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LIBERDADE CONDICIONAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
PREVENÇÃO GERAL
BENS FUNDAMENTAIS
Sumário
I- A concessão facultativa da liberdade condicional está dependente da ponderação sobre a adequação da mesma às necessidades preventivas do caso concreto, sejam necessidades de prevenção especial (artigo 61º nº 2 al. a) do CPP) sejam necessidades de prevenção geral (artigo 61º nº 2 al. b) do CPP), ponderação essa cujos contornos variam consoante o momento da execução da pena em que é apreciada: tendo lugar ao meio da pena poderá ser concedida quando for adequada à satisfação das necessidades de prevenção especial e geral e tendo lugar cumpridos os dois terços da pena, deverá ser concedida quando for adequada às necessidades de prevenção especial, ainda, que possa não ser em absoluto adequada às necessidades de prevenção geral. II- Estando em causa condenações por crimes que são atentatórios de bens fundamentais como a vida (homicídio qualificado na forma tentada) a integridade física (ofensa à integridade física) honra (injúria), liberdade de autodeterminação (ameaça) e o património (furto) e até pluriofensivos como os crimes de roubo, sendo particularmente graves estes últimos e o primeiro que convocam elevadas exigências de prevenção geral a expiação de metade da pena não se apresenta como suficiente para as satisfazer e transmitiria à comunidade uma imagem enfraquecida das capacidades do sistema judicial na contenção e dissuasão da prática deste tipo de crimes, sobretudo perante condenado que se eximiu durante vários anos ao cumprimento da pena devida e só iniciou o seu cumprimento em 2021.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1- RELATÓRIO:
No Juiz 1 do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa foi, em 22 de fevereiro de 2025, proferida decisão, ao que nos interessa, com o seguinte dispositivo: IV. DECISÃO Pelo exposto, tudo visto e ponderado, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, decide-se: A) Não conceder a liberdade condicional ao recluso AA.
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Inconformado recorreu o referido condenado extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: O ora recorrente cumpre as seguintes penas: A - 3 anos de prisão (após perdão), à ordem do processo 7769/22.0T8LRS, que englobou as penas aplicadas nos processos 226/03.5PALSB, 577/04.1GBFVX, 177/04.6GHVFX e 357/05.7GHVFX, pela prática, na globalidade, de quatro crimes de roubo, um crime de furto na forma tentada, dois crimes de furto simples e um crime de falsificação de documento; B- 3 anos, 1 mês e 12 dias de prisão, decorrente da revogação da liberdade condicional concedida no processo 194/98.3GBVFX (no qual foi condenado em cúmulo jurídico pelos crimes de homicídio qualificado na forma tentada, roubo, ameaça, injúria, ofensa à integridade física simples), pela prática de crime no seu decurso. Porém, se atentarmos simplesmente nos números dos NUIPS atrás indicados, já se toma possível uma temporização de actividade criminal já muito antiga. Com efeito, por ali se verifica que a maior parte dos crimes se circunscrevem aos anos de 2003, 2004, 2005, sendo que aparece ainda um outro de 1998. Do Relatório Social também se verifica que o arguido emigrou para ... onde esteve muitos anos a viver, a trabalhar, perfeitamente integrado nesse país, tendo sido extraditado para Portugal em .../.../2021. Passados três anos e alguns meses na prisão, com comportamento exemplar, o arguido sente que já demonstrou a interiorização do mal do crime. Aliás a pena de prisão que está a cumprir vem também a confirmar que há muito tinha deixado para trás um tempo de vida (1998 a 2005) que agora rejeita veementemente. Certo é que, desde 2005 até 2021 (data em que iniciou a reclusão) o ora recorrente NÃO COMETEU QUALQUER CRIME, nem em ... nem em Portugal. Aliás, assim também se compreende o voto favorável à liberdade condicional por parte do responsável dos Serviços de Reinserção Social. Tal como se infere claramente que a douta decisão judicial de que ora se recorre se fundamenta quase exclusivamente em razões de prevenção geral. Todavia, as razões de prevenção geral, brilhantemente aduzidas, acham- se minoradas extensamente pela antiguidade dos crimes cometidos. Na verdade, não se vislumbra sequer a hipótese da existência de ALARME SOCIAL com uma libertação, SEMPRE CONDICIONAL, pois, passados quase 20 anos sobre os eventos, a “memória social”, também enfraquece. Aliás, o mérito de qualquer liberdade condicional reside primacialmente na possibilidade de verificar a evolução da reação ao castigo e de determinação (ou não) do arguido em se reintegrar socialmente. A seguir se transcreve a CONCLUSÃO do Relatório Social para a CONCESSÃO DA LIBERDADE CONDICIONAL “AA protagoniza um percurso institucional adequado e pró-ativo, denotando uma evolução positiva na interiorização do desvalor da sua conduta criminógena. No exterior, beneficia do apoio habitacional e económico por parte da mãe, no entanto, não apresentou nenhuma perspectiva de inserção profissional que favoreça o seu processo reinserção social. Apesar de subsistirem as necessidades de reinserção social elencadas, o impacto decorrente da atual pena de prisão, a manutenção de uma postura crítica face aos crimes praticados, o apoio familiar que beneficia e a atitude de motivação para adoptar comportamentos normativos afiguram-se como fatores promotores da inversão do seu comportamento disruptivo. Nas atuais circunstâncias, revelando um discurso motivado a organizar as suas rotinas de forma adequada, demarcando-se de oportunidades delinquenciais no sentido da manutenção de um quadro organização pessoal em função dos valores pró-sociais. Face ao exposto, entendemos que o recluso reúne condições para a execução da medida de flexibilização da pena em apreciação, pelo que somos de parecer favorável à sua concessão. O recluso tenciona residir em: ... Violaram-se as seguintes disposições - artº 61, 63 e 71 do Código Penal porque se encontram reunidas todas as condições para efectivação de uma Liberdade Condicional, uma vez satisfeitas as necessidades de prevenção geral e especial. Aliás, faltando apenas 6 meses para o cumprimento do 2/3 da pena, também não se compreende em que é que o decurso deste tempo tenha qualquer importância para a decisão.
