MAIOR ACOMPANHADO
DECRETAMENTO DE MEDIDA
PRESSUPOSTOS
Sumário

I - O principio da livre apreciação da prova não permite que se comprove uma factualidade sem qualquer meio de prova produzido nos autos.
II - As circunstâncias exteriores ao processo que deram origem a determinada tramitação não podem condicionar o juízo probatório se, afinal, ficaram indemonstradas.
III - O instituto do maior acompanhado consagra um novo paradigma, que rompe com o modelo monista anterior e que assenta na consagração de flexibilidade visando o apoio e benefício da pessoa.
IV - No âmbito do mesmo se uma maior com 88 anos, analfabeta e com um défice cognitivo ligeiro não consegue de forma autónoma levantar dinheiro e gerir a sua vida financeira corrente necessita de uma medida protectora.
V - Se parte relevante do auxílio à mesma tem sido prestado por uma vizinha não se pode considerar que as necessidades de apoio estejam acauteladas através de deveres gerais de assistência, pois, não existe qualquer relação de parentesco.
VI - A limitação dos direitos deve ser a menor possível, na medida do estritamente necessário na situação concreta.

Texto Integral

Processo: 1478/23.0T8VFR.P2

Sumário:

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I RELATÓRIO

AA, id a fls. 2, intentou a presente ação de acompanhamento de maior de BB, pedindo o acompanhamento da Requerida, pela sua neta CC, sobretudo nas decisões que digam respeito aos seus atos da vida de gestão dos seus bens, nomeando-se como acompanhante a sua neta CC.

Alegou, em suma, que a Requerida nasceu no dia 6 de setembro de 1936, vivia com o seu marido, tendo ficado viúva no dia 19 de janeiro de 2023; a Requerente e sua irmã CC são as únicas familiares diretas da Requerida, para além de seu pai e genro; o marido da beneficiária era quem fazia a gestão do dinheiro de ambos, das contas bancárias, bem como de todas as obrigações fiscais, pagamentos de água e eletricidade; era ainda o marido da Requerida que fazia todos os movimentos financeiros, entregando à Requerida os montantes necessários para a compra dos bens alimentares; a Requerida não sabe ler, nem escrever, apenas assina o seu nome; não sabe utilizar o cartão multibanco e utiliza o telemóvel com muita dificuldade; a Requerida, devido à sua idade, embora perfeitamente autónoma, tem já alguns lapsos de memória próprios da idade; devido aos condicionamentos já referidos e porque não tinha o controle financeiro da sua vida, não tem a verdadeira noção do valor do dinheiro; após a morte do marido tem sido a sua neta CC quem lhe presta auxílio e acompanhamento; a Requerida confessou à sua neta CC, ter pedido a terceiros para efetuar levantamentos da sua conta, a quem entregou o cartão multibanco e os códigos respetivos, não tendo a noção da gravidade da sua conduta; não sabendo qual o montante levantado e não conseguindo explicar, porque verdadeiramente se esqueceu, onde gastou cerca de € 300,00 em dois ou três dias; os recursos financeiros da Requerida, são limitados, recebe neste momento uma reforma de cerca de € 400,00 mensais, estando ainda a aguardar a pensão de sobrevivência que lhe será atribuída pelo óbito do marido; as suas netas têm justo e fundado receio que, devido às suas limitações, próprias da idade e também pelo facto de não saber ler, nem escrever e nunca ter tido o controle da sua vida financeira, seja vítima de burlas ou deixe de cumprir com as suas obrigações fiscais, de pagamentos de água e eletricidade; mais têm justo e fundado receio de que contraia dívidas ou pratique atos de disposição de alguns dos seus bens, sem que tenha a verdadeira noção dos atos praticados; apesar de ter capacidade para residir sozinha, porque assim o deseja, a Requerida não tem capacidade para controlar a sua vida financeira.

A beneficiária foi citada para contestar a ação; verificando-se a hipótese prevista nos artºs 895º, nº 2 (beneficiária se encontrar impossibilitada de receber a citação), e 896º, nº 2 (na falta de resposta), do Código de Processo Civil, citou-se o Ministério Público, o qual apresentou contestação.

