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CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO
ABUSO DE DIREITO
SINAL
REDUÇÃO EQUITATIVA
Sumário
Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do CPC) 1. É lícita a resolução do contrato promessa de compra e venda operada pela promitente vendedora, com fundamento no incumprimento definitivo do contrato por parte da promitente compradora quando, depois das partes terem acordado em dois adiamentos da data da escritura de compra e venda, estabeleceram um prazo fixo ou absoluto para a sua realização, que não foi observado pela promitente compradora, tendo ainda a promitente vendedora procedido à interpelação admonitória a que alude o art.º 808.º do C.Civil, sem que aquela se tenha prestado a realizar a escritura no prazo estabelecido. 2. A circunstância da promitente compradora, só depois dos dois aditamentos ao contrato promessa que adiaram a data da realização da escritura a seu pedido, ter apresentado um pedido de informação prévia à CML sobre obras realizadas no 4.º piso do prédio, de que ainda não tinha resposta à data prevista para a escritura, não constitui razão atendível para a recusa da realização da escritura. 3. Ainda para mais quando: (i) a mesma sabia o estado do prédio que prometia adquirir; (ii) sabia que a obra do 4º piso havia sido embargada, embargo entretanto cancelado, (iii) não ficou a constar do contrato promessa que esse facto tivesse qualquer relevância para a promitente compradora, nem tão pouco dele consta qualquer elemento que revele a sua interferência na intenção da mesma adquirir o prédio; (iv) não se apurou sequer que a promitente vendedora soubesse daquele PIP ou tivesse sido informada da relevância da sua decisão para a promitente compradora, no sentido de interferir com a aquisição do prédio a que se havia obrigado. 4. A promitente vendedora não atua com má fé e em abuso de direito, nos termos previstos no art.º 334.º do C.Civil, quando resolve o contrato promessa de compra e venda com fundamento no seu incumprimento definitivo pela promitente vendedora, tendo as partes anteriormente reconhecido expressamente estarem reunidos todos os pressupostos para a realização a escritura. 5. O regime do sinal previsto no art.º 442.º n.º 2 do C.Civil não admite o recurso automático ao art.º 812.º do C.Civil, que prevê a redução equitativa da cláusula penal por manifestamente desproporcionada e excessiva; 6. Só se as partes tiverem acordado e contemplado a prestação de um sinal com uma finalidade ou natureza penal ou sancionatória é que pode justificar-se a redução do sinal nos termos do art.º 812.º do C.Civil e só em situação de manifesta e evidente desproporção, reveladora de abuso e injustiça; 7. Com a mera reprodução no contrato promessa do teor do art.º 442.º n.º 2 do C.Civil, no sentido de que, em caso de incumprimento definitivo do contrato promessa, o promitente comprador tem a faculdade de haver o sinal prestado em dobro, ou o promitente vendedor a faculdade de fazer seu o sinal prestado, presume-se que as partes quiseram fixar um sinal com uma função indemnizatória, que as desonera da prova dos danos causados pelo incumprimento, assim evitando dúvidas futuras e litígios quanto à determinação da indemnização 8. A natureza penal ou sancionatória do sinal tem de resultar inequivocamente da convenção das partes, só assim se justificando o recurso ao art.º 812.º do C.Civil.
Texto Integral
Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
Vem a A. Parrotparadise, Ld.ª intentar a presente ação declarativa de condenação contra a R. A …, pedindo condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 544.000,00 correspondente ao sinal em dobro, pelo incumprimento verificado com a resolução ilícita do contrato promessa, acrescido de juros de mora desde a data da resolução e até integral pagamento ou, caso não se conclua pela ilicitude da resolução, ao pagamento do montante que resultar da redução do sinal prestado, nos termos do art.º 812.º do C. Civil, acrescido de juros desde a citação até integral pagamento.
Alega, em síntese, que se interessou pelo prédio da R. que identifica e pretendeu comprá-lo para remodelação total e posteiro venda por frações ou reconfiguração hoteleira, tendo celebrado o CPCV em 20.01.2020. Previa-se que a escritura fosse outorgada até 30.04.2020, devendo a promitente vendedora obter o cancelamento do registo de embargo de obras inscrito no registo predial; a A. pagou um sinal no valor de 136.000,00€ correspondente a 10% do valor total do negócio. Em março de 2020, devido à Pandemia provocada pelo Covid-19 a A. solicitou à R. o adiamento na outorga da escritura pública, o que foi aceite. Na segunda data acordada para 30/06/2020, o Estado de emergência em Portugal mantinha-se pelo que a A. pediu novo adiamento, o que foi aceite mediante um reforço de sinal de mais 10%, i.e. no valor de 136.000,00€. Entretanto a A. contratou um arquiteto para estudar a obra e elaborar o projeto de remodelação e que verificou que tinha havido alterações ao nível do 4º piso, ponderando se devia resolver o contrato dada a situação ilegal da cobertura do prédio ou se poderia prosseguir com a compra e mantendo o interesse na compra, decidiu submeter um pedido de informação prévia à CML para determinar esta aceitaria a situação existente ou exigiria alteração ao nível do 4º piso e cobertura. A A. informou a R. que não outorgaria a escritura antes da CML se pronunciar sobre o PIP porquanto não aceitaria a conclusão do negócio se a CML exigisse a reposição da situação anterior às obras. A 29.12.2020 a R. interpelou a A. para celebrar a escritura sob pena de resolução contratual, considerando resolvido o contrato em 28.01.2021. Apesar da A. se encontrar formalmente em mora, à R. não assistia o direito de resolver o contrato pois sabia que a A. tinha apresentado um PIP, o qual estava pendente na data em que resolveu o contrato.
Devidamente citada a R. veio contestar concluindo pela improcedência da ação e pela sua absolvição dos pedidos.
Alega que as partes pretenderam concluir o negócio no estado em que o prédio estava à data em que a A. o visitou, sendo vendido sem qualquer projeto aprovado, sendo que o imóvel necessitava de obras tão profundas que consubstanciavam praticamente uma reconstrução, pelo que a R. jamais aceitou garantir que não haveria qualquer limitação administrativa decorrente de PIP ou de qualquer projeto que a A. pretendesse apresentar junto da CML. A situação concreta do imóvel e do objeto do embargo foi constatado in loco diversas vezes pela A. e pelo arquiteto B … que viria a assumir a responsabilidade do PIP, não tendo a R. ocultado qualquer tipo de informação à A., que teve conhecimento de toda a situação antes da celebração do CPCV. A A. solicitou dois adiamentos da data para a escritura, constando do 2º aditamento celebrado que a escritura de compra e venda será outorgada, improrrogavelmente, até 30.10.2020, no dia, hora e local a fixar de comum acordo ou na falta deste pela promitente compradora. A 30.10.2020 a A. não marcou a escritura, informando que continuava com problemas para reunir o valor necessário e não marcou qualquer data, pelo que em 29.12.2020 a R. interpelou-a admonitoriamente para proceder à marcação da escritura, designando desde logo a data de 14.01.2021 e de 28.01.2021 para a outorga da mesma, não tendo a A. comparecido em nenhuma das datas agendadas, o que levou a R. a resolver o contrato, por carta que lhe enviou em 08.02.2021.
Realizou-se a audiência prévia, tendo sido elaborado despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento a 31.10.2024, na qual foi proferido despacho que indeferiu o requerimento da A., no sentido de se proceder à notificação de testemunha faltosa para o seu domicílio profissional.
Foi proferida sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados pela A., mais absolvendo esta do pedido de condenação como litigante de má fé.
Inconformada com o despacho proferido em audiência de julgamento e com a sentença, veio a A. interpor recurso destas decisões concluindo pela sua revogação, formulando para o efeito as seguintes conclusões que se reproduzem na parte que corresponde ao recurso da sentença final, que foi apenas o que foi admitido pelo tribunal a quo e que aqui compete decidir:
9ª A sentença final enferma de erro de julgamento ao julgar a acção improcedente, quer quanto ao pedido principal, quer quanto ao pedido subsidiário.
10ª A R. resolveu abusiva e ilicitamente o contrato-promessa, pois, apesar de a A. se encontrar formalmente em mora relativamente à obrigação de celebrar a escritura, à R. não assistia o direito de resolver o contrato.
