facto julgada essencialmente com base na confissão ficta do demandado, não podia a aqui autora juntar prova documental depois do desentranhamento da contestação e, se acaso essa prova acompanhasse a contestação julgada extemporânea, seguiria o mesmo destino da contestação, pois que as provas devem ser oferecidas com os articulados (artigo 63º do Código de Processo do Trabalho[49]).
Na contestação apresentada pelo réu BB e que foi mandada desentranhar dos autos por intempestividade, a defesa da aí ré era, a título principal, a negação de qualquer relação laboral com a autora nessa ação e, a título subsidiário, a afirmação da existência de um contrato de trabalho doméstico que é um contrato de trabalho especial (veja-se o artigo 9º do Código do Trabalho e o ponto 3.2.1.47 dos factos provados).
No direito laboral existem presunções de existência de contrato de trabalho que aliviam a carga probatória do dador da força de trabalho e, consequentemente, oneram a entidade beneficiária dessa força de trabalho com um ónus probatório mais pesado (veja-se o artigo 12º do Código do Trabalho).
Significa isto que a fim de aferir da seriedade e consistência da defesa deduzida a título principal pela agora autora na ação nº 4280/17.4T8MTS que correu termos no Juízo do Trabalho de Matosinhos – ..., carecia a autora de alegar nestes autos os factos concretos tendentes a descaraterizar a relação laboral afirmada pela contraparte e de indicar as provas que serviam de base a essa factualidade, provas que teriam de ser produzidas nestes autos[50]. Só assim procedendo, a aqui autora poderia demonstrar a consistência e seriedade da chance processual perdida em consequência da conduta do réu BB que determinou que a contestação que ofereceu naqueles autos fosse julgada extemporânea.
Ora, a autora limitou-se a indicar em termos genéricos as linhas da sua defesa que seria sustentada no processo nº 4280/17.4T8MTS que correu termos no Juízo do Trabalho de Matosinhos – ... (veja-se o ponto 3.2.1.47 dos factos provados), afirmando, sem fundamentar, o elevado grau de probabilidade de obter total ganho de causa (artigo 117º da contestação), a probabilidade de ganho de causa de 90%, caso tivesse sido contestada a ação (artigo 119 da petição inicial), tudo juízos eminentemente conclusivos que careciam de factualidade concreta alegada e provada para poderem ser emitidos.
Não perfilhamos a posição do tribunal recorrido de que em qualquer processo judicial as possibilidades de ganhar ou perder uma ação são iguais pois o sucesso ou insucesso de qualquer lide depende, além do mais, da proficiência na descrição da situação de facto integradora da hipótese legal favorável à pretensão deduzida, da veracidade dessa alegação e do oferecimento e produção das provas tendentes à demonstração dos factos alegados.
No caso em apreciação, não foi trazida aos autos a factualidade necessária à realização do “julgamento dentro do julgamento” e era sobre a autora nestes autos que impendia tal ónus, sob pena de não sendo observado, não poder este tribunal concluir que a perda de chance processual invocada pela aqui autora era dotada de consistência e seriedade bastante para poder ser indemnizada.
Este défice factual determina necessariamente a total improcedência da pretensão indemnizatória deduzida nestes autos fundada em perda de chance e, consequentemente, a procedência desta questão recursória suscitada pela recorrente B... e pelo recorrente BB e a improcedência da pretensão recursória da recorrente AA no sentido de aumento da percentagem de cálculo do dano da perda de chance.
4.2 Da compensação por danos não patrimoniais (questão comum a todos os recorrentes)
A recorrente AA critica a decisão recorrida que fixou a compensação por danos não patrimoniais no montante de € 7 500,00, ponderada a distribuição do risco entre as partes e pugna por que seja fixada no montante de € 30 000,00.
Argumenta para tanto, em síntese, que os danos não patrimoniais cuja compensação pretende se distinguem do dano da perda de chance, não estando por isso sujeitos no seu cômputo a uma qualquer redução, resultam da conduta profissional negligente do réu BB, devendo relevar-se especialmente a factualidade provada nos pontos 86, 87, 88 e 90 dos factos provados[51], o elevado grau de culpabilidade do agente, a situação económica do réu BB, o número de processos judiciais e o elevado valor do crédito cujo pagamento foi exigido à autora.
A recorrente seguradora qualifica de excessiva a compensação arbitrada pelo tribunal recorrido a título de danos não patrimoniais, alegando que o contencioso posterior à intervenção do réu BB não é imputável a este e, em todo o caso, revela culpa da lesada.
Finalmente, o recorrente BB afirma que não foi feita prova de qualquer prejuízo não patrimonial e que aqueles que se provaram não merecem a tutela do direito, citando em abono da sua pretensão um acórdão[52].
Na decisão recorrida, no que tange esta problemática escreveu-se, no essencial, o seguinte:
“Quanto aos danos não patrimoniais estes abarcam os que resultam da ofensa de bens que não são susceptíveis de avaliação pecuniária, que podem todavia ser compensados pelo sacrifício imposto no património do lesado.
Também nestes danos tal como em relação aos danos de cariz patrimonial tem que haver um nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo provocado, sem o qual o lesante não se constituiria na obrigação de indemnizar.
Todavia a nossa lei não prevê a indemnização por todo e qualquer dano não patrimonial, exigindo para tanto que o mesmo seja grave; é o que resulta do estatuído no artigo 496º nº 1 do Código Civil: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Esta indemnização tem lugar quer na responsabilidade extra-contratual quer na contratual desde que se verifiquem para tanto os necessários pressupostos.
Ora não podemos deixar de considerar que independentemente de se saber se a contestação fosse admitida a aqui A. poderia obter outro resultado em termos de causa, a verdade é que considerando os factos provados designadamente, o facto assente de que o ora 1º R. não deu sequer conhecimento à ora A. do desentranhamento da contestação nem o informou da sentença condenatória, tendo sido a ora A. confrontada com um processo executivo e uma penhora do vencimento, resultando igualmente provado que a situação tem causado à Autora sofrimento, ansiedade, transtorno, inquietude e angústia pelas consequências da condenação e que o facto de ter o salário e os saldos das contas bancárias nomeados à penhora provocou na Autora um sentimento de vergonha e humilhação e ainda que o seu estado de saúde agravou-se, porquanto a ansiedade constitui factor perturbador da estabilidade da doença neurológica de que padece: esclerosa múltipla, tal factualidade integra um dano não patrimonial que deve ser imputado ao ora 1º R., verificando-se nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo provocado e tal dano assume gravidade que justifica tutela jurídica, de modo que, mostra-se ajustada a quantia de € 7.500,00, tendo em atenção toda a realidade anteriormente enunciada, mormente em relação à distribuição do risco entre as partes.
Cumpre apreciar e decidir.
Antes de mais, importa sublinhar que não seguimos a orientação que se manifestou nalguns Tribunais da Relação, na senda do acórdão seminal do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de novembro de 2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego no processo nº 381-2002.S1, acessível na base de dados do IGFEJ e no sentido de que o controlo da decisão de fixação equitativa da compensação por danos não patrimoniais se regeria pelos mesmos parâmetros que vigoram no recurso de revista, ou seja, de que o juízo de equidade deverá, “em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios que generalizadamente vêm sendo adoptados, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade.”
Na verdade, o Tribunal da Relação tem poderes amplos de cognição em matéria de facto e de direito, ao contrário do que sucede com o Supremo Tribunal de Justiça que apenas conhece de questões de direito, não tendo por isso base legal, em segunda instância, a orientação restritiva na sindicação do juízo de equidade de que resulta a fixação da compensação por danos não patrimoniais, devendo antes a Relação proceder à fixação autónoma da compensação devida tendo em conta todos os fatores relevantes para o efeito.
A compensação por danos não patrimoniais é fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil (primeira parte do nº 4, do artigo 496º do Código Civil).
Também nesta vertente deve atentar-se no disposto no artigo 8º, nº 3, do Código Civil, em ordem a uma aplicação uniforme do direito, tanto quanto possível, assim se respeitando e realizando o princípio da igualdade.
Pela sua própria natureza, os danos não patrimoniais não são passíveis de reconstituição natural e, por outro lado, nem em rigor são indemnizáveis mas apenas compensáveis pecuniariamente.
A compensação arbitrada nestes casos não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas sim uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento, paliativo que numa sociedade que deifica o dinheiro assume naturalmente esta feição.
Importa ainda não perder de vista que apenas são compensáveis os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, estando afastados do círculo dos danos indemnizáveis os simples incómodos (artigo 496º, n.º 1, do Código Civil).