Termina requerendo o provimento do seu recurso com a consequente concessão de liberdade condicional ao condenado. *
Admitido o recurso o Ministério Público do tribunal recorrido apresentou resposta extraindo da mesma as seguintes conclusões: - O recorrente já cumpriu metade da pena conjunta de 3 anos de prisão (após perdão), à ordem do processo 7769/22.0T8LRS, que englobou as penas aplicadas nos processos 226/03.5PALSB, 577/04.1GBFVX, 177/04.6GHVFX e 357/05.7GHVFX, pela prática, na globalidade, de quatro crimes de roubo, um crime de furto na forma tentada, dois crimes de furto simples e um crime de falsificação de documento e de 3 anos, 1 mês e 12 dias de prisão, decorrente da revogação da liberdade condicional concedida no processo 194/98.3GBVFX (no qual foi condenado em cúmulo jurídico pelos crimes de homicídio qualificado na forma tentada, roubo, ameaça, injúria, ofensa à integridade física simples), pela prática de crime no seu decurso. -Estão, assim, reunidos os pressupostos formais para a apreciação da concessão da liberdade condicional por referência a meio da pena, nos termos do art. 61º, n.º 2 do Cód. Penal. No que tange aos seus pressupostos materiais há que considerar que: a) pese embora o Recorrente esteja a cumprir pena de prisão por factos ocorridos há mais de 20 anos, b) também há que considerar que, pese embora esse lapso de tempo, tal deveu-se à circunstância de o Recorrente se ter eximido ao exercício da acção penal e de nunca, pese embora houvesseconhecido as decisões condenatórias, se apresentou voluntariamente ao seu cumprimento, tanto mais que foi necessário, para efeito de cumprimento das penas, o recurso aomecanismo do instituto da contumácia. c) no caso inexistiu qualquer prescrição de procedimento criminal nem de qualquer uma das penas, pelo que deverão ser consideradas as penas em referência. d) O Recorrente está a cumprir pena pela prática de crimes muito graves e que tem antecedentes criminais. e) Em termos laborais, desenvolveu um trajeto instável e precário, tendo exercido funções de cariz indiferenciado, que não lhe possibilitaram a aquisição de competências profissionais e a estruturação de hábitos de trabalhos. f) Emigrou para ... em 2006, tendo sido alvo Mandato de Detenção e permanecido OPVHE, até ser extraditado para Portugal em ........2021, desconhecendo- se o seu percurso naquele país. g) Teve consumos de haxixe, na adolescência o que manteve ao longo do tempo e que desvaloriza, pese embora ao presente inexistam registos de consumos. h) Já beneficiou de licenças de Saída Jurisdicional que decorreram positivamente. i) Está em reclusão pela segunda vez. j) Está em RAI e não tem sanções disciplinares averbadas, l) Em face à situação de reclusão, evidencia reflexão crítica acerca das circunstâncias em causa e respetivas consequências dos seus actos para as vítimas, apesar de recorrer a fatores externos para os justificar, como influências negativas de índole social a que foi vulnerável. - Pese embora, a data da prática dos factos averbados no CRC e em apreciação ao presente, a sua evolução em ambiente prisional e de ter obtido maior maturidade emocional com desenvolvimento de espirito critico, há que considerar que parte da reclusão agora sofrida se verifica no âmbito de revogação da liberdade condicional, a qual terá de ser cumprida por inteiro, por força da prática de novos factos ilícitos, os quais, atendendo à sua gravidade permitem concluir que o recluso carece ainda de alguma evolução. - Quem pratica crime tão grave, como o que levou à reclusão aqui em causa, deve demonstrar um percurso prisional consolidado e revelador de que atingiu as diversas etapas do tratamento penitenciário, que não é o caso do Recorrente que demonstra fragilidades quanto à interiorização do sentido da pena, pela forma como ainda percepciona o seu comportamento ilícito, minimizando as suas consequências para terceiros, mostrando-se indiferente à censura e reprovação da prática criminosa. - Afigura-se que carece de maior consolidação do seu percurso prisional, para lograr não reincidir na prática de crimes quando, de forma legítima, regressar ao meio livre, de interiorizar o sentido da pena e a gravidade das suas condutas. - Para além do mais, há que ter em consideração também as exigências de prevenção geral que subsistem na situação em apreço, havendo que ter presente a natureza e circunstâncias de cometimento dos crimes pelos quais o recluso foi condenado e que está a cumprir pena, cujas exigências de prevenção geral são elevadíssimas. - Nem neste particular se poderá considerar que tais exigências afrouxaram em face do tempo decorrido desde a prática dos factos pelos quais cumpre reclusão o recorrente, elas mantêm-se inalteradas até porque o Estado ainda mantém interesse no seu cumprimento, porquanto inexistiu qualquer prescrição de procedimento ou da pena e fazer alguém cumprir a pena de prisão a que foi condenado, após ter-se eximido ao seu cumprimento reforça o sentimento da defesa da ordem jurídica, que deverá ser considerada. -Deve manter-se a decisão recorrida.