11ª A matéria de facto provada permite concluir que a R. realizou extensas obras ilegais e sem licenciamento no imóvel objecto da promessa de compra e venda, tendo induzido a A. em erro sobre essas obras, que, uma vez que se apercebeu da existência, natureza e extensão dessas obras, a A., com o conhecimento da R., apresentou na CML um PIP com o objectivo de perceber se a CML aceitaria a situação criada com as obras ilegais ou se ordenaria a reposição da situação anterior e que, estando pendente a decisão desse PIP, a R. resolveu o contrato-promessa.
12ª Em face das declarações feitas pela R. na cláusula segunda do contrato-promessa, a A. entendia não estar obrigada a adquirir o imóvel com as obras clandestinas feitas pela R., assistindo-lhe, até, o direito de o resolver, com fundamento na existência de obras ilegais, não informadas pela R., tendo, porém, a A. optado por apresentar um PIP, por sua iniciativa e suportando os custos de projecto, para resolver uma situação que não lhe era imputável, o que a R. sabia.
13ª A resolução do contrato pela R., na pendência do PIP, foi abusiva e, como tal, ilícita, sendo ilícita a colocação do imóvel à venda e a declaração da perda do sinal a seu favor, pela R..
14ª A sentença é nula, uma vez que não se pronunciou sobre a questão fundamental em que assenta a acção, qual seja a de saber se a resolução operada pela R. foi ou não abusiva.
15ª Em qualquer caso, enferma de erro, e de ofensa ao disposto no asrt. 334º do C. Civ., a decisão recorrida na parte em que não considerou ilícita a resolução.
16ª Não tem qualquer justificação atendível a perda da totalidade do sinal a favor da R., devendo assim esta cláusula penal ser reduzida equitativamente, nos termos do art. 812º do C. Civil, incorrendo a decisão recorrida em erro de julgamento, na parte em que recusou a aplicação do disposto no art. 812º do Código Civil.
A R. veio responder ao recurso, pugnando pela sua improcedência e confirmação da sentença proferida.
Foi proferido despacho pelo tribunal a quo que: (i) indeferiu o recurso interposto pela A., ao abrigo do art.º 644.º n.º 2 do CPC, do despacho proferido na audiência final de 31.10.2024, por tê-lo sido fora de prazo; (ii) admitiu o recurso da sentença final; (iii) afirmou não padecer a sentença de qualquer nulidade.
II. Questões a decidir
Tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões – art.º 635.º n.º 4 e art.º 639.º n.º 1 a 3 do CPC - salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
- da abusiva e ilícita resolução do contrato promessa pela R.;
- da redução equitativa da cláusula penal relativa à perda total do sinal.
III. Nulidade da sentença - da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Vem a A. invocar a nulidade da sentença, alegando que o tribunal a quo não conheceu da abusiva resolução do contrato promessa por parte dos promitentes vendedores, que fundamentou no facto de ainda estar a aguardar a pronúncia da CML sobre o PIP, o que era do conhecimento da A., limitando-se a constatar que o contrato foi resolvido pela R.
O art.º 615.º n.º 1 do CPC vem enunciar as circunstâncias em que a sentença é nula, prevendo na sua al. d) que tal acontece quando: “d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta norma comina com a nulidade a decisão em que se verifica a omissão ou excesso de pronuncia por parte do juiz, relacionando-se com o princípio expresso no art.º 608.º n.º 2 do CPC segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se também de questões que não sejam suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso.
O tribunal tem de pronunciar-se sobre o pedido formulado pelas partes e sobre as questões por elas suscitadas, não constituindo omissão de pronuncia quando isso acontece, sem que seja tomada posição expressa sobre todos os argumentos apresentados pelas partes. As razões invocadas não se confundem com a questão a decidir, embora a falta de ponderação de alguns argumentos relevantes para a decisão possa determinar a falta de acerto da mesma.
Como se refere no acórdão do STJ de 6 de abril de 2021 no proc. 3300/15.1T8ENT-A.E1.S2 in www.dgsi.pt/jstj : “regime das nulidades destina-se apenas a remover aspectos de ordem formal que, eventualmente, inquinem a decisão, não sendo adequado para manifestar discordância e pugnar pela alteração do decidido, pois que não abrange eventuais erros de julgamento de que padeça a decisão.”.
A sentença recorrida considerou válida a resolução do contrato promessa levada a efeito pela promitente vendedora, não só porque entendeu que foi fixado contratualmente pelas partes um prazo fixo e absoluto para o seu cumprimento que não veio a ser observado pela promitente compradora, mais afirmando que ainda assim a R. procedeu à interpelação admonitória a que alude o art.º 808.º do C.Civil concedendo à A. dois novos prazos para a realização da escritura, que não tendo sido observados lhe conferiram a faculdade de resolver o contrato.
Ao considerar lícita a resolução do contrato promessa por parte da promitente compradora, a sentença sob recurso tem como implícito naquele entendimento manifestado que a mesma não foi abusiva, já que afirmou ainda que nem no contrato promessa celebrado, nem nos seus aditamentos ficou mencionada qualquer intenção da promitente compradora submeter um pedido de informação prévia à CML, e teve como verificados os fundamentos que admitem a resolução do contrato.
Não pode por isso dizer-se que a sentença é nula por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º n.º al. d) por não ter conhecido de questão que estava obrigada a conhecer.
IV. Fundamentação de facto
Não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto e não havendo qualquer alteração a fazer à mesma, tendo em conta o disposto no art.º 656.º n.º 6 do CPC, remete-se para a sentença na parte em que decidiu esta matéria, reproduzindo-se os factos aí dados como provados e não provados:
Factos Provados
1. A Autora é uma sociedade comercial que tem por objeto a promoção, gestão e administração imobiliária, incluindo a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, investimentos imobiliários, administração e gestão do património imobiliário, conforme se extrai da certidão do registo comercial, junta como documento 1.
2. A sociedade foi constituída em 2018 pelo sócio C …, cidadão francês que, nessa altura, veio residir para Portugal, com o intuito de se dedicar ao negócio imobiliário.
3. Em finais de 2019, a A. interessou-se por um imóvel, pertencente à Ré, que negociou e decidiu comprar.
4. Tratava-se do prédio urbano, que se previa ser sujeito a remodelação total, sito na Rua … nº … - …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … da freguesia de Sta. Catarina, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Misericórdia sob o artigo … (documento 2 da PI)
5. A R. proprietária era representada pelo seu filho, Sr. D … o qual estava mandatado por procuração para tratar da venda do imóvel.
6. A venda era intermediada pela agência “Anteas”, designação comercial da sociedade Ângulos & Números, Lda.
7. Todos os contactos e a negociação do imóvel foram assim feitos com o Sr. D … e com o representante da Anteas, Sr. E ….
8. No registo predial do imóvel estava inscrito um embargo de obras, nos seguintes termos (documento 2): “Em 27/05/2005 foi decretado o embargo das obras realizadas no 4º piso” “Em 2006/01/04 foi decretada a prorrogação do embargo que havia sido ordenado por despacho de 2005/05/27”
9. Questionado o representante da R. acerca deste embargo, o mesmo disse que ele se referia a obras que tinha iniciado na cobertura do edifício e que, perante o embargo, tinha desistido da sua prossecução.
10. Em 29.01.2020, foi assinado o contrato-promessa de compra e venda, tendo nele intervindo C … em representação da promitente compradora Parrotparadise, L.da e D … em representação de A … (documento 3).
11. Do Considerando 2º do referido contrato promessa de compra e venda, consta que: “De acordo com a certidão permanente e com a Caderneta Predial Urbana, o PRÉDIO é composto por edifício de 5 pisos destinados a habitação com as seguintes áreas: (i) área total do terreno – 160 m2; (ii) área de implantação do edifício – 100 m2; (iii) área bruta privativa total – 458 m2.”