Ensina o Professor Antunes Varela[53] que a “gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias do caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)”. Em nota de rodapé, na mesma página da obra citada, aludia o Ilustre Professor ao facto de Carbonnier considerar de todo aberrante a decisão judicial que concedeu a indemnização por danos morais pedida pelo dono duma écurie de course, com fundamento no desgosto que lhe causou a morte de um dos seus cavalos. Embora este exemplo não tenha na atualidade a pertinência que tinha num tempo em que os animais eram vistos exclusivamente como coisas[54], destituídos de sentimentos[55], aponta para que o sofrimento a compensar atinja um patamar mínimo de gravidade para que se torne merecedor da tutela do direito[56]. Existe como que uma tolerância ou adequação social de certo nível de incomodidade ou sofrimento e que constitui o preço que cada ser humano tem de pagar por viver em sociedade.
Não vem questionada a compensabilidade de danos não patrimoniais em sede de responsabilidade contratual, pelo que importa aferir se em resultado da conduta do réu foram causados à autora danos não patrimoniais e, na hipótese afirmativa, se estes atingem a gravidade bastante para merecerem tutela jurídica.
No que respeita esta problemática provou-se:
- Desde o momento em que recebeu a sentença de condenação no pagamento de quantia de € 150 191,52 a autora viu-se confrontada com inúmeros processos (ação executiva, providência cautelar de arresto, ação pauliana), aos quais teve de fazer face organizando a sua defesa, estando presente em reuniões, recolhendo documentos e outros meios de prova, procedendo ao pagamento de taxas de justiça e despendendo de muito tempo para todo este contencioso (ponto 3.2.1.86 dos factos provados);
- A Autora viu o seu património arrestado, o seu salário e crédito de IRS penhorados, tendo sido solicitada a penhora dos saldos das suas contas bancárias no Banco 1..., S.A., na Banco 2..., S.A., na Banco 3..., no Banco 4..., S.A. e no Banco 5..., S.A. (ponto 3.2.1.87 dos factos provados);
- O exposto tem causado à autora sofrimento, ansiedade, transtorno, inquietude e angústia pelas consequências da condenação (ponto 3.2.1.88 dos factos provados);
- O facto de ter o salário penhorado provocou na autora um sentimento de vergonha e humilhação (ponto 3.2.1.89 dos factos provados);
- O seu estado de saúde agravou-se, porquanto a ansiedade constitui fator perturbador da estabilidade da doença neurológica de que padece: esclerose múltipla (ponto 3.2.1.90 dos factos provados).
Apreciemos cada um destes blocos factuais.
A ação executiva é uma consequência natural da condenação proferida contra a autora nestes autos e é até oficiosa no processo laboral quando estejam em causa direitos irrenunciáveis (artigo 90º do Código de Processo do Trabalho). Recorde-se que não se demonstrou que a perda de chance processual da autora fosse séria e consistente ou, dito de outro modo, que fosse mais provável a improcedência total da ação, a absolvição total do pedido formulado contra a aqui autora na ação laboral do que o contrário.
No entanto, a condenação que a final veio a prevalecer, no montante global de € 23 346,63 tem um alcance substancialmente distinto da condenação inicial no montante global de quantia de € 150 191,52[57], sendo esta última a condenação que a autora tinha em vista ao instaurar a ação em 30 de março de 2021, vários meses antes da prolação do acórdão em 15 de novembro de 2021[58].
A instauração de um procedimento cautelar de arresto e de uma ação pauliana contra a autora nestes autos indicia condutas desta tendentes a subtrair património e nenhuma relação têm com a conduta do réu BB que determinou que a contestação oferecida no processo laboral viesse a ser julgada intempestiva, tanto mais que se provou que este não teve nenhuma iniciativa, nem interveio em nenhum negócio jurídico que tenha dado causa a arresto de bens ou a subsequente anulação dos mesmos[59], e de que só agora tomou conhecimento (ponto 3.2.1.100 dos factos provados).
À data da instauração da ação é compreensível que a autora tivesse sofrido ansiedade, transtorno, inquietude e angústia pelas consequências da condenação na sentença proferida 08 de outubro de 2019 que, apesar de, entretanto anulada, foi reiterada em nova sentença proferida em 22 de novembro de 2020 e que na altura era no montante de € 150 191,52, montante que é avultado.
O sentimento da autora de vergonha e humilhação com a penhora do seu vencimento resulta de uma diligência executiva que não se mostra indevida.
Finalmente, a autora, que padece de esclerose múltipla[60], viu o seu estado de saúde agravar-se em consequência da ansiedade que sofreu pelas consequências da condenação na sentença proferida 08 de outubro de 2019 e anulada por acórdão proferido em 14 de julho de 2020 e reiterada na sentença proferida em 22 de novembro de 2020 e que na altura era no montante de € 150 191,52.
Tudo sopesado, relevamos como danos não patrimoniais da autora sofridos em consequência da conduta do réu BB a ansiedade, transtorno, inquietude e angústia pelas consequências da condenação na sentença proferida em 08 de outubro de 2019 (ponto 3.2.1.52 dos factos provados), anulada por acórdão proferido em 14 de julho de 2020 (ponto 3.2.1.61 dos factos provados) e reiterada na sentença proferida em 22 de novembro de 2020 (ponto 3.2.1.63 dos factos provados) e o agravamento do estado de saúde da aqui autora decorrente da ansiedade que sofreu pelas consequências patrimoniais das condenações nas sentenças proferidas em 08 de outubro de 2019 e em 22 de novembro de 2020 e que na altura eram no montante de € 150 191,52.
Estes danos não patrimoniais são certos e distintos do dano da perda de chance e foram causados pelo defeituoso cumprimento das obrigações que impendiam sobre o réu BB por força da sua qualidade de mandatário forense da autora nestes autos.
Desconhece-se a idade da autora e bem assim em que se traduziu concretamente o agravamento do seu estado de saúde, tal como não existem factos que permitam caraterizar a condição económica do réu BB.
A culpa do réu BB, ainda que sob a forma de negligência[61], é grave quer por se tratar de um profissional forense a quem se exige um elevado grau de proficiência, quer ainda por ter agido em termos de não poder reparar o erro cometido no envio da contestação, remetendo-a de forma parcelar, via fax, a horas em que o tribunal estava fechado ao público, no último dia do prazo com multa (vejam-se os factos provados em 3.2.1.10 a 3.2.1.13).
Tudo ponderado, sopesando as compensações arbitradas pelo Supremo Tribunal de Justiça em casos de inquestionável maior gravidade, com vítimas jovens em acidentes de viação[62], julga-se adequada a compensação de € 7 500,00 arbitrada pelo tribunal recorrido, ainda que com base em pressupostos não coincidentes com os que foram relevados pelo tribunal a quo, valor atualizado à data deste acórdão.
Deste modo, improcedem as questões suscitadas por todos os recorrentes relativamente à compensação por danos não patrimoniais.
4.3 Da condenação dos recorridos ao pagamento das despesas com taxas de justiça e honorários a advogado (questão da recorrente AA)
A recorrente AA insurge-se contra a sentença recorrida na parte em que julgou improcedentes os seus pedidos de condenação dos demandados ao pagamento da quantia decorrente das despesas e honorários de advogado por si suportadas, a liquidar posteriormente, e da quantia decorrente de despesas com taxas de justiça e custas de parte, suportadas pela autora no montante já líquido de € 1 938,00 e as restantes, a liquidar posteriormente, tudo ao abrigo do disposto no artigo 609º, nº 2 do Código de Processo Civil.
Na sentença recorrida fundamentou-se a improcedência destas pretensões da forma que segue:
“No que concerne aos valores relacionados com despesas com taxas de justiça e honorários de Advogado, o pedido formulado tem de improceder, na medida em que, quanto a estes valores, não existe, à luz da causa de pedir invocada nos autos (responsabilidade civil profissional por «perda de chance») fundamento legal para o pagamento das mesmas por parte do 1º Réu, pois que, não existe qualquer nexo ou conexão, antes decorrendo das iniciativas processuais da aqui A. na defesa do seu direito, não podendo olvidar-se que parte da matéria contende com actos praticados voluntariamente pela A. já após a condenação.”
Cumpre apreciar e decidir.