Termina pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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Remetido o recurso a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador Geral-Adjunto emitiu parecer, no sentido, de não ser concedido provimento ao recurso do arguido sufragando o teor dos argumentos da resposta do Ministério Público do tribunal recorrido.
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Uma vez que o parecer apenas sufraga tais argumentos não houve (nem tinha de haver) cumprimento do disposto no artigo 417.º n.º 2 do Código Processo Penal.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso cumprindo, assim, apreciar e decidir.
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2- FUNDAMENTAÇÃO:
2.1- DO OBJETO DO RECURSO:
É consabido, em face do preceituado nos artigos 402º, 403º e 412º nº 1 todos do Código de Processo Penal, que o objeto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, devendo, assim, a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por serem obstativas da apreciação do seu mérito, nomeadamente, nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase e previstas no Código de Processo Penal, vícios previstos nos artigos 379º e 410º nº 2 ambos do referido diploma legal e mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.1
Destarte e com a ressalva das questões adjetivas referidas são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar2.
A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva3, “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.
Assim à luz do que o recorrente condenado invoca nas suas conclusões a questão a dirimir é se no caso se impunha a prolação de decisão que lhe concedesse a liberdade condicional.
2.2-APRECIAÇÃO DO MÉRITO DOS RECURSOS:
Exara a decisão recorrida na parte que releva para a apreciação do objeto do recurso o que a seguir se transcreve: Cumpridas as necessárias diligências de instrução, nomeadamente a elaboração e junção aos autos os relatórios previstos no artigo 173.º n.º 1 als. a) e b) do CEPMPL, foi reunido o Conselho Técnico, o qual emitiu, por maioria, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional (cfr. artigo 175.º CEPMPL). Seguiu-se a audição do recluso, o qual, entre outros considerandos, deu o seu consentimento para a liberdade condicional (cfr. artigo 176.º do CEPMPL). O Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional (cfr. artigo 177.º, n.º 1 do CEPMPL). Não são conhecidas outras penas de prisão a cumprir nem autos à ordem dos quais interesse a prisão preventiva. * O tribunal mantém-se o competente. O processo é o próprio, sendo que se mantém a validade e regularidade da instância, não ocorrem quaisquer nulidades, exceções, questões prévias ou incidentes de que cumpra demomento apreciar, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito presente da causa - apreciação da viabilidade/possibilidade de concessão de liberdade condicional. II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Para a prolação de decisão in casu releva a seguinte factualidade: 1- O recluso encontra-se a cumprir sucessivamente as seguintes penas: - 3 anos de prisão (após perdão), à ordem do processo 7769/22.0T8LRS, que englobou as penas aplicadas nos processos 226/03.5PALSB, 577/04.1GBFVX, 177/04.6GHVFX e 357/05.7GHVFX, pela prática, na globalidade, de quatro crimes de roubo, um crime de furto na forma tentada, dois crimes de furto simples e um crime de falsificação de documento; - 3 anos, 1 mês e 12 dias de prisão, decorrente da revogação da liberdade condicional concedida no processo 194/98.3GBVFX (no qual foi condenado em cúmulo jurídico pelos crimes de homicídio qualificado na forma tentada, roubo, ameaça, injúria, ofensa à integridade física simples), pela prática de crime no seu decurso. 2- O recluso, para além das condenações supramencionadas, tem condenações averbadas no registo criminal pela prática de crime um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade. 3- O recluso atingiu o marco de 1/2 da pena em 11/01/2025, sendo que os 2/3 da pena ocorrem em 11/07/2025, e o termo encontra-se previsto para 11/07/2026. 4- Esta é a sua segunda reclusão. 5- Já beneficiou de quatro licenças de saída jurisdicionais. 6- Em relação ao seu enquadramento familiar e habitacional no exterior, o recluso beneficia do apoio da mãe e da irmã com quem pretende residir quando sair do estabelecimento prisional. 7- Perspetiva trabalhar na construção civil, embora ainda não tenha assegurada uma proposta em concreto, existindo a possibilidade de, a curto prazo, iniciar uma vivência conjugal com a sua companheira, em .... 8- Não tem infrações disciplinares registadas no EP. 9- No EP atualmente encontra-se a trabalhar nas... (desde ... de 2025). 10- Verbaliza arrependimento pelo cometimento do crime, embora o arrependimento manifestado seja essencialmente autocentrado em virtude das consequências que a sua conduta causou para si e para a sua família e atribui o cometimento dos crimes à sua imaturidade e juventude (tratando-se de crimes praticados aproximadamente há vinte anos). Motivação da decisão de facto: A convicção do Tribunal no que respeita à matéria de facto resultou da ponderação de todos os elementos constantes dos autos, mais precisamente decisão condenatória à ordem da qual o recluso se encontra a cumprir pena, ficha biográfica devidamente atualizada e carreada aos autos em momento prévio à realização do conselho técnico, certificado de registo criminal do recluso, relatórios juntos aos autos pelos serviços de tratamento penitenciário e pela equipa de reinserção social da DGRSP, em consonância com os esclarecimentos prestados em conselho técnico e as declarações prestadas pelo recluso. ** II- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A liberdade condicional traduz-se numa fase de transição entre a reclusão e a liberdade, correspondendo, desejavelmente, à última fase de execução da pena. A finalidade subjacente à sua existência prende-se com a necessidade de ressocialização do recluso (cff. artigo 42.