12. Do considerando 3º constava que “A promitente compradora, previamente à assinatura do presente contrato, visitou- e inteirou-se do prédio e do seu estado de conservação, o qual aceita, com a assinatura do presente contrato”
13. Pelo disposto e acordado na “CLÁUSULA SEGUNDA (Declarações de garantia da PROMITENTE VENDEDORA)” do referido contrato promessa, a R. garantiu:
“2.1.4. Não tem conhecimento de defeitos estruturais na construção do PRÉDIO que possam afetar o valor e a utilização do mesmo;
2.1.5. Até à data da escritura, irá obter o cancelamento do registo do embargo de obras inscrito no registo predial, e o imóvel está livre de quaisquer outros ónus, encargos e outras limitações, seja de que natureza for incluindo fiscais, registáveis ou não;
2.1.6. Não se encontra em curso qualquer litígio, judicial ou extrajudicial, em que se discuta a titularidade do direito de propriedade do PRÉDIO nem existe qualquer facto, circunstância, ato ou omissão que possa dar lugar à reversão da posse e da propriedade do PRÉDIO, incluindo benfeitorias;
2.1.7. O PRÉDIO não possui licença de utilização, nem a mesma é exigível, em virtude de a inscrição do PRÉDIO na matriz ser anterior ao ano de 1951;
2.1.8. Não existem dívidas, responsabilidades ou encargos, respeitantes a contribuições, impostos ou taxas perante o Estado ou o Município de Lisboa relativas ao PRÉDIO, encontrando-se pontualmente pagos ou devidamente assegurados todos os impostos, contribuições e taxas devidas, sendo a PRIMEIRA CONTRAENTE responsável pelo pagamento total e imediato dos montantes que lhe sejam exigidos, ainda que lhe venham a ser comunicados em data posterior à data da escritura definitiva de compra e venda
2.1.9. Não tem conhecimento de nenhum facto ou circunstância relativa ao PRÉDIO, que possa originar responsabilidades fiscais para a PROMITENTE COMPRADORA referentes ao período anterior ao presente contrato-promessa”.
14. Da cláusula segunda constava ainda o seguinte:
“2.2. A PROMITENTE VENDEDORA declara e reconhece expressamente que as declarações e garantias prestadas no presente contrato-promessa foram determinantes e essenciais na formação da vontade da PROMITENTE COMPRADORA de celebrar o presente contrato-promessa.
2.3. As declarações de garantia constantes da presente Cláusula manter-se-ão válidas e eficazes até à data e momento da celebração da escritura pública destinada a formalizar a compra e venda do PRÉDIO objeto do presente contrato, e mesmo para além dessa data, relativamente às declarações que, pela sua natureza, devam subsistir após a escritura”.
15. No que respeita às condições de pagamento, preço e sinal, as partes acordaram:
“3.1. O preço total a pagar pela PROMITENTE COMPRADORA à PROMITENTE VENDEDORA pela compra e venda do PRÉDIO que constitui o objeto do presente contrato é de € 1.360.000,00 (um milhão trezentos e sessenta mil euros).
3.2. O preço fixado em 3.1. será pago pela PROMITENTE COMPRADORA à PROMITENTE VENDEDORA nos seguintes prazos e condições:
3.2.1. Com a assinatura deste contrato, a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de € 136.000,00 (cento e trinta e seis mil euros mil euros), a pagar por meio de cheque bancário ou através de transferência bancária para conta da PROMITENTE VENDEDORA com o IBAN PT50 … 305 SWIFT BCOMPTPL, a ordenar no prazo de dois dias úteis, dando a PROMITENTE VENDEDORA completa quitação, condicionada à efetiva receção do montante devido na sua conta, ficando também a validade e vigência do presente contrato condicionada à efetiva receção do montante do sinal;
3.2.2. O remanescente do preço da venda do PRÉDIO, deduzido das quantias entregues a título de sinal e princípio de pagamento, ou seja € 1.224.000,00 (um milhão duzentos e vinte e quatro mil euros), será pago no ato da outorga da escritura definitiva de compra e venda, através de cheque bancário”.
16. No que respeita à escritura pública acordaram as partes na cláusula 4ª que: “4.1 A escritura de compra e venda será outorgada até 30 de Abril de 2020, no dia, hora e cartório notarial a fixar de comum acordo ou, na falta dele, pela Promitente compradora, por meio de carta registada com aviso de receção, expedida com a antecedência mínima de 10 (dez) dias, para as moradas referidas no preâmbulo do presente contrato.”
17. Acordaram as partes na cláusula quinta que: “5.1. em caso de incumprimento do presente contrato: 5.1.1. Por motivo imputável à promitente compradora, a promitente vendedora terá direito de resolver o presente contrato e de fazer suas as quantias entregues a título de sinal e princípio de pagamento previstas em 3.2.1”.
18. Com data de 30.04.2020 as partes outorgaram o doc. 4 junto com a PI que aqui se dá por reproduzido e que consubstancia um “aditamento a contrato promessa de compra e venda”, pelo qual acordaram “considerando que … 2º As partes expressamente declaram e aceitam que se encontram verificadas e cumpridas todas as condições e pressupostos para a celebração do contrato prometido de compra e venda à data de hoje, pelo que nada obsta à outorga da escritura pública de compra e venda do Prédio, cuja data limite é o dia 30 de Abril de 2020; 3º - foi declarado o estado de emergência nacional e que na data limite para a outorga da escritura pública de compra e venda, supra referida, ainda se encontra em vigor; 4º A vigência do estado de emergência veio provocar inevitáveis atrasos no funcionamento das instituições públicas; 5º A promitente compradora solicitou e a promitente vendedora aceita o adiamento da data limite para a outorga da escritura pública de compra e venda do Prédio”… acordando na alteração do n.º 1 da cláusula quarta do contrato, que passa a ter a seguinte redação: “4.1. A escritura pública de compra e venda será outorgada até 30 de Junho de 2020, no dia, hora e cartório notarial a fixar de comum acordo ou, na falta deste, pela PROMITENTE COMPRADORA, por meio de carta registada com aviso de receção, expedida com a antecedência mínima de 10 (dez) dias, para as moradas referidas no preâmbulo do presente contrato”.
19. Com data de 30.06.2020 as partes outorgaram o doc. 5 junto com a PI que aqui se dá por reproduzido e que consubstancia um “aditamento a contrato promessa de compra e venda”, pelo qual acordaram que “considerando que … 3. verifica-se que a instabilidade financeira e a incerteza geral resultante da pandemia mundial dificulta a concretização do negócio acorado pela promitente compradora nesta altura; 4. A promitente compradora solicitou e promitente vendedora aceita nova prorrogação da data limite para a outorga da escritura pública de compra e venda do prédio, mediante o reforço de sinal pago pela Promitente compradora; é livremente, de boa fé acordado e reciprocamente aceite o aditamento ao contrato promessa de compra e venda de vinte e nove de Janeiro de 2020, constante das cláusulas seguintes:
Cláusula primeira: 1.1- a cláusula 4.1 do contrato-promessa de compra e venda de 29.01.2020 passa a ter a seguinte redação: “4.1 –a escritura pública de compra e venda será, improrrogavelmente, outorgada até 30 de Outubro de 2020, no dia, hora e cartório notarial a fixar de comum acordo ou, na falta deste, pela promitente compradora, por meio de carta registada com aviso de recepção, expedida com a antecedência mínima de 10 (dez dias), para as moradas referidas no preâmbulo do presente contrato”.
Cláusula segunda: 2.1 a promitente compradora obriga-se a pagar à promitente vendedora, a título de reforço de sinal e continuação de pagamento, a quantia de €136.000,00 (cento e trinta e seis mil euros), a pagar por meio de transferência bancária para conta da Promitente vendedora com o IBAN PT50 … 305 Swift BCOMPTPL, a ordenar no prazo de dois dias uteis, dando a promitente vendedora completa quitação condicionada à efetiva receção do montante devido na sua conta ficando também a validade e vigência do presente aditamento condicionada à efetiva receção do montante do sinal”
20. O sinal de € 136.000,00 e o reforço de mais € 136.000,00 foram pagos à R. (documento 6).
21. A A., pretendendo adiantar, tanto quanto possível, o processo das futuras obras de remodelação do prédio, decidiu contactar um arquiteto para estudar a obra e, eventualmente, elaborar o projeto de remodelação, tendo contratado o arquiteto B …, do atelier “Ma.teria”.
22. verificou-se que o 4º piso do imóvel, anteriormente constituído por águas-furtadas, foi transformado, pelo alteamento das paredes e completa reconfiguração da cobertura, num piso muito mais amplo, (documento 7).
23. Verificou-se que tinha sido esta a obra que foi embargada pela CML em 2005, conforme auto e despacho da CML (documento 8).
24. A A. decidiu submeter um Pedido de Informação Prévia à Câmara de Lisboa (PIP) a fim de os serviços camarários se pronunciarem sobre a aceitação, ou não, da situação material existente na cobertura.
