I - A obrigação principal do arrendatário consiste no pagamento da renda (artigo 1038.º, al. a) do Código Civil) e a do senhorio assegurar o gozo do locado para os fins a que se destina (artigo 1031.º, al. a) do Código Civil).
II - Sendo de prazo certo a obrigação do pagamento da renda, incumbe ao locatário proceder ao seu pagamento no respectivo prazo de vencimento; o não pagamento da renda no prazo de vencimento fá-lo incorrer em mora, independentemente de interpelação.
III - A resolução do contrato de arrendamento depende do preenchimento dos requisitos previstos no n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil, sendo fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.
IV - A verificação de uma situação de incumprimento enquadrável no n.º 3 do artigo 1083.º do Código Civil basta para, por si só, tornar inexigível para o locador a manutenção do arrendamento.
V - Face ao pedido de resolução, prevê o nº 1 do artigo 1048º do Código Civil, a caducidade do direito à resolução quando o locatário proceda ao pagamento das somas devidas e indemnização até ao termo do prazo da contestação.
VI - Donde, competiria aos arrendatários purgar a mora, cessando a resolução caso efectue o pagamento em dívida acrescida da indemnização de 20%, o que não sucedeu.
ECLI:PT:TRP:2025:9441/23.4T8VNG.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
AA, residente na Rua ..., ..., ..., instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum contra BB e mulher CC, residentes na Travessa ..., ..., ..., e DD, residente na Rua ..., nº ..., 4º Direito Frente, Vila Nova de Gaia, onde concluíram pedindo a resolução do contrato de arrendamento e a condenação dos 1ºs RR. a entregar ao A. o arrendado livre de pessoas e bens, bem como a condenação de todos os RR. a pagar-lhe as rendas em dívida no valor global de € 4.000,00, e as vincendas até efectiva entrega do arrendado, elevadas ao dobro caso o R. se constitua em mora, acrescida de juros à taxa legal a contar da citação.
Alegou, em síntese, que por contrato de arrendamento, celebrado e iniciado em 1 de Abril de 2019, o A., como proprietário, deu de arrendamento aos RR. o prédio que identificou, estipulando o prazo inicial de dois anos, renovável por períodos de um ano e a renda anual de € 6.000,00 e mensal de € 500,00, a ser paga no primeiro dia útil do mês anterior ao que respeitar.
Acrescentou que os 1ºs RR. deixaram de cumprir a obrigação de pagamento das rendas que se venceram de Março a Setembro de 2023, ficando por pagar as rendas de Maio a Novembro, bem como as rendas vencidas no início de Outubro, Novembro e Dezembro de 2023, mesmo após alguns pagamentos parciais.
Mais alegou, que em 6 de Outubro de 2023 o A. enviou uma carta à 2ª Ré a informar do não pagamento dessas rendas, sendo que a 2ª Ré, também, se mostrava vinculada no contrato de arrendamento, renunciando ao benefício da excussão prévia, como fiadora e principal pagadora.
Os 1ºs Réus alegaram que nenhuma comunicação lhes foi dirigida, nomeadamente para efeitos de resolução do contrato de arrendamento.
Acrescentaram que os montantes por si pagos respeitaram às rendas dos meses de Outubro, Novembro, Dezembro de 2023 e Janeiro de 2024, respectivamente, pelo que aquando da instauração da acção (07.12.2023), os últimos três meses encontravam-se em dia, devidamente pagos.
Mais alegam que, a haver incumprimento, o mesmo ultrapassaria os três meses previstos no artigo 1085.º n.º 2 do Código Civil, pelo que o direito à resolução do contrato se mostra caducado.
A 3ª Ré impugnou, igualmente, os factos, alegando ter sido informada que os 1.ºs. Réus têm pago os valores das rendas em atraso de forma parcelar conforme acordado com o Autor, tendo sido, ainda, informado e garantido pelos referidos Réus, que a 12/01/2024, devem ao Autor, apenas, a quantia de € 2950,00 e não a quantia peticionada.