º, n.º 1 do Código Penal) e ocorre num momento do seu percurso penitencial em que se justifica, mediante a verificação dos respetivos pressupostos formais e materiais, o fim da reclusão em estabelecimento prisional. Assim, a liberdade condicional tem como objetivo “criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão” (in O Código Penal, de Leal-Henriques e Simas Santos, Vol. I, págs. 336 e 337). Pelo exposto, o legislador concebeu este instituto jurídico não como uma recompensa por boa conduta prisional, mas sim como um auxílio e incentivo ao condenado que lhe permita uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais vigentes (vd. nomeadamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/02/2018, proc.0 300/11.4TXCBR-J.C1, Rel. Vasques Osório). A liberdade condicional requer um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do recluso em liberdade, sendo esse juízo efetuado com base nos seguintes pressupostos cumulativos. - Pressupostos de natureza formal: i) O consentimento do condenado (cfr. artigo 61.º, n.º 1 do Código Penal); ii) O cumprimento metade da pena com o mínimo absoluto de seis meses; iii) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas; - Pressupostos de natureza material: i) O juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade, fazendo-se apelo às perspetivas de ressocialização e consciencialização para a não reincidência sob o prisma da prevenção especial de acordo com as circunstâncias do caso em concreto, nomeadamente os antecedentes, percurso evolutivo durante a execução da pena em contexto prisional e a personalidade (cfr. artigo 61.º, n.º2, al. a) do Código Penal); ii) O juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (prevenção geral positiva), dito de outro modo, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social (cfr. artigo 61.º, n.º 2, al. b) do Código Penal), sendo este pressuposto apenas aplicável na apreciação da concessão da liberdade condicional a meio da pena (cfr. artigo 61.º, n.º3 do Código Penal a contrario sensu). Cumpre ainda referir que, nos casos em que a pena de prisão seja superior a seis anos, o condenado é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena (cfr. artigo 61.º, n.º 4 do Código Penal). A liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena (cfr. artigo 61.º, n.º 5 do Código Penal). Feito o devido enquadramento, volvendo ao caso em apreço verifica-se que os requisitos formais estão preenchidos, porquanto o recluso está preso há mais de seis meses e já superou o marco do meio da pena, mais tendo declarado que consente na concessão da liberdade condicional. Por sua vez, na aferição dos pressupostos materiais, não é possível ao tribunal formular um juízo de prognose favorável no sentido de que o condenado irá, de futuro, após colocadoem situação de liberdade, nortear a sua vida de acordo com o direito, sem voltar a praticar novos crimes. Vejamos. Conforme bem propugna o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 02/07/2024, proc. 591/20.0TXPRT-L.L1-5, Rel. Sandra Oliveira Pinto, “O pressuposto dito substancial ou material, previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal, aplicável por remissão do nº 3 do mesmo preceito legal, assegura uma finalidade de prevenção especial, de socialização. A concessão da liberdade condicional, neste caso, depende, assim, no essencial, da formulação de um juízo de prognose favorável especial-preventivamente orientado, assente na ponderação de razões de prevenção especial”. Note-se, neste conspecto, que o recluso já beneficiou anteriormente de uma liberdade condicional, a qual veio a ser revogada em resultado do cometimento de novos crimes no seu decurso e do incumprimento dos deveres a que estava adstrito. Ademais, pese embora os crimes em causa sejam temporalmente distantes do presente, nesta fase de cumprimento da pena urge que o recluso interiorize o desvalor da sua conduta, havendo a necessidade de reforçar a sua evolução no sentido de que tenha consciência da exigibilidade de pautar a sua vida de acordo com o ordenamento jurídico vigente. Por tais motivos, o tribunal entende que deverá o recluso continuar o cumprimento da pena em contexto prisional, por forma a fomentar o seu investimento pessoal, interiorizando o desvalor da sua conduta anterior à reclusão e o impacto para as vítimas e traçando um plano sólido para a altura em vier a ser libertado. Por seu turno, no que tange ao preenchimento do requisito substancial (ou material) da concessão da liberdade condicional de reporte às finalidades de prevenção geral, igualmente este se tem igualmente por inviável in casu. De facto, a prevenção geral - aquela que para o juiz é, também, um exercício de análise e ponderação sobre os fatores, níveis e exteriorizações do pulsar de coração social, do sentir coletivo e do querer comum da sociedade em cada momento, gerando, deste modo, uma necessidade de constante atualização sobre esses expressares bem como uma contínua e sólida visão do sentido de regra de experiência de vida - não está assegurada nas suas exigências no presente momento em termos de neutralização do efeito negativo