25. Em janeiro de 2020, tinha sido anotada na descrição predial do imóvel o “cancelamento” do embargo das obras ilegais.
26. Por ofício de 26.12.2019, do Sr. Superintendente F … da Polícia Municipal de Lisboa, foi comunicado que o embargo “caducou, pelo que poderá ser cancelado o averbamento de embargo às obras em causa” (documento 9)”.
27. O PIP foi apresentado em julho de 2020, dando origem a um processo camarário com a designação EDI/2020/123, conforme documento 10.
28. Em 29 de dezembro de 2020, a R. interpelou a A., conforme doc. 11 junto à PI mencionando: “decorridos quase 2 meses sobre a data limite, sem acordo quanto à sua marcação, tendo sido designada por N/intermédio a data de 23 de Dezembro de 2020, a qual não foi aceite por V.Exas, venho formalmente interpelar a sociedade representada por V.Exa para proceder à respectiva marcação da escritura pública de compra e venda. Mais informo que, caso não o faça no prazo de 10(dez) dias, se encontra já marcada para o próximo dia 14 de Janeiro de 2021, pelas 12 horas, no cartório Notarial da Dra G …, sito na Av. Eng. Duarte Pacheco, Torre III, 4º piso – sala 401, em Lisboa, a outorga da escritura pública de compra e venda respeitante ao supra identificado contrato promessa (…) Mias informo que, caso não se apresente ninguém e na data, hora e local supra mencionados, devidamente habilitado para celebrar o contrato prometido, serve ainda a presente notificação para interpelar V.Exa, de forma admonitória, sob pena de perda do interesse na prestação e conversão da mora em incumprimento definitivo, com a consequente resolução do contrato promessa por causa imputável à sociedade representada por V.Exa, e perda de todas as quantias entregues a título de sinal, para uma nova data para a celebração do contrato prometido, o próximo dia 28 de Janeiro de 2021, à mesma hora e no mesmo local”
29. Algum tempo depois, a R. colocou o edifício à venda, pelo preço original de € 1.420.000,00 (documento 12).
30. Em 17.03.2020 o arquiteto B … enviou ao representante da A., Carlos Brás Silva, o email que constitui o doc. 1 da contestação, pelo qual solicitou o envio de documentação vária referente ao imóvel.
31. Na data de 14.01.2021 a escritura pública de compra e venda do prédio localizado na Rua … n.º … a …, freguesia de Santa Catarina em Lisboa não foi outorgada por falta de comparência da parte compradora, ou seja, da Sociedade comercial por quotas com a firma Parrotparadise, Lda. – cfr doc. 3 da cont.
32. Na data de 28.01.2021 a escritura pública de compra e venda do prédio localizado na Rua … n.º … a …, freguesia de Santa Catarina em Lisboa não foi outorgada por falta de comparência da parte compradora, ou seja, da Sociedade comercial por quotas com a firma Parrotparadise, Lda.- cfr. Doc. 4 da cont.
33. Em 08.02.2021 a Ré enviou à A. uma carta de resolução do contrato promessa mencionando “assim, nos termos das estipulações contratuais da promessa de compra e venda e da lei, venho pela presente proceder à resolução do contrato promessa de compra e venda celebrados em 29 de Janeiro de 2020 e respectivas adendas de 30 de Abril e 30 de Junho de 2020, com perda dos valores entregues a título de sinal, no valor de 272.000,00 e com efeitos imediatos.” (Cfr. Doc. 5 da cont.).
Factos não provados:
a. Que a A. tenha contratado o arquitecto B … em meados de 2020.
b. A A. não pretendia realizar qualquer intervenção a nível da cobertura e 4º piso do edifício, pois o seu projecto contemplava apenas, e no essencial, a remodelação interior do imóvel.
c. Não pretendia a A. perder uma área substancial do 4º piso do prédio, o que ocorreria se, no âmbito do licenciamento, a CML determinasse a reposição da cobertura e 4º piso na situação anterior à intervenção ilegal da requerida.
d. A A. informou a R. que não outorgaria a escritura antes de a CML se pronunciar sobre o PIP que havia apresentado, porquanto não aceitaria a conclusão do negócio se a CML exigisse a reposição da situação anterior às obras clandestinas.
e. A R. ficou ciente da intenção da A., e tomou conhecimento da apresentação do PIP.
IV. Razões de direito - da abusiva e ilícita resolução do contrato promessa pela R.
Alega a Recorrente que embora estivesse formalmente em mora a R. não tinha o direito a resolver o contrato promessa, por saber que a A. aguardava a decisão sobre um pedido de informação prévia que havia apresentado na CML relativamente à situação de obras ilegais, que ainda estava pendente à data da resolução do contrato.
A sentença sob recurso considerou lícita e válida a resolução do contrato promessa celebrado entre as partes pela R., com fundamento no seu incumprimento pela A., afirmando que do contrato celebrado ou dos seus aditamentos nada ter ficado a constar relativamente à intenção da promitente vendedora solicitar um pedido de informação prévia à CML.
O contrato promessa de compra e venda é um contrato bilateral, do qual emergem duas obrigações sinalagmáticas para as partes: a de vender e a de comprar. O objeto típico característico da promessa bilateral de venda é constituído pelo negócio que as partes se obrigam reciprocamente a celebrar, isto é, pelas declarações de vontade que prometem trocar, no futuro, entre si.
O cumprimento da promessa traduz-se na conclusão do contrato definitivo projetado, devendo o contrato ser pontualmente cumprido, ou seja, cumprido em todos os seus pontos, de acordo com o disposto no art.º 406.º n.º 1 do C.Civil.
O incumprimento de qualquer contrato pode assumir um carater provisório, quando há simples mora, nos termos do art.º 804.º do C.Civil ou um carater definitivo. Em qualquer caso, para que o incumprimento seja gerador da obrigação de indemnizar é necessário que haja culpa do devedor nos termos, respetivamente, do disposto nos art.º 804.º n.º 2 e 798.º do C.Civil.
No presente recurso a A. não questiona que incumpriu o contrato promessa de compra e venda, o que a sentença recorrida afirma e nesta parte não é contestada nos seus fundamentos jurídicos ao sustentar a licitude da resolução do contrato operada pela R. no facto de ter sido estabelecido um prazo fixo ou absoluto para a celebração da escritura de compra e venda, que não foi observado e ainda por a R. ter procedido à interpelação admonitória a que alude o art.º 808.º do C.Civil, convertendo a mora da A. em incumprimento definitivo.
O que a Recorrente defende é que a R. agiu em abuso de direito, nos termos do art.º 334.º do C.Civil, ao resolver o contrato promessa quando a A. ainda não tinha tido uma pronúncia da CML sobre o pedido de informação prévia que apresentou e que era do conhecimento da R.
O instituto do abuso de direito tem a sua previsão no art.º 334.º do C.Civil que estabelece que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito. Está em causa o exercício anormal de um direito em termos reprovados pela lei, ou seja, é respeitada a estrutura formal do direito, mas violada a sua afetação substancial, funcional ou teleológica.
Não é qualquer conduta que é suscetível de integrar o conceito de abuso de direito, já que a norma em questão impõe que o titular do direito exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Dizem-nos a este propósito, com grande propriedade, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, pág. 217, em anotação a esta norma: «Exige-se, no entanto, que o excesso cometido seja manifesto. Os tribunais só podem pois fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso. É esta a lição de todos os autores e de todas as legislações. Manuel de Andrade refere-se aos direitos “exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça (Teoria Geral das Obrigações, pág. 63). O Prof. Vaz Serra refere-se, igualmente, à “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante” (Abuso do direito, no Bol. N.º 85, pág. 253).»
O Acórdão do STJ de 15-12-2002, inwww.dgsi.pt refere a este respeito: “a teoria do abuso de direito serve, como se sabe, de válvula de segurança para casos de pressão violenta da nossa consciência jurídica contra a rígida estruturação, geral e abstracta, de normas legais, obstando a injustiças clamorosas que o próprio legislador não hesitaria em repudiar se as tivesse vislumbrado.”
Razões de lealdade e confiança são inerentes ao princípio da boa fé, que se impõe, quer na negociação dos contratos, quer na sua execução, conforme dispõem, respetivamente o art.º 227.º e 762.º n.º 2 do C.Civil.