“1. Absolvem-se os 1ºs Réus dos pedidos de resolução do contrato e de devolução do locado.
2. Condenam-se os 1ºs Réus BB e mulher CC no pagamento ao A. AA, da quantia de € 8640,00 correspondente às rendas vencidas e não pagas à data da sentença, acrescida de juros, à taxa legal, desde esta data até integral pagamento.
3. Condena-se a 2ª R DD no pagamento ao A., solidariamente com os 1ºs RR, da quantia de € 200,00.”
I.Face à matéria provada, e ao contrário do que consta na douta decisão recorrida, não é correta a ilação de que: a) à data da propositura da ação (7.12.2023) só estava em dívida parte da renda de junho desse ano (200,00€); b) não se verificando nessa data mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda;
II. Desde logo porque a renda vencida no início de Junho, em 7.12.2023 estava inequivocamente vencida há mais de três meses, e o facto de só estar em dívida parte dela (200,00€) é irrelevante, pois o pagamento para ser pontual tem de ser integral;
III. Por outro lado além dessa ainda estavam em dívida as rendas vencidas no primeiro dia útil de Julho, Agosto, Setembro, Agosto, Outubro, Novembro e Dezembro - pois desde o pagamento, em 10.11.2023, de parte da renda vencida em Junho, mais nenhum pagamento foi efetuado até à data de propositura da ação (7.12.2023);
IV. Acresce que a mora de três meses no pagamento da renda só constitui requisito indispensável para a resolução do contrato de arrendamento quando se pretende efetuá-la por comunicação à contraparte, sem recorrer para esse efeito à via judicial, como resulta do confronto dos arts. 1.083º nº 3 e 1.084º nº 2 do Código Civil, e no caso vertente sempre a falta de pagamento das rendas e o atraso sistemático nos pagamentos, independentemente da duração dos atrasos, constituiria fundamento para ser declarada a resolução do contrato e a ação proceder.
2.1 Factos Provados
O Tribunal a quo considerou assentes os seguintes factos:
1.Por contrato de arrendamento celebrado e iniciado em 1 de Abril de 2019 o A., como proprietário, deu de arrendamento aos RR. o prédio sito na Travessa ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia, para habitação.
2. Nesse contrato foi estipulado o prazo inicial de dois anos, renovável por períodos de um Ano e a renda anual de 6.000,00 €, mensal de 500,00 €, a ser paga no primeiro dia útil do mês anterior ao que respeitar, e demais condições constantes do contrato e que se dão aqui por reproduzidas.
3. Entre os meses março de 2023 e setembro de 2023 os RR não efetuaram qualquer pagamento ao A.
4. Em 6 de Outubro de 2023 o A. enviou a carta (junta aos autos a 11-10-2024) à 3ª Ré, fiadora, a informar do não pagamento de 7 rendas.
5. Os RR efetuaram, entretanto, os seguintes pagamentos:
- em 09.09.2023, € 500,00,
- em 07.10.2023, € 500,00 e ainda em 7-10-2024: € 150,00,
- em 10.11.2023, € 500,00 e ainda em 10-11-2023: € 150,00,
- em 11.12.2023, € 500,00,
- em 9-1-2024: € 150,00,
- em 9-2-2024 € 500,00 e ainda em 9-2-2024: € 50,00,
- em 9-3-2024 € 500,00 e ainda em 9-3-2024 mais € 50,00,
- em 13-4-2024 € 500,00,
- em 13-6-2024: €250,00.
6. O A não enviou qualquer comunicação aos 1ºs RR instando-os a pagar as rendas em falta nem a declarar a resolução do contrato.
7. A presente ação deu entrada em juízo no dia 7-12-2023.
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que a questão a resolver no âmbito do presente recurso consiste em apurar da existência de fundamento para a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas.
A questão essencial a decidir consiste em saber se existe fundamento para a resolução do contrato de arrendamento existente entre as partes.