A factualidade relevante para conhecimento desta questão recursória é a seguinte:
- Em face do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 14.07.2020 que anulou a sentença condenatória que constituía o título executivo, a autora deduziu, em 15.09.2020, embargos de executado (Processo nº 4280/17.4T8MTS-B), invocando a inexistência de título executivo, no prazo de 20 dias a contar do conhecimento deste facto superveniente (ponto 3.2.1.71 dos factos provados);
- Pela dedução de embargos, a embargante e ora autora pagou a taxa de justiça de € 612,00 (ponto 3.2.1.72 dos factos provados);
- Esses embargos foram liminarmente indeferidos por sentença de 28.09.2020, que condenou a embargante em custas (ponto 3.2.1.73 dos factos provados);
- Entretanto, a autora na ação pendente no Tribunal do Trabalho (DD) requereu uma providência cautelar de arresto contra a aqui autora, EE e E... Unipessoal, Lda., e que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, Juízo Central Cível de Penafiel – ..., sob o nº 77/20.2T8BAO, sobre 14 imóveis, o qual veio a ser decretado, sem audiência prévia dos requeridos, tendo a aqui autora sido citada no dia 09.06.2020 (ponto 3.2.1.74 dos factos provados);
- A requerida, aqui autora, deduziu oposição ao arresto, tendo pago a respetiva taxa de justiça no valor de € 306,00 (ponto 3.2.1.75 dos factos provados);
- Os outros requeridos deduziram também oposição (ponto 3.2.1.76 dos factos provados);
- Em 10.07.2020, foi proferida sentença que julgou improcedentes as oposições deduzidas, mantendo o arresto decretado nos seus precisos termos e condenou os opoentes nas custas (ponto 3.2.1.77 dos factos provados);
- Dessa sentença, a requerida e ora autora interpôs recurso de apelação, tendo pago a taxa de justiça no valor de € 306,00 (ponto 3.2.1.78 dos factos provados);
- O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 24.09.2020, julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida, condenando as Recorrentes (dado que as outras Requeridas interpuseram também recurso) nas custas (ponto 3.2.1.79 dos factos provados);
- O arresto foi instaurado como preliminar à ação de impugnação pauliana, que veio a ser instaurada no dia 05.01.2021 (ponto 3.2.1.80 dos factos provados);
- Ação essa para a qual a ré, aqui autora, foi citada por ofício de 13.01.2021, estando a decorrer o prazo para apresentar a contestação (ponto 3.2.1.81 dos factos provados);
- Para apresentar a contestação, a autora terá de proceder ao pagamento da taxa de justiça no valor de € 714,00, conforme documentos que protesta juntar, sendo que o valor das taxas de justiça pagas pela Autora até esta data (com exclusão das taxas de justiça da presente ação) ascende, assim, a € 1 938,00 (ponto 3.2.1.82 dos factos provados);
- Para além das taxas de justiça já pagas até esta data, acima referidas, a autora terá ainda de pagar as taxas de justiça e custas de parte que vierem a ser devidas nos diversos processos judiciais acima referidos, e que neste momento não é possível quantificar (ponto 3.2.1.83 dos factos provados);
- A autora recorreu aos serviços de advogado para obter assessoria jurídica no âmbito da representação nos diversos processos judiciais acima referidos (ponto 3.2.1.84 dos factos provados);
- E, por conseguinte, suportar encargos com despesas e honorários (ponto 3.2.1.85 dos factos provados);
- Desde o momento em que recebeu a sentença de condenação no pagamento de quantia de € 150 191,52 a autora viu-se confrontada com inúmeros processos (ação executiva, providência cautelar de arresto, ação pauliana), aos quais teve de fazer face organizando a sua defesa, estando presente em reuniões, recolhendo documentos e outros meios de prova, procedendo ao pagamento de taxas de justiça e despendendo de muito tempo para todo este contencioso (ponto 3.2.1.86 dos factos provados).
O montante de € 1 938,00 de taxas de justiça corresponde à soma dos valores mencionados nos pontos 3.2.1.72, 3.2.1.75, 3.2.1.78 e 3.2.1.82 (€ 612,00+ € 306,00+ € 306,00+ € 714,00= € 1 938,00).
Essas taxas respeitam, respetivamente, a embargos de executado deduzidos pela aqui autora, oposição ao arresto, apelação interposta contra a decisão final da oposição do arresto, procedimentos que foram todos decididos em sentido desfavorável à autora, e ao valor que a autora previa ter de pagar aquando da apresentação de contestação à ação de impugnação pauliana que foi contra si instaurada.
Todos estes procedimentos, com exceção da impugnação pauliana, seguiram termos a impulso da aqui autora.
Não está demonstrada a necessidade da dedução de embargos, pois que a lei adjetiva prevê que no caso de ação executiva fundada em sentença contra a qual foi interposto recurso com efeito meramente devolutivo extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva comprovada por certidão, podendo as decisões intermédias igualmente suspender ou modificar a execução, consoante o efeito atribuído ao recurso que contra elas se interpuser (artigo 704º, nº 2 do Código de Processo Civil).
Tanto o arresto, como a impugnação pauliana, instaurados contra a autora indiciam que esta adotou condutas tendentes a colocar em causa a garantia patrimonial dos seus credores.
Neste circunstancialismo, em que as despesas de que a autora pretende ser ressarcidas resultam de condutas processuais por si praticadas voluntariamente fora do processo em que a sua contestação foi oferecida extemporaneamente, desnecessária uma delas e outras, indiciariamente, por ter tentado frustrar a garantia patrimonial dos seus credores, não há nexo causal entre a conduta do réu de oferecimento extemporâneo de contestação na ação declarativa laboral em que foram proferidas as sentenças em 08 de outubro de 2019 e 22 de novembro de 2020 e o acórdão deste Tribunal da Relação de 15 de novembro de 2021 e estas despesas inúteis de que a autora pretende ser ressarcida.
Improcede assim esta questão recursória da recorrente autora.
4.4 Da falta de cobertura do sinistro invocado pela autora pelos contratos de seguro nºs. ES000...5EO21A (contrato de seguro base celebrado com a Ordem dos Advogados) e ES000...EO21A-...03 (contrato de seguro complementar de reforço, celebrado com o réu BB em 01 de janeiro de 2019), por força da cláusula contratual prevista na alínea a) do artigo 3º das condições especiais das apólices e bem assim do nº 2 do artigo 44º da Lei do Contrato de Seguro e ainda com base no artigo 24º, nºs 1 e 2 da mesma lei e relativamente ao seguro de reforço
A recorrente seguradora suscita a questão da não cobertura do sinistro objeto destes autos pelos seguros em que é seguradora porque à data de início do período de seguro dos contratos celebrados consigo (01.01.2018 e 01.01.2019), o réu BB já tinha conhecimento dos factos que, potencialmente, poderiam vir a gerar a sua responsabilização civil no âmbito do patrocínio forense posto em crise nos autos pela aqui autora e isto por força da cláusula contratual prevista na alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais das apólices ES000...5EO21A e ES000...EO21A-...03, e bem assim do disposto nos artigos 42.º, n.º 2 e 44.º, n.º 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, e ainda, em particular no que respeita à contratação da apólice complementar de reforço ES000...EO21A-...03, pelo réu BB, do disposto nos artigos 24.º, n.ºs 1 e 2, 25.º e 26.º do mesmo diploma; alega ainda que a cláusula contratual prevista na alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais das apólices ES000...5EO21A e ES000...EO21A-...03, pese embora se encontre inserida num capítulo da apólice de seguro dedicado às Exclusões, assume a natureza de disposição delimitadora do objeto da apólice, nomeadamente, por ser clarificadora da disposição de retroatividade temporal, limitando-se o seu âmbito de cobertura aos factos geradores de responsabilidade civil que sejam (ou cujas consequências sejam) ainda desconhecidos pelo segurado aquando da entrada em vigor da apólice de seguro/início do período seguro; cita em abono da sua posição o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 07 de novembro de 2023, no processo nº 9204/21.1T8LRS.L1-7, acessível na base de dados do IGFEJ[63].
Por seu turno, a recorrida autora afirma que o que releva para o acionamento do seguro é o momento em que o réu BB se depara com uma situação geradora de responsabilidade, o que se verificou em 23 de setembro de 2019, data em que transitou em julgado a decisão judicial que determinou o desentranhamento da contestação, não bastando uma situação de risco de imputação de responsabilidade e isto sob pena de inutilidade do seguro de responsabilidade civil, uma vez que a prática jurídica de advogado é, de per si, arriscada, razão pela qual o seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados tem natureza obrigatória; há que distinguir ainda a apólice de ocorrência (em que, para fins de indemnização, o facto causador do dano ou prejuízo a terceiros deve ocorrer durante a vigência do contrato) da apólice de reclamações, também chamada “claims made”, que condiciona o pagamento da indemnização ao segurado à apresentação da “Reclamação”, mormente, no caso dos seguros de responsabilidade civil profissional em apreço, do “Pedido de Indemnização” feito durante o prazo de vigência do contrato de seguro; finalmente, num contrato de seguro obrigatório, não são oponíveis ao lesado beneficiário, enquanto terceiro que nele não é parte, as exceções que ali são previstas e que se referem ao incumprimento ou omissão por parte do segurado ou do tomador do seguro dos deveres que para ele decorrem de tal contrato ou da lei, sem prejuízo do direito de regresso da seguradora; ainda que se aceitasse a aplicação ao presente caso da alínea a) da cláusula de exclusão do artigo 3.º das condições particulares, tal não seria oponível à autora enquanto terceira lesada de boa-fé; cita em abono da sua posição o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de outubro de 2019, proferido no processo nº 5992/13.7TBMAI.P2.S2 e acessível na base de dados do IGFEJ[64].