O legislador vem impor através destas normas que as partes orientem o seu comportamento pelos princípios da boa fé, surgindo esta como regra normativa de conduta humana, dirigida para a colaboração entre as partes em qualquer relação negocial.
Este princípio de colaboração no âmbito das obrigações, tal como nos ensina Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, 1º vol., pág. 145, determina, por um lado, um non facere, traduzido num dever geral de não prejudicar a parte contrária, do que decorre que está de má fé aquele que age com o objetivo direto ou necessário de lesar os interesses de outrem; e por outro lado, impõe a tomada de posições concretas por quem é parte no contrato, de acordo com as circunstâncias, com vista à satisfação do interesse da parte contrária, do que emergem diversos deveres acessórios como sejam os deveres de lealdade, honestidade, notificação, informação, etc.
Pondo-se a questão de saber qual a “medida de colaboração” entre os contratantes, na execução do contrato que é exigida, pelo princípio da boa fé que se impõe por força do art.º 762.º n.º 2 do C.Civil, podemos socorrer-nos da norma legal que constitui o art.º 487 nº 2 do C.Civil que faz referência ao bonus pater familias e que nos diz que a culpa, na falta de outro critério legal, é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso. A este respeito, ensina-nos Menezes Cordeiro, in ob. cit. pág. 153: “Não obstante a referência legal citada surgir, em sede de culpa, na responsabilidade civil, a figura do bom pai de família deve ser tratada, primordialmente, no campo da diligência devida, em termos de boa fé.”
A respeito do abuso de direito enquanto comportamento violador da confiança, contraditório com as expectativas criadas na outra parte, diz-se de forma clara no Acórdão do TRP de 23-03-2017 no proc. 12383/15.3T8PRT.P1 que subscrevemos como adjunta: “Constituem modalidades desta figura os casos chamados suppressio e surrectio. Tratam-se dos casos em que o comportamento do titular do direito ao longo do tempo criou a legítima confiança de que aquele não exercerá mais o direito ou renunciou a ele ou então que reconhece a outrem um direito ou faculdade jurídica que de outra forma não existiria ou já se encontrava extinta. Enquanto formas de tutela da confiança concitada noutrem por um determinado comportamento, o que releva é o significado da aparência do comportamento, a ilação que o mesmo permite quanto ao comportamento da mesma pessoa – do mesmo titular do interesse juridicamente protegido – no futuro. Por isso, não importa se por não exercer o direito, o seu titular queria ou não renunciar ao mesmo, nem isso poderia ser facilmente concluído a partir de um comportamento – puramente – omissivo. Importa sim que a esse comportamento possa ser legitimamente associado um determinado significado perceptível pelo comum dos destinatários. Para tanto, mais que o tempo e para além do tempo, tornam-se necessários indícios objectivos desse significado que permitam concluir que a confiança criada não foi iminentemente subjectiva – correspondente à vontade e desejo de outrem – mas objectivamente fundada, só assim merecendo a tutela do direito. Para tanto, esses elementos objectivos hão-de indiciar que o direito não mais será exercido ou se renunciou a ele em definitivo. O que significa, afinal, que o contexto e as circunstâncias em que o comportamento tem lugar podem ser decisivos para a interpretação do seu significado.”
A respeito da noção de supressio, diz-nos Menezes Cordeiro, em artigo intitulado “Do abuso do direito: estado das questões e perpectivas”, in ROA ano 65, Vol. II, setembro 2005: “A suppressio (supressão) abrange manifestações típicas de “abuso do direito” nas quais uma posição jurídica que não tenha sido exercida, em certas circunstâncias e por certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa fé.”
Avaliando os factos que resultaram provados e não provados, é forçoso concluir que os mesmos não revelam qualquer situação de abuso de direito por parte da R. ao resolver o contrato promessa de compra e venda em questão, com fundamento no seu incumprimento pela A.
O que os factos provados e não provado mostram é o seguinte:
(i)- não existe no contrato promessa celebrado entre as partes, ou nos seus dois aditamentos, qualquer menção a que a A. pretendia solicitar à CML aquele pedido ou que a realização da escritura de compra e venda pudesse ficar dependente do esclarecimento de qualquer dúvida que a A. tivesse relativamente ao imóvel que se obrigou adquirir – (factos provados 10 a 19);
(ii)- só em julho de 2020 a A. apresentou o PIP, pretendo que os serviços da CML se pronunciassem sobre a aceitação ou não da situação material existente na cobertura do imóvel, a que se reportava o embargo que tinha ocorrido, sendo certo que o arquiteto B … já havia solicitado a documentação relativa ao imóvel em 17.03.2020 - (factos provados, 22, 23, 24, 27 e 30);
(iii)- este PIP só foi apresentado pela A. muito depois de ter decorrido o prazo fixado no contrato promessa de 29.01.2020 para a realização da escritura de compra e venda que foi o de 30 de abril de 2020, bem como depois dos dois adiamentos das datas da escritura, que as partes acordaram a pedido da R. (factos provados 16, 18, 19 e 27);
(iv)- quando do aditamento ao contrato promessa, celebrado a 30.04.2020, a pedido da A., que a R. aceitou, no sentido de adiar a data limite para a outorga da escritura de compra e venda para 30.06.2020, as partes declararam que aceitam que se encontram verificadas e cumpridas todas as condições e pressupostos para a celebração do contrato prometido àquela data, nada obstando à outorga da escritura pública a 30.04.2020 – (facto provado 18);
(v)- quando do novo aditamento ao contrato promessa, celebrado a 30.06.2020 na sequência de novo pedido da R. para adiar a outorga da escritura de compra e venda, as partes acordaram que a escritura seria celebrada improrrogavelmente até 30.10.2020 – (facto provado 19);
(vi)- a A. sabia do embargo das obras realizadas no piso 4º do prédio e inteirou-se do estado do prédio e da sua conservação, não podendo deixar de perceber que, em razão do embargo aquelas obras feitas no prédio poderiam não ser lícitas, não havendo a garantia de que poderiam manter-se, ainda que o embargo tenha sido cancelado, conforme a promitente vendedora se obrigou prédio (factos provados 8, 9, 12);
(vii)- não resultou provado que a promitente vendedora tivesse sequer conhecimento do pedido de informação prévia apresentado na CML (al. e) dos factos não provados), nem tão pouco que a A. informou a R. de que não aceitaria celebrar a escritura antes da CML se pronunciar sobre o mesmo (al. d) dos factos não provados).
Perante esta situação não se vislumbra que a R. tenha atuado com má fé e em abuso de direito, nos termos previstos no art.º 334.º do C.Civil, ao resolver o contrato promessa de compra e venda com fundamento no seu incumprimento pela A., depois de por duas vezes ter aceitado prorrogar o prazo para a realização da escritura a seu pedido, sabendo que a A. já anteriormente havia reconhecido estarem reunidos todos os pressupostos para a realização a escritura, constatando-se ainda que, só mais tarde a A. se lembrou de pedir um PIP, quando sabia o estado do prédio que prometia adquirir e que a obra havia sido embargada, não se tendo sequer apurado que a promitente vendedora soubesse daquele pedido ou da relevância da sua decisão para a A., no sentido de interferir com a aquisição do prédio a que se havia obrigado.
Verifica-se a lícita resolução do contrato promessa de compra e venda pela R. fundamentada no seu incumprimento pela A., não estando configurado qualquer comportamento ativo ou omissivo daquela suscetível de poder frustrar qualquer expectativa da A., nem podendo falar-se de uma situação manifestamente injusta, desleal ou contrária ao princípio da boa fé, e por isso abusiva, nos termos da previsão do art.º 334.º do C.Civil, não revelando os factos apurados que a R. agiu em abuso de direito.
Tal como entendeu a sentença sob recurso, houve incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda pela A. na sequência do que a R. promitente vendedora procedeu à resolução do contrato promessa em observância dos pressupostos legais, fazendo seu o sinal prestado, como é seu direito, nos termos acordados pelas partes e previstos no art.º 442.º n.º 2 do C.Civil. - da redução equitativa da cláusula penal relativa à perda total do sinal
Alega a Recorrente que deve proceder o pedido subsidiário que formulou, no sentido de ser reduzida a sanção da perda total do sinal prestado, por desproporcionado, como dispõe o art.º 812.º do C.Civil.