A beneficiária foi ouvida e sujeita a exame pericial, tendo o Perito Médico, no seu relatório concluído “1 – A examinada é portadora de DÉFICE COGNITIVO LIGEIRO, com alterações cognitivas pouco relevantes e que não atingem grave e globalmente as suas funções psíquicas. 2 – Constata-se assim que não existe à data do exame médico uma limitação grave da faculdade de discernimento da Examinanda. 3 – À luz dos conhecimentos médicos atuais, pode melhorar, com a continuação dos tratamentos médicos e também com a melhoria dos apoios sociais, familiares e também dos serviços de apoio comunitários se e quando necessário; pode também piorar, se tiver algum agravamento dos seus problemas de saúde, nomeadamente problemas cardio-vasculares e também da doença oncológica, e também com o processo de envelhecimento. 5 – A deficiência constatada não limita séria e permanentemente as capacidades da Examinanda, mas impede-a de gerir a sua pessoa e bens de forma autónoma, muito provavelmente desde que enviuvou e passou a viver sozinha, tendo necessidade de ser apoiada nas atividades de vida diárias, nas compras, pagamentos, no recurso aos serviços de saúde e nos tratamentos, nomeadamente medicação que tem de lhe ser devidamente preparada e também nas decisões de gestão patrimonial de maior responsabilidade, tendo em conta os dados disponíveis e a situação clínica à data do exame médico. 6 – Sendo seu desejo regressar a sua casa, não parecendo que isso seja impeditivo de manter o apoio próximo da sua neta, pode atualmente essa situação significar uma melhoria efetiva da sua satisfação pessoal e qualidade de vida, sem prejuízo da efetivação do acompanhamento. 7 – Nestes termos entende o perito que a Examinada é uma maior condicionada no exercício dos seus direitos pessoais e de celebrar negócios da vida corrente por razoes de saúde, sendo indispensável que o Tribunal lhe atribua uma acompanhante, parecendo a sua neta CC ser quem reúne as condições para o desempenho das funções de acompanhamento conforme a vontade claramente expressa pela Examinanda e também pelas suas netas, que a apoie na administração dos bens pessoais e patrimoniais de maior relevância, que a apoie nas atividades simples da vida diária e na utilização de recursos da comunidade, nomeadamente nos cuidados de saúde; sugere-se a revisão periódica do acompanhamento no prazo de 4 anos, dadas as alterações possíveis no seu estado de saúde, pelas doenças e idade”.

Com Vista nos autos, o Ministério Público promoveu que se julgue a ação improcedente, por não se mostrarem verificados os pressupostos do acompanhamento de maior, cfr. artigo 138.º, do Código Civil.

Cumprido o contraditório quanto à posição do Ministério Público, a Requerente pugnou pelo decretamento de acompanhamento da Requerida.

Foi proferida decisão nos termos da qual a acção foi julgada totalmente improcedente.

Inconformada veio a requerente interpor recurso o qual foi admitido de apelação, a subir nos próprios autos e imediatamente, e com efeito meramente devolutivo, nos termos conjugados dos artºs 644º, nº 1, al. a), 645º, nº 1, al. a), 647º, nº 1, todos do referido diploma legal.

Por acórdão deste tribunal foi determinada ao abrigo do art. 662º, nº2, b) e c) do CPC a inquirição da testemunha arrolada pela requerente, a realizar pela mesma titular que inquiriu as restantes, com a consequente anulação da sentença proferida.

Foi realizada essa inquirição com a duração e 5 minutos (acta de 7.1.25) e depois proferida a mesma decisão.

Inconformado, de novo, veio a requerente AA interpor recurso o qual foi admitido nos mesmos termos do anterior.


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2.1. A apelante apresentou as seguintes conclusões cujo restante teor se dá por reproduzido:

1- Como da errada fixação da factualidade provada e não provada resulta prejuízo para a Requerida e decorre da apreciação da matéria de facto uma incorrecta valoração da prova produzida, há necessidade da sua reapreciação, constando dos autos elementos de prova que servem de base à decisão sobre os factos da matéria de facto em causa.

2- A Requerida não sabe ler, nem escrever, apenas assina o seu nome, não sabe utilizar o cartão multibanco e utiliza o telemóvel com muita dificuldade.

3- Têm as suas netas justo e fundado receio que, devido às suas limitações, próprias da idade e também pelo facto de não saber ler, nem escrever e nunca ter tido o controle da sua vida financeira, seja vítima de burlas ou deixe de cumprir com as suas obrigações fiscais, de pagamentos de àgua e electricidade.

4- Mais têm ainda justo e fundado receio de que contraia dívidas ou pratique actos de disposição de alguns dos seus bens, sem que tenha a verdadeira noção dos actos praticados.

5- – Motivo porque entendem, que apesar de ter capacidade para residir sozinha, porque assim o deseja, não tem capacidade para controlar a sua vida financeira.

6- Foi a Requerida submetida a exame pericial, por determinação do Tribunal “a quo”, que conclui o seguinte: Diz o Relatório Médico no Ponto 5: “A deficiência constatada não limita séria e permanentemente as capacidades da examinada, mas impede-a de gerir a sua pessoa e bens de forma autónoma..”.

7- Mais refere o Perito, no Ponto 7 do seu Relatório Pericial, “Nestes termos entende o Perito que a examinada é uma maior condicionada no exercício dos seus direitos pessoais e de celebrar negócios da vida corrente, por razões de saúde, sendo indispensável que o Tribunal lhe atribua uma acompanhante, parecendo a sua a neta CC, ser quem reune as condições para o desempenho das funções de acompanhamento, conforme vontade expressa pela examinada e também pelas netas, que a apoiam na administração dos seus bens pessoais e patrimoniais de maior relevância que a apoiam nas actividades simples da vida diária e na utilização de recursos da comunidade, nomeadamente cuidados de saúde,".

8- Esta foi a conclusão do Relatório Pericial, indicado pelo Tribunal para realizar a perícia, o mesmo Tribunal, que do mesmo relatório apenas retirou o que justificava a decisão proferida, ignorando de forma ostensiva a conclusão do mesmo, que de forma clara e inequívoca considerou a Requerida uma “maior condicionada no exercício dos seus direitos”.