Na decisão recorrida, sobre esta problemática, escreveu-se o seguinte:
“Neste domínio, temos que dizer que, independentemente de o 1º R. não desconhecer/desconsiderar, pelo menos desde 2017 a existência de risco de imputação de responsabilidade, não é menos verdade que o mesmo apresentou requerimento onde invocou justo impedimento, o que redundou num procedimento, com várias diligências, que culminou com a decisão de 24-05-2018 de não verificação da situação de justo impedimento, que foi ainda objecto de recurso, surgindo depois em 09-09-2019 a decisão que ordena o desentranhamento da contestação apresentada pelo 1ª R., que transitou em julgado em 23-09-2019, de modo que, tal como defende a A., só nesta altura é que o 1º R. ficou ciente da existência de uma situação geradora de responsabilidade.
Além disso, a denominada cláusula de pré-conhecimento prevista no art. 3º al. a) das condições particulares da apólice não é oponível à A., enquanto terceira lesada, beneficiária do contrato de seguro obrigatório, podendo ser accionada a apólice à primeira reclamação embora o facto gerador do dano tenha tido lugar em momento anterior, e ainda que o segurado tenha tido conhecimento de tal facto.
Tal implica, in casu, de forma congruente a procedência do pedido nos termos já apontados em relação à R. B... e a improcedência do mesmo em relação à R. A..., na medida em que, considerando o momento em que deparamos com uma situação geradora de responsabilidade, sendo este elemento que traça a linha divisória nesta sede, o que equivale a dizer que não basta uma situação de risco de imputação de responsabilidade, o sinistro em apreço integra-se no domínio dos contratos que envolvem a R. B... e, por outro lado, fora da órbita do contrato que envolve a R. A....”
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 104º do Estatuto da Ordem dos Advogados, na redação aplicável a estes autos[65], o “advogado com inscrição em vigor deve celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil profissional tendo em conta a natureza e âmbito dos riscos inerentes à sua atividade, por um capital de montante não inferior ao que seja fixado pelo conselho geral e que tem como limite mínimo (euro) 250 000, sem prejuízo do regime especialmente aplicável às sociedades de advogados e do disposto no artigo 38.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro”.
“Quando a responsabilidade civil profissional do advogado se fundar na mera culpa, o montante da indemnização tem como limite máximo o correspondente ao fixado para o seguro referido no número anterior, devendo o advogado inscrever no seu papel timbrado a expressão «responsabilidade limitada»” (artigo 104, nº 2, do Estatuto da Ordem dos Advogados).
“O disposto no número anterior não se aplica sempre que o advogado não cumpra o estabelecido no n.º 1 ou declare não pretender qualquer limite para a sua responsabilidade civil profissional, caso em que beneficia sempre do seguro de responsabilidade profissional mínima de grupo de (euro) 50 000, de que são titulares todos os advogados não suspensos” (artigo 104, nº 3, do Estatuto da Ordem dos Advogados).
Desta norma estatutária resulta que os advogados com inscrição em vigor estão obrigados à celebração de um seguro de responsabilidade civil e que, em todo o caso, sempre beneficiam do seguro de grupo de responsabilidade profissional mínima celebrado pela Ordem dos Advogados. Trata-se assim de seguros obrigatórios de responsabilidade civil.
No caso dos autos, como resulta da factualidade provada (ponto 3.2.1.103 dos factos provados), foi celebrado entre a ré B... e a Ordem dos Advogados um contrato de seguro de grupo de responsabilidade civil profissional, com início em 01.01.2019 até 31.12.2020, tendo sido renovado para os períodos de seguro seguintes até 01.01.2023, prevendo um capital de € 150 000,00 e uma franquia de € 5 000,00 a cargo dos segurados, ambos por sinistro – atualmente em vigor enquanto Apólice: ES000...5EO21A.
Associado a este seguro de grupo, em 01 de janeiro de 2019, o réu BB subscreveu reforço de seguro, com a ré B..., com acréscimo de indemnização de € 100 000,00, por sinistro, excesso da Apólice ES000...5EO21A, titulada pela Ordem dos Advogados e eliminação da franquia ali prevista e a que corresponde a apólice ES000...5EO21A-...03 (pontos 3.2.1.101 e 3.2.1.102 dos factos provados).
Ambas as apólices têm cláusulas similares nas suas condições particulares e nas suas condições especiais.
Assim, nas condições particulares dos dois seguros o primeiro parágrafo da cláusula sétima do seguro de grupo e da cláusula quarta do seguro de reforço epigrafadas “Âmbito Temporal” têm o seguinte conteúdo:
“O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos durante a vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início de vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal de retroatividade.”
Por outro lado, nas condições especiais de ambas as apólices, na alínea a) do artigo 3º epigrafado “Exclusões” prevê-se o seguinte:
“Ficam, expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações:
a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação”.
Em sede de condições especiais de ambos os seguros o artigo 8º de cada um delas epigrafado “Condições aplicáveis às Reclamações” tem o seguinte teor:
“1. Notificação de Reclamações ou Incidências: O tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações do segurador sob esta apólice, comunicar ao segurador tão cedo quanto seja possível:
a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;
b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;
c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecida(o) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.
2.As reclamações que tenham sua origem, direta ou indiretamente, em qualquer comunicação nos termos das alíneas b) e c) anteriores, são consideradas como notificadas durante o período de seguro que decorria à data daquelas comunicações.
3. O segurado deverá facultar ao segurador todas as informações sobre as circunstâncias da reclamação. O não cumprimento desta obrigação, com dolo ou culpa grave, permitirá ao segurador declinar o seguro.”
Finalmente, nas mesmas condições especiais de ambos os contratos de seguro, no artigo 10º, nº 1 prevê-se o seguinte:
“Fica acordado entre as partes que será utilizada a seguinte convenção no que respeita à gestão de sinistros e reclamações:
1. O segurado, nos termos definidos no ponto 1. Do artigo 8º desta Condição Especial, deverá comunicar ao corretor ou ao segurador, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer reclamação efetuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação.”
À primeira vista as duas primeiras previsões contratuais transcritas são contraditórias, já que, aparentemente, se admite nas cláusulas que definem o âmbito temporal dos dois seguros o que se nega nas cláusulas de exclusão de um e outro seguro. No entanto, cremos que não é rigorosamente assim, pois a aplicação da regra da exclusão da cobertura do seguro depende do requisito suplementar de conhecimento pelo segurado do facto ou circunstância passível de gerar reclamação. Ainda assim, temos de convir que não será fácil configurar reclamações fundadas em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, cobertas pela apólice, mesmo que as faltas tenham sido cometidas pelo segurado antes da data da entrada em vigor da apólice, e sem qualquer limitação temporal de retroatividade e que tais faltas que fundamentam as reclamações não sejam do conhecimento do segurado.
Fazendo um paralelo com um fenómeno que por vezes se verifica a nível legislativo, dir-se-ia ocorrer nesta situação uma lacuna de colisão[66].
Naturalmente esta formal contradição de clausulados e a natureza obrigatória destes contratos de seguro têm originado variado contencioso, tendo o Supremo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência publicada mais recentemente decidido no sentido de as denominadas cláusulas de exclusão das condições especiais das apólices não serem oponíveis aos lesados com o argumento essencial de que estando em causa um contrato de seguro obrigatório, não pode a cobertura desse seguro depender do cumprimento proficiente pelo segurado dos deveres de participação do sinistro, tal como resulta do disposto no nº 4 do artigo 101º do Regime Jurídico do Seguro[67]/[68].
Que dizer?
Antes de responder à interrogação que se acaba de formular importa recordar que com pertinência para o conhecimento da presente questão recursória se provou também o seguinte:
- O Dr. BB e Dra. CC foram notificados do requerimento apresentado pela ali demandante que pugnava pela inadmissibilidade da contestação em 11.2017[69] (ponto 3.2.1.104 dos factos provados);
- O Dr. BB e a Dra. CC sabiam, pelo menos desde a sua notificação, que a pretensa contestação submetida em nome e representação da autora podia não ser admitida (ponto 3.2.1.105 dos factos provados);
- O 1º réu não desconhecia/desconsiderava, pelo menos desde 2017 a existência de risco de imputação de responsabilidade (ponto 3.2.1.106 dos factos provados).
