RETORSÃO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES
DISPENSA DE PENA
Sumário

I - A retorsão fundamenta-se no princípio da resposta, em que o agente se limita a praticar actos da mesma natureza sobre o agressor, o que significa que nos crimes de ofensa à integridade física simples, a dispensa de pena exige que se prove que o arguido agiu como resposta a uma conduta ilícita de que estava a ser vítima.
II - A dispensa de pena, a que pode dar lugar pressupõe a inexistência de razões preventivas que imponham a punição.
III - A matéria de facto a considerar para efeito de verificação da possibilidade da verificação dos pressupostos da dispensa de pena tem que constar do provado.

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal:
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I – Relatório:
Em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, AA, nascido a .../.../1957, foi condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º do Código Penal (CP), numa pena sessenta e cinco dias de multa, à taxa diária de € cinco euros e vinte e cinco cêntimos, numa quantia total de trezentos e quarenta e um euros e vinte e cinco cêntimos, e no pagamento da quantia de cem euros ao demandante BB, a título de indemnização cível, acrescida de juros desde a notificação daquele até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa legal de 4% nos termos da portaria nº 291/2003, de 8 de Abril, contados desde a data da notificação da presente decisão até efectivo e integral pagamento.
Foi deduzida acusação particular pelo do assistente, imputando ao arguido a prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180º do CP, e deduziu pedido de indemnização no valor de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos em consequência da conduta do arguido.
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II- Fundamentação de facto:
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes os factos:
1. No dia .../.../2023, pelas 19:00, o arguido deslocou-se à superfície comercial ..., sita em ....
2. Naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, em concreto no parque de estacionamento, o arguido encetou uma discussão com BB, pedindo-lhe para este pagar o dinheiro que considerava dever-lhe.
3. Nesse contexto, o arguido e BB envolveram-se em agressões mútuas, de forma não concretamente apurada.
4. No âmbito dessas agressões, o arguido desferiu um empurrão no corpo de BB provocando a queda daquele, tendo o mesmo embatido com a cabeça no chão.
5. Por força das agressões sofridas, BB teve necessidade de receber assistência hospitalar.
6. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, BB sofreu dores e as seguintes lesões: cicatriz na região parietal à esquerda do crânio e equimose castanho amarelada na face lateral do joelho.
7. Tais lesões determinaram a BB 3 dias para cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e de trabalho profissional.
8. O arguido actuou com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde de BB e de lhe produzir as lesões verificadas, resultado esse que quis, representou e conseguiu.
9. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei como crime e tinha capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
10. O arguido não tem antecedentes criminais registados. O arguido encontra-se reformado e recebe uma pensão no valor de € 362,00.
11. Reside com o irmão em casa deste, pagando as despesas que ascendem a € 100,00 por mês.
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Factos não provados:
Não se provou que:
A. BB tentou agredir o arguido com um murro, não o atingindo por razões alheias à sua vontade.
B. O arguido desferiu um número não concretamente apurado de murros, com o punho fechado, na face de BB.
C. O arguido, naquele estabelecimento comercial, dirigiu-se ao assistente e, alto e bom som, de modo a que todas as pessoas que estavam ali perto ouvissem começou a chamar o assistente de “vigarista”, “gatuno” e a dizer “paga-me o que me deves”.
D. O assistente ficou estupefacto e envergonhado perante todos os que ali se encontravam.
E. Em virtude da conduta do arguido, o assistente ficou psicologicamente afectado.
F. O assistente andou deprimido e com receio de sair à rua sozinho.
G. Ainda hoje o assistente mantém o receio de novas agressões.
H. A situação presenciada por várias pessoas no estabelecimento comercial “...” consubstanciou um vexame e uma humilhação para o demandante.
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III- Fundamentação da aquisição probatória:
O Tribunal a quo justificou a aquisição probatória nos seguintes termos:
«Para formar a convicção do Tribunal, no que respeita aos factos dados como provados e não provados, procedeu-se a uma análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento. Foi ainda considerada a restante prova constante dos autos, tendo o Tribunal apreciado toda a prova, atendendo às regras da experiência comum, tendo sempre em consideração o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do Código de Processo Penal.
Desde logo, foram valoradas as declarações do arguido que, estando presente em audiência de julgamento, decidiu prestá-las.