9- O Tribunal “a quo” não teve em consideração a vontade expressa da Requerida e fez tábua rasa do Realtório Pericial a que a mesma foi submetida.

10- Foi a Requerida questionada por diversas vezes pela Meretíssima Juíz, se pretendia ter acompanhamento e quem pretendia que fosse esse acompanhante, tendo a mesma reiterado que pretendia ter acompanhamento e que pretendia que fosse a sua neta CC a dar esse acompanhamento.

11- Questionada pela Meretíssima Juíz: Minuto 2.38m – Quem faz a gestão do seu dinheiro é a sua neta, a que está aí consigo? A CC? Resposta da requerida: Minuto 2.45m – É a minha neta CC

12- Questionada pela Meretíssima Juíz: Minuto 2.51m – E gostaria que continuasse a fazer a gestão do seu dinheiro? Resposta da requerida: Minuto 3.03m – Sim

13- Questionada pela Meretíssima Juíz: Minuto 17.31m – D. BB se o Tribunal entender que tem necessidade de alguém tratar dos seus assuntos, de ter acompanhamento, gostaria que fosse a sua neta CC, a AA, este casal? Quem gostaria? Resposta da requerida: Minuto 17.49m – Pode ser a minha neta CC, não tenho nada contra ela.

14- Questionada novamente pela Meretíssima Juíz: Minuto 17.53m – Qual o seu desejo se precisar de ter acompanhamento, para pagamentos, de qualquer apoio, quer dizer, se precisar de apoio para tratar de algumas coisas? Resposta da requerida: Minuto 18.58m – Não senhora, não me importava nada que fosse a minha neta CC, até estou de acordo que fosse a CC.

15- A ora recorrente, de tudo informou o Tribunal “a quo”, inclusive do facto de com o desaparecimento da Requerida sua Avó, não ter sido possível fazer a prova de vida junto da Segurança Social Francesa, motivo pelo qual, desde Janeiro de 2024, a requerida deixou de receber a reforma da Segurança Social Francesa, tendo até à data um prejuízo de mais de 3.800€, dinheiro necessário para o sustento da Requerida, que por total desconhecimento e negação completa, da requerida, vem enfraquecendo os seus recursos financeiros e o seu sustento.

16- Não se pode por isso conformar a ora recorrente, com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, não se conforma com o que pode vir a acontecer com a Requerida, sua avó, que está a delapidar o seu património, património necessário para a sua sobrevivência com a dignidade que merece!

17- Não sabe a ora recorrente, onde reside a Requerida, que está impedida do convívio com a família, nomeadamente as suas netas a quem criou e que apenas entendem o comportamento da requerida pelo avançar da idade, pois não consideram normal no comportamento da avó que perdeu a sua única filha, à pouco menos de 4 anos, o seu marido há menos de 3 anos e esteja afastada da única família que lhe resta as netas que criou e os bisnetos.

18- Em caso de dúvida, deveria o Tribunal ordenar nova perícia médica, para assim decidir na posse de todas os factos e aí sim proferir uma decisão que defendesse os interesses da requerida.

19- A decisão proferida, pelo Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito por opinião contrária, não defende os interesses da Requerida BB, não a protege nem defende.

20- A ora recorrente vem assim pugnar pela alteração da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, considerando fundamental e necessário, em face do Relatório Pericial realizado a pedido do Tribunal e a vontade claramente expressa pela Requerida a determinação do Acompanhamento de Maior de BB, para melhor defesa dos seus interesses.


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2.2. O MP respondeu, conforme consta das suas alegações, cujo restante teor se dá por reproduzido, concluindo que:

Perante a pretensão única da recorrente de ver alterada pelo Tribunal ad quem a decisão recorrida através da reapreciação da matéria de facto, é assim, por tudo o supracitado, posição do Ministério Público de que a sentença recorrida deverá manter-se na sua totalidade, não merecendo qualquer reparo e tendo decidido a matéria de facto de forma correta. Não é de aplicar qualquer tipo de medida de acompanhamento pelo não preenchimento dos vários pressupostos legais exigidos, sendo que com os deveres de assistência prestados, o bem-estar de BB está acautelado.


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3 Questões a decidir

1. Apreciar o recurso sobre a matéria de facto

2. Face ao mesmo apreciar se a medida de acompanhamento deve ou não ser decretada e se assim for em que termos.


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4. Do recurso sobre a matéria de facto

O principio da livre apreciação da prova consiste num poder dever que visa permitir a adequação do juízo probatório à realidade processual objectiva, racional e socialmente motivável.

Não é, pois, um espaço de arbitrariedade na qual o tribunal opta pela realidade conforme à sua posição subjectiva e individual.

Essa liberdade não se pode, pois, confundir com pura subjectividade, já que uma mera convicção sem apoio em elementos sérios, objectivos e socialmente razoáveis assume a natureza de uma crença e não de uma conclusão probatória que se quer objectiva, racional e fundada.

Ora, neste caso a tramitação processual demonstra sérios problemas que não apenas continuaram ao longo de todo o processo, como parecem ter condicionado de forma evidente o juízo probatório.

