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MEDIDA DA PENA
PENA DE MULTA
Sumário
I - Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º do Código de Processo Penal, a medida da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham contra e a favor do arguido, conforme disposto no n.º 2 do mesmo artigo que, nas suas diversas alíneas, apresenta um catálogo exemplificativo de factores a considerar. II - Inexistindo razões objectivas que devessem ser ponderadas e pudessem determinar a alteração da pena de multa imposta deve esta manter-se quando se verifica a observância, pelo Tribunal a quo de todos os critérios legais previstos nos artigos 70.º e 71.º do Código Penal e se mostram explicitadas as razões pelas quais o mesmo tribunal considerou necessária a aplicação da concreta pena de multa.
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
1. Por sentença de 11 de Junho de 2024 foi o arguido AA condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €6, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º do Código Penal.
2. Inconformado, veio o mesmo interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões da motivação:
“(…)
III. - A pena aplicada revelou-se extremamente injusta e rigorosa contra o recorrente, razão pela qual o presente Recurso põe em causa precisamente a medida da pena aplicada ao recorrente.
IV. - O recorrente confessou a prática dos factos de que vinha acusado, reconhecendo a ilicitude da sua conduta.
V. - O recorrente encontra-se a cumprir pena de prisão efectiva por condenação à ordem do processo n.º 6I4/22.8GEALM, apresentando bom comportamento no Estabelecimento Prisional; e, por estar privado da liberdade, o recorrente não possui fonte de renda, pois não trabalha.
VI. - O recorrente discorda da pena que lhe foi aplicada, pois a mesma revela-se excessiva, desproporcional e desmedida, em total desrespeito e violação das normas que determinam a escolha e medida da pena, ínsitas nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.
VII. - Ensina o Acórdão do TRL, de 8 de fevereiro de 2022, proc. 1315/18.7PAALM.L1- 5, em http://www.gde.mj.pt/, que ”o procedimento de determinação da multa integra dois momentos autónomos: o da fixação dos dias de multa, dentro dos limites legais e em função dos critérios gerais de determinação da pena; o da fixação da sua razão diária, em função da situação económico-financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, tendo em vista o preceituado no artigo 47. º, n.º 2, do Código Penal”.
VIII. - Segundo o artigo 40. º do Código Penal a pena visa à protecção de bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, e em caso algum, a pena aplicada pode ultrapassar a medida da culpa.
IX. - As penas têm, pois, uma dupla finalidade: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Mas tal desiderato deve ser sempre limitado pelo princípio da estrita necessidade da reacção sancionatória à medida da culpa.
X. - No que respeita à determinação da medida da pena, o Tribunal deve atentar no que dispõe o artigo 71.º do Código Penal. Pelo que, e no caso concreto, o Tribunal a quo deve atender o ao grau de ilicitude do facto, ao modo de execução deste, e à intensidade do dolo.
XI. - Percebe-se que as penas aplicadas devem ser necessárias para satisfazer as exigências de prevenção, não devendo nunca ser fixada uma pena excessiva e que ultrapasse o limite do razoável e do adequado.
XII. - No presente caso, o recorrente era muito jovem à data dos factos, e apesar de ter atuado com dolo direto ao desferir três socos no ofendido e não ter apresentado em Tribunal a motivação de sua conduta, é verdade que sempre há uma razão para assim agir, tendo o recorrente demonstrado o seu arrependimento.
XIII. - Apesar da prática de ofensa à integridade física sobre o ofendido, o recorrente não apresenta uma atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas ou aos valores protegidos pela norma.
XIV. - Para além disso, deve ser considerado o facto de o ofendido sequer ter se manifestado e estado presente durante o curso do processo, nada tendo a declarar sobre as reais consequências e eventuais razões que aquele facto representaram para si.
XV. - E de se considerar, ainda, que os factos relatados pelo ofendido em sede no auto de notícia foram dados como não provados em inquérito, apenas restando presente a ocorrência da ofensa física, já confessada pelo recorrente, o que leva à dúvidas sobre eventual interesse em prejudicar o recorrente ao relatar atos graves e não provados.
XVI. - O que faz questionar, ainda, que sempre existiu uma motivação oculta entre ambos sobre os factos praticado pelo recorrente, ainda que não declarada por este.
XVII. - A ausência do ofendido na fase processual demonstra o seu desinteresse no desfecho da condenação, além de poder induzir que as consequências do ato do recorrente sobre si não foram de grande relevância, como eventual sentimento de dor pela agressão.
