EXPROPRIAÇÃO
RELATÓRIO PERICIAL
VALOR PROBATÓRIO
Sumário

I – Em processo de expropriação, apesar da força probatória das respostas dos peritos ser fixada livremente pelo tribunal, face aos especiais conhecimentos técnicos que são exigidos aos peritos, caso o relatório pericial seja unânime ou maioritário, o tribunal só não deve seguir os valores nele propostos, se verificar a existência de erro ou incumprimento de critérios legalmente estabelecidos a que os peritos se encontrem vinculados.
II – Assim, o especial valor probatório do relatório pericial apenas será de excluir se outros relevantes elementos de prova o infirmarem, designadamente por padecer de erro grosseiro ou por ser contrário a normas legais vinculativas, sendo que, neste caso, o juiz deve pôr em causa o relatório técnico dos peritos, mas com recurso a argumentação técnica ou científica, eventualmente baseada em meios de prova divergentes, de igual ou superior credibilidade.

Texto Integral

Proc. nº 2935/22.0T8GDM.P1

Comarca do Porto – Juízo Local Cível ... – ...

Apelação

Recorrentes: AA e BB

Recorrido: Município ...

Relator: Eduardo Rodrigues Pires

Adjuntos: Desembargadores Pinto dos Santos e Lina Castro Baptista

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

Nos presentes autos de expropriação, em que é expropriante o Município ... e expropriados BB e AA, foi proferido despacho que adjudicou à entidade expropriante acima identificada a propriedade da parcela nº 1, relativa a 3.321m2 a destacar do prédio sito na Rua ..., Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob os arts. ...20, ...21, ...22, ...23, ...25 e ...29 e na urbana sob o art. ...81, estando descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...45/19900315.

Na decisão arbitral fixou-se como justa indemnização a quantia de 546.209,38€.

A entidade expropriante recorreu desta decisão, tendo discordado:

i. do valor de 880,00€ fixado pela decisão arbitral como valor médio do custo de construção à data da DUP;

ii. da percentagem de dedução de despesas necessárias ao reforço das infraestruturas existentes, que fora fixada em 5% e que a expropriante considera dever fixar-se em 20%;

iii. do valor corretivo pela inexistência de risco e do esforço inerente à capacidade construtiva de 5% do valor da avaliação alcançado na decisão arbitral, considerando que tal valor deverá fixar-se em 10%.

Sustenta, a final, que o valor da indemnização se deverá fixar em 450.232,48€, correspondendo 368.232,48€ ao valor da parcela, e 82.000,00€ a benfeitorias.

Os expropriados também recorreram da decisão arbitral discordando, em suma:

i. do valor atribuído a título de índice de utilização média acima do solo, que foi de 0,8 quando os expropriados consideram que deveria ter sido de 1;

ii. da não consideração da possibilidade de construção abaixo do solo;

iii. da percentagem aplicada pelos senhores árbitros a título de localização, qualidade ambiental e acesso a equipamentos, à qual entendem dever ser aplicado um índice de 13%;

iv. do valor de 880,00€ fixado pela decisão arbitral como valor médio do custo de construção à data da DUP, que os expropriados consideram que deverá ser de 1.100,00€;

v. da não atribuição de indemnização pelas benfeitorias;

vi. do preço adotado para reposição da vedação na parcela sobrante, que consideram dever ser de 49.990,00€ + IVA para a construção da entrada, acesso e caramanchões e de 20.750,10€ para o portão.

Foram admitidos ambos os recursos e apresentadas respostas tanto pela entidade expropriante como pelos expropriados.

Procedeu-se à realização de uma perícia, que considerou como valor da justa indemnização a importância de 739.558,00€.

Foram ouvidas as testemunhas indicadas pelas partes.

Notificadas para o efeito, as partes alegaram.

Por fim, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o recurso dos expropriados BB e AA e improcedente o recurso da entidade expropriante Município ... e, em consequência, condenou este a pagar aos expropriados a quantia 739.558,00€, a atualizar de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, desde 30.6.2019.

Os expropriados, inconformados com o decidido, interpuseram recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:

A. O valor do solo há de ser o que se encontra de acordo com o cálculo dos 5 peritos corrigido o valor de custo da construção, para, pelo menos €1.100,00 por m2.

B. Os peritos aplicaram, como resulta do relatório, como referencial, o valor duma portaria desatualizada, como reconhece o Estado na Portaria 281/2021 de 3 de dezembro que a altera.

C. Desatualizada em duas vertentes, nos preços e nas novas exigências ao nível do desempenho energético dos edifícios, que agravaram o custo do produto final.

D. A prova testemunhal e a prova documental confirmam-no por defeito.

E. O custo da reposição das vedações há-se ser o que efetivamente os expropriados vierem a suportar, que deve ser fixado no dos orçamentos ou relegado por isso, para incidente de liquidação de sentença sem prejuízo de ficar já assente o valor de €82.000,00 já aceite pela expropriante.

F. Se o Tribunal tiver dúvidas acerca dos valores que colocamos em causa, e não se sinta habilitado a aplicar os valores que entendemos justos e provados, requer-se que sejam já fixados os valores da perícia relegando-se o demais para liquidação de sentença.

G. Deste modo, ao ponto 26 a redação que defendemos é a seguinte: O custo médio da construção acima do solo à data da DUP corresponde, pelo menos, a €1.100,00.

H. E, ao ponto 32 a resposta: “O valor unitário do solo é de €214,39 pelo que, sendo área da parcela expropriada 3.321 m2, o valor do terreno é de €711.989,19”.

I. Ponto 34 – O custo da vedação da parte sobrante com vedações idênticas, nomeadamente a construção dum muro em alvenaria de pedra e correspondente entrada com caraterísticas idênticas ao que foi demolido, importa a quantia global de €158.805,30, assim discriminado – muro €50.000,00 + IVA, argamassa para as juntas, argamassa das juntas €8.750,00, lintel €3.500,00, fornecimento e montagem da entrada, com caramanchões €49.990,00, todos os valores mais IVA e o portão €20.750,10.

J. O custo da construção a adotar há de ser o de mercado, Artigo 26º, nº 4 do CE.

K. A Portaria 65/2019 fixava valores que á data da DUP estavam desatualizados e não abrangiam as novas exigências legais à construção de nível térmico.