do crime na comunidade, da dissuasão e do fortalecimento do seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, considerando a natureza e gravidade dos crimes praticados. Com efeito, o recluso encontra-se a cumprir pena pela prática de crimes de cariz violento e atentatórios da integridade física e vida dos visados, pelo que atendendo à importância dos bens jurídicos em causa, impera reforçar a validação das normas violadas perante a comunidade e enquanto reforço para a dissuasão de novas condutas da mesma natureza. A prática de tais condutas justifica uma punibilidade forte que, de acordo com as circunstâncias do caso em concreto e indo ao encontro das expectativas de pacificação da sociedade, não se compadecem com a libertação do recluso por reporte ao meio da pena. Destarte, o juízo de prognose efetuado pelo tribunal é, nesta fase, desfavorável, por força das razões de prevenção geral e especial esmiuçadas supra, as quais subsistem, acompanhando-se o parecer do Conselho Técnico e o douto parecer emitido pela Digna Magistrada do Ministério Público, no sentido de que não estão reunidas condições para que seja concedida ao recluso, neste momento, a liberdade condicional. (…)
Aqui chegados impõe-se proceder à concreta apreciação da pretensão do recorrente recordando-se que o mesmo se insurge relativamente à decisão recorrida por considerar que, no caso, se impunha a prolação de decisão que lhe concedesse a liberdade condicional.
Ora vejamos:
O regime do instituto da liberdade condicional tem previsão nos artigos 61º a 64º do Código Penal e decorre do artigo 61º do referido diploma que a mesma reveste duas modalidades: a facultativa e a obrigatória.
Maia Gonçalves4 refere que “a facultativa depende de requisitos formais e de requisitos de fundo e a sua aplicação está regulada nos nºs 1, 2 e 3. Verificados os requisitos formais e de fundo, é poder-dever do tribunal colocar o condenado em liberdade condicional, sendo então também de certo modo obrigatória. A liberdade condicional obrigatória, para além do consentimento do condenado, depende tão só da verificação de requisitos formais, rectius, requisito enunciado no nº 4, onde a aplicação desta modalidade de liberdade condicional se encontra estabelecida”.
A concessão facultativa da liberdade condicional está dependente da ponderação sobre a adequação desta às necessidades preventivas do caso concreto, sejam necessidades de prevenção especial (artigo 61º nº 2 al. a) do CPP) sejam necessidades de prevenção geral (artigo 61º nº 2 al. b) do CPP), ponderação essa cujos contornos variam consoante o momento da execução da pena em que é apreciada: tendo lugar ao meio da pena poderá ser concedida quando for adequada à satisfação das necessidades de prevenção especial e geral e tendo lugar cumpridos os dois terços da pena, deverá ser concedida quando for adequada às necessidades de prevenção especial, ainda, que possa não ser em absoluto adequada às necessidades de prevenção geral.
Visando-se com a liberdade condicional atingir uma adequada reintegração social, está, também, em causa a satisfação do preceituado no artigo 40º nº 1 do Código Penal, onde se prevê que “a aplicação de penas (...) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, bem como o artigo 42º nº 1 do mesmo diploma legal que estabelece que “a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes".
No caso em apreço, a situação que se discute é a da liberdade condicional facultativa numa situação em que o recorrente/condenado já atingiu ½ da pena (vide facto 3 da matéria de facto provada) sendo que já cumpriu o mínimo de seis meses que consubstancia um dos pressupostos formais legalmente exigidos.
Assim, o que se impõe apreciar e decidir é se a concessão da liberdade condicional requerida pelo recorrente é adequada em conjunto à realização das necessidades de prevenção geral e especial.
Trata-se, pois, de situação em que, por um lado, a liberdade condicional deve ser concedida apenas quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, não sendo prognosticável o risco de reiteração objetiva na prática de condutas criminalmente relevantes e, por outro, que tal liberdade seja compatível com a defesa da ordem e da paz social.
Assim e, como refere Figueiredo Dias5, “deve exigir-se uma certa medida de probabilidade de, no caso da libertação imediata do condenado, este conduzir a sua vida em liberdade de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, essa medida deve ser a suficiente para emprestar fundamento razoável à expectativa de que o risco da libertação já possa ser comunitariamente suportado.
Em conformidade com o exposto dispõe o artigo 61º nº 2 al. a) do Código Penal que a liberdade condicional apenas poderá ocorrer se “For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”.
E a alínea b) do mesmo preceito que tal libertação condicional que configura uma libertação antecipada do condenado apenas pode ocorrer se a mesma “se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social”.
Destarte, a concessão de liberdade condicional quando, o condenado atingir metade do cumprimento da pena de prisão a que foi sujeito, como é o caso vertente, está dependente destes dois requisitos que são cumulativos sendo que o primeiro se reporta a razões de prevenção especial, seja negativa (de que o condenado não cometa novos crimes) seja positiva (de reinserção social ou preparação para a liberdade) e o segundo requisito razões de prevenção geral e ambos os casos refletindo as finalidades de execução das penas como exarado nos artigos 40º nº 1 e 42º nº 1 ambos do Código Penal6.