XVIII. - Por todo o exposto, o recorrente afirma que sua condenação é desproporcional e inadequada aos factos dados como provados, pelo que requer que a sentença seja revista na condenação a fim de determinar uma substancial atenuação da pena de multa, entendendo como suficiente às exigências de prevenção montante inferior a 60 (sessenta) dias multa à razão diária de €5 (cinco euros).
(…)”
3. O Ministério Público junto do Tribunal a quo e a Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal da Relação defenderam a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida.
II. Âmbito do recurso e identificação das questões a decidir
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas, nas quais, de forma sintética e por referência à motivação do recorrente, são expostas as razões da discordância face à decisão recorrida (artigos 402.º, 403.º e 412.º, n.º 1 do CPP). Ao Tribunal de recurso cabe ainda apreciar de eventuais questões de conhecimento oficioso designadamente, se existentes, da verificação dos vícios do artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
No caso, e inexistindo questões a conhecer oficiosamente, importa apreciar da adequação e da proporcionalidade da pena imposta ao recorrente.
III. Fundamentação
Com relevância para a decisão, vejamos os seguintes segmentos da sentença recorrida relativos à matéria de facto e à determinação da pena.
“(…)
Da prova produzida em audiência resultaram provados com relevância para a decisão da causa os seguintes factos:
1. No dia ........2021, cerca das 00h45, na ..., o arguido AA, por razões que se desconhecem, aproximou-se do ofendido BB e desferiu-lhe três socos na face.
2. Como consequência direta e necessária dos socos que o arguido lhe desferiu, o ofendido sentiu dores.
3. Ao agir da forma descrita o arguido AA quis e representou exercer violência sobre o ofendido BB, ofendendo-o no seu corpo e saúde com o propósito conseguido de lhe causar sofrimento físico.
4. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e ciente que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
5. O arguido foi condenado por:
1. sentença transitada em julgado em ...-...-2021 pela prática em ...-...-2021 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 6, pena declarada perdoada;
2. acórdão transitado em julgado em ...-...-2024 pela prática em ...0...-2022 de um crime de homicídio na forma tentada, em ...-...-2022 de um crime de detenção de arma proibida, em 21 -...-...22 de um crime de detenção de arma proibida e em ...-...-2022 de um crime de homicídio qualificado na forma tentada na pena única de cinco anos e seis meses de prisão.
2- Antes de estar privado da liberdade o arguido trabalhava como … em virtude do que auferia o montante mensal de €600, vivia com a mãe que exerce actividade profissional remunerada. Tem de escolaridade o 9.º ano.
(…)
Da escolha e determinação da medida da pena
No que concerne à escolha e determinação da medida da pena, importa salientar que o crime de ofensa à integridade física simples é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa” (artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal), sendo a primeira no seu limite mínimo fixada em um mês e a segunda entre 10 e 360 dias, atento o disposto nos artigos 41.º e 47.º ambos do Código Penal.
Nos termos do artigo 70.º, do Código Penal, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Este preceito veio adoptar, fielmente, o propósito do Código Penal Português de conferir expressão prática à superioridade político-criminal da pena de multa face à pena de prisão no tratamento da pequena e da média criminalidade.
A punição visa, por um lado, a protecção dos bens jurídicos e a intimidação para a prática de futuros delitos (prevenção geral positiva e negativa) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial) - artigo 40. º, n. º 1, do Código Penal.
Ora, no caso vertente resulta que o arguido à data dos factos tinha um antecedente criminal, sendo a segunda condenação registada que determinou a sua privação de liberdade posterior, as consequências advenientes para o ofendido foram as normais neste tipo de condutas, confessou os factos revelando reconhecimento da censurabilidade da sua conduta.
Face ao exposto se entende que a aplicação de uma pena de multa ainda se basta para acautelar as exigências que a situação requer.
Feita a opção da pena a aplicar, importa proceder à determinação concreta da mesma.
Assim, ter-se-á em atenção:
• o normal grau de ilicitude dos factos (atenta os bem jurídico atingido, a forma e as razões que estiveram na origem da actuação, desconhecidas mas certamente sem qualquer justificação, pelo menos não invocada); o modo de execução destes (normal, com o uso das mãos) e as lesões decorrentes para o ofendido da conduta perpetrada consignadas nos factos provados - tudo a considerar no âmbito do artigo 71. º, n.º 2, alínea a), do Código Penal;
• a intensidade do dolo (directo) - artigo 71. º, n.º 2, alínea b), do Código Penal;
• os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (nada a justificar tal conduta) - artigo 71.º, n.º 2, alínea c), do Código Penal;
• a conduta anterior ao facto e posterior a este, sendo que o arguido regista condenações por factos que diversa natureza que determinaram a sua privação e liberdade - artigo 71.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal).