L. O estudo do Instituto da Construção publicado no Confidencial Imobiliário relativo aos preços do custo da construção é um elemento precioso para se demonstrar que o custo de construção de €1 000,00 é muito desatualizado.

M. O depoimento do Arquiteto CC foi quanto a este aspeto, nas passagens referidas no texto […] elemento precioso e isento para se concluir que o custo de € 1 100,00 está mais próximo da realidade que o de €1 000,00.

N. Os depoimentos das testemunhas, DD, EE e FF, nas passagens assinaladas no texto conjugadas com os orçamentos são idóneas para dar como provados os valores dos orçamentos, desatualizados.

O. Para não prejudicar ou beneficiar qualquer das partes deve ser relegado para incidente de liquidação o valor do encargo com a reposição das vedações, por forma a manter-se a harmonia da unidade predial.

P. E, sem prejuízo da conclusão anterior, sempre terá de ser encarado como dano futuro a diferença entre o real custo da reposição das vedações e o valor adiantado pelos peritos e que a sentença acolheu.

Pretendem assim que o valor do solo seja fixado pela aplicação da fórmula adotada pelos peritos, corrigida com o valor do custo da construção para 1.100,00€ nos termos sobreditos e fixado o valor da reposição da vedação nos valores dos orçamentos, ou relegado para liquidação de sentença ou, então ficar relegado para dano futuro a liquidar.

A entidade expropriante respondeu ao recurso, pronunciando-se pela confirmação da sentença recorrida.

Formulou as seguintes conclusões:

a) Os recorrentes, nas suas alegações de recurso, indicam que a douta sentença recorrida andou mal ao fixar o valor aplicado ao custo de construção em 1.000,00€/m2 conforme relatório pericial de junho de 2023, devendo o mesmo ter sido fixado em 1.100,00€/m2.

b) Assim como consideram os recorrentes que o valor da justa indemnização relativa à reposição da vedação não corresponde ao valor de 82.000,00€, por desconsideração do tribunal recorrido da prova documental e testemunhal junta pelos recorrentes aos autos.

c) Ora, carecem de qualquer cabimento as alegações de recurso dos recorrentes expropriados.

Senão vejamos,

d) O douto Tribunal recorrido teve em conta toda a prova documental e testemunhal produzida, conforme as suas motivações.

e) Considerando a douta sentença recorrida que os depoimentos das testemunhas indicadas pelos recorrentes não foram suficientes para colocar em causa o relatório dos senhores peritos, ao abrigo do seu inato princípio da livre apreciação da prova.

f) E, quanto ao estudo publicado pelo Confidencial Imobiliário, introduzido pelos recorrentes, este nunca teria acolhimento nem seria relevante para a decisão do douto tribunal recorrido.

g) O estudo no qual se baseiam os recorrentes, atribui um valor de custo de construção aos concelhos da Área Metropolitana do Porto, fora o concelho ..., que se demonstra lato, desmerecedor de credibilidade, porquanto a A.M.P engloba, fora o concelho do Porto, 16 municípios, todos eles diferentes.

h) Os senhores peritos, no relatório pericial de junho de 2023, utilizaram os critérios legais do n.º 5 do artigo 26.º do Cexp, atualizando o valor segundo as tabelas dos índices de revisão de preços, divulgadas pelo IMPIC, até à data da DUP, e inclusivamente estabelecendo uma majoração de 20,00 % ao valor, no cumprimento estrito do n.º 1 do artigo 23.º do Cexp.

i) Daí que, o valor atribuído pelos senhores peritos, após sua análise, sempre se encontraria como o mais correto, uma vez que analisaram o custo corrente de construção para aproveitamentos construtivos economicamente normais na zona, e não num contexto macro.

j) Pelo que, sempre deverá ser improcedente o recurso, relativamente ao pedido de alteração do valor do custo de construção de 1.000,00€/m2 para 1.100,00€/m2.

k) Relativamente ao valor da reposição da vedação, referido a ponto 9 do relatório pericial dos senhores peritos de junho de 2023, considerou a douta sentença recorrida, a página 13, que as declarações das testemunhas, não foram suficientes para fazer desabar um acórdão de cinco senhores peritos que, em conjunto, e na sua indubitável experiência e perícia, decidiram o valor da benfeitoria, veja-se, segundo um valor normal de mercado e não segundo um valor que uma empresa decide unilateralmente praticar.

l) O que se confirme na posição do douto tribunal recorrido a página 10 da douta sentença recorrida, quanto à prova testemunhal apresentada pelos recorrentes, “…os seus depoimentos, sendo certo que apoiados na experiência profissional que todos revelaram ter, não foram de molde a colocar em causa o juízo pericial previamente formulado, por unanimidade, pelos Srs. Peritos”.

m) Ora, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Évora n.º 334/07.3TBASL.E1, de 05-05-2011, para os recorrentes terem legitimidade para pedir a alteração de pontos de facto, teria de apresentar elementos que impusessem forçosamente, isto é, em juízo de certeza (que não de mera probabilidade ainda que elevada) e sem margem para quaisquer dúvidas outra decisão, o que não aconteceu.

n) Pelo que, deve o presente recurso improceder.

O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo e subida nos próprios autos.

Cumpre, então, apreciar e decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.


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As questões a decidir são as seguintes:

I. O valor do solo da parcela expropriada;

II. O valor referente à reposição das vedações.

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É a seguinte a factualidade dada como provada na sentença recorrida:

1. Foi adjudicada à entidade expropriante a parcela nº 1, relativa a 3.321m2 a destacar do prédio sito na Rua ..., Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob os artigos ...20, ...21, ...22, ...23, ...25 e ...29 e na urbana sob o artigo ...81, estando descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º ...45/19900315.

2. A Declaração de Utilidade Pública da Expropriação (DUP), foi publicada no Diário da República, 2ª Série, Parte C, nº 232 de 30 de Novembro de 2021, na sequência do despacho n.º 161/2021 do Secretário de Estado da Descentralização e da Administração Local de 18 de Novembro de 2021 – cfr. D.U.P.