Estando em causa a apreciação da liberdade condicional quando foi cumprida metade da pena, não obstante, tal depender também de razões de prevenção especial, é irrenunciável aferir da satisfação das exigências de prevenção geral positiva que funcionam como limite daquelas. De facto e como se exara no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora7«sendo a liberdade condicional uma forma de cumprimento da pena de prisão – ou, noutra perspectiva, um incidente dessa execução – assenta na ideia da ressocialização do recluso, acreditando-se que este já se encontra capacitado de competências internas e condições externas, as quais, em conjugação favorável, lhe permitirão a vida em meio livre de forma respeitadora para com os padrões societários, salvaguardando-se deste modo a expectativa da comunidade na manutenção da norma jurídica alvo de violação. Com efeito, também na execução da pena de prisão, como na sua determinação, se deve ter em conta, a par da reintegração do agente na sociedade, a protecção dos bens jurídicos e a necessidade de segurança sentida pela comunidade, devendo por isso a libertação do arguido ser compatível com a necessária paz pública e ordem social, no fundo, com os critérios inerentes à denominada prevenção geral em sede de determinação da medida da pena».
No que tange às circunstâncias do caso, a sua apreciação envolve a valoração concreta dos crimes cometidos e pelos quais operou afinal a condenação na pena (ou penas) de prisão em execução, o que deve fazer–se por via da apreciação quer da natureza dos ditos crimes e das realidades normativas que deram azo a efetiva determinação concreta da pena, face ao artigo 71º do Cód. Penal e, por efeito inerente, a medida concreta da pena – assim se atendendo ao grau de ilicitude do facto, ao concreto modo de execução deste, bem como a gravidade das suas consequências e ao grau de violação dos deveres impostos ao agente; relevando, também, a intensidade do dolo ou da negligência considerada; atendendo–se aos provados sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; acompanhando as condições pessoais do agente e a sua situação sócio–económica; atentando–se na conduta anterior ao facto e na posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; e considerando a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta foi censurada através da aplicação da pena.
No que se reporta à vida anterior e personalidade do condenado a apreciação pressupõe a valoração concreta do passado criminal do condenado, traduzido nos existentes antecedentes criminais, elemento este que se pode revelar com fortemente indiciador de uma personalidade desconforme ao direito e, como tal, não merecedora da liberdade condicional, tudo com o firme propósito de aquilatar e compreender se o determinado percurso criminoso do condenado se gerou em circunstancias que o mesmo não controlou, ou não controlou inteiramente (a chamada culpa pela condução de vida).
No que tange à evolução da personalidade do condenado durante a execução da pena de prisão apela–se a uma valoração concreta, não só dos comportamentos assumidos institucionalmente pelo condenado no seio prisional (a vulgar esfera interna psíquica do condenado), mas essencialmente por via dos padrões comportamentais firmados de modo duradouro e que, desconsiderando aquele contexto de reclusão, indiciem um concreto e adequado processo evolutivo de preparação para a vida em meio livre.
Revertendo ao caso concreto importa salientar que:
Na fase de instrução foram elaborados pela equipa técnica de tratamento prisional e reinserção social relatórios versando os aspetos enunciados no artigo 173º, n.º 1 alíneas a) e b) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
Foram colhidos os esclarecimentos no Conselho Técnico, o qual emitiu parecer desfavorável por maioria à concessão da liberdade condicional - artigo 175º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
O recorrente condenado recluso prestou declarações e deu o seu consentimento expresso à aplicação da liberdade condicional - artigo 176º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
O Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.
O condenado e ora recorrente atingiu ½ da pena em 11/01/2025, sendo que os 2/3 da pena ocorrem em 11/07/2025, e o termo encontra-se previsto para 11/07/2026.
Assim, e no que se reporta aos pressupostos formais da concessão da liberdade condicional podemos concluir pelo seu preenchimento, uma vez atingiu ½ da pena, cumpriu (mais) do mínimo de seis meses e deu o seu consentimento à concessão de liberdade condicional.
A questão reside, pois, nos requisitos substanciais ou pressupostos materiais que o tribunal recorrido entendeu não estar verificado e de cujo entendimento o recorrente diverge. Repristinando aqui, em síntese, a argumentação expendida pelo recorrente alega o mesmo que os crimes foram cometidos há muitos anos, que desde 2005 que não comete crimes, esteve muitos anos a viver fora do país até ter sido extraditado em 2021, e que tendo já cumprido três anos e alguns meses de prisão sente que já interiorizou o mal do crime. E, ainda, que a decisão recorrida assenta em exigências de prevenção geral, mas volvidos tantos anos inexiste alarme social caso o recorrente seja libertado sendo que o relatório social refere que o «recorrente tem um percurso institucional adequado e pró-ativo, denotando uma evolução positiva na interiorização do desvalor da sua conduta criminógena.
No exterior, beneficia do apoio habitacional e económico por parte da mãe, no entanto, não apresentou nenhuma perspectiva de inserção profissional que favoreça o seu processo reinserção social.