Com efeito, não há dúvida que estamos perante um contrato de arrendamento urbano para fins habitacionais, com todas as características enunciadas na decisão recorrida, sem que exista discussão sobre as mesmas, pelo que apenas haverá que aferir se existe fundamento para a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas.
Como é sabido, nos termos do disposto no artigo 1079º do Código Civil, o arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei.
Vejamos, então, o que nos diz a Lei relativamente à obrigação de pagamento da renda.
Sob a epígrafe Tempo e lugar do pagamento, o artigo 1039º do Código Civil preceitua que «1. O pagamento da renda ou aluguer deve ser efetuado no último dia de vigência do contrato ou do período a que respeita, e no domicílio do locatário à data do vencimento, se as partes ou os usos não fixarem outro regime».
Decorre desta norma que senhorio e inquilino, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, aflorado no artigo 405º, nº 1, do Código Civil, são livres de fixar a data em que se vence a obrigação de pagamento da respectiva renda. E, assim sendo, é incontroverso que a cláusula convencionada pelas partes relativamente à data do vencimento da renda é válida, enquadrando-se, aliás, nos usos do mercado de arrendamento. Tendo, então, as partes estipulado que a renda se vence no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeita, coloca-se a questão de saber quais as consequências da falta de pagamento da renda nesse dia.
A solução encontra-se plasmada no artigo 1041º do Código Civil que, sob a epígrafe Mora do locatário, estipula o seguinte:
«1 - Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20 % do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.
2. Cessa o direito à indemnização ou à resolução do contrato, se o locatário fizer cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo».
Decorre, então, desta norma que, no caso de o arrendatário não pagar a renda na data do seu vencimento, goza de uma moratória de oito dias, para pagar a renda sem qualquer acréscimo e que, se deixar passar esse período sem proceder ao pagamento, o senhorio, para manter o contrato, poder-lhe-á exigir o pagamento de indemnização igual a 20% do que for devido.(…)”
Logo, aqui chegados importa saber se face à mora, consubstanciada na falta de pagamento das rendas devidas, poderia a Apelante pedir a resolução do contrato de arrendamento.
Ora, resulta dos factos provados que os primeiros Apelados estariam em dívida para com o Apelante relativamente aos valores das rendas referentes aos meses entre Março de 2023 e Setembro de 2023.
Provou-se, ainda, que os Réus efectuaram, entretanto, os seguintes pagamentos:
- em 09.09.2023, € 500,00,
- em 07.10.2023, € 500,00 e ainda em 7-10-2024: € 150,00,
- em 10.11.2023, € 500,00 e ainda em 10-11-2023: € 150,00,
- em 11.12.2023, € 500,00,
- em 9-1-2024: € 150,00,
- em 9-2-2024 € 500,00 e ainda em 9-2-2024: € 50,00,
- em 9-3-2024 € 500,00 e ainda em 9-3-2024 mais € 50,00,
- em 13-4-2024 € 500,00,
- em 13-6-2024: € 250,00.
Destarte, ao invés do que consta na decisão recorrida não nos parece exacta a conclusão de que à data da propositura da acção (7.12.2023) só estava em dívida parte da renda de Junho desse ano (€ 200,00) e que não se verificava nessa data mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda.
Desde logo, porque a renda vencida no início do mês de Junho, em 7.12.2023, estava inequivocamente vencida há mais de três meses, e o facto de só estar em dívida parte dela (€ 200,00) afigura-se-nos irrelevante, uma vez que o pagamento para ser pontual tem de ser integral.
Por outro lado, além dessa quantia, ainda estavam em dívida as rendas vencidas no primeiro dia útil dos meses de Julho, Agosto, Setembro, Agosto, Outubro, Novembro e Dezembro, além do remanescente da quantia referente ao mês de Junho, uma vez que desde a data do pagamento, em 10.11.2023, nenhum outro pagamento foi efectuado até à data de propositura da acção, que ocorreu a 7.12.2023.