3. A vistoria ad perpetuam rei memoriam realizou-se em 14 de Fevereiro de 2022.

4. O prédio situa-se na Rua ..., Lugar ..., ..., ... e possui as seguintes confrontações – cfr. vistoria ad perpetuam rei memoriam:

a. Norte: GG e HH

b. Sul: estrada e II

c. Nascente: caminho público e caminho de servidão

d. Poente: caminho de servidão

5. O local da parcela é no centro da freguesia ..., junto ao Centro Escolar .../... e possui as seguintes confrontações – cfr. vistoria ad perpetuam rei memoriam:

a. Norte: restante prédio

b. Nascente: Rua ...

c. Sul: Rua ...

d. Poente: Centro Escolar .../...

6. A parcela encontra-se classificada na Carta de Ordenamento do Plano Director Municipal ... como Solo Urbano – Solo Urbanizado Tipo II, classificação que abrange as frentes para as ruas da Estrada ... e Rua ..., enquanto a quase totalidade do prédio, que se desenvolve para norte e noroeste, se encontra classificada como Reserva Agrícola Nacional – cfr. vistoria ad perpetuam rei memoriam.

7. A parcela, com a área de 3.321m2, tem formato trapezoidal e desenvolve-se apoiada em dois arruamentos, a sul pela Rua ... e a nascente pela Rua ..., vias públicas que se encontram pavimentadas a betuminoso e dotadas das seguintes infraestruturas – cfr. vistoria ad perpetuam rei memoriam: passeios em todo o perímetro da parcela, rede de abastecimento de água, rede de drenagem de águas residuais, ligação a estação de tratamento de águas residuais, rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, rede telefónica, rede de gás na Rua ....

8. Ao longo dos dois arruamentos, a parcela encontra-se delimitada por muros, que se caracterizam do seguinte modo – cfr. vistoria ad perpetuam rei memoriam:

a. Ao longo da Rua ..., temos um muro em perpianho de granito com 0,30m de espessura e altura de 2,10m, mais fundação, com a extensão de 55 m que incorporam um portão de 2,40m de largura;

b. Ao longo da Rua ..., temos um muro que no gaveto da Rua ..., ...,80m de altura e no vértice mais a norte tem 2m de altura, mais fundação; este muro é em alvenaria de granito e tem a extensão de cerca de 63 m;

c. Na concordância destes dois muros existe uma antiga construção de um Posto de Transformação que se encontra em ruína;

d. Do muro que delimita a Rua ... e num vértice sensivelmente em frente às primeiras casas, existe um outro muro interior, com características semelhantes, com cerca de 2m de altura e que será afectado em cerca de 15m;

e. O portão acima referido, que serve de entrada principal do prédio, tem 2,40m de largura e cerca de 5m de altura e encontra-se cravado em dois pilares/ombreiras de 0,60m x 0,60m em granito aparelhado, com capitéis trabalhados e encimados por uma esfera de granito com cerca de 0.40m de diâmetro;

f. Ladeando estes dois pilares, existem uns caramanchões, internamente acessíveis por uma escadaria de dez degraus com 1m de largura em pedra inteira de granito, os quais se encontram rematados, sobre os muros, por pedras de granito aparelhado;

g. O portão, com cerca de 5m de altura, é em ferro forjado, sendo uma parte em chapa com motivos decorativos, contornada por grade trabalhada, ate aos 2m de altura, e acima desta altura o portão é constituído por grade trabalhada, encontrando-se em bom estado de conservação;

h. Tanto o portão como os muros encontram-se em bom estado de conservação.

9. A parcela faz parte de uma exploração agrícola com a área de 87.200m2, dos quais 700m2 estão ocupados com a casa de habitação e arrumos e um estábulo com 200m2, destinado a vacaria de engorda que tem em permanência cerca de 75 cabeças de gado bovino – cfr. vistoria ad perpetuam rei memoriam.

10. Na exploração do prédio são utilizados os seguintes equipamentos agrícolas – cfr. vistoria ad perpetuam rei memoriam: três tactores, um reboque, uma máquina de apanhar batata, uma máquina de apanhar espigas de milho e um espalhador de adubo.

11. A parcela em si, que sendo sensivelmente plana tem declive para poente e forma uma linha de talvegue a meio do seu percurso no sentido nascente-poente, possui solos de boa qualidade para fins produtivos sob o ponto de vista agrícola, nomeadamente para produtos hortícolas, encontra-se plantada a nabos e possui uma parte coberta com ramadas e árvores de fruto, que se caracterizam do seguinte modo – cfr. vistoria ad perpetuam rei memoriam:

a. No seguimento do portão de entrada, possui uma ramada de vinho verde, com cerca de 3m de vão, apoiada em esteios com cerca de 4m de altura (incluindo fundação) e ligados superiormente por pontas de vigota, onde se apoiam 9 fios de arame. Desta ramada serão incluídos na expropriação 26 esteios e 75 pés de videira;

b. Ao longo do muro que delimita a Rua ... e para nascente do portão, existe uma ramada que será totalmente incluída na expropriação e que possui 3 esteios com 3m de altura e 12 pés de videira;

c. Ao longo do muro interior da parcela existe uma ramada apoiada em esteios de granito com 3m de altura e serão afectados 11 pés de videira;

d. Serão ainda afectadas cinco árvores de fruto: três cerejeiras, uma figueira e uma ameixeira, todas adultas;

e. Existem ainda 78 cedros plantados ao longo do muro que separa a parcela do Centro Escolar .../....

12. O Local é bem servido de transportes públicos assegurados pela empresa A... (linha 55) e pelos B... (Serviço de Transportes Coletivos do Porto), com destino ao Porto (linha 803), cujas paragens ficam a cerca de 50m da parcela expropriada. A Estação ... 805 dos B... fica a cerca de 280 metros. A Estação ... (linha férrea – CP) fica a cerca de 275 metros e a estação de Metro a cerca de 650 metros. Todas as distâncias atrás referidas foram calculadas por trajeto a pé. – cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

13. O acesso à VCI e à Rede Nacional de Autoestradas fica a cerca de 3 km. – cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

14. O prédio insere-se em zona urbana e o local oferece comércio, equipamentos escolares (Centro Escolar .../... e Colégio ...) e serviços diversos. A envolvente urbana caracteriza-se, ao longo das vias públicas, predominantemente por edifícios unifamiliares e edifícios multifamiliares (predominantemente habitacionais e alguns com comércio e serviços). Existem também alguns terrenos agrícolas. – cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