Depois foi valorada a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, vertida no depoimento das testemunhas CC, indicado na acusação e DD e EE, indicadas pela defesa.
Foi igualmente alvo de valoração a prova documental presente nos autos, nomeadamente auto de notícia (fls. 51 a 53), informação clínica (fls. 101 a 104), auto de visionamento de fotogramas (fls. 79 a 84) e o certificado de registo criminal, devidamente junto aos autos.
Concretizando.
Desde logo, os factos vertidos nos pontos 1 e 2 foram relatados pelo arguido, mais confirmando a sua presença naquele local o depoimento da testemunha CC e o auto de visionamento de fotogramas; além disso o arguido explicou o negócio realizado entre ambos e que deu origem ao valor que o arguido considerava estar em dívida para consigo por parte do ofendido e aqui assistente.
As testemunhas DD e EE confirmaram o conflito existente entre ambos relativamente a uma dívida que o arguido considerava que o ofendido tinha para consigo e que este considerava não dever em função da qualidade dos veículos em causa; não tendo ademais sido estes depoimentos relevantes para a determinação dos factos, uma vez que nenhuma presenciou o ocorrido naquele dia em apreço.
O facto indicado no ponto 3, embora negado pelo arguido, que referiu que o ofendido pegou numa cadeira e este apenas pegou na mesma, as agressões mútuas são visíveis nos fotogramas juntos aos autos, mais tendo a indicada testemunha relatado que os viu “à bofetada um ao outro”, não tendo conhecimento que iniciou as agressões.
A queda descrita no ponto 4 é também visível naqueles fotogramas, mais resultando das declarações do arguido, que o ofendido caiu ao chão e que terá embatido com a cabeça. Quanto ao facto de ter resultado de um empurrão, resulta esse facto dos fotogramas, designadamente daquele com a hora 18:29:55, onde se vê o arguido com as mãos no ofendido e o seguinte com a hora 18:29:56, ou seja, um segundo depois, onde é visível o ofendido no chão.
Os factos vertidos nos pontos 5 a 7 resultam da informação clínica junta nos autos.
De seguida, os factos indicados nos pontos 8 e 9 resultam da demais factualidade dada como provada, uma vez que o arguido, ao atingir o ofendido da forma descrita sabia que lesaria o corpo do ofendido, o que quis e conseguiu.
O facto vertido no ponto 10 resulta do certificado de registo criminal do arguido e os factos vertidos nos pontos 11 e 12 resultam das declarações do arguido quanto às suas condições sócio-económicas.
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Relativamente aos factos dados como não provados, e começando pelos factos vertidos nos pontos A e B, os mesmos resultam do facto de não ter sido produzida prova que permitisse dar os mesmos como provados.
Não foi produzida qualquer prova relativamente aos factos vertidos nos pontos C a H, pelo que se consideram igualmente os mesmos como não provados
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IV- Recurso:
1. O Ministério Público recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
«1. Nos pertentes autos o arguido AA foi condenado, pela prática do crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º do Código Penal, numa pena 65 (sessenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 5,25 (cinco euros e vinte e cinco cêntimos), numa quantia total de € 341,25 (trezentos e quarenta e um euros e vinte e cinco cêntimos).
2. Pese embora não se discorde da escolha da pena de multa e respetivo quantitativo diário, não pode o Ministério Público, em face da factualidade dada como provada e por razões de prevenção geral e especial positiva, concordar com a dosimetria da pena de multa em que o arguido foi condenado.
3. Neste tipo de criminalidade, são significativas as necessidades de prevenção geral, seja pela frequência com que nos deparamos com este tipo de crime seja pela proteção do bem jurídico violado, elevando, portanto, a necessidade de, através da pena aplicada, repor a confiança dos cidadãos na norma violada e nos valores que lhe estão subjacentes.
4. Ao nível das exigências de prevenção especial, se é certo que o arguido se encontra inserido social e familiarmente e nada tem averbado no seu CRC, não podemos, nem devemos deixar de atender ao facto de o arguido, mesmo após ter sido confrontado em audiência de discussão e julgamento com os fotogramas extraídos do sistema de videovigilância, dos quais resulta inequívoco, pelo menos, o empurrão que desferiu sobre o corpo do ofendido e que levou à sua queda e necessariamente aos ferimentos sofridos, ter negado tal factualidade e não ter demonstrado qualquer arrependimento ou censura do seu comportamento, o que tudo ponderado não se pode deixar de considerar que no caso concreto as exigências de prevenção especial se afiguram médias.