Conforme já se referiu nestes autos, numa promoção, sem a junção aos autos de qualquer elemento documental o Digno MP informou que se encontra instaurado um processo crime por “rapto”[1]. A “vitima” foi inquirida nestes autos e afinal esclareceu que quis residir na sua casa e da primeira vez deslocou-se num táxi e, da segunda, foi levada no carro do seu cunhado.

Logo tal realidade grave e ponderosa parece ter sido completamente indemonstrada sem que, note-se, tenha sido junta aos autos o despacho final de qualquer um desses inquéritos. Este tribunal optou, além do mais, por determinar a inquirição da testemunha ignorada para que, além do mais, possibilitar a junção aos autos dos elementos desse inquérito. Mas note-se que nessa matéria o MP, mais uma vez, nada disse ou informou.


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2. Dos concretos meios de prova

Consta dos autos um exame pericial que possuiu várias conclusões, nomeadamente que padece de uma deficiência cognitiva ligeira que “a impede de gerir a sua pessoa e bens de forma autónoma”. Ora, não apenas esse exame pericial foi ignorado pela decisão recorrida (apesar de constar do relatório e do primeiro acórdão) como, no último acto de produção de prova, a testemunha Sr. DD foi confrontada com uma única parte do mesmo que, pelos vistos foi apreendido como concluindo (apenas) que se trata de uma deficiência ligeira. Ou seja, o tribunal a quo e o MP fizeram tábua rasa das restantes conclusões, nas quais expressamente se afirma que “é indispensável que o tribunal lhe atribua uma acompanhante” (nosso sublinhado).

Os restantes documentos fortalecem esse juízo pericial: da certidão de nascimento resulta ainda que a Sra. BB tem já 88 anos (nasceu em ../../1936), sofreu várias doenças graves (um avc no último ano conforme documentação clínica junta).

Esta admite até que é analfabeta e não consegue sequer distinguir as notas, nem levantar dinheiro no multibanco.

Da produção de prova teremos de notar que as duas testemunhas inquiridas oficiosamente (casal vizinho da Sra. BB e que a ajudam diariamente) fortalecem essa conclusão já que dizem que esta não consegue levantar dinheiro no multibanco sem a sua ajuda.

Depois, o Sr. DD (testemunha constante do ról e cuja inquirição foi inicialmente ignorada) confirma que a Sra. BB não é capaz de gerir o seu dinheiro seja pela sua idade, seja porque é analfabeta, seja porque no decurso da sua vida nunca efectuou essa actividade. Mais referiu aliás que devido à omissão da prova de vida terá perdido a “sua pensão de frança” (facto omitido dos factos provados).
Por último, a Sra. BB, nas suas declarações complementares afirma: “quer ficar na sua casa e gostaria que alguém vivesse com ela, sendo que admite de forma clara precisar de ajuda para levantar dinheiro”[2].
É, pois, evidente que o juízo probatório, desrespeitou a prova constante dos autos, ignorou um relatório médico legal e fez tábua rasa do próprio depoimento da Sra. BB.

Terá, pois, de proceder o recurso da matéria de facto nos termos que infra constam dos factos provados que incluem factos não postos em causa pelo apelante e outros constantes das suas alegações


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5. Motivação de facto

1. BB, nasceu no dia 6 de setembro de 1936 e tem o estado civil de viúva.

2.. Tem duas netas AA que reside em França e CC.

3. A neta CC vive com o seu marido e filha na freguesia ..., concelho de Ovar.

4. São as netas que prestam apoio à beneficiária, mas pela proximidade é a sua neta CC que lhe presta mais apoio, sobretudo desde que ficou viúva.

5. Por duas vezes a Sra. BB abandonou a residência da sua neta para viver na sua casa, local onde (na data da sua inquirição) residia sozinha com o apoio de um casal vizinho para as suas necessidades diárias.

6. O marido da beneficiária faleceu no dia 19 de janeiro de 2023.

7. Era o marido da beneficiária quem fazia a gestão dos dinheiros, assumindo os pagamentos e também as compras, a beneficiária conseguia cumprir as tarefas domésticas, acompanhando também o marido nas compras.

8. A beneficiária tem antecedentes patológicos, controlados farmacologicamente, Hipertensão Arterial e Dislipidémia.

9. A beneficiária não sabe ler, mas sabe assinar o nome.

10. A beneficiária demostrou vontade que a sua neta CC continuasse a apoiá-la mas compras, nos pagamentos, e também nas consultas e tratamentos.

11. Dá-se por integralmente reproduzido o exame psiquiátrico médico legal, cujas conclusões são:

12. O actual estado de saúde não atinge grave e globalmente as suas funções psíquicas mas impede -a de gerir a sua pessoa e bens de forma autónoma tendo necessidade de ser apoiada nas atividades de vida diárias, nas compras, pagamentos, no recurso aos serviços de saúde e nos tratamentos.

13. A beneficiária (só com a presença no terminal) de uma vizinha EE faz levantamentos monetários

14. A sua neta CC é quem faz os pagamentos (de água, luz) da beneficiária.

15. Durante a sua inquirição a Sra BB admitiu que precisava de ajuda na sua vida quotidiana, em especial em assuntos monetários e verbalizou que a pessoa indicada para o fazer seria a sua neta requerente dos autos.