A nosso ver e ao contrário do que sustenta a recorrente B..., a cláusula de exclusão prevista na alínea a) do artigo 3º das condições especiais de ambas as apólices é mesmo uma cláusula de exclusão da garantia do seguro.
Porém, em sintonia com a recorrente B... não nos parece que esteja direta ou indiretamente ligada ao ónus de participação do segurado, mesmo em face de um simples facto ou incidente que possa dar origem a uma reclamação (veja-se o artigo 10º, nº 1 das condições especiais de ambos os contratos de seguro).
De facto, referindo-se a exclusão da garantia do seguro a um período anterior ao da vigência do contrato de seguro, não pode estar em causa uma questão de participação do sinistro que, por definição, só se coloca na vigência daquele contrato.
No entanto, não cremos que a referida cláusula de exclusão se compatibilize com o disposto no nº 2, do artigo 44º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
Esta previsão legal refere-se a sinistros anteriores à data da celebração do contrato quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nesta data.
Ora, não pode confundir-se o conhecimento de facto ou circunstância que tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação, com o conhecimento do sinistro, nomeadamente para efeitos do nº 2 do artigo 44º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
No caso em apreço, a falha processual imputada ao réu BB, embora ocorrida em outubro e novembro de 2017, só se pode considerar definitivamente determinada com o trânsito em julgado da decisão que julgou extemporânea a contestação, facto que se verificou em 23 de setembro de 2019, já na vigência do contrato de seguro com a seguradora B... (vejam-se os factos provados nos pontos 3.2.1.44 e 3.2.1.45).
Por outro lado, mesmo nessa data, no que tange ao dano da perda de chance, ainda não havia qualquer certeza quanto à causação desse dano por força dessa conduta do réu BB, pois que se porventura a autora tivesse sido integralmente absolvida do pedido, a referida falha seria irrelevante ao nível do dano da perda de chance processual[70]; e, os danos não patrimoniais apenas começaram a verificar-se no momento em que a autora teve conhecimento da sentença proferida em 08 de outubro de 2019, em plena vigência dos contratos de seguro objeto destes autos.
Em nosso entender, a cláusula de exclusão tem plena atinência com a declaração inicial de risco previsto no artigo 24º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro e com as consequências jurídicas advindas da violação dos deveres inerentes a essa declaração.
No caso do seguro de grupo celebrado com a Ordem dos Advogados, essa declaração inicial de risco não tem o mesmo alcance que tem no caso do reforço do seguro celebrado na mesma data pelo réu BB, já que a Ordem dos Advogados, tomadora do seguro de grupo, não tem possibilidade de conhecer os riscos próprios de cada um dos advogados segurados e protegidos pelo referido contrato de seguro.
De acordo com o disposto no artigo 13º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, as normas constantes dos artigos 24º a 26 do mesmo regime têm natureza semi-imperativa apenas admitindo o estabelecimento de um regime mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário da prestação do seguro.
Ora, a nosso ver, a exclusão da garantia do seguro no caso de violação da declaração inicial de risco, sem distinguir se a conduta do obrigado à declaração se reveste de natureza dolosa ou negligente institui um regime jurídico mais desfavorável ao segurado e ao beneficiário da prestação do seguro do que o previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro nos referidos artigo 24º e 26º.
Nessa medida, a referida cláusula de exclusão é nula por ser contrária a lei imperativa (artigo 294º do Código Civil), não sendo por isso oponível à beneficiária da prestação do seguro.
Assim, pelos fundamentos que precedem, conclui-se pela improcedência desta questão recursória.
4.4 Da franquia no montante de cinco mil euros prevista na apólice nº ES000....5EO21A (questão da recorrente B...)
A recorrente B... pugna por que, na eventualidade de improcedência total ou parcial das questões recursórias que precedentemente suscitou, seja considerada devida e suportada pelo réu BB a franquia convencionada no montante de cinco mil euros, por razões de celeridade e economia processual.
Cumpre apreciar e decidir.
No ponto 9 das condições particulares do contrato de seguro titulado pela apólice nº ES000...5EO18A, epigrafado “Franquia”, prevê-se o seguinte:
- “Estabelece-se uma franquia de 5.000,00 € por sinistro, não oponível a terceiros lesados.”
A pretensão da recorrente B..., se bem a entendemos, é a de que o montante equivalente à franquia convencionada seja considerado devido e suportado pelo réu BB.
Cumpre apreciar e decidir.
No nosso sistema processual, mediante a dedução de reconvenção, a parte passiva pode requerer e obter a condenação da parte contrária (artigo 266º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Pode ainda o réu fazer intervir um condevedores, no caso de solidariedade, como sucede no caso dos autos (artigo 317º, nº 1, do Código de Processo Civil).
No caso dos autos, a autora apenas pediu a condenação dos réus sem curar de precisar se a responsabilidade destes era conjunta ou subsidiária e a condenação proferida pelo tribunal recorrido foi na esteira do pedido, como era devido.
Apenas agora nas alegações de recurso a recorrente B... suscita a questão que está submetida à nossa cognição.
Ora, excetuando o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil)[71], da existência de questão de conhecimento oficioso (artigos 608º, nº 2, 2ª parte e 663º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil), do conhecimento de questões prejudicadas (artigo 665º, nº 2, do Código de Processo Civil), da alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do Código de Processo Civil) ou da mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil), os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas[72].
Por isso, no que respeita este segmento das conclusões do recurso da recorrente, por constituir uma questão nova, este tribunal abstém-se de conhecer este fundamento do recurso.
Em conclusão, o recurso da autora improcede totalmente, sendo da sua responsabilidade as custas do mesmo, já que decaiu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Os recursos do réu BB e da recorrente B... são da responsabilidade de cada um deles e da autora, na exata proporção do decaimento (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam no seguinte:
a) em julgar totalmente improcedente o recurso interposto por AA;
b) em julgar parcialmente procedente os recursos de apelação interpostos por BB e pela B..., Sucursal en España e, em consequência da procedência do recurso de BB, altera-se a decisão da matéria de facto nos termos antes enunciados e, na procedência de ambos, revoga-se a condenação destes recorrentes ao pagamento da quantia de catorze mil e noventa euros e noventa e cinco cents, a título de dano de perda de chance e bem assim de condenação de ambos ao pagamento de juros de mora à taxa legal supletivo, neste momento de 4% ao ano, contados sobre o montante de catorze mil e noventa euros e noventa e cinco cents, desde 15 de abril de 2021, confirmando-se, no mais, a sentença recorrida proferida em 26 de março de 2024, nos segmentos impugnados.
As custas do recurso interposto por AA são da sua exclusiva responsabilidade, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça deste recurso.
As custas dos recursos interpostos por BB e pela B..., Sucursal en España são da responsabilidade de cada um deles e de AA, na exata proporção do decaimento, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, às taxas de justiça destes recursos.
Porto, 12/5/2025
Carlos Gil
Teresa Pinto da Silva
Manuel Domingos Fernandes
_______________________
[1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 27 de março de 2024.
[3] No final esta recorrente pede que seja revogada “a sentença recorrida na parte relativa ao valor da indemnização por danos patrimoniais, alterando-se o valor do dano da perda de chance e condenando-se os Réus no pagamento das despesas com taxa de justiça e despesas e honorários com mandatário judicial (em parte a liquidar posteriormente) e, bem assim, na parte relativa ao valor da indemnização por danos não patrimoniais.”
[4] No petitório final esta recorrente pede a revogação da sentença recorrida.
[5] A final pede a revogação da sentença recorrida.
[6] Uma vez que no atual processo civil não há recursos com subida diferida, não tem sentido afirmar que o recurso sobe imediatamente, pois que todos sobem imediatamente. Não se desconhece, contudo, que no nº 3, do artigo 853º do Código de Processo Civil, em sede de ação executiva, se alude à subida imediata de certos recursos, sem que nessa mesma sede se prevejam recursos com subida diferida. A nosso ver, a subida imediata refere-se na realidade à autonomia para efeitos recursórios das decisões previstas no citado nº 3, do artigo 853º do Código de Processo Civil.
[7] As questões suscitadas nos três recursos e que de seguida se vão enunciar serão conhecidas por ordem lógica e independentemente de quem as suscitou.
[8] Às questões que são objeto dos três recursos interpostos nos autos acresce ainda a pretensão de retificação do ponto 65º dos factos provados formulada pela autora na resposta ao recurso interposto pelo réu Dr. BB, questão que será conhecida quando se conhecer da impugnação e ampliação da decisão da matéria de facto.