Apesar de subsistirem as necessidades de reinserção social elencadas, o impacto decorrente da atual pena de prisão, a manutenção de uma postura crítica face aos crimes praticados, o apoio familiar que beneficia e a atitude de motivação para adoptar comportamentos normativos afiguram-se como fatores promotores da inversão do seu comportamento disruptivo.
Nas atuais circunstâncias, revelando um discurso motivado a organizar as suas rotinas de forma adequada, demarcando-se de oportunidades delinquenciais no sentido da manutenção de um quadro organização pessoal em função dos valores pró-sociais.»
Se atentarmos na decisão recorrida o que aí se refere relativamente aos pressupostos materiais é:
«Por sua vez, na aferição dos pressupostos materiais, não é possível ao tribunal formular um juízo de prognose favorável no sentido de que o condenado irá, de futuro, após colocado em situação de liberdade, nortear a sua vida de acordo com o direito, sem voltar a praticar novos crimes.
Vejamos.
Conforme bem propugna o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 02/07/2024, proc. 591/20.0TXPRT-L.L1-5, Rel. Sandra Oliveira Pinto, “O pressuposto dito substancial ou material, previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal, aplicável por remissão do nº 3 do mesmo preceito legal, assegura uma finalidade de prevenção especial, de socialização. A concessão da liberdade condicional, neste caso, depende, assim, no essencial, da formulação de um juízo de prognose favorável especial-preventivamente orientado, assente na ponderação de razões de prevenção especial”.
Note-se, neste conspecto, que o recluso já beneficiou anteriormente de uma liberdade condicional, a qual veio a ser revogada em resultado do cometimento de novos crimes no seu decurso e do incumprimento dos deveres a que estava adstrito.
Ademais, pese embora os crimes em causa sejam temporalmente distantes do presente, nesta fase de cumprimento da pena urge que o recluso interiorize o desvalor da sua conduta, havendo a necessidade de reforçar a sua evolução no sentido de que tenha consciência da exigibilidade de pautar a sua vida de acordo com o ordenamento jurídico vigente. Por tais motivos, o tribunal entende que deverá o recluso continuar o cumprimento da pena em contexto prisional, por forma a fomentar o seu investimento pessoal, interiorizando o desvalor da sua conduta anterior à reclusão e o impacto para as vítimas e traçando um plano sólido para a altura em vier a ser libertado. Por seu turno, no que tange ao preenchimento do requisito substancial (ou material) da concessão da liberdade condicional de reporte às finalidades de prevenção geral, igualmente este se tem igualmente por inviável in casu. De facto, a prevenção geral - aquela que para o juiz é, também, um exercício de análise e ponderação sobre os fatores, níveis e exteriorizações do pulsar de coração social, do sentir coletivo e do querer comum da sociedade em cada momento, gerando, deste modo, uma necessidade de constante atualização sobre esses expressares bem como uma contínua e sólida visão do sentido de regra de experiência de vida - não está assegurada nas suas exigências no presente momento em termos de neutralização do efeito negativo do crime na comunidade, dadissuasão e do fortalecimento do seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, considerando a natureza e gravidade dos crimes praticados. Com efeito, o recluso encontra-se a cumprir pena pela prática de crimes de cariz violento e atentatórios da integridade física e vida dos visados, pelo que atendendo à importância dos bens jurídicos em causa, impera reforçar a validação das normas violadas perante a comunidade e enquanto reforço para a dissuasão de novas condutas da mesma natureza. A prática de tais condutas justifica uma punibilidade forte que, de acordo com as circunstâncias do caso em concreto e indo ao encontro das expectativas de pacificação da sociedade, não se compadecem com a libertação do recluso por reporte ao meio da pena. Destarte, o juízo de prognose efetuado pelo tribunal é, nesta fase, desfavorável, por força das razões de prevenção geral e especial esmiuçadas supra, as quais subsistem, acompanhando-se o parecer do Conselho Técnico e o douto parecer emitido pela Digna Magistrada do Ministério Público, no sentido de que não estão reunidas condições para que seja concedida ao recluso, neste momento, a liberdade condicional.»
Pese embora, a argumentação expendida pelo recorrente entende-se que a sua pretensão não merece ser atendida por se considerar que a decisão recorrida revela uma análise completa dos elementos que se mostram recolhidos nos autos e está adequadamente fundamentada.
Com efeito, embora seja certo que os factos que subjazem às condenações foram praticados há vários anos é, também certo que o recorrente se eximiu, estando ciente das condenações, ao cumprimento das mesmas sendo através de mecanismos de cooperação judiciária que o mesmo foi trazido para Portugal e iniciou o cumprimento da pena em 2021.
Ademais os crimes são atentatórios de bens fundamentais como a vida (homicídio qualificado na forma tentada) a integridade física (ofensa à integridade física) honra (injúria), liberdade de autodeterminação (ameaça) e o património (furto) e até pluriofensivos como os crimes de roubo, sendo particularmente graves estes últimos e o primeiro que convocam elevadas exigências de prevenção geral sendo a expiação de metade da pena não se apresenta como suficiente para as satisfazer e transmitiria à comunidade uma imagem enfraquecida das capacidades do sistema judicial na contenção e dissuasão da prática deste tipo de crimes, sobretudo perante condenado que se eximiu durante vários anos ao cumprimento da pena devida e só iniciou o seu cumprimento em 2021.