A sentença recorrida entendeu não ser aplicável ao caso o regime da cláusula penal previsto no art.º 812.º do C.Civil, atenta a diferente natureza da cláusula penal e da sanção prevista no art.º 442.º n.º 2 do C.Civil, sempre considerando não verificada a alegada desproporção suscetível de poder determinar a sua redução.
Previamente importa saber se o regime do sinal previsto no art.º 442.º n.º 2 do C.Civil admite a sua redução pelo tribunal, nos termos do art.º 812.º do C.Civil, já que só a resposta positiva a esta questão é que justifica que se avalie da sua alegada desproporcionalidade face aos danos que visa ressarcir.
O regime da cláusula penal vem previsto no art.º 810.º do C.Civil que, no seu n.º 1, deixa às partes a possibilidade de fixarem previamente o montante da indemnização por acordo, em caso de incumprimento, provisório ou definitivo, numa manifestação do princípio da liberdade contratual consagrado no art.º 405.º do C.Civil.
O principal objetivo da cláusula penal é o de evitar dúvidas futuras e litígios quanto à determinação da indemnização, mas ela é fixada muitas vezes com o carater de verdadeira penalidade- vd. neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, Vol. II, pág. 57, assumindo essa função quando se apresenta como dissuasora do incumprimento.
Como diz o Acórdão do TRL de 22-06-2021 no proc. 6133/17.7T8FNC.L1-7 inwww.dgsi.pt : “Trata-se de convenção através da qual as partes fixam o montante da indemnização que deve ser satisfeita em caso de eventual incumprimento ou mora, prefixando o valor do dano, libertando o credor da prova do concreto dano sofrido. (…), pelo que não há que averiguar se a A. sofreu ou não prejuízos, como consequência da inexecução da obrigação, nem o seu valor, sendo-lhe lícito pedir o montante correspondente à cláusula penal fixada.”
O art.º 812.º n.º 1 do C.Civil prevê que a cláusula penal contratualmente estabelecida pelas partes possa ser equitativamente reduzida pelo tribunal, quando seja manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente.
Esta norma vem contemplar a possibilidade de uma sindicância da cláusula penal contratualmente estabelecida por parte do tribunal, quando se constata que da sua aplicação em concreto, resultam situações de manifesto desequilíbrio e injustas, que justificam a sua redução.
Diz-nos Pinto Monteiro in Cláusula Penal e Indemnização, pág. 473: “o poder referido pelo artigo 812º, constitui uma forma de controlar o exercício do direito à pena, impedindo atuações abusivas do credor. Ainda que ela haja sido estipulada em termos razoáveis, será abusivo, porque contrário à boa fé, exigir o cumprimento integral de uma pena que as circunstâncias presentes mostram ser manifestamente excessiva, em termos de ofender a equidade.”
No mesmo sentido pronuncia-se, em anotação a este artigo 812.º do C.Civil, Ana Filipa Morais Antunes, in Comentário ao Código Civil, ed. Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Direito das Obrigações, Das obrigações em Geral, pág. 1172: “O preceito sob anot. contempla uma modalidade de controlo judicial da cláusula penal, ancorada na ideia de desequilíbrio grosseiro ou manifesto (na gíria internacional, releva o gross disparity), que evidencia uma assimetria relevante entre as prestações em referência, a saber, a prestação não realizada e a prestação objeto da cláusula penal.”
Por seu turno, o art.º 441.º do C.Civil vem dispor que no contrato promessa de compra e venda presume-se que tem carater de sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.
O regime do sinal vem regulado no art.º 442.º do C.Civil, que no seu n.º 2 estabelece: “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objetivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago.” Acrescenta o n.º 4 deste artigo que: “Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento.”
A sentença recorrida entendeu não ser o art.º 812.º do C.Civil aplicável ao regime do sinal, o que fundamentou da seguinte forma: “A cláusula penal verifica-se, de acordo com o art.º 810º, n.º 1 do Código Civil, quando as partes fixam por acordo o montante de indemnização e pode ser estabelecida para o não cumprimento - cláusula penal compensatória - ou ser estipulada para o caso de mora ou atraso no cumprimento (cfr. tb. art.º 811º, n.º 1, do CC) - cláusula penal moratória. Certo é que a cláusula penal, por definição, resulta do acordo das partes e o montante da pena é estabelecido por elas, podendo, em caso de litígio, ser reduzida equitativamente pelo Tribunal. O sinal, por sua vez, visa confirmar e consolidar o contrato celebrado, sujeitando o inadimplente a uma indemnização predeterminada. Visa reforçar os vínculos decorrentes do contrato e garantir o seu cumprimento, pela coerção indirecta que exerce sobre aquele que o presta. Mas visa também fixar preventiva e convencional da indemnização devida, em caso de não cumprimento imputável a uma das partes. Ou seja, se a finalidade coercitiva do sinal não for alcançada, porque, ainda assim, a parte que o prestou não cumpriu a sua obrigação contratual, então o sinal tem também a função indemnizatória desse incumprimento, independentemente do montante ou mesmo do dano efectivo. Vide, neste sentido Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, p. 302. É esta função indemnizatória que tem levado a doutrina e alguma jurisprudência a encontrar paralelismo entre o sinal e a cláusula pena, afirmando que a estipulação de sinal desempenha a função de cláusula penal (Galvão Teles, direito das obrigações, pg. 79). Este paralelismo advém do disposto no número 4 do artigo 442º do Código Civil que, de forma similar ao princípio estabelecido no número 2 do artigo 811º para a cláusula penal, estipula que o sinal penal obsta a que o credor exija a indemnização pelo dano excedente, salvo se for outra a convenção das partes. Não obstante as diferenças entre as duas figuras, há quem entenda que as afinidades funcionais se devem ter presentes quando haja que dar solução a situações não previstas, pelo menos aparentemente, na lei. Por isso entendem que caso o sinal (a perda ou restituição em dobro) se afigure manifestamente excessiva, nada obsta a que se proceda à sua restituição equitativa nos termos do art.º 812º do Código Civil. Discordamos deste entendimento, concordando com Calvão da Silva (op cit.pg. 305) e Antunes Varela (das obrigações em geral, I, p. 295) que consideram que as diferenças estruturais entre as duas figuras justificam um tratamento diverso e que não pode afirmar-se a existência de lacuna na lei dada a expressa previsão legal no nº 2 do artigo 442º, CC de sanções para o incumprimento da promessa, sem que tal faculdade – excepcional – tivesse sido prevista, o que indicia não ter sido opção do legislador tal possibilidade. Afigura-se que o facto de a lei não ter conferido a possibilidade de reduzir o sinal manifestamente excessivo, como fez com a cláusula penal, não terá sido por esquecimento, mas antes por considerar a natureza do sinal que visa, antes de mais conferir certeza e segurança ao negócio jurídico, o que contrasta com a consensualidade da cláusula penal que pode ser fixada sem limite enquanto que o sinal estará limitado pelo próprio preço do bem.”.
Não é inteiramente pacífica, na doutrina e na jurisprudência, como desde logo resulta da fundamentação da sentença recorrida, a questão de saber se pode haver lugar a um redução equitativa da indemnização prevista no art.º 442.º n.º 2 do C.Civil, com recurso ao art.º 812.º do C.Civil, pela analogia das situações.
No âmbito da doutrina, tal é admitido, nomeadamente por António Pinto Monteiro, in Cláusula Penal e Indemnização, pág. 195 ss. ou por Ana Prata in O Contrato Promessa e o seu Regime Civil, pág. 794; em sentido contrário, pronunciaram-se Antunes Varela, in Sobre o Contrato Promessa, pág. 374 e Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 305 salientando não só a diferente estrutura jurídica do sinal e da cláusula penal, mas também o facto de não poder considerar-se a existência de uma lacuna que justifique a aplicação analógica do art.º 812.º ao regime do sinal.
Regista-se uma posição intermédia defendida por Nuno Pinto Oliveira, que é expressa no Acórdão do STJ de 06.07.2023 no proc. 547/20.2T8ALM.L1.S1 inwww.dgsi.pt de que é relator, citado pela Recorrente para fundamentar a sua pretensão, no sentido de que se justifica, por analogia, a aplicação do regime da cláusula penal previsto no art.º 812.º do C.Civil ao sinal, mas apenas se o sinal for confirmatório-penal, correspondendo a uma sanção ou pena fixada pelas partes para o incumprimento com natureza compulsória, caso em que apresentam uma afinidade funcional, e já não se o sinal tiver um função indemnizatória.