5. No que releva ao nível da ilicitude, concordamos com a sentença recorrida ao considerar que a mesma é mediana, atenta a gravidade dos ferimentos causados na vítima.
6. Situa-se a culpa do arguido no patamar médio/elevado, pois que, para além de esta ser reflexo da ilicitude, o arguido agiu com dolo direto.
7. Por conseguinte, o Ministério Público entende que ao arguido AA deverá ser aplicada uma pena de multa nunca inferior a 110 dias, por se mostrar perfeitamente adequada, proporcional e legalmente aceitável, em face do estatuído como critério da sua atribuição e ainda assim a abaixo de um terço da moldura penal abstratamente aplicável.
8. Face ao exposto, nos termos do disposto no artigo 71.º do Código Penal deve a Douta Sentença ser parcialmente revogada e o arguido AA condenado na pena de 110 (cento e dez) dias de multa à taxa diária de € 5,25 (cinco euros e vinte e cinco cêntimos), numa quantia total de € 577,50 (quinhentos e setenta e sete euros e cinquenta cêntimos)».
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O arguido AA também recorreu e apresentou as seguintes conclusões:
«I. O Tribunal a quo deu como provado que, o arguido encetou uma discussão com BB, pedindo-lhe para este pagar o dinheiro que considerava dever-lhe.
II. Nesse contexto, o arguido e BB envolveram-se em agressões mútuas,
III. Sucede que o douto tribunal ignora os demais fotogramas onde é visível o ofendido a tentar agredir primeiramente do arguido.
IV. O arguido quando deu o empurrão foi apenas no sentido de defender-se.
V. Ora nos termos do artigo 14.º n.º 3 alínea b) do Código “o tribunal pode dispensar de pena quando o agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor.”
VI. Ora, A dispensa de pena impõe que para o crime indiciado se encontre expressamente prevista na Lei penal a possibilidade da dispensa de pena, bem como, por imperativo do disposto no artigo 74.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, os seguintes requisitos cumulativos:
a. a ilicitude do facto e a culpa do agente sejam diminutas;
b. a reparação do dano; e
c. se à dispensa de pena se não opuserem razões de prevenção.
VII. No crime de ofensa à integridade física simples – como já expresso – a possibilidade de dispensa de pena encontra-se expressamente prevista na Lei Penal, designadamente no disposto no artigo 143.º, n.º 3 do Código Penal.
VIII. Por outro lado, verifica-se no caso concreto o preenchimento do estabelecido na alínea b) do n.º 3 do artigo 143.º do Código Penal, porquanto nos presentes autos se logrou provar que o arguido exerceu unicamente retorsão sobre o agressor.
IX. Importa, ora, analisar a verificação dos requisitos cumulativos previstos no artigo 74.º, n.º 1 do Código Penal.
X. Perante os factos carreados para os presentes autos, verifica-se que está em causa uma contenda física e o ofendido donde não resultaram lesões graves à integridade física deste
XI. Por outro lado, os danos causados ao ofendido não foram objeto de reparação, contudo resulta dos elementos constantes dos presentes autos que, no âmbito de uma discussão entre o arguido e o ofendido, este desferiu o primeiro murro no arguido, tendo-se ambos envolvido em agressões mútuas, e ofendido sofreu lesões físicas, bem como estas se ficaram a dever ao exercício de retorsão sobre o ofendido.
XII. Nesta senda, afigura-se-nos que o ofendido não sofreu lesões graves, pelo que as lesões sofridas pelo ofendido estarão compensadas pelas agressões perpetradas por este sobre o arguido.
XIII. Por fim, no que concerne às exigências de prevenção, seja de prevenção geral positiva não resulta dos presentes autos que se verificam razões de prevenção que se opõem à dispensa de pena, uma vez que estamos perante um episódio único.
XIV. Assim, deveria ter a pena aplicada sido objecto de dispensa.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá a sentença ser revogada, e substituída por outra que dispensa a pena do arguido nos termos do artigo 143.º n.º 3 alínea b) do Código Penal, fazendo-se, assim, JUSTIÇA!».