E tais exigências não são minoradas pela circunstância ter morada familiar para onde ir residir porquanto como se consigna como Acórdão do Tribunal da Relação de Évora8:
«I - A compatibilidade da liberdade condicional com a defesa da ordem e da paz social referida na al. b) do nº 2 do art. 61º C. Penal, não deve ser aferida apenas por referência ao meio social onde o crime foi cometido, ou onde vivia o agente, ou onde se prevê que o agente passe a viver ou, mesmo, onde vivia ou vive a vítima ou outras pessoas relacionadas com o crime. II - Hodiernamente não pode deixar de ter-se em conta igualmente o destaque que a LC possa merecer de meios que potenciem a sua divulgação, máxime da comunicação social, fazendo com que se mostre significativamente ampliado o universo de referência na prognose sobre o impacto da LC nas expectativas comunitárias sobre a validade da norma violada.»
Também não relevam no que tange às exigências de prevenção geral as circunstâncias de o condenado manter um comportamento prisional adequado e beneficiar de apoio familiar, porquanto para tais exigências não há que ponderar a conduta do condenado posterior ao crime nem as suas condições pessoais e socio–económicas, mas sim o efeito dissuasor resultante do efetivo cumprimento da pena pelo autor do crime – ou, dito de outro modo, da expectativa geral da comunidade de que as penas previstas na lei são cumpridas quando a lei é tão frontalmente infringida.
De facto e como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto9«o bom comportamento prisional não equivale a bom comportamento no exterior da prisão e não é o bastante para permitir que o condenado possa sair em liberdade ao meio da pena».
Refira-se, ainda, que apesar do relatório citado pelo recorrente referir a atitude de motivação para adoptar comportamentos normativos e a manutenção de uma postura crítica face aos crimes praticados na decisão recorrida refere-se como facto provado que o recorrente verbaliza arrependimento pelo cometimento do crime, embora o arrependimento manifestado seja essencialmente autocentrado em virtude das consequências que a sua conduta causou para si e para a sua família e atribui o cometimento dos crimes à sua imaturidade e juventude (tratando-se de crimes praticados aproximadamente há vinte anos) o que na nossa perspetiva revela que existe um percurso ainda a percorrer pelo recorrente de interiorização do mal cometido e das consequências nas vítimas e, assim, de evolução e consolidação quanto ao seu processo de readaptação social.
Deste modo, julgamos que a decisão recorrida fez uma adequada e irrepreensível interpretação e aplicação do artigo 61º nº2 al. b) do Código Penal uma vez que nesta fase do cumprimento da pena, a liberdade condicional frustrava o sentimento geral de vigência das normas punitivas que o recorrente violou com a prática dos crimes por que foi condenado.
Decisão que, ademais se sustenta também nas circunstâncias de o Conselho Técnico junto do Estabelecimento Prisional e do Ministério Público terem emitido parecer desfavorável à concessão de liberdade condicional ao recorrente. E embora os mesmos não sejam vinculativos para o Tribunal não deixam de materializar uma corroboração do entendimento que veio a ser adotado na decisão recorrida.
Em conclusão, julga–se, como o faz a decisão recorrida, que em função das circunstâncias do caso, nomeadamente por nele exacerbarem, desde logo, as exigências de prevenção geral cuja tutela aqui se impõe nos termos da alínea b) do artigo 61º nº2 do Código Penal, a concessão de liberdade condicional ao recorrente nesta fase do seu percurso prisional seria manifestamente prematura.
A decisão recorrida decidiu, pois, com acerto de acordo com os preceitos legais aplicáveis, não merecendo, por isso, qualquer censura pelo que o recurso não tem provimento.
3- DECISÓRIO:
Nestes termos e, em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores desta 3ª Secção em não conceder provimento ao recurso interposto por AA, mantendo, consequentemente, na íntegra a decisão recorrida.
Custas da responsabilidade do recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça (art. 513º do Código de Processo Penal e 8º nº9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último).
Notifique e comunique eletronicamente ao tribunal recorrido
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Nos termos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal exara-se que o presente Acórdão foi pela 1ª signatária elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários e sendo as suas assinaturas bem como a data certificada supra.
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Tribunal da Relação de Lisboa, 21 de maio de 2025
Ana Rita Loja
João Bártolo
Hermengarda do Valle-Frias
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1. vide Acórdão do Plenário das Secções do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995.
2. – Artigos 403º, 412º e 417º do Código de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 proferido no processo 91/14.7YFLSB.S1 e de 30/06/2016 proferido no processo 370/13.0PEVFX.L1. S1.
3. Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335
4. Código Penal Português Anotado e Comentado”, 18ª ed., pág. 244
5. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 539
6. No artigo 40º nº1 do Código Penal estabelece-se que a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e no artigo 42º nº1 do mesmo diploma legal que “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes".
7. De 28 de outubro de 2014, proferido no processo 679/12.0TXEVR.E1 e acessível em www.dgsi.pt.
8. de 05 de fevereiro de 2019 proferido no processo 669/16.4TXTEVR-H.E1 e acessível em www.dgsi.pt
9. de 31 de outubro de 2012 proferido no processo 3536/10.1TXPRT-H.P1 e acessível em www.dgsi.pt