[9] Este ponto tem o seguinte conteúdo: “O Helpdesk respondeu em 12.02.2018, confirmando a criação da peça em 31.10.2017 e o seu envio e adiantando uma possível explicação relacionada com a utilização de um certificado expirado, nos termos do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido (doc. nº24).” Deste documento 24 datado de 12 de fevereiro de 2018, junto a folhas 158 verso do processo físico, consta a seguinte “resposta”: “Confirma-se que a peça 27215520 foi criada em 2017-10-31 23:51 e não foi enviada. Mais se informa que a mensagem de erro indicada é vaga, não existindo na aplicação erros com a expressão “erro certificado”, nem se encontrando na auditoria erros relativos à peça processual. Da análise efetuada, resulta também que em peças remetidas pelo ilustre mandatário, imediatamente anteriores, foi utulizado um certificado com data de expiração 2017-10-30 00:00:00, anterior portanto em 1 dia à data da tentativa de envio, pelo que o problema poderá estar relacionado com a não utilização/instalação de novo certificado emitido pela AO, uma vez que a aplicação não permite a submissão de peças com certificados expirados, sendo os mesmos apresentados a vermelho na aplicação.” Mais se informa que o pedido só foi recebido neste grupo de trabalho “Citius mandatários” em 29/1/2018.”
[10] Com o seguinte teor: “O 1º réu e a 2ª ré não deram conhecimento à autora de que a contestação não fora admitida, de que tinha invocado justo impedimento e de que, na sequência da decisão de o julgar não verificado, fora ordenado o desentranhamento da contestação, factos que a autora só veio a saber, mais tarde, quando foi notificada da sentença que foi proferida nessa ação no dia 08.10.2019 (notificação expedida em 09.10.2019 [documento nº 50 junto a folhas 238 verso do processo físico]).”
[11] Com o seguinte conteúdo: “A contestação continha a argumentação para defesa da ré nesses autos, aqui autora, nomeadamente: i) a contratação da DD como prestadora de serviços, na sequência da cessação do anterior contrato, também de prestação de serviços, celebrado com a sociedade “G..., Lda.”; ii) preliminares e motivação da celebração do contrato entre a autora e a ré; iii) os termos acordados entre as partes para a prestação de serviços (sem subordinação jurídica nem sujeição ao poder de direção e disciplinar da mãe da Ré); iv) a cessação do contrato de prestação se serviços em virtude do internamento da Mãe da Ré num lar; v) a atuação da prestadora de serviços em abuso de direito; vi) a invocação da litigância de má-fé; vii) subsidiariamente, a caraterização do contrato celebrado entre autora e ré como contrato de serviço doméstico. (cfr. doc. nº 10).”
[12] Com o seguinte teor: “Os réus também não juntaram posteriormente esses nem quaisquer outros documentos (fornecidos pela aqui autora), os quais poderiam ter sido juntos a posteriori, ainda que não admitida a junção da contestação, tendo ficado assim a autora sem qualquer meio de prova nos referidos autos, para defesa da sua posição contra os pedidos formulados.”
[13] Que tem o seguinte conteúdo: “A sentença foi notificada não apenas aos dois mandatários da autora, mas também à própria parte (tal como previsto no artº 24º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), tendo sido nesse momento que a autora tomou conhecimento, como se disse, do desentranhamento da contestação, por não ter sido tempestivamente apresentada, e do direito que lhe assiste a uma indemnização por responsabilidade civil profissional, por incumprimento do mandato forense[13] (docs. nºs 50, 51 e 52).”
[14] Com o seguinte teor: “Assim, na data em que foi notificada da sentença condenatória, a autora tomou conhecimento não apenas da condenação (sem realização de audiência de julgamento), mas também de que não tinha sido apresentada tempestivamente a contestação (porquanto nem o 1º réu, nem a 2ª ré a tinham informado de toda a tramitação do processo acima descrita e, designadamente, da possibilidade de a contestação apresentada não ser admitida), nem tinham sido juntos ao processo os documentos que havia facultado ao 1º réu e à 2ª ré.”
[15] Com o seguinte conteúdo: “O 1º réu interpôs recurso da sentença condenatória em 07.11.2019 (doc. nº 56)”.
[16] Com a seguinte redação: “A autora interpôs recurso em 18.12.2020, o que deu lugar ao Acórdão da Relação do Porto de 15-11-2021, nos termos do qual a) foi revogada a sentença quanto ao decidido no título II e alíneas a), d), h) e n), em substituição condenando-se a ré a pagar à autora, a título de trabalho suplementar prestado para além do período normal semanal, os valores seguintes:
i) 52 x 9,01 € entre 1 de setembro de 2014 e 31 de agosto de 2015, perfazendo € 468,42;
ii) 52 x 9,01 € entre 1 de setembro de 2015 e 31 de agosto de 2016, perfazendo € 468,42;
iii) 46 x 9,01 € entre 1 de setembro de 2016 e 19 de junho de 2017, perfazendo € 414,46;
No montante global de € 5 406,00, acrescido de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos sobre aqueles valores parcelares indicados em i), ii) e iii), respetivamente, desde 1 de setembro de 2015, 1 de setembro de 2016 e 20 de junho de 2017 e b) foi revogada a sentença na parte em que condenou a ré a pagar à autora “q) a quantia de € 537,15 (quinhentos e trinta e sete euros e quinze cêntimos) a título de formação não ministrada, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento”, confirmando, no mais, a sentença recorrida.”
[17] Em 20 de julho de 2022, as partes foram notificadas da junção aos autos deste documento requisitado pelo tribunal a quo.
[18] Com o seguinte conteúdo: “A Autora viu o seu património arrestado, o seu salário e crédito de IRS penhorados, e nomeados à penhora os saldos das suas contas bancárias.”
[19] Com o teor que segue: “O facto de ter o salário penhorado e os saldos das contas nomeados à penhora provocou na Autora um sentimento de vergonha e humilhação.”
[20] Com a redação que segue: “O seu estado de saúde agravou-se, porquanto a ansiedade constitui factor perturbador da estabilidade da doença neurológica de que padece: esclerosa múltipla.”
[21] Que têm o seguinte conteúdo: “Por contacto telefónico, após a receção da missiva id.. em 102., o 1º réu questionou a autora se mantinha o propósito que prosseguisse na apresentação do recurso de apelação, recebendo a informação que aquela interpelação visava cumprir uma formalidade, mas que não fizesse caso.” (alínea E) dos factos não provados); “Nessas duas reuniões o 1.º réu elucidou a autora dos efeitos do recurso, e do grau de probabilidade da outra parte partir logo para execução da sentença, e das inerentes consequências, com a inevitável penhora do seu património, a incidir também sobre 1/3 do salário, tendo desaconselhado qualquer iniciativa de alteração da titularidade a favor de terceiros, pela existência de mecanismo contrários a esse tipo de expedientes.” (alínea F) dos factos não provados); “Apenas sugeriu que os saldos bancários da autora ficassem a zero.” (alínea G) dos factos não provados); “O 1.º réu adiantou que mesmo penhorados, dificilmente os bens sairiam da esfera patrimonial da autora, até que aquela decisão transitasse em julgado.” (alínea H) dos factos não provados); “Depois de interposto o recurso, a autora insistiu várias vezes com o 1.º réu para que diligenciasse à transmissão dos seus bens a favor da sua filha e duma sociedade, tendo sido sistematicamente desaconselhada.” (alínea I) dos factos não provados).