15. A parcela está sensivelmente à cota do arruamento e à data da DUP o seu uso era agrícola. – cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

16. De acordo com o Plano Diretor Municipal ..., aprovado pela Assembleia Municipal ... em 29 de junho de 2015 e tornado público pelo aviso 13057/2015 de 9 de novembro, alterado e republicado pelo aviso 3337/2018 de 13 de março, a parcela encontra-se inserida na Planta de Ordenamento – Qualificação do solo e nela classificada como Solo Urbano – Solo Urbanizado – Espaços Residenciais – Tipo II – cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

17. O solo dispõe de acesso rodoviário, passeio, rede de águas residuais domésticas com ligação a estação de tratamento de águas residuais, rede de águas pluviais, rede de abastecimento de água, rede de energia elétrica, rede de gás e rede de telecomunicações – cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

18. O solo integra-se em núcleo urbano existente – cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

19. O solo está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do CE – cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

20. Segundo o artigo 25.º do CE, o solo do prédio e da parcela expropriada é classificado como solo apto para a construção – cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

21. O aproveitamento económico normal para o terreno seria um edifício multifamiliar, sendo também considerada a construção de cave para estacionamento, considerando também a exigência do cumprimento de cedências ao domínio público e parqueamentos - cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

22. O índice de utilização viável e possível para o solo corresponde a 0,80 m2 de construção por m2 de área de terreno, a que corresponderá a seguinte área de construção acima do solo: 3.321 m2 x 0,80 m2/m2 = 2.656,8 m2 - cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

23. Tendo por base a área de construção acima do solo de 2.656,8 m2, é admissível o seguinte número de fogos: 2.656,8 m2: 120 m2 = 22,14 fogos - cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

24. Considerando em média 1,5 lugares de garagem por fogo (atendendo a que num aproveitamento economicamente normal haverá fogos de tipologias diversas, cabendo a alguns fogos 2 lugares de garagem e a outros 1 lugar de garagem) e considerando uma área bruta de 35 m2 por lugar de estacionamento (para atender às áreas de acesso, circulação, manobras e lugar de estacionamento propriamente dito) a área bruta de construção em cave para estacionamento é de: 22,14 fogos x 1,5 lugares de estacionamento x 35 m2 = 1.162,35 m2 - cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

25. O que corresponde a um índice de construção abaixo do solo de 0,35 m2/m2 (1.162,35m2/3.321m2) - cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

26. O custo médio de construção acima do solo à data da DUP, corresponde a 1 000€/m2 - cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

27. O custo médio de construção abaixo do solo à data da DUP, corresponde a 500€/m2 - cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

28. O valor do solo apto para construção corresponde a 13% do custo da construção, em função da localização da parcela, sua qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona - cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

29. A que acrescem 10% dos totais das restantes infraestruturas - cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

30. É de 7% a percentagem para fazer face aos custos do reforço das infraestruturas - cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

31. É de 5% o fator corretivo pela inexistência de risco e esforço inerente à atividade construtiva - cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

32. O valor unitário do solo é de 198€/m2 pelo que, sendo a área da parcela expropriada de 3.321m2, o valor do terreno é de 657 558,00 € (3 321 m2 x 198 €/m2) - cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

33. A parte sobrante do prédio não sofre qualquer depreciação mantendo proporcionalmente a capacidade e o valor que possuía antes da expropriação, havendo apenas a contemplar a reposição das benfeitorias correspondentes às vedações que existiam - cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023.

34. O custo da vedação da parte sobrante com vedações idênticas às demolidas, nomeadamente a construção de um muro em alvenaria de pedra e correspondente entrada, com características idênticas ao que foi demolido importa a quantia global de 82.000,00€, o qual se subdivide do seguinte modo - cfr. relatório de peritagem junto aos autos em 29/06/2023:

a. Fornecimento e execução de muro de vedação de duas faces, em alvenaria de pedra de granito com 0,30 m de espessura e 2,5 metros de altura média, com junta argamassada: 100 m x 2,5m x 150 €/m2 = 37.500,00€

b. Lintel de fundação em betão ciclópico e/ou alvenaria de granito, com 0,80 m x 0,60m para assentamento do muro em pedra: 100 m.l. x 30 €/m.l. = 3 000,00€

c. Construção de entrada e acesso, idêntico ao que existia, incluindo portão metálico e caramanchões (valor global) = 41 500,00€.


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Passemos à apreciação do mérito do recurso.

Estabelece o art. 62º, nº 2 da Constituição da República que «a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.»

Por seu turno, o Cód. Civil no art. 1308º estatui que «ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade, senão nos casos fixados por lei» e no art. 1310º diz-nos que «havendo expropriação por utilidade pública...é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares de outros direitos reais afetados.»

Não definiu o legislador constitucional o conceito de “justa indemnização”, relegando para o legislador ordinário a definição dos critérios que permitem concretizar esse conceito.

Ora, o Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18.9., dispõe no seu art. 23º, nº 1 que «a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.»

Este preceito remete assim, em particular quando conjugado com o seu nº 5, para o critério do valor venal do bem expropriado, ou seja do valor de mercado em situação de normalidade económica (cfr. PERESTRELO DE OLIVEIRA, “Código das Expropriações Anotado”, 2ª ed., pág. 87).

Sobre esta mesma questão escreve ALVES CORREIA (in “As garantias do particular na expropriação por utilidade pública”, 1982, págs. 129/130) que “de uma maneira geral, entende-se que o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou, por outras palavras, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda... Sendo concedida ao expropriado uma indemnização correspondente ao valor de mercado do bem, aquele é teoricamente colocado na situação de poder voltar a adquirir uma coisa de igual espécie e qualidade, um objecto de valor equivalente”

De referir ainda que o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 50/90 (in DR, I-A, de 30.3.90), decidiu que justa indemnização há de corresponder ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem lhe acarreta, devendo ter-se em atenção a necessidade de respeitar o princípio da equivalência de valores: nem a indemnização deve ser tão reduzida que o seu montante a torne irrisória ou meramente simbólica, nem, por outro lado, nela deve atender-se a quaisquer valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer, positiva ou negativamente, a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação.

Uma vez feitas estas considerações prévias, há que passar agora à apreciação das questões concretamente colocadas no presente recurso.