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Contra-alegou o Ministério Público o recurso apresentado pelo arguido, concluindo as respectivas alegações mediante o entendimento de que «Deve negar-se provimento ao recurso, não tendo sido violados os preceitos legais referidos a esse propósito no recurso e confirmar-se, nesta parte, a douta sentença condenatória nos seus precisos termos».
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Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto subscreveu o recurso apresentado pelo Ministério Público.
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V- Questões a decidir:
Do artigo 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso, exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso.
A pretensão formulada pelo recorrente arguido é a de ser dispensado de pena, nos termos do artigo 143º/3-b) do CP.
A questão colocada pelo recorrente Ministério Público é a inabilidade da pena para fins de prevenção geral e especial positiva.
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VI- Fundamentos de direito:
Ambos os recorrentes discordam da pena aplicada, ainda que em termos opostos: o Ministério Público pretende uma pena mais severa, passando de 65 para 110 dias de multa e o arguido uma dispensa de pena por se ter limitado a exercer retorsão sobre o agressor.
A retorsão «assenta num princípio de resposta, reconduzindo-se a “situações nas quais o agente se limita a ‘responder’ a uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido”, tendo em via de regra lugar entre as mesmas pessoas, e terá que visar sempre o primeiro agressor, “nunca podendo (como é óbvio) dirigir-se a um terceiro não envolvido”[2]. Sendo que a dispensa de pena, quer à luz do preceito citado, quer à do art.º 74º do Código Penal, tem presente a ideia de inexistência de razões preventivas que imponham a punição[3]» (1)
A matéria de facto a considerar para efeito de verificação da possibilidade da verificação dos pressupostos da dispensa de pena nos crimes de ofensa à integridade física simples tem que constar do provado, o que significa que essa dispensa exige que se prove que o arguido agiu como resposta a uma conduta ilícita do assistente, da mesma natureza daquela que praticou, ou seja, no caso, relativa a ofensas à integridade física. Visto o provado nestes autos não se encontra matéria de facto provada que suporte o referido pressuposto, pelo que a questão colocada é manifestamente improcedente.
Por seu lado o Ministério Público pretende um agravamento da medida da pena porque «por razões de prevenção geral e especial positiva» não pode «concordar com a dosimetria da pena de multa em que o arguido foi condenado». Fundamenta dizendo que «O crime de ofensa à integridade física é um crime comum, de resultado, de dano e de execução livre, que tutela o bem jurídico integridade física na sua dimensão corporal e/ou na sua dimensão de saúde física.
Neste tipo de criminalidade, são significativas as necessidades de prevenção geral, seja pela frequência com que nos deparamos com este tipo de crime seja pela proteção do bem jurídico violado, elevando, portanto, a necessidade de, através da pena aplicada, repor a confiança dos cidadãos na norma violada e nos valores que lhe estão subjacentes.
No que se reporta às exigências de prevenção especial, a favor do arguido milita o facto de mesmo ser primário e de se encontrar social e familiarmente inserido.
Todavia, a seu desfavor temos que o arguido, mesmo após ter sido confrontado em audiência de discussão e julgamento com os fotogramas extraídos do sistema de videovigilância, dos quais resulta inequívoco, pelo menos, o empurrão que desferiu sobre o corpo do ofendido e que levou à sua queda e necessariamente aos ferimentos sofridos, negou tal factualidade e não demonstrou qualquer arrependimento ou censura do seu comportamento, o que tudo ponderado não se pode deixar de considerar que no caso concreto as exigências de prevenção especial se afiguram médias.
No que releva ao nível da ilicitude, concordamos com a sentença recorrida ao considerar que a mesma é mediana, atenta a gravidade dos ferimentos causados na vítima.
Por fim, situa-se a culpa do arguido no patamar médio/elevado, pois que, para além de esta ser reflexo da ilicitude, o arguido agiu com dolo direto.»
A medida da pena foi considerada mediante o seguinte iter cognitivo: «Tendo em conta o artigo 71º do Código Penal, esta determinação deverá ser efectuada em função da culpa do agente, tal como previsto no nº 2 do artigo 40º do CP e das exigências da prevenção, previstas no nº 1 do mesmo artigo.