[22] Porém, o documento nº 52 não é nenhuma carta da autora endereçada ao réu BB, mas sim cópia da notificação de uma sentença à ré CC em 09 de outubro de 2019 (folhas 239 verso do processo físico). Certamente, a autora tinha em vista o documento nº 76, datado de 24 de outubro de 2018 e registado em 28 de outubro do mesmo ano, junto de folhas 494 a 495 do processo físico e com o seguinte teor, na parte pertinente ao conhecimento da impugnação: “Exmo Senhor Dr., 1 – No âmbito da acção judicial identificada em epígrafe [Processo nº 4280/17.4T8MTS do Juízo de Trabalho de Matosinhos], conferi mandato a V. Exa, por procuração forense oportunamente outorgada e junta ao processo, para me patrocinar e representar os meus interesses, contestando a acção judicial que contra mim foi instaurada por DD, na qual formulou o pedido de condenação de reconhecimento de vínculo laboral no período de 1 de Setembro de 2014 a 19 de Junho de 2017, e reclamou o pagamento de pretensos créditos laborais, indemnização de antiguidade e indemnização por danos morais, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal. 2 – Fui agora notificada de sentença condenatória, da qual resulta que “Citada a ré, e frustrada a conciliação em sede de audiência de partes, foi a mesma regularmente notificada para contestar, não tendo apresentado tempestivamente contestação, pelo que nos termos do art. 57º do Código de Processo de Trabalho se consideram confessados os factos alegados pela autoras na petição inicial, os quais se dão por reproduzidos.” 3 – Por falta de apresentação tempestiva de contestação, foi julgada a procedência da acção e, em consequência, fui condenada a pagar à autora as quantias discriminadas na sentença, que aqui dou por reproduzida, e que totalizam a quantia de € 150.198,73, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde as datas fixadas na sentença, até integral pagamento. 4 – Tal condenação e da exclusiva responsabilidade de V. Exa., porquanto não apresentou a contestação, em devido tempo, verificando-se omissão grave dos deveres a que está adstrito no cumprimento do mandato forense, com a consequente responsabilidade civil profissional. 5 – A responsabilidade directa de V. Exa não consente desculpas nem equívocos, demostrado que ficou no processo judicial que a apresentação da contestação fora do prazo se deveu a omissão exclusivamente imputável a V. Exa. 6- Sem prejuízo de demais danos provocados e a reclamar, venho desde já responsabilizar V. Exa pelos prejuízos decorrentes da situação descrita, até que os mesmos cessem e, em consequência, reclamar o pagamento da sobredita quantia de € 150.198,73 e dos juros de mora fixados na sentença condenatória. 7 – Nos termos do artigo 104º do Estatuto da Ordem dos Advogados, o advogado deve celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil profissional obrigatório. 8 – No desagradável contexto descrito, venho igualmente interpelar V. Exa para me indicar desde já a seguradora que responde pela responsabilidade civil profissional de V. Exa., no âmbito do mencionado seguro obrigatório, e solicitar que me seja remetida cópia da participação/reclamação do sinistro que V. Exa. apresente.”
[23] Estes artigos da petição inicial têm o seguinte teor: “O 1º Réu juntou quer às alegações de recurso do despacho que julgou não verificado o justo impedimento (cfr. doc. nº 32), quer à reclamação contra o indeferimento do recurso (cfr. doc. nº 34) requerimentos de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo que preencheu, assinou e apresentou na Segurança Social sem o conhecimento nem o consentimento da Autora” (artigo 160 da petição inicial); “Facto que é grave atendendo a que esta não reunia condições de insuficiência económica que lhe permitissem ter acesso a esse benefício, como o 1º Réu bem sabia” (artigo 161 da petição inicial); “E usou esse expediente para não proceder ao pagamento da taxa de justiça devida por actos processuais praticados no seu exclusivo interesse e que a cliente desconhecia, posto que o recurso e a reclamação relacionavam-se com o justo impedimento por si invocado e originado pela sua actuação processual” (artigo 162 da petição inicial).
[24] Tudo indica que a recorrente se enganou no artigo da petição inicial confessado pelo réu BB que foi o 47 e não o 57, sendo certo que este artigo da petição inicial não tem qualquer relação com a questão do apoio judiciário requerido pelo réu BB em representação da autora.
[25] Os artigos 45 a 47 da petição inicial têm o seguinte conteúdo: “Desse despacho [despacho proferido em 24 de maio de 2018 e que indeferiu o incidente de justo impedimento suscitado pelo réu BB] interpôs o 1º Réu recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto em 25.06.2018 (doc. nº 32)” (artigo 45 da petição inicial); “Juntou às alegações de recurso um requerimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário para dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (para não proceder ao pagamento da taxa de justiça devida)” (artigo 46º da petição inicial); “O qual foi por si preenchido e assinado, sem o conhecimento da Autora” (artigo 47º da petição inicial).
[26] Com o seguinte teor: “A sentença referida em 64. proferida na ação pendente no Tribunal do Trabalho condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 150 191,52 (cfr. doc. nº 60).”
[27] Neste sentido vejam-se: Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, António Santos Abrantes Geraldes, primeiro parágrafo da página 358 e nota 564.
[28] Estando assente que tais condutas foram praticadas sem conhecimento da autora, a referência à inexistência de consentimento para a prática dos mesmos comportamentos é redundante, não podendo por isso considerar-se indispensável.
[29] As aspas justificam-se porque apenas no caso de prova legal se pode afirmar, com propriedade, que um certo resultado probatório é imposto e não já assim no caso de provas sujeitas à livre apreciação do tribunal.
[30] Sobre esta classificação veja-se, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora 2009, Armindo Ribeiro Mendes, páginas 50 a 51.
[31] Expurgados das meras remissões probatórias.
[32] A última parte deste ponto de facto é ostensivamente matéria de direito e, como tal, não poderá ser considerada como matéria de facto.
[33] Esta oposição foi deduzida em 10 de novembro de 2017 (veja-se folhas 154 do processo físico), tendo nessa mesma data sido notificada por via eletrónica aos réus pessoas singulares.
[34] Crítico quanto aos termos amplos em que esta figura tem vindo a ser doutrinal e jurisprudencialmente admitida, reiterando posição já assumida na sua dissertação de doutoramento (leia-se especialmente o volume II de Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Coimbra Editora 2008, nota 3103, páginas 1103 a 1107), veja-se o artigo de Paulo Mota Pinto publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 145º, nº 3997, páginas 174 a 201.
[35] Sobre os termos em que esta figura tem vindo a prosperar na sua “pátria natal”, veja-se Droit de la Responsabilité et des Contrats, Régimes D´Indemnisation, 10e Édition, sous la Direction de Philippe le Tourneau, 2014/2015, Dalloz, páginas 1415 a 1430.
[36] Para o enquadramento doutrinal, jurisprudencial e crítico da figura em causa veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de outubro de 2013, relatado pelo então Desembargador Tomé Gomes no processo nº 1922/05.8TVLSB.L1-7, acessível no site do IGFEJ.
[37] Na obra coletiva intitulada “Droit de la Responsabilité et des Contrats Régimes D´Indemnisation”, 10e Edition, sob a direção de Philippe le Tourneau, Dalloz, fevereiro 2014, página 606, ponto 1423, Cyril Bloch escreve o seguinte: “Ce ne sont pas les sommes convoitées qui constituent le dommage, mais simplement l´espoir de les gagner. Encore faut-il que cet espoir soit sérieux, que la chance soit véritable et non point une quelconque chimère”. Numa tradução livre destes períodos para português: “Não são os montantes pretendidos ou ambicionados que constituem o dano, mas simplesmente a esperança de os ganhar. É ainda necessário que a oportunidade perdida seja verdadeira, real e não uma qualquer quimera”.
[38] No caso dos autos, é ostensivo que a ação foi prematuramente instaurada pois que ainda não havia decisão final transitada em julgado na ação declarativa em que o réu BB apresentou a contestação fora de prazo. Se porventura a aqui autora tivesse sido absolvida do pedido na ação laboral, a apresentação intempestiva da contestação nesses autos seria totalmente inócua e não se poderia afirmar a causação de um dano final na esfera jurídica da autora. Nessa eventualidade, a autora até poderia ficar em melhor posição do que se a contestação tivesse sido apresentada em tempo, pois que conseguiria total sucesso na ação sem ter de suportar todos os custos posteriores à apresentação desse articulado. Por isso, atento o resultado final da ação, a autora veio a reduzir o pedido formulado nestes autos.
[39] De facto, se não obstante a falta de apresentação de contestação por parte do Sr. Advogado que patrocina aquele que pretende ser ressarcido a título de perda de chance, o patrocinado ainda assim vem a ser absolvido, não vemos como se possa configurar uma qualquer perda de oportunidade causadora de dano ressarcível.
[40] E não apenas no domínio da perda de chance, tanto mais que o juízo jurídico tem essencialmente natureza prática e opera com realidades que não são, na generalidade dos casos, passíveis de verdadeira experimentação e de controlo de acordo com as regras que regem as denominadas ciências exatas.
[41] Sobre esta problemática, na jurisprudência do nosso mais alto tribunal, a título meramente exemplificativo, vejam-se os seguintes acórdãos acessíveis na base de dados da DGSI: acórdão de 30 de maio de 2019, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Rosa Tching, no processo nº 6720/14.5T8LRS.L2.S2; acórdão de 05 de maio de 2020, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro António Magalhães, no processo nº 27354/15.1T8LSB.L1.S2.
[42] Tirado com ampla maioria de vinte e oito votos a favor, uma declaração com uma observação de ordem doutrinal, outra declaração de voto em que se afirma inexistir contradição de julgados, mas que no entanto subscreve a decisão uniformizadora, um voto de vencido em que se nega a existência de contradição de julgados e bem assim a figura do dano da perda de chance e um outro voto de vencido em que se entende inexistir contradição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido fundamentadora da necessidade de uniformização de jurisprudência, pugnando-se pelo não conhecimento do objeto do recurso.