Ora, decorre do disposto no artigo 1083.º do Código Civil que:
«1 - Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
(…)
3 - É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo seguinte.
4 - É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte.
(…)
6 - No caso previsto no n.º 4, o senhorio apenas pode resolver o contrato se tiver informado o arrendatário, por carta registada com aviso de receção, após o terceiro atraso no pagamento da renda, de que é sua intenção pôr fim ao arrendamento naqueles termos».
Assim, a falta de pagamento da renda no tempo e lugar próprios constitui violação do princípio da pontualidade, por parte do arrendatário, face ao qual o senhorio pode fazer cessar o contrato, por meio de resolução judicial ou extrajudicial (cfr. artigos 1079.º, 1080.º, 1083.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código Civil, e 14.º e 15º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro).
Com efeito, a obrigação principal do locatário, como contrapartida do gozo do locado, consiste no pagamento da renda ao locador, no tempo e lugar consagrados na lei, salvo estipulação em contrário (cfr. artigos 1038.º, al. a) e 1039.º, n.º 1 do Código Civil).
Logo, no caso de o arrendatário não pagar ao senhorio a renda acordada durante três meses, forma-se na esfera jurídica deste o direito potestativo de resolver o contrato de arrendamento.
Como é sabido, a resolução é uma forma de extinção dos contratos, prevista nos artigos 432.º e seguintes do Código Civil, fundada na lei ou em convenção.
A resolução tem efeito retroactivo, ressalvando-se, nos contratos de execução continuada ou periódica, as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas.
Conforme atrás referimos, um dos fundamentos de resolução, legalmente previsto no artigo 1083.º, n.º 3, do Código Civil, é precisamente a mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário.
A resolução pode operar, como já se disse, por via judicial.
Posto isto, atentando na factualidade provada, verifica-se que, efectivamente, os primeiros RR não procederam ao pagamento das rendas em falta atrás mencionadas, pretendendo a A. resolver o contrato com esse fundamento.
Assim, conforme já anteriormente referimos, à data da propositura da acção (07/12/2023), encontravam-se em mora as rendas vencidas referentes aos meses de Julho, Agosto, Setembro, Agosto, Outubro, Novembro e Dezembro, não sobejando, portanto, dúvida quanto à ocorrência do pressuposto invocado (mora superior a 3 meses).
Conforme, também, atrás citamos, estipula o artigo 1083º, nº 1 e 2, do Código Civil, que qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte, que pela sua gravidade ou consequências torne inexigível a manutenção do arrendamento, designadamente, as ali elencadas, quanto à resolução pelo senhorio.
Acrescenta o nº 3, do preceito, que é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, cuja resolução pode operar por comunicação à contraparte, sem prejuízo de a resolução ficar sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de 1 mês ou, nos termos do disposto nos artigos 1084º, nº 2 e 3, do citado diploma. Resulta dos preceitos supra citados que enquanto o nº 2, do artigo 1083º, indica situações de incumprimento fundamentadoras do direito à resolução do contrato, cujo elenco não é taxativo, sendo que qualquer situação de incumprimento contratual fundamentadora de resolução deverá, ainda, obedecer à cláusula geral estabelecida, qual seja, tornar inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, o nº 3 refere duas situações de incumprimento que tornam inexigível a manutenção do contrato de arrendamento.
No caso vertente, os 1ºs. Réus, à data da propositura da ação, não haviam procedido ao pagamento das rendas devidas desde Julho a Dezembro de 2023, tendo procedido ao pagamento parcial da renda referente ao mês de Junho (€ 200,00), nem procederam ao seu depósito acrescido do montante da indemnização de 20% até à data da contestação, por forma a fazer cessar a mora, sendo certo que atendendo ao montante de rendas em dívida se torna inexigível, nos termos do artigo 1083º, nº 2 e 3, do Código Civil, a manutenção do contrato por parte do senhorio.