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I. O valor do solo da parcela expropriada

1. No relatório de peritagem junto aos autos em 29.6.2023 os Srs. Peritos, em laudo unânime, escreveram o seguinte no ponto 7.1. referente ao custo de construção:

“7.1 - Em cumprimento do n.º 5 do artigo 26.º do CE e num aproveitamento economicamente normal, considerou-se como referência para o custo de construção, o mencionado na Portaria 65/2019 de 19 de fevereiro, que revê o regime de habitação de custos controlados, com a redação em vigor à data da DUP.

7.1.1 - Segundo a Portaria, o custo de construção por área bruta, corresponde ao valor de 710,00€, com referência a 1 de Janeiro de 2019, atualizado conforme tabelas de revisão de preços.

7.1.2 - Segundo as tabelas dos índices de revisão de preços, divulgadas pelo IMPIC, Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção, o índice de referência a 1 de janeiro de 2019, com base 100 a 2014, para edifícios de habitação (fórmula tipo F01 - Despacho n.º 1592/2004, publicado no D.R., II Série, n.º 19, de 23 de janeiro de 2004) correspondia a 131,496, assim determinado:

F01 = 0,44 Mão-de-obra + 0,02 M03 + 0,01 M06 + 0,05 M09 + 0,02 M10 + 0,01 M18 + 0,06 M20 + 0,06 M24 + 0,03 M25 + 0,03 M26 + 0,02 M29 + 0,01 M32 + 0,03 M40 + 0,03 M42 + 0,03 M43 + 0,01 M45 + 0,02 M46 + 0,02 Equipamento de apoio + 0,10 (constante) Nota – M03 a M46 (índices relativos a materiais)

F01 (janeiro de 2019) = 0,44 x 145,40 + 0,02 x 99,1 + 0,01 x 96,40 + 0,05 x 98,0 + 0,02 x 89,50 + 0,01 x 365,80 + 0,06 x 156,30 + 0,06 x 165,70 + 0,03 x 150,30 + 0,03 x 128,10 + 0,02 x 300,60 + 0,01 x 123,80 + 0,03 x 128,60 + 0,03 x 99,70 +0,03 x 167,40 + 0,01 x 178,70 + 0,02 x 163,90 +0,02 x 117,90 + 0,10 = 131,496

7.1.3 - Segundo as tabelas dos índices de revisão de preços, divulgadas pelo IMPIC, Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção, o índice de referência à data da DUP, 30 de novembro de 2021, com base 100 a 2014, para edifícios de habitação (fórmula tipo F01 – Despacho n.º 1592/2004, publicado no D.R., II Série, n.º 19, de 23 de janeiro de 2004) correspondia a 155,527.

F01 (novembro de 2021) = 0,44 x 162,40 + 0,02 x 108,40 + 0,01 x 90,90 + 0,05 x 119,10 + 0,02 x 97,60 + 0,01 x 543,70 + 0,06 x 168,70 + 0,06 x 242,50 + 0,03 x 153,50 + 0,03 x 195,80 + 0,02 x 332,70 + 0,01 x 207,90 + 0,03 x 124,00 + 0,03 x 116,90 +0,03 x 241,80 + 0,01 x 272,70 + 0,02 x 197,80 +0,02 x 125,10 + 0,10 = 155,527

Dados obtidos em:

https://www.impic.pt/impic/pt-pt/indices-de-revisao-de-precos-em-empreitadas/publicacao-em-diario-da-republica

7.1.4 - O custo de construção segundo a portaria 65/2019, à data da DUP, corresponde a 710€ x (155,527/131,496) = 839,75 €/m2 de área bruta.

7.1.5 - Conforme referido, o aproveitamento estimado para o solo, corresponde a construção de habitação multifamiliar.

7.1.6 - Para o local, os Peritos preveem que a construção, num aproveitamento economicamente normal para a zona, terá um custo 20% superior ao da habitação a custos controlados.

7.1.7 - Nestes pressupostos, o custo médio de construção à data da DUP, corresponderá a 839,75€ x 1,2 = 1007,70 €/m2 de área bruta, ou seja, aproximadamente 1 000 €/m2 e que na análise e opinião dos Peritos corresponde ao custo corrente de construção para aproveitamentos construtivos economicamente normais na zona.

7.1.8 – Para a construção abaixo do solo estima-se um custo unitário de 50% do custo de construção acima do solo:

1 000 €/m2 x 0,50 = 500 €/m2”

E mais adiante nos pontos 7.7 a 7.10 escreveram o seguinte:

“7.7 - Resumo dos parâmetros definidos para a avaliação:

Área do solo expropriado3.321 m2
Índice de utilização (acima do solo)0,8m2/m2
Índice de construção abaixo do solo (para estacionamento) 0,35m2/m2
Custo unitário da construção acima do solo1 000 €/m2

Custo unitário da construção abaixo do solo

500€/m2
Percentagem dos n.ºs 6 e 7 do art.º 26.º do CE23%

Reforço de infraestruturas (n.º 9 do art.º 26.º do C.E.)7 %

Percentagem para o risco (n.º 10 do artigo 26.º do C.E.)5%

7.8 - O valor unitário do solo da parcela expropriada corresponde a:

(0,8m2/m2 x 1 000€/m2 + 0,35m2/m2 x 500€/m2) x 0,23 x (1-0,07) x (1–0,05) = 198,12€/m2

7.9 - Valor que se arredonda para 198€/m2 e que na opinião unânime dos Peritos signatários corresponde ao valor real e corrente do terreno da parcela expropriada com referência à data da DUP.

7.10 - A área da parcela expropriada é de 3 321 m2, pelo que o valor real e corrente do terreno da mesma é de:

3 321 m2 x 198 €/m2 = 657 558,00€”

Com base neste relatório de peritagem deram-se como assentes na sentença recorrida os factos com os nºs 26 e 32 cuja redação é a seguinte:

- 26. O custo médio de construção acima do solo à data da DUP, corresponde a 1 000€/m2;

- 32. O valor unitário do solo é de 198€/m2 pelo que, sendo a área da parcela expropriada de 3.321m2, o valor do terreno é de 657 558,00 € (3 321 m2 x 198 €/m2).

2. Sucede que os expropriados, no segmento relativo ao custo de construção, se insurgem em via recursiva contra a sentença recorrida, e, em particular, contra estes dois pontos factuais, sustentando que aquele deve ser elevado para, pelo menos, 1.100,00€/m2, e, como consequência, o valor do terreno da parcela expropriada deverá também ser elevado para 711.989,19€ com referência ao valor unitário de 214,39€.