16. Manifestou ainda vontade de residir na sua casa.

17- A Sra. BB pode auferir uma pensão da Segurança Social Francesa, para cujo recebimento é necessário fazer “prova de vida” que esta não efectuou”, pelo que deixou de a receber desde Janeiro de 2024, tendo até à data um prejuízo indeterminado mas correspondente a esse valor mensal.


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D) Fundamentação de Direito

1. Enquadramento geral

A personalidade jurídica é inerente à capacidade jurídica ou capacidade de gozo de direitos, a qual consiste na aptidão para ser titular de relações jurídicas -art. 67º do C.Civil.

A de capacidade de exercício de direitos, ou capacidade de agir é distinta.

Nas palavras de Mota Pinto[3], “A capacidade de exercício ou capacidade de agir é a idoneidade para actuar juridicamente, exercendo direitos ou cumprindo deveres, adquirindo direitos ou assumindo obrigações, por acto próprio e exclusivo ou mediante um representante ou procurador(...)”.

No caso de faltar ao sujeito esta aptidão para atuar pessoal e autonomamente, sem necessidade de ser substituído na prática dos atos referentes à sua esfera jurídica, estamos perante uma situação de incapacidade de exercício de direitos.

Ora, a Lei nº 49/2018, de 14 de Agosto instituiu o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação.

A consagração deste regime, orientado para a tutela dos indivíduos com capacidade diminuída e inspirado na experiência de ordens jurídicas culturalmente próximas, visou corresponder a instrumentos internacionais vinculantes para o Estado Português, como a Convenção das Nações Unidas de 30 de Março de 2007 sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ou a Convenção de Haia de 2000, relativa à Proteção Internacional de Adultos[4]. –

A Convenção das Nações Unidas de 30 de Março de 2007 sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, principal ponto de partida do regime, tem como objetivo “promover, proteger e garantir o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”, privilegiando, como princípios gerais, entre outros:

- O respeito pela dignidade inerente, autonomia individual, incluindo a liberdade de fazerem as suas próprias escolhas, e independência das pessoas;

- Não discriminação;

- Participação e inclusão plena e efetiva na sociedade;

- O respeito pela diferença e aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e humanidade - art. 1º, nº 1 e 3º da Convenção.

O instituto do maior acompanhado consagra, pois, um novo paradigma, que rompe com o modelo monista anterior e que assenta na consagração de flexibilidade, procurando “uma harmonia com a diversidade e singularidade da necessidade pessoal do beneficiário, fundado no “reconhecimento de que as diferentes situações de incapacidade, com graus diferenciados de dependência, carecem de respostas e de apoios distintos”[5].

Como salienta, entre vários, o Ac da RP de nº 4285/18.8T8MTS.P1 (Neto de Moura) “A profunda alteração introduzida no nosso ordenamento jurídico pela Lei n.º 49/2018, de 14/08, em vigor desde 10.02.2019, que instituiu o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil, pautou-se pela proteção do “interesse do incapaz” como “interesse determinante”.

Porque, como refere António Pinto Monteiro[6] era urgente consagrar medidas que pudessem auxiliar as pessoas com deficiência, mantendo estas a sua capacidade de exercício de direitos, “proteger sem incapacitar”, e que o novo regime constitui uma louvável mudança de paradigma, deixando a pessoa deficiente de ser vista como mero alvo de políticas assistencialistas e paternalistas, para se reforçar a sua qualidade de sujeito de direitos.

Por isso, a actual solução legal portuguesa consiste num regime flexível que abandonou o tudo ou nada no decretamento da medida de acompanhamento, norteado por uma ideia de subsidiariedade das limitações impostas ao acompanhado, impondo a restrição dos direitos, liberdades e garantias, na medida do estritamente necessário.

Nesse sentido, o acompanhamento, deve preservar o conteúdo dos direitos pessoais do acompanhado e a liberdade de regência de negócios da vida corrente, estabelecendo as medidas que se apresentem como menos restritivas do direito de decisão do acompanhado na condução da sua vida tanto pessoal como patrimonial, salvaguardando todos os direitos, liberdades e deveres que a capacidade natural do beneficiário proporcionar.[7]

O instituto do acompanhamento de maior é, por isso, norteado pelos princípios de:

a) proporcionalidade,

b) subsidiariedade,

c) necessidade,

d) flexibilidade

e) e fiscalização.

Por outro lado, conforme determina o art. 12º, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, o acompanhamento visa o apoio e não a substituição do maior acompanhado na formação e exteriorização da sua vontade, pondo em relevo a sua dignidade e procurando, tanto quanto possível, preservar a sua autodeterminação e o reconhecimento da sua igualdade perante a lei.[8]

2. Dos requisitos de aplicação da medida.

O art. 140º, nº 1, do C.Civil, dispõe que “O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença”.

Essa norma conjugada com o art. 138º, do CC define os pressupostos para que uma pessoa beneficie de medidas acompanhamento.

Dispõe o art. 138º, do C. Civil: “O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código”.