Destarte, o Autor/Apelante provou o vencimento das rendas em número suficiente para fundamentar o despejo, mas os Apelados não demonstraram quer o pagamento integral das rendas, quer a celebração de um acordo, quer a aceitação de um acordo por parte do senhorio, quer a inexigibilidade das rendas.
É certo que procederam ao pagamento de alguns montantes de renda após a instauração da acção, sem que, todavia, tivessem expurgado a mora.
Ora, o locatário incorre em mora sempre que não cumpra pontualmente a obrigação de pagar a renda, pelo montante total, no dia do vencimento e no lugar de pagamento.
É certo que a resolução do contrato de arrendamento depende do preenchimento dos requisitos previstos no n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil, sendo fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.
Todavia, a verificação de uma situação de inadimplência enquadrável no n.º 3 do referido normativo basta para, por si só, tornar inexigível para o locador a manutenção do arrendamento.
Ora, a realidade factual provada constitui fundamento legal para a resolução do contrato de arrendamento, no âmbito da aplicação do artigo 1083.º, n.º 3, do Código Civil, sendo que os arrendatários, até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa, não pagaram, depositaram ou consignaram em depósito as somas devidas e a indemnização referida no artigo 1048.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto.
Assim, no caso em apreço, ficou demonstrado que os primeiros Apelados não procederam ao pagamento das rendas aludidas, fazendo nascer na esfera jurídica do Apelante o direito de resolução do contrato nos termos do artigo 1083º nº 3 do Código Civil.
Acresce que, instaurada a acção, competiria aos arrendatários purgar a mora até à contestação da acção, o que não fizeram.
A propósito de tal temática importa ter presente o exposto por Albertina Pedroso[1], ainda que face à redacção anterior do art.º 1041º, mas cujo princípio se mantém, ao referir que:
«Diz-nos ainda o artigo 1041.º, n.º 1, que se o locatário se constituir em mora, entenda-se mora relevante em face do que dispõe o seu n.º 2, o locador tem o direito de exigir, além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento. Como entender então, em face deste referido normativo, o segmento do n.º 4 do artigo 1083.º quando refere a final “não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte”, ou seja, não permitindo que, nestes casos, o arrendatário possa pôr fim à mora no prazo de um mês, pagando a renda e a indemnização?
De facto, perante o que dispõem os n.ºs 3 e 4 do artigo 1041.º, torna-se difícil entender o respectivo alcance porquanto segundo estes, quando o arrendatário se constitui em mora relevante, o senhorio tem o direito de recusar o recebimento das rendas seguintes, mas se as receber tal não o priva do direito à resolução do contrato ou à indemnização referida.
Porém, tem de optar: ou resolve o contrato e tem direito ao pagamento das rendas em singelo; ou recebe a indemnização e tal não lhe dá lugar à possibilidade de accionar a sanção para o incumprimento que consiste na possibilidade de resolver o contrato.
Por seu turno, o artigo 1042.º do CC, com a redacção introduzida pela Lei n.º 31/2012, sob a epígrafe, Cessação da mora, dispõe que: «1. O locatário pode pôr fim à mora oferecendo ao locador o pagamento das rendas ou alugueres em atraso, bem como a indemnização fixada no n.º 1 do artigo anterior. 2. Perante a recusa do locador em receber as correspondentes importâncias, pode o locatário recorrer à consignação em depósito».
Ora, da própria epígrafe do preceito decorre que a mora cessa nos termos do preceito, ou seja, quando o locatário que se encontra em mora pagar as rendas acrescidas da indemnização. Nessa ocasião, o locatário faz cessar a mora, põe fim à mesma, ou seja, deixa de estar em mora e, como tal, cessa a situação de incumprimento em que se encontrava. Portanto, se a mora cessa quando o arrendatário paga a indemnização - e não se diga que este preceito é apenas para a locação porquanto o mesmo refere-se claramente ao pagamento das rendas ou alugueres, pelo que também se aplica ao arrendamento - mesmo que esta situação aconteça mais do que 4 vezes num ano, não pode depois esta mora “renascer” para que o locatário se considere constituído em mora nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1083.º, n.º 4, porquanto ele constituiu-se em mora, mas fê-la cessar nos termos da lei.