Refere-se neste acórdão: “O sinal confirmatório ou confirmatório-penal compreende dois tipos de cláusulas acessórias com funções heterogéneas: – o sinal confirmatório com uma função compulsória ou compulsivo-sancionatória e o sinal confirmatório com uma função indemnizatória. O primeiro, o sinal confirmatório ou confirmatório-penal com uma função compulsivo-sancionatória, pode ser uma sanção que acresce ao cumprimento ou à indemnização ou pode ser uma sanção que substitui o cumprimento ou a indemnização; o segundo, o sinal confirmatório com uma função indemnizatória, esse, será sempre uma sanção que substitui a indemnização dos danos decorrentes do não cumprimento. (…) Ora a função compulsória ou compulsivo-sancionatória da cláusula de sinal é actuada ou exercida através de uma pena ou de uma sanção que substitui o cumprimento ou indemnização dos danos causados pelo não cumprimento do contrato-promessa. Entendendo-se, como se entende, que o sinal é confirmatório ou confirmatório-penal, a aplicação do art. 812.º do Código Civil ao sinal explica-se-á ou justificar-se-á por causa da afinidade funcional entre a cláusula penal e a cláusula ou convenção de sinal.”
No mesmo sentido, pronunciando-se sobre a natureza do sinal e com respeito à questão jurídica controvertida em equação, diz-nos Acórdão do TRL de 26-09-2024 no proc. 7905/22.6T8LSB.L1-2 relatado pela aqui 1ª adjunta, inwww.dgsi.pt: “A doutrina tem analisado a natureza do sinal no direito civil português, considerando Galvão Telles que visa confirmar e consolidar o contrato celebrado, sujeitando o inadimplente a uma indemnização predeterminada. Já Menezes Cordeiro defende que o regime vigente procedeu à junção das diversas funções do sinal, tendo o mesmo natureza confirmatória-penal, na medida em que confere consistência ao contrato, assumindo uma natureza penitencial e funcionando como indemnização para o preço do arrependimento. Para Calvão da Silva, o sinal tem natureza confirmatória, podendo ter carácter penitencial se as partes assim o pretenderam. De todo o modo, sempre haverá que considerar que o sinal, para além do seu caráter compulsório, opera uma determinação antecipada da indemnização devida pelo incumprimento de um contrato-promessa e visa garantir tal indemnização, independentemente da existência de danos, dispensando as partes da sua alegação e prova. (…) No entanto, ponderando a similitude das funções visadas pelas convenções de cláusula penal e do sinal, funcionando ambas numa vertente compulsória e, simultaneamente como sanção pelo não cumprimento, propendemos a aceitar excecionalmente a possibilidade de redução do sinal com base no regime consagrado no artigo 812º, CC.”.
Assinala-se que não obstante o regime do sinal estabelecido pelo legislador no n.º 2 do art.º 442.º do C.Civil, as partes podem acordar na fixação de uma cláusula penal para o caso de incumprimento do contrato promessa. Como ensina Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, pág. 226: “se houver cláusula penal ou sinal entregue, o montante da indemnização será dado pela pena fixada ou pela substância ou valor do sinal, consoante os casos (arts. 811.º e 442.º, 2 e 3).”
Também do n.º 4 do art.º 442.º do C.Civil admite expressamente que as partes, pelo incumprimento do contrato, estabeleçam uma indemnização diferente daquela que se encontra prevista no n.º 2 deste artigo, sendo o regime aí previsto uma faculdade, como a própria norma refere, que as partes podem afastar.
Por outro lado, não deixa de salientar-se que a possibilidade da redução equitativa da cláusula penal pelo tribunal prevista no art.º 812.º do C.Civil, exige que a mesma seja manifestamente excessiva, visando precisamente evitar uma atuação abusiva do credor, afigurando-se que só excecionalmente a concretização do regime legal do art.º 442.º n.º 2 pode configurar um abuso ou um manifesto excesso, na medida em que corresponde a um critério que o legislador contemplou nos termos que considerou adequados, que ainda para mais pode ser postergado pelas partes, o que desde logo afasta a ideia ou pressuposto da necessidade de proteção do devedor, que está subjacente à redução da cláusula penal desproporcionada.
Em face do que fica exposto, retiram-se as seguintes conclusões que se têm por adequadas na sequência do entendimento que se defende:
(i) o regime do sinal previsto no art.º 442.º n.º 2 do C.Civil não admite o recurso automático ao art.º 812.º do C.Civil, que prevê a redução equitativa da cláusula penal desproporcionada;
(ii) só se as partes tiverem acordado e contemplado a prestação de um sinal com uma finalidade ou natureza penal ou sancionatória é que pode justificar-se a redução do sinal nos termos do art.º 812.º do C.Civil e só em situação de manifesta e evidente desproporção, reveladora de abuso e injustiça;
(iii) com a mera reprodução no contrato promessa do teor do art.º 442.º n.º 2 do C.Civil, no sentido de que, em caso de incumprimento definitivo do contrato promessa, o promitente comprador tem a faculdade de haver o sinal prestado em dobro, ou o promitente vendedor a faculdade de fazer seu o sinal prestado, presume-se que as partes quiseram fixar um sinal com uma função indemnizatória, que as desonera da prova dos danos causados pelo incumprimento, assimevitando dúvidas futuras e litígios quanto à determinação da indemnização.
(iv) a natureza penal ou sancionatória do sinal tem de resultar inequivocamente da convenção das partes.
Acompanha-se a respeito desta questão a jurisprudência do recente Acórdão do STJ de 11-02-2025 no proc. 470/21.3T8ABF.E1.S1 inwww.dgsi.pt com a qual se concorda inteiramente e onde se refere com clareza e ampla fundamentação: “O sinal e a cláusula penal são, evidentemente, institutos claramente distintos. Entre as cláusulas típicas – tanto social como juridicamente – encontra-se a cláusula penal (art.ºs 810.º a 812.º do Código Civil). A cláusula penal, em sentido amplo ou lato, consiste na convenção por que o devedor promete ao seu credor uma prestação para o caso de não cumprir, ou de não cumprir perfeitamente, a obrigação. A doutrina tradicional construía a cláusula penal como um instituto unitário e com uma dupla função: de fixar antecipadamente a indemnização; de incentivar ou compelir o devedor ao cumprimento. A doutrina e jurisprudência mais recentes quebraram a unidade do conceito, separando as cláusulas penais em indemnizatórias e compulsórias: nas primeiras, a convenção das partes tem por finalidade liquidar a indemnização devida em caso de não cumprimento definitivo, de mora ou de cumprimento defeituoso; nas segundas, aquele acordo tem por escopo compelir o devedor ao cumprimento ou sancionar o não cumprimento. Portanto, ao lado da pena convencional tradicional ou da cláusula penal estrita, às partes é lícito estabelecer uma pura e simples liquidação antecipada da indemnização a que, eventualmente, em face de uma patologia contratualmente identificada, haja lugar (art.º 810.º, n.º 1, do Código Civil). Uma experiência velha de séculos, torna patente que as partes, quando convencionam uma cláusula penal, não estão a pensar na hipótese de vir a sofrê-la, fiadas em que, em qualquer caso, cumprirão o contrato. Isto explica que aceitem subscrever cláusulas penais exorbitantes ou excessivas que, no momento em que são chamadas a actuar, colocam delicados problemas de justiça. Neste plano, assumem, evidentemente, particular relevância os mecanismos de controlo jurisdicional das cláusulas penais, de que constitui claro exemplo, a reductio ad aequitatem, disposta na lei civil geral (art.º 812.