Assentam a sua argumentação na circunstância de os Srs. Peritos no seu laudo terem aplicado uma portaria – 65/2019, de 19.2. – que, à data da DUP (Declaração de Utilidade Pública), consideram desatualizada, aludindo ainda a um estudo publicado no “Confidencial Imobiliário” e ao depoimento prestado pela testemunha CC, de que referiram algumas passagens.

Vejamos então.

3. Antes de mais, cumpre referir que a portaria cuja aplicação é reclamada, no presente caso, pelos expropriados – a nº 281/2021 –, que alterou alguns dos artigos da Portaria nº 65/2019 e aditou outros, apenas foi publicada em 3.12.2021 e entrou em vigor no dia seguinte (4.12.2021).

Ora, datando a publicação da DUP de 30.11.2021, logo se verifica que nessa data ainda não tinha sido publicada a dita Portaria nº 281/2021, donde terá que se concluir que a referência feita no laudo pericial à redação então em vigor da Portaria nº 65/2019, não merece qualquer censura.

Os expropriados reportam-se igualmente, nas suas alegações, ao estudo efetuado pelo “SICC- Sistema de Indicadores de Custos de Construção”[1], referente ao ano de 2021, publicado na “Confidencial Imobiliário”[2], do qual resulta que, para esse ano, na área metropolitana do Porto, se determinaram os seguintes valores: para as construções mais económicas, que designaram por percentil 25, o custo de 1.011,00€; para as construções médias o custo de 1.119,00€, e para a superior, que designaram por percentil 75, o valor de 1.217,00€.

Tal significa que na linha deste estudo, inserindo-se o concelho ... na área metropolitana do Porto, o custo de construção seria para o ano de 2021, no percentil mais baixo, de 1.011,00€/m2 e com IVA de 1.243,53€/m2.

Ouvimos também o depoimento da testemunha CC.

Este é arquiteto e faz acompanhamento de obras. Com base na sua experiência profissional disse que em 2021 não se construía por menos de 1.200,00/1.300,00€/m2, com IVA, e que a construção abaixo do solo rondava pelos 500,00/600,00€/m2.

4. A questão está então em saber se este depoimento, prestado por pessoa com conhecimento na área da construção, e o estudo publicado na “Confidencial Imobiliário”, ambos apontando para um custo de construção superior ao que foi considerado no laudo pericial e depois acolhido na sentença recorrida, deverão prevalecer sobre este.