Ou seja, não existe já, como estava estabelecido no regime anterior, a necessidade de ocorrer uma impossibilidade grave de exercício total mas sim que a sua situação evidencia a necessidade de decretamento da medida de acompanhamento entendida como uma medida de apoio.[9]

Por causa disso, actualmente, o juízo de necessidade quanto ao estabelecimento de medidas de acompanhamento deve fundamentar-se[10]:

a) num constrangimento do indivíduo, seja por saúde, deficiência ou comportamento (causa ou elemento subjetivo);

b) que lhe determine uma redução de esclarecimento e autodomínio para o exercício de direitos ou cumprimento de deveres (consequência ou elemento objetivo),

No que respeita às causas ou elementos subjetivos, o legislador optou por uma formulação ampla, capaz de abarcar as mais diversas situações que possam determinar incapacidade natural para o beneficiário.

Sendo certo que “Por saúde devem entender-se os casos em que o indivíduo adquira uma debilidade, mormente por idade ou doença, resultante do enfraquecimento da sua normal autonomia, incluindo as patologias físicas ou psíquicas que não possam considerar-se deficiência, bem como eventos traumáticos (AVC, coma, etc.)”[11].

Nos termos do art. 2º, da Lei nº 38/2004, de 18 de Agosto, a pessoa portadora de deficiência é definida como “aquela que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de funções ou de estruturas do corpo, incluindo as funções psicológicas, apresente dificuldades específicas suscetíveis de, em conjugação com os fatores do meio, lhe limitar ou dificultar a atividade e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas”.

Cumpre notar que “a lei não obriga a que a causa da impossibilidade seja duradoura, habitual ou permanente, mas tão-só que condicione o beneficiário de tal modo que o impossibilite de cuidar dos seus interesses e de corresponder aos seus deveres, ou de adquirir direitos e assumir obrigações, pese embora seja de exigir uma determinada constância[12].

O acompanhamento pode surgir assim como salvaguarda da pessoa que padeça de qualquer perturbação que diminua ou a prive da capacidade de, na sua plenitude, de modo autónomo corresponder ao exercício de direitos ou ao cumprimento dos seus deveres.


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3. Da aplicação ao caso concreto

Das prudentes conclusões do relatório pericial psiquiátrico realizado nos autos parece evidente, que a Sra. FF necessita de protecção e ajuda. Basta dizer que esta não consegue, sem a ajuda de uma vizinha, levantar dinheiro, pagar as suas compras correntes, ler uma carta, pagar uma conta, etc.

Logo, é evidente que esta necessita de ajuda para o normal funcionamento da sua vida corrente, não apenas devido à sua idade (fará 89 anos em Setembro), como ao seu estado de sáude, como à sua própria condição pessoal e cultural (é analfabeta).

Pretender-se, pois, que o actual estado deve ser mantido, porque tudo está bem é ignorar o próprio apelo da beneficiária que diz saber que gostava de ter e sabe precisar de ajuda.

Ora, se esta ajuda está a ser de facto prestado em especial por um casal de vizinhos (inquiridos oficiosamente como testemunhas) é, por certo, mais benéfico para a protecção da interessada que essa intervenção seja objecto de uma formalização judicial que permite o seu posterior controle através da fiscalização e prestação de contas.

Quanto à proporcionalidade teremos de notar que a medida requerida diz respeito, apenas à gestão patrimonial da requerida pelo que se situa no âmbito mínimo da intervenção.

4. Da subsidiariedade

Neste campo é necessário que as carências protetivas do beneficiário não estejam suficientemente acauteladas através de deveres gerais, como é o caso das relações de parentesco – auxílio e assistência, à luz do art. 1874º, do C. Civil – e de casamento – cooperação e assistência, de acordo com os art. 1672º, 1674º e 1675º do C.Civil.

É, portanto necessário avaliar se o objetivo do acompanhamento se mostra garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam, de acordo com o limite de supletividade consagrado no art. 140º, nº 2, do Código Civil.

Ora, neste campo, teremos de discordar frontalmente da decisão recorrida.

Desde logo, a beneficiária não se alimenta sem compras e não realiza estas sem a ajuda da sua vizinha. Basta dizer que estes admitem serem eles quem a “ajuda” a fazer levantamentos e compras correntes que esta não consegue fazer autonomamente. Logo, pelo menos nesta dimensão é evidente que algum apoio é necessário.

Depois, dessa mesma realidade resulta que afinal o apoio familiar não resultou e torna necessária uma intervenção institucional. Basta dizer que não apenas a omissão de intervenção já prejudicou patrimonialmente a interessada (com a não realização da prova de vida necessária para receber uma pensão), como afinal, é a própria pessoa que na óptica do mesmo tribunal presta esses cuidados que veio afirmar que:

a) “a avó aqui Requerida confessou à sua neta CC, ter pedido a terceiros para efectuar levantamentos da sua conta, a quem entregou o cartão multibanco e os códigos respectivos”.

b) “porque entendem, que apesar de ter capacidade para residir sozinha, porque assim o deseja, não tem capacidade para controlar a sua vida financeira”.

Essa posição é aceite e foi transmitida pela beneficiária, sendo reforçada pelo relatório pericial. Quanto a esta questão teremos de notar que é a própria que afirma que está a ser auxiliada diariamente por vizinhos, o qual note-se não são parentes ou familiares nos termos do art. 140º, nº2, do CC.