Acresce que, a lei nestes casos, nem sequer dá ao senhorio a possibilidade de não aceitar a indemnização. De facto, se ele se recusar a receber estas importâncias, o locatário pode recorrer à consignação em depósito, purgando a mora, ou seja, acabando com a situação de incumprimento em que se encontrava passível de fundar a resolução do contrato.
Ora, se assim é, e se no n.º 4 do artigo 1083.º o legislador impede o arrendatário de purgar a mora nos casos de reiteração do atraso no pagamento da renda, afastando a aplicação do artigo 1084.º, n.º 3, do CC, em face da sua conjugação com o preceituado nos artigos 1041.º e 1042.º do CC, pensamos que a interpretação mais adequada daquele preceito, só pode ser a de que o referido fundamento de resolução se aplica aos casos em que o arrendatário pagou a renda mais de oito dias depois da data contratualmente fixada e a renda foi recebida em singelo pelo senhorio, porquanto a recepção de novas rendas não priva o locador do direito à resolução do contrato de arrendamento - artigo 1041.º, n.º 4.
Desta sorte, nos casos em que o arrendatário se constituiu em mora relevante, nos termos sobreditos, por mais de 4 vezes seguidas ou interpoladas, e ainda se encontra em mora aquando da instauração da acção pelo senhorio, deve entender-se que o legislador considera que tal constitui um comportamento que compromete de tal forma irremediavelmente o sinalagma contratual que torna, sem mais, inexigível a manutenção do contrato, não lhe sendo consequentemente possível purgar agora a mora que não fez oportunamente cessar nos termos em que os artigos 1041.º e 1042.º o admitiam a fazer, cessando o incumprimento.
Caso, porém, o arrendatário se tenha constituído em mora relevante que haja oportunamente purgado com o pagamento da indemnização de 50%, por via do artigo 1041.º, n.º 1 (actualmente 20%), deve entender-se, em face da previsão do artigo 1042.º que aquele fez cessar a mora, aceitando obrigatoriamente o senhorio a indemnização como compensação pelo incumprimento e, como tal, este não pode depois “renascer” para fundar a grave sanção agora consagrada no n.º 4 do artigo 1083.º, e que se reporta a uma mora operante.
Este entendimento é o único que se nos afigura efectuar uma interpretação harmoniosa do sistema.
Do exposto, resulta que, no caso em apreço, instaurada a acção competiria ao locatário purgar a mora nos termos previstos em tal preceito, sendo esta a forma de obstar à resolução, ou seja, efectuar o pagamento do valor das rendas devidas acrescidas da indemnização de 20%, até à data da contestação da acção.
Considerando que, no caso concreto, os Apelantes perante a comunicação da resolução, que resulta do pedido formulado na acção, que não justifica qualquer comunicação prévia adicional, apenas efectuaram, em prazo, o pagamento parcial das rendas em singelo, mantém-se a mora.
De tudo o exposto, resulta que há fundamento legal para a resolução do contrato de arrendamento.
É, pois, de concluir existir fundamento legal para a pretendida resolução do contrato por falta de pagamento das rendas.
Impõe-se, por isso, o provimento da apelação nos referidos termos.
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Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto em julgar provido o recurso de apelação, declarando resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre a A. e os primeiros RR., com a consequente entrega do locado ao A., confirmando, no demais, a decisão recorrida.
Porto, 22 de Maio de 2025
Paulo Dias da Silva
Ana Vieira
Isabel Peixoto Pereira
(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)
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[1] Cfr. A resolução do contrato de arrendamento no novo e novíssimo regime do arrendamento urbano, Revista Julgar, n.º 19, 2013.