Estatui o art. 388º do Cód. Civil que «a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial», e depois o subsequente art. 389º logo nos diz que «a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.»
Na expropriação litigiosa a prova pericial constitui meio probatório não só necessário, porque legalmente imposto, como decorre do nº 2 do art. 61º do Cód. das Expropriações, mas também essencial à determinação da “justa indemnização”, já que, pela sua natureza técnica, é o que melhor habilita o julgador a apurar o valor da coisa expropriada.
Por isso, mesmo que juiz não esteja vinculado ao resultado do laudo pericial, a tecnicidade de que se revestem as questões debatidas no processo expropriativo justifica que se atribua particular relevância a este meio probatório.
Com efeito, escreve-se, por ex., no Ac. Rel. Coimbra de 10.11.2009 (proc. nº 2623/06.5 TBVIS.C1, relator GONÇALVES FERREIRA, disponível in www.dgsi.pt.) que “…a prova pericial é a prova rainha em matéria desta natureza, dada a sua especificidade, onde os conhecimentos especializados dos peritos fazem, de facto, toda a diferença”, acrescentando-se depois que “…o tecnicismo das questões postula se dê particular atenção a tal género de prova que é, por vezes, a única com virtualidade para resolver a questão”.
Esmiuçando mais a questão do valor da prova pericial em sede de processo expropriativo referiremos agora o Ac. Rel. Évora de 10.9.2020 (proc. 84/18.5 T8CCH.E1, relatora ALBERTINA PEDROSO, disponível in www.dgsi.pt.), citado na sentença recorrida, onde se escreve, com inteira pertinência, o seguinte:
“Acresce que o Código das Expropriações estabelece para o efeito regras especiais, uma vez que esta avaliação é efectuada por cinco peritos - desde logo ressaltando desta imposição uma maior exigência do que a geralmente adoptada, porquanto dos artigos 468.º, n.º 1, e 469.º, n.º 1, do CPC, resulta que a perícia é, em regra, singular, e excepcionalmente colegial -, designando cada parte um perito e sendo os três restantes nomeados pelo tribunal, e escolhidos de entre os que constam da lista oficial – artigo 62.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, do citado diploma legal.
Ora, os peritos e árbitros constantes das listas oficiais estão sujeitos às especiais regras de recrutamento e às condições de exercício de funções - quer no âmbito dos procedimentos anteriores à declaração de utilidade pública quer no âmbito do processo de expropriação – que se encontram previstas no DL n.º 125/2002, de 10 de Maio, que aprovou o Estatuto dos Peritos Avaliadores (cfr. artigo 1.º). Assim, os mesmos são recrutados mediante concurso, tendo de possuir curso superior adequado, e sujeitos a provas de selecção – cfr. artigos 3.º, 5.º, 6.º e 7.º do EPA. Seleccionados, efectuam um curso de formação no Centro de Estudos Judiciários, são sujeitos a classificação final, são ajuramentados perante o presidente do tribunal da relação do respectivo distrito judicial – artigos 9.º-A, 9.º-B e 11.º do EPA – e têm que frequentar obrigatoriamente duas acções de formação permanente, sendo excluídos se deixarem de cumprir os seus deveres funcionais – artigos 12.º e 13.º do EPA. Tudo para dizer que os peritos que integram a lista oficial estão sujeitos a especiais exigências com vista a acautelar a sua qualidade técnica.
Acresce que os mesmos não podem intervir como peritos avaliadores indicados pelas partes em processos de expropriação que corram em Tribunal – artigo 15.º do EPA - e estão sujeitos aos impedimentos previstos no artigo 16.º e aos fundamentos de suspeição definidos no artigo 17.º, ambos do Estatuto dos Peritos Avaliadores, tudo com vista a garantir a sua isenção e imparcialidade.
Por fim, devem proceder à elaboração dos laudos periciais de acordo com as normas legais e regulamentares aplicáveis e devem fundamentar claramente o cálculo do valor atribuído – artigo 21.º do EPA - donde decorre, por exigência legal, que têm de se pautar por critérios objectivos.
De facto, «[c]oncorrendo indirectamente a função pericial para um “processo justo e equitativo”, como se extrai do princípio geral contido no art. 2º do CExp., esta exigência de objectividade resulta ainda de uma interpretação da norma em conformidade com a garantia subjacente ao art. 6º da CEDH, tal como tem sido interpretado pela jurisprudência do TEDH, ao pressupor o princípio da imparcialidade objectiva (cf. Ireneu Barreto, Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 2ª ed., pág.153 e segs).
Daí que, os tribunais, de forma uniforme, e apesar de, como se disse, a prova pericial produzida não ser vinculativa, entendam que em processo de expropriação, sendo a peritagem obrigatória e tratando-se de um problema essencialmente técnico – a avaliação do bem expropriado -, o tribunal deve aderir, em princípio, ao parecer dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, quando não sejam coincidentes, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo tribunal porquanto este é o meio de prova que melhor habilita o julgador a apurar o valor do bem expropriado, com vista à atribuição da justa indemnização.
Na verdade, para além da presumida competência técnica que se lhes reconhece, a posição assumida pelos peritos nomeados pelo tribunal é aquela que, em princípio, oferece maiores garantias de independência e de imparcialidade, face à distanciação que mantém em relação às posições do expropriante e do expropriado, os quais, amiúde, defendem a atribuição de valores, respectivamente inferiores e superiores aos atribuídos por aqueles.
Por todas estas razões, tem-se entendido que este especial valor probatório do relatório pericial apenas será de excluir se outros preponderantes elementos de prova o infirmarem, mormente por padecer de erro grosseiro ou por ser contrário a normas legais vinculativas, caso em que o juiz deve pôr em causa o relatório técnico dos peritos, mas com recurso a argumentação técnica ou científica, eventualmente baseada noutros meios de prova divergentes, de igual ou superior credibilidade, e que podem, por exemplo, decorrer dos relatórios minoritários ou ainda do cotejo deste relatório com o laudo arbitral e o relatório de avaliação, todos efectuados por peritos igualmente integrados na referida lista oficial.”[3]
De resto, se o juiz não dispõe de conhecimentos especiais na área a que respeita a perícia, salvo em casos de erro grosseiro, não está em condições de sindicar o juízo técnico-científico expresso na perícia, situação esta que é até melhor considerada na área do processo penal – art. 163º, nº 1 do respetivo Código -, onde se estabelece que este juízo - técnico, científico ou artístico - está subtraído à livre apreciação do julgador.[4]
5. Retornando ao caso concreto, impõe-se, desde logo, salientar que o laudo pericial se mostra unânime, tendo sido subscrito pelos três peritos nomeados pelo tribunal e também pelos peritos que foram indicados pela entidade expropriante e pelos expropriados, o que lhe confere uma força probatória acrescida.
Uma vez que os Srs. Peritos tomaram em consideração acertadamente a redação da Portaria nº 65/2019 em vigor à data da DUP, pois a Portaria nº 281/2021 ainda não havia sido publicada, os meios probatórios referidos pelos expropriados, em sede recursiva, com vista a infirmar o laudo pericial no tocante ao custo de construção e, por consequência, quanto ao valor do terreno da parcela expropriada, cingem-se ao depoimento prestado pela testemunha CC, arquiteto e conhecedor da área da construção, e ao estudo constante do “SICC- Sistema de Indicadores de Custos de Construção”, publicado na “Confidencial Imobiliário”.
Acontece que nenhum destes elementos probatórios – um de carácter documental e outro testemunhal –, embora apontando para um custo de construção mais elevado, permite concluir que os Srs. Peritos, no seu laudo unânime, tenham cometido qualquer erro grosseiro ou contrariado normas legais vinculativas, tanto mais que este, conforme resulta do segmento atrás transcrito, se encontra adequada e pormenorizadamente fundamentado, com reporte, inclusive, à data da DUP, às tabelas dos índices de revisão de preços, divulgadas pelo IMPIC, Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção.[5]

Assim, nesta parte, soçobra o recurso interposto pelos expropriados [conclusões A a D, G e H e J a M], sendo de manter em 1.000,00€/m2 o custo médio de construção acima do solo à data da DUP e o valor do terreno da parcela expropriada em 657.558,00€, o que significa igualmente a manutenção na matéria de facto, sem qualquer alteração, dos seus nºs 26 e 32.[6]


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II. O valor referente à reposição das vedações

1. No relatório de peritagem junto aos autos em 29.6.2023, em laudo unânime, os Srs. Peritos escreveram o seguinte no ponto 9. referente à reposição de benfeitorias:

“9.1 - As benfeitorias que existiam na parcela expropriada, num aproveitamento economicamente normal da mesma para construção, seriam demolidas/retiradas. No entanto e tal como estipula o n.º 2 do artigo 29.º do C.E. haverá que contemplar o custo da vedação da parte sobrante com vedações idênticas às demolidas, nomeadamente a construção de um muro em alvenaria de pedra e correspondente entrada, com características idênticas ao que foi demolido.

9.2 - Os valores correspondentes são os seguintes

9.2.1 - Fornecimento e execução de muro de vedação de duas faces, em alvenaria de pedra de granito com 0,30 m de espessura e 2,5 metros de altura média, com junta argamassada: 100 m x 2,5m x 150 €/m2 = 37 500,00€

9.2.2 - Lintel de fundação em betão ciclópico e/ou alvenaria de granito, com 0,80 m x 0,60m para assentamento do muro em pedra: 100 m.l. x 30 €/ m.l. = 3 000,00€

9.2.3 – Construção de entrada e acesso, idêntico ao que existia, incluindo portão metálico e caramanchões (valor global) = 41 500,00€

O valor total da reposição das vedações é de:

37 500,00€ + 3 000,00€ + 41 500,00€ = 82 000,00€”.