O primeiro critério a ter em consideração são as exigências de prevenção geral, através das quais se determina o quantum da pena que satisfará aquelas exigências de forma mais cabal e se determina o limite mínimo, o quantum de pena abaixo do qual não se pode ficar por forma a não se frustarem aquelas exigências.
Dentro desta moldura, a medida concreta da pena irá ser encontrada em função das exigências de prevenção especial, funcionando a culpa, tal como referido no artigo em causa, uma função de limite máximo da pena, delimitando o seu máximo inultrapassável.
Posto isto, a determinação da medida concreta da pena será efectuada de acordo com estes critérios, atendendo às circunstâncias que fazem parte do tipo, na sua intensidade e às circunstâncias constantes do nº 2 daquele artigo 71º.
Concretizando.
* As exigências de prevenção geral, que se traduzem na necessidade de consciencializar a generalidade dos membros da comunidade e de reforçar a validade da norma jurídica violada são, no caso em concreto e conforme já referido, elevadas.
* Atendendo ao grau de ilicitude da conduta, ao modo de execução desta e à gravidade das suas consequências, bem como ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, considera-se que estas apresentam todas um nível diferente.
Quanto ao grau de ilicitude, modo de execução e grau de violação dos deveres impostos ao agente, consideram-se de nível mediano, atendendo à conduta em causa que não envolve gravidade extrema. O mesmo se diga relativamente às consequências da conduta.
* A intensidade do dolo assumiu a sua forma mais grave, conforme oportunamente exposto, tendo em conta que o arguido agiu com o propósito concretizado de molestar o corpo do ofendido.
* Quanto aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, tem-se em consideração mais uma vez todo o contexto, o facto do arguido considerar que o ofendido tinha para com ele uma dívida, explicando o contexto, mas não se deixando de considerar uma consequência exagerada.
* Atendendo à conduta posterior e anterior ao facto, não existe nada a relevar.
* Atendendo às condições pessoais do agente e à sua situação económica, bem como à sua falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando deva ser censurada através da aplicação da pena, e referindo-nos também, face ao que vem sendo exposto, às exigências de prevenção especial em específico, afirme-se que são as mesmas de grau baixo, conforme foi também já referido e pelos elementos já indicados.
* Ponderando todos estes factores, as exigências de prevenção geral e especial, a culpa e as condições pessoais do arguido, o tribunal entende por ajustada e adequada a seguinte pena:
- pena de multa de 65 dias pela prática do crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº1 do Código Penal.».
É jurisprudência assente no STJ que «em matéria de revista sobre a medida concreta da pena, a sindicabilidade abrange a correção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de fatores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, mas não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado» (2).
Este entendimento é extensível aos Tribunais da Relação, na medida em que o Tribunal de primeira instância é precisamente aquele que, em face da imediação com a produção da prova, melhor está em condições de apreciar da medida em que se verificam os critérios referidos no artigo 71º/CP, designadamente, da gravidade dos factos, a adequação da pena à culpa e a permeabilidade da personalidade do agente à reversão da conduta através dela, ou seja, aos fins de prevenção especial e de ressocialização, que num homem de 67 anos de idade, sem antecedentes criminais não se revestem de particulares exigências.
Vistos os termos da fundamentação da medida da pena e da fundamentação da discordância, não encontramos razões para a alteração da mesma, quer por factores de prevenção geral, porque as lesões não foram de molde a que a comunidade considere a pena aplicada anormalmente benevolente, nem por factores de prevenção especial, uma vez que tudo se passou dentro de uma rixa que nem se sabe como começou.
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VII- Decisão:
Acorda-se, pois, negando provimento a ambos os recursos, em manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo recorrente arguido, com taxa de justiça de 4 ucs.
Sem custas pelo Ministério Público por delas estar isento.

Lisboa, 21/5 /2025
Maria da Graça dos Santos Silva
João Bártolo
Rui Miguel Teixeira
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1. Cfr Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/10/2018, em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/37d4ee3cb0fa4756802583310050dfbc?OpenDocument
2. Cfr processo 545/20.6GFSTB.L1.S1, acórdão de 31-10-202 4em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3bf633d50412637a80258bcb004fa39e?OpenDocument