Deste modo, sopesados que foram todos os critérios e factores legais de determinação da concreta medida da pena que expusemos supra, entendemos aplicar ao arguido a pena de 120 dias de multa como pena a impor ao ilícito em apreço.
No que concerne ao quantitativo diário dessa pena (a oscilar entre os limites de €5,00 e €500,00 - cfr. artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal, na redacção pretérita), tendo presente as condições sócio económicas do arguido dadas por provadas e plasmadas nos factos provados, importando não olvidar que “o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado de forma a fazê-lo sentir esse juízo de censura e também, por essa via, assegurar a função preventiva que qualquer pena envolve ”, sem “deixar de assegurar ao condenado um mínimo de rendimento para que ele possa fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar”1. 1 Acórdão da RC, de .../.../2002, CJ, tomo II, pág. 58.
Deste modo, atendendo à concreta situação sócio económica do arguido fixa- se tal quantum diário em € 6.
(…)”
Apreciando.
Como referido supra, importa apenas apreciar da necessidade e adequação da concreta pena de multa imposta.
“A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente em sociedade” e, em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40º do Código Penal) que é dizer que a medida da pena dependerá “dentro do limite consentido pela culpa, de considerações de prevenção.”1
Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º a medida da pena a aplicar é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham contra e a favor do arguido, conforme disposto no n.º 2 do mesmo artigo que, nas suas diversas alíneas, apresenta um catálogo exemplificativo de factores a considerar.
No caso em apreço, a moldura penal correspondente ao crime de ofensa à integridade física simples cometido pelo recorrente é punido em abstracto com pena de prisão até 3 anos ou com pena multa de 10 a 360 dias, nos termos dos artigos 143.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1 do Código Penal, tendo o Tribunal a quo dado preferência à pena de multa nos termos do artigo 70.º do mesmo código, por considerar que esta realizava de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Da mera leitura do segmento da sentença recorrida relativo à escolha e determinação concreta da pena resulta clara a observância pelo tribunal a quo de todos os critérios legais previstos nos artigos 70.º e 71.º do Código Penal, mostrando-se explicitadas as razões pelas quais o mesmo tribunal considerou necessária a aplicação da concreta pena de multa imposta, a qual, aliás, foi fixada abaixo do meio da pena. Atendeu, em termos que não merecem qualquer censura, ao médio grau de ilicitude dos factos, à intensidade do dolo, na forma directa, ao modo de execução dos factos e às consequências sofridas pelo ofendido, bem como às importantes exigências de prevenção geral e às não despiciendas exigências de prevenção especial, registando-se que o arguido se encontra em cumprimento de uma pena de prisão pela prática de crime de homicídio qualificado na forma tentada.
De resto, e para além de se referir à sua juventude e à sua admissão dos factos e de invocar que a postura processual do ofendido denota desinteresse pelo processo2, o arguido não invocou quaisquer razões válidas e objectivas que devessem ser ponderadas e pudessem determinar a alteração da pena.
No que respeita à taxa diária de €6,00 mostra-se a mesma ajustada à condição económica do arguido, sendo que nenhuma razão existe para a reduzir para o valor mínimo e excepcional de €5,00 previsto no artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal.
Assim, nenhuma censura merece a sentença recorrida quanto à apreciação que efectuou relativamente à ilicitude, à culpa, às exigências de prevenção geral e às exigências de prevenção especial, nem quanto à medida da pena de multa e quantitativo diário desta, sendo de improceder o recurso.
IV. Dispositivo
Por tudo o exposto, acordam os Juízes da 3a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso, confirmando na íntegra a sentença recorrida.
2 O que nem se concluir da sua não presença em audiência.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC’s.
Notifique.
(Acórdão elaborado pela relatora em suporte informático e revisto pelos signatários - artigo 94º, n.º 2 do Código de Processo Penal).
Lisboa, 21 de Maio de 2025.
Rosa Vasconcelos
Hermengarda do Valle-Frias
João Bártolo
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1. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, p. 238 s.