º do Código Civil). Todavia, as apertadas cautelas com a que lei rodeia a redução equitativa das cláusulas penais restringem naturalmente o âmbito da tutela que disponibiliza. Seja como for, a poena, traduz-se, frequentemente, numa quantia certa, em juros especiais (agravados) ou na entrega à contraparte de determinada quantia por cada dia de mora. Mas bem pode, porém, revestir outras modalidades, podendo, inclusivamente, não ter por objecto uma quantia em dinheiro e, portanto, a prestação prometida pelo devedor pode ser não pecuniária. Já o sinal tem um perfil e uma finalidade ou intencionalidade algo diversas. De modo deliberadamente simplificado por sinal – também conhecido por arras – entende-se o valor ou a coisa entregue, no âmbito de um contrato, por uma das partes à outra, de modo antecipado, como modo de definir as consequências jurídicas do não cumprimento do contrato ou para constituir um direito de arrependimento. Deste enunciado decorre a grande virtude do sinal: a fixação de um sistema rápido e eficaz de justiça contratual. O termo sinal é, assim, susceptível de designar duas convenções acessórias diferentes: a convenção de sinal confirmatório, que dá ao credor o direito potestativo de adquirir, de integrar no seu património a coisa entregue ou o direito, meramente subjectivo, de exigir a restituição da coisa traditada, e tem por finalidade compelir o devedor ao cumprimento ou determinar a indemnização devida, no caso de não cumprimento; a convenção de sinal penitencial que confere ao devedor o direito potestativo de substituir a prestação devida por uma prestação diversa da prometida, de substituir a pretensão devida pela coisa entregue – em singelo ou duplicado, conforme o caso. O sinal confirmatório ou confirmatório-penal pode ainda separar-se em dois tipos de convenções com funções marcadas pela heterogeneidade: o sinal confirmatório com uma função compulsória ou compulsória-sancionatória; o sinal confirmatório com uma função estritamente indemnizatória: a primeira pode consistir numa sanção que se soma ao cumprimento ou que acresce à indemnização ou pode substituir o cumprimento ou a indemnização; o sinal com uma finalidade exclusivamente indemnizatória limita-se a substituir a indemnização do dano que decorre do não cumprimento. No sinal confirmatório com uma função puramente penal ou coercitiva, o sinal tem como finalidade pressionar o cumprimento, coagir as partes a cumprir, estabelecendo, para o não cumprimento, uma sanção punitiva. Como é claro este tipo de sinal aproxima-se á cláusula penal, assumindo uma natureza de pena convencional, destinada a sancionar o incumprimento, com culpa, do contraente faltoso. Esta subespécie de sinal é puramente atípica, relevando inteiramente da autonomia privada (art.º 405.º do Código Civil). Como regra deve presumir-se que o sinal é confirmatório indemnizatório e não confirmatório-punitivo ou coercitivo, dado que é aquela espécie de sinal pela qual o legislador optou (art.º 442.º, n.º 4, do CPC). Assumindo o sinal confirmatório-punitivo ou coercitivo o carácter de pena convencional, esta natureza deve resultar, de modo inequívoco, insofismável, da convenção das partes. Assim, o contrato promessa em que se convencione, sem mais, que, no caso de incumprimento definitivo imputável ao promitente comprador o promitente vendedor tem direito a fazer sua a quantia traditada ou, no caso de incumprimento, da mesma índole, assacável ao promitente vendedor, a contraparte tem direito à sua restituição em dobro, é um sinal confirmatório e é um sinal confirmatório com uma função indemnizatória, dado que substitui a indemnização dos danos causados pelo não cumprimento da promessa ao promitente fiel, não sendo, por isso – dada a ausência de uma vontade inequívoca das partes nesse sentido, um sinal puramente sancionatório e, portanto, um sinal com a natureza de sinal confirmatório-punitivo ou coercitivo. A comparação entre o sinal e cláusula penal mostra que esta, no rigor das coisas, é uma simples promessa a cumprir no futuro, sendo meramente consensual, ao contrário do sinal que, para se constituir, exige um acto material de entrega, embora deva reconhecer-se que entre a pena convencional e o sinal – maxime, no caso de sinal confirmatório ou confirmatório penal existe uma afinidade funcional capaz de justificar, por exemplo, a aplicação ao sinal dos mecanismos de controlo jurisdicional das cláusulas penais, designadamente da reductio ad aequitatem, que assentam nos princípios estruturantes da proibição do abuso de direito e da boa fé, concretizados no princípio da proporcionalidade, da justa medida ou da proibição do excesso (art.º 812.º do Código Civil. É indubitável, porém, que para que a redução – da cláusula penal ou do sinal – opere não é suficiente a prova do seu carácter excessivo, devendo antes tratar-se, de harmonia com a orientação constante deste Supremo, de uma desproporção ou de um excessivo evidente ou chocante. Desde logo, porque tal problema releva, essencialmente, da questão de facto, num duplo plano. Em primeiro lugar quanto à determinação da concreta natureza do sinal, dado que para lhe atribuir a natureza de sinal sancionatório, o mesmo é dizer, de sinal confirmatório-punitivo ou coercitivo – único que, por argumento de paridade com a pena convencional, é redutível – é necessária a prova de vontade inequívoca das partes nesse sentido; em segundo lugar, porque para que a redução daquela espécie de sinal opere é indispensável a demonstração, a partir dos factos adquiridos para o processo, não apenas da sua desproporcionalidade – mas necessariamente de um excesso particularmente evidente ou grave.”
Importa então avaliar o caso concreto à luz do entendimento que se expôs.
A convenção das partes relativa ao sinal, ficou contemplada na cláusula 5 do contrato promessa nos seguintes termos “5.1. em caso de incumprimento do presente contrato: 5.1.1. Por motivo imputável à promitente compradora, a promitente vendedora terá direito de resolver o presente contrato e de fazer suas as quantias entregues a título de sinal e princípio de pagamento previstas em 3.2.1” – ponto 17 dos factos provados.
Na cláusula 3 do contrato promessa relativa às condições de pagamento, preço e sinal, as partes acordaram – ponto 15 dos factos provados:
“3.1. O preço total a pagar pela PROMITENTE COMPRADORA à PROMITENTE VENDEDORA pela compra e venda do PRÉDIO que constitui o objeto do presente contrato é de € 1.360.000,00 (um milhão trezentos e sessenta mil euros).
3.2. O preço fixado em 3.1. será pago pela PROMITENTE COMPRADORA à PROMITENTE VENDEDORA nos seguintes prazos e condições:
3.2.1. Com a assinatura deste contrato, a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de € 136.000,00 (cento e trinta e seis mil euros mil euros), a pagar por meio de cheque bancário ou através de transferência bancária para conta da PROMITENTE VENDEDORA com o IBAN PT50 … 305 SWIFT BCOMPTPL, a ordenar no prazo de dois dias úteis, dando a PROMITENTE VENDEDORA completa quitação, condicionada à efetiva receção do montante devido na sua conta, ficando também a validade e vigência do presente contrato condicionada à efetiva receção do montante do sinal;
3.2.2. O remanescente do preço da venda do PRÉDIO, deduzido das quantias entregues a título de sinal e princípio de pagamento, ou seja € 1.224.000,00 (um milhão duzentos e vinte e quatro mil euros), será pago no ato da outorga da escritura definitiva de compra e venda, através de cheque bancário.”
Na cláusula 2. do segundo aditamento ao contrato promessa acordaram as partes num reforço do sinal, em razão da prorrogação do prazo limite para a realização da escritura feita a pedido da promitente compradora – ponto 19 dos factos provados.
Com este acordo, as partes acolheram expressamente no contrato promessa que outorgaram, o regime do art.º 442.º n.º 2 do C.Civil, pelo que, de acordo com o que se expôs, presume-se que dessa forma estabeleceram a indemnização devida em caso de incumprimento definitivo do contrato promessa pela parte faltosa, dispensando-as de alegar e provar os danos sofridos em razão do incumprimento.
Aliás, é a própria A. que no art.º 62.º da p.i. vem dizer que: “a perda do sinal é uma verdadeira indemnização por incumprimento, pré-determinada ou fixada no contrato a que o inadimplemento respeita” dessa forma acentuando o seu carater indemnizatório e não sancionatório ou compulsivo.
Nada revela, nem tão pouco resultou provado algum elemento que permita dizer que com a convenção do sinal que teve lugar as partes não lhe conferiram uma finalidade ou função indemnizatória, e antes que acordaram e correspondeu à sua vontade estabelecerem um sinal com uma função essencialmente penal, coerciva ou punitiva com o objetivo de pressionar a parte a cumprir.
Nestes termos, em conformidade com o entendimento que se defendeu, considera-se não haver motivo nem razão atendível para convocar o regime do art.º 812.º do C.Civil, que admite a redução equitativa da cláusula penal convencionada entre as partes quando esta se revele manifestamente excessiva, não sendo o mesmo aplicável