Com base neste relatório, na sentença recorrida deu-se como provado o facto nº 34 que tem a seguinte redação:

- O custo da vedação da parte sobrante com vedações idênticas às demolidas, nomeadamente a construção de um muro em alvenaria de pedra e correspondente entrada, com características idênticas ao que foi demolido importa a quantia global de 82.000,00€, o qual se subdivide do seguinte modo (…)

a. Fornecimento e execução de muro de vedação de duas faces, em alvenaria de pedra de granito com 0,30 m de espessura e 2,5 metros de altura média, com junta argamassada: 100 m x 2,5m x 150 €/m2 = 37.500,00€

b. Lintel de fundação em betão ciclópico e/ou alvenaria de granito, com 0,80 m x 0,60m para assentamento do muro em pedra: 100 m.l. x 30 €/m.l. = 3 000,00€

c. Construção de entrada e acesso, idêntico ao que existia, incluindo portão metálico e caramanchões (valor global) = 41 500,00€.

2. Sucede que os expropriados não concordam com estes valores, sustentando que os mesmos são insuficientes para que se possa levar a cabo a reposição das vedações, e, em consonância, defendem que a redação deste nº 34 seja alterada pela seguinte forma:

“O custo da vedação da parte sobrante com vedações idênticas, nomeadamente a construção dum muro em alvenaria de pedra e correspondente entrada com caraterísticas idênticas ao que foi demolido, importa a quantia global de €158.805,30, assim discriminado – muro €50.000,00 + IVA, argamassa para as juntas, argamassa das juntas €8.750,00, lintel €3.500,00, fornecimento e montagem da entrada, com caramanchões €49.990,00, todos os valores mais IVA e o portão €20.750,10.”

No sentido desta alteração aludiram aos orçamentos juntos aos autos em 12.10.2022 e também aos depoimentos prestados pelas testemunhas DD, JJ e KK, de que referenciaram passagens com indicação horária.

Ouvimos esses depoimentos.

DD é sócio gerente das “C...” e fez o orçamento para o fornecimento e montagem da entrada em condições iguais às fotografias que lhes foram enviadas, tendo apresentado o valor de 49.990,00€, sem IVA.

JJ é serralheiro e legal representante da “D...”. Fez orçamento para o portão no valor de 16.870,00€, mais IVA, mas sem a colocação, acrescentando que é um preço barato. A colocação andaria pelos 1.000,00€.

KK é encarregado-geral na empresa “E...” e fez um orçamento para o muro de vedação, em alvenaria de pedra, à volta de 225,00€/m2. Também fez orçamento para o lintel. Acrescentou que os valores não englobam IVA.

3. Neste segmento o montante indemnizatório colhe o seu fundamento no art. 29º, nº 2 do Cód. das Expropriações, referente às expropriações parciais, do qual resulta que quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, aí se incluindo a construção de vedações idênticas às demolidas, deverão ser especificados, em separado, os montantes da depreciação ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada.

Foi isto que os Srs. Peritos fizeram no ponto 9 do seu laudo pericial, ao calcularem o custo da vedação da parte sobrante com vedações idênticas às demolidas, e, em particular, a construção de um muro em alvenaria de pedra e correspondente entrada, com características idênticas ao que foi demolido.

O valor que os Srs. Peritos fixaram para tal efeito foi o de 82.000,00€, a que os expropriados, em sede recursiva, opuseram o de 158.805,30€, fundando-se, para tal efeito, nos orçamentos que juntaram ao processo e nos depoimentos prestados por quem os elaborou.

Acontece, porém, que tendo em atenção as considerações que já acima fizemos, no ponto I. 4., no tocante à força probatória do relatório pericial, para onde remetemos, entendemos que a junção destes orçamentos e os depoimentos testemunhais produzidos a tal propósito, embora apontando para importâncias mais elevadas, não são de molde a infirmar o valor fixado unanimemente pelos Srs. Peritos para a reposição das vedações.

Assim, também nesta parte soçobra o recurso interposto pelos expropriados [conclusões E e F, I e N a P], sendo de manter o valor de 82.000,00€ para a reposição de vedações, o que significa ainda a permanência na matéria de facto do seu nº 34, sem qualquer alteração de redação.

A sentença da 1ª Instância será, pois, confirmada “in totum”.


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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil):

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DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos expropriados AA e BB e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas, pelo seu decaimento, a cargo dos recorrentes.

Porto, 13.5.2025

Eduardo Rodrigues Pires

Pinto dos Santos

Lina Castro Baptista

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[1] O SICC é um sistema de informação que visa apurar estatísticas de custos de construção, com base na amostragem de orçamentos elaborados para efeitos de financiamento à promoção imobiliária (in confidencialimobiliario.com).
[2] A Ci - Confidencial Imobiliário (Ci) é um databank independente, orientado para a satisfação das necessidades de informação dos operadores do mercado imobiliário, no contexto da tomada de decisão quanto a investimentos e estratégias de venda. É especializada na produção de indicadores de análise do mercado, produzindo índices e bases de dados exclusivas sobre venda e arrendamento do mercado habitacional. Detém a revista Confidencial Imobiliário, a mais antiga publicação periódica focada no mercado imobiliário português, lançada em 1988.
[3] Cfr. também, por ex., Ac. Rel. Coimbra de 6.12.2011, p. 445/09.0 TBSEI.C1, relatora JUDITE PIRES; Ac. Rel. Guimarães de 13.6.2019, p. 6209/17.0 T8GMR.G1, relatora CRISTINA CERDEIRA; Ac. Rel. Porto de 24.3.2025, p. 3344/22.7 T8MAI.P1, relatora TERESA PINTO DA SILVA, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Ac. Rel. Coimbra de 31.5.2011, p. 1197/05.9 T8GRD.C2, relator CARLOS QUERIDO, disponível in www.dgsi.pt.
[5] Neste contexto, a questão de os Srs. Peritos terem considerado no valor do custo de construção a incorporação de uma taxa de IVA de 6% ou de 23% não se nos afigura ser de relevar, tanto mais que o valor por eles fixado de forma unânime – 1.000€/m2 - se acha devidamente fundamentado, não enfermando, como já se referiu, de qualquer erro que se evidencie como grosseiro.
[6] Regista-se ser duvidosa a técnica seguida na sentença recorrida ao ter reproduzido largos excertos do relatório de peritagem na factualidade assente, o que levou à inclusão nesta de vários pontos de cariz conclusivo, como sucede, em particular, com o nº 32.