Ou seja, quando se defende neste caso que “a medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam” (art. 140º, nº2, do CC), omite-se que afinal quem acompanha a beneficiária nos seus actos patrimoniais do dia a dia, incluindo o levantamento de dinheiro é uma sua vizinha e não as netas ou familiares.

E, tanto basta, para que uma medida seja decretada, pela simples razão que o acompanhante terá de prestar contas da sua actividade e poderia até ficar sujeito à fiscalização do concelho de família. Logo, existe uma necessidade efectiva, acrescida de uma necessidade de fiscalização dos actos de gestão ainda que corrente.

5. Da fixação do regime

Nos termos legais existem apenas duas consequências imperativas decorrentes do acompanhamento de maior: a designação de, pelo menos, um acompanhante (art 143º, do C. Civil) e a sujeição de atos de disposição de bens imóveis a autorização judicial prévia e específica (art. 145, nº 3, do C. Civil).

Em tudo o resto, o âmbito do acompanhamento será definido à luz do circunstancialismo apresentado ao Tribunal, limitando-se ao necessário - art. 145º, nº 1, do C. Civil - e preservando tanta autonomia do acompanhado quanto a sua capacidade de facto lhe permita.


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Quanto ao acompanhante a única familiar próxima residente nas proximidades é a requerente, sendo que esta foi a pessoa designada pela beneficiária.

Logo, nos termos do art. 143º, nº1 e 2, do CC será essa a pessoa designada.


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Quanto às medidas

Foi formulado o seguinte pedido: “a decretação do acompanhamento da R. pela sua neta CC, sobretudo nas decisões que digam respeito aos seus actos da vida civil gestão dos seus bens sobretudo nas decisões que digam respeito aos seus dos seus bens”.

Face à dimensão (ligeira) dos problemas pessoais e de saúde da beneficiária é evidente que deve ser essa a única medida a adoptar.

Desde logo, porque se deve privilegiar o apoio na tomada de decisão, em detrimento da substituição do acompanhado pelo acompanhante na exteriorização da sua vontade, circunstância que não só se harmoniza com a consagração da sua independência mas que igualmente propende para a respetiva estimulação, responsabilização e reabilitação[13].

Podemos, portanto optar por modelos de acompanhamento que vão desde o mero apoio ou assistência até medidas de efetiva substituição.

Para esse efeito, estatui o art. 145º, nº 2, do Código Civil:

Em função de cada caso e independentemente do que haja sido pedido, o tribunal pode cometer ao acompanhante algum ou alguns dos regimes seguintes:

a) Exercício das responsabilidades parentais ou dos meios de as suprir, conforme as circunstâncias;

b) Representação geral ou representação especial com indicação expressa, neste caso, das categorias de atos para que seja necessária;

c) Administração total ou parcial de bens;

d) Autorização prévia para a prática de determinados atos ou categorias de atos;

e) Intervenções de outro tipo, devidamente explicitadas.”

In casu é evidente que a Sra. FF está apta a escolher o seu local de residência (e frisou várias vezes que queria viver na sua casa), e que a mesma tem ainda capacidade para gerir os seus negócios do dia a dia desde que seja auxiliada no levantamento de dinheiro.

Dispõe nesta matéria o art. 147º, do Código Civil que:

“1 - O exercício pelo acompanhado de direitos pessoais e a celebração de negócios da vida corrente são livres, salvo disposição da lei ou decisão judicial em contrário.

2 - São pessoais, entre outros, os direitos de casar ou de constituir situações de união, de procriar, de perfilhar ou de adotar, de cuidar e de educar os filhos ou os adotados, de escolher profissão, de se deslocar no país ou no estrangeiro, de fixar domicílio e residência, de estabelecer relações com quem entender e de testar”.

Logo a medida será limitada apenas à gestão patrimonial já que: “a regra geral é de reconhecer a capacidade da pessoa humana para exercer de forma livre os seus direitos pessoais (Art. 147.º n.º 2 do C.C.), sendo as restrições ou limitações ao seu exercício a exceção, que sempre deverá ser bem fundamentada[14].


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Nos termos do artigo 900º do Código de Processo Civil na decisão final o juiz fixa, sempre que possível, a data a partir da qual se iniciou a necessidade de acompanhamento.

In casu não há elementos (tendo em conta o teor do relatório pericial que não fixou qualquer data e usa a expressão provavelmente) pelo que se fixa a mesma na data em que foi elaborado o relatório pericial.

Por fim, face ao actual estado de saúde da beneficiária é evidente que esta pode livre e capazmente optar pelo local da sua habitação bem como usar os seus poderes de testar, bem como de gerir as suas aquisições correntes do dia-a-dia.


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6. Deliberação

Pelo exposto, este tribunal colectivo, julga a presente apelação procedente por provada e, por via disso, revogando a decisão recorrida:

1. Declara a Sra. AA, beneficiária de medida de acompanhamento, sujeita ao regime da Administração parcial de bens (cfr. Art.s 138.º e 145.º, n.º 2, al. c), 1.ª parte, do C.C.), incluindo bens móveis, imóveis e recebimento das suas pensões.