[43] Sobre esta operação na determinação do dano da perda de chance fundada em responsabilidade de profissionais forenses veja-se Causalidade, Dano e Prova, A Incerteza na Responsabilidade Civil, Almedina 2016, Patrícia Cordeiro da Costa, páginas 146 e 147.
[44] Citação extraída do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de outubro de 2013, antes citado.
[45] Note-se que neste ponto o lesado por “perda de chance”, no caso de omissão de interposição de recurso, está em melhores condições do que o recorrente que tempestivamente reage contra uma decisão judicial, na medida em que disporá de mais tempo para alinhavar os termos em que seria construído o frustrado recurso.
[46] A “perda de chance” não se resolve nestes casos ao jeito do juiz Bridoye de Rabelais que ditava o resultado das sentenças lançando dados (veja-se, por exemplo, o capítulo XXXVIII, do livro terceiro de Pantagruel, edição da Plêiade 1994, páginas 474 a 476). Esta perspetiva lúdica do processo, se assim é lícito dizer, tem algum apoio naqueles que afirmam que em todo e qualquer processo as “chances” de perder são iguais às de ganhar, como aliás se concluiu na decisão recorrida. Na verdade, num caso de interposição de recurso fora de prazo em que se impugna a decisão da matéria de facto, o “julgamento dentro do julgamento” a fim de aferir da seriedade e consistência da oportunidade perdida implica, além do mais, a aferição da observância dos ónus que recaem sobre o impugnante da decisão da matéria de facto e, reunidos que estejam, o conhecimento dessa impugnação (veja-se assim o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de setembro de 2024, proferido no processo nº 12771/17.0T8LSB.L1.S1, acessível na base de dados do IGFEJ).
[47] A condenação final da autora resultante do acórdão do Tribunal da Relação do Porto
[48] Veja-se o artigo 567º do Código de Processo Civil.
[49] Ainda assim, por aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1º, nº 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho conjugado com o nº 2 do artigo 423º do Código de Processo Civil, poderão ser apresentados até vinte dias antes da data de realização de audiência final. No caso em apreço, a revelia operante da aqui autora determinou que não houvesse lugar à realização de audiência final, pelo que não poderia beneficiar deste regime jurídico.
[50] E caberia aos réus, se assim o entendessem, a alegação dos factos caraterizadores dessa relação laboral e bem assim o oferecimento e produção de provas tendentes à demonstração dessa realidade.
[51] Embora a recorrente não aluda ao ponto 89 dos factos provados, resulta das alegações e das conclusões do recurso que também teve em vista este ponto de facto (veja-se a trigésima quarta conclusão das alegações de recurso).
[52] O recorrente cita um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de maio de 2021 e que, alegadamente, teria sido proferido no processo nº 153/18.0T8CSC.L1-2. Porém, trata-se de um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de maio de 2021, proferido no processo nº 1537/18.0T8CSC.L1-2., acessível na base de dados da DGSI.
[53] In Das Obrigações em Geral, Vol I, 6ª edição, Almedina 1989, página 576.
[54] A Lei nº 8/2017, de 03 de março, alterou o Código Civil e de acordo com o disposto no artigo 201º-B deste diploma legal, os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza.
[55] A propósito do estatuto jurídico dos animais, numa conceção atualizada, veja-se, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2.ª edição revista e atualizada, Universidade Católica Portuguesa 2023, páginas 536 a 539, anotação 4 ao artigo 201.º-C do Código Civil.
[56] Escreve o Professor Antunes Varela, no mesmo local: “Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.”
[57] Vejam-se os factos provados em 3.2.1.63 e 3.2.1.64. O montante global de € 23 346,63 corresponde ao somatório das importâncias mencionadas nas alíneas b), c), e), f), g), i), j), l), n), o) e p) da sentença proferida em 22 de novembro de 2020 com as quantias impostas no acórdão proferido em 15 de novembro de 2021. O montante que a autora foi condenada a pagar nesta última decisão não chega a atingir 15,55% dos montantes fixados nas duas sentenças de primeira instância.
[58] Retificado em 22 de fevereiro de 2022.
[59] Ainda que tecnicamente inexata, parece que esta referência a negócio jurídico que tenha dado causa “à subsequente anulação” tem em vista a ação pauliana.
[60] De acordo com o Dicionário de Termos Médicos, da autoria de Manuel Freitas e Costa, editado pela Porto Editora em 2005, páginas 416 e 417, a esclerose múltipla, também designada esclerose disseminada é uma “forma de esclerose crónica, de etiologia desconhecida, do encéfalo e da medula espinal. Caracteriza-se por placas de desmielinização, seguidas de esclerose localizadas na substância branca. A doença evolui por surtos, com períodos mais ou menos prolongados de remissões, e tem como sintomas principais tremor intencional, paralisias, ataxia, nistagmo, vertigens, palavra escandida, diplopia, perturbações mentais, sendo uma doença progressivamente invalidante.”
[61] Não relevamos para este efeito as condutas do réu BB de dedução de pedidos de apoio judiciário sem conhecimento da autora, por se tratar de um expediente para não pagar custas pelos instrumentos processuais de que lançou mão e para ocultar da autora o que se estava a passar no processo, não se nos afigurando que tais condutas sejam de per si idóneas à causação de danos não patrimoniais à autora.
[62] Vejam-se, por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos em 30 de janeiro de 2025, nos processos nºs 3343/21.8T8PRT.P1.S1 e 3062/22.6T8VCT.G1.S1, acessíveis na base de dados do IGFEJ.
[63] Este acórdão conhece do direito de regresso da seguradora sobre a segurada e afirma explicitamente que a seguradora não podia opor à lesada a falta de cobertura do seguro. O texto explícito do acórdão a que nos referimos é o seguinte: “Em face disto, importa concluir que, estando em causa uma regra delimitadora do âmbito de garantia da apólice de seguro, o sinistro não encontra nesta cobertura.
Esta conclusão impõe, assim, que se verifique se a seguradora tem direito a obter da ré ao reembolso da quantia que despendeu em cumprimento da obrigação de indemnização em que foi condenada e cuja exclusão da falta de cobertura não podia opor à lesada.”
[64] Sublinhe-se que este acórdão não recai sobre a questão recursória ora em análise, mas sim sobre a problemática da dedução da franquia que, embora com contornos diversos, também é uma das questões a conhecer nestes autos.
[65] É a que decorre da Lei nº 145/2015, de 09 de setembro, não sendo aplicável a nova redação introduzida pela Lei nº 6/2024, de 19 de janeiro e que entrou em vigor em 01 de abril de 2024.
[66] Sobre esta figura veja-se Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina 1985, João Baptista Machado, primeiro parágrafo da página 196.
[67] Aprovado pelo decreto-lei nº 72/2008 de 16 de abril.
[68] Por ordem cronológica vejam-se os seguintes acórdãos, todos acessíveis na base de dados do IGFEJ: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de maio de 2015, proferido no processo nº 231/10.5TBSAT.C1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de dezembro de 2016, proferido no processo nº 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de maio de 2019, proferido no processo nº 236/14.7TBLMG.C1.S2; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2019, proferido no processo nº 5388/16.9T8VNG.P1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de dezembro de 2020, proferido no processo nº 17592/16.5T8SNT.L1.S1. Anote-se que em todos estes casos a violação dos deveres profissionais imputada aos mandatários era anterior à data de início de vigência do contrato de seguro de cada uma das seguradoras que veio a ser responsabilizada em cada caso.
[69] Esta oposição foi deduzida em 10 de novembro de 2017 (veja-se folhas 154 do processo físico), tendo nessa mesma data sido notificada por via eletrónica aos réus pessoas singulares.
[70] E, como vimos, a parcial procedência da ação em que o réu BB ofereceu intempestivamente a contestação não basta para afirmar a existência de dano de perda de chance da ré contestante e aqui autora, sendo ainda necessário demonstrar a seriedade e consistência da oportunidade perdida.
[71] Em rigor, na eventualidade de suprimento da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, ex vi artigo 665º, nº 1, do Código de Processo Civil, o tribunal ad quem não conhece de uma questão nova, antes conhece de uma questão que foi suscitada junto do tribunal recorrido e de que este não conheceu.
[72] Sobre esta matéria vejam-se, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, António Santos Abrantes Geraldes, páginas 139 a 142, anotação 5 ao artigo 635º do Código de Processo Civil; Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, Almedina 2009, Fernando Amâncio Ferreira, páginas 153 a 158.