2. Designa a Sra CC acompanhante da beneficiária.

3. Os poderes de Administração incluem a totalidade dos bens, exceptuando as aquisições necessárias à sua vida corrente que esta realizará autonomamente após recebimento de uma quantia monetária, adequada para esse fim, a entregar mensalmente pela acompanhante. Os actos de disposição de bens imóveis carecem de autorização judicial prévia e específica.

4. Atribuiu ao acompanhante poderes de representação geral da beneficiária, que segue o regime da tutela, com as necessárias adaptações por força da entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14/8, designadamente os poderes para receber pensões e/ou subsídios e geridos em benefício e de acordo com as necessidades da beneficiária.

5. Consigna que a acompanhante no exercício da sua função, deverá privilegiar o bem-estar da acompanhada, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação, devendo manter um contacto permanente com aquela, visitando-a, no mínimo, uma vez por mês.

6. Dispensa a nomeação de Conselho de Família (cfr. Art. 900.º n.º 2 do C.P.C.).

7. Consigna que, para os efeitos do disposto no Art. 2189.º, al. b) do C.C., a beneficiária é capaz de testar, mas não de alienar, doar ou onerar.

8. Consignar que a beneficiária, salvo agravamento do seu estado de saúde pode optar por continuar a residir na sua casa ou habitar com a acompanhante ou outra pessoa.

9. Consigna que não existe notícia de que a beneficiária tenha outorgado testamento vital e/ou procuração para cuidados de saúde (cfr. Art. 900.º, n.º 3 do C.P.C. e Art.s 4.º al. b), 14.º n.º 3 e 16.º da Lei n.º 25/2012, de 16/7).

10. Fixa em quatro anos o prazo de revisão da medida aplicada, nos termos e para os efeitos previstos no Art. 155.º do C.C..

11. Fixa o inicio da incapacidade para doar e alienar bens de qualquer natureza desde a data da realização do exame pericial (10.11.23).

Sem custas – art. 4º, nº 2, h), do Regulamento das Custas Processuais.

Após trânsito deverá o tribunal recorrido: comunicar à Conservatória do Registo Civil competente - art. 153º nº 2 do Código de Processo Civil e 1920º-B do Código Civil e publicitar a decisão por anúncios em sítio oficial – art. 893º, nº 2, do C.P.Civil.


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Porto, 22.5.2025
Paulo Duarte Teixeira
Álvaro Monteiro
João Venade
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[1] Promoção de 9.1.24 com o seguinte teor: “Compulsados os autos de inquérito 361/23.3GCVFR e 235/23.8GCOVR (e que se encontram a ser seguidos por estes autos) verifica-se que as circunstâncias de vida da beneficiária se alteraram drasticamente, estando esta agora em forte litígio com a sua neta, a qual é a aqui requerente e indicada para exercer o cargo de acompanhante. Nesses inquéritos são efectuadas acusações graves à aqui requerente, e são levantadas muitas questões sobre o modo como a mesma gere os assuntos.” da beneficiária, inclusive os monetários (importa) “saber se face à instauração de dois processos crime uma vez sobre a pessoa indicada para cargo de acompanhante recaem fortes suspeitas de não ser a pessoa mais adequada para o efeito”. E note-se que a mesma entidade afinal admite (não nas suas alegações mas nessa promoção de 9.1.24 que “Do relatório pericial resulta que a beneficiária apresenta um défice cognitivo ligeiro, que a condiciona na gestão da sua vida, em especial nas questões burocráticas e relacionadas com os rendimentos e património”.
[2] Note-se por exemplo que no seu depoimento complementar diz que marca o código no multibanco, mas que é a amiga/vizinha que lhe indica o montante.
[3] in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., pág. 214.
[4] António Meneses Cordeiro, Da situação jurídica do maior acompanhado. Estudo de políticas legislativas relativo a um novo regime das denominadas incapacidades dos maiores, in Revista de Direito Civil, Ano III (2018), 3, pág. 505 e segs..
[5] cfr. Presidência do Conselho de Ministros, Exposição de motivos da Lei nº 49/2018, de 14 de Agosto, pg. 2
[6] O novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, CEJ, Coleção Formação Contínua, fevereiro de 2019,
págs. 29
[7] considerando n) da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência supra referida.
[8] Joaquim Correia Gomes, Constitucionalismo, Deficiência Mental e Discapacidade: Um Apelo aos Direitos, em Julgar nº 29, pág. 135, 140 e 141.
[9] E não sanção, como decorre do sentido literal da norma (beneficia).
[10] António Pinto Monteiro, Das Incapacidades ao Maior Acompanhado – Breve apresentação da Lei nº 49/2018, em O Novo Regime do Maior Acompanhado, pág. 34).
[11] Ob cit.
[12] Mafalda Miranda Barbosa, Maiores Acompanhados – Primeiras notas depois da aprovação da Lei nº 49/2018, de 14 de Agosto, pág. 53 e 54.
[13] António Pinto Monteiro, ob. cit., p. 36
[14] Ac da RL de 4.2.20, nº 3974/17.9T8FNC.L1-7 (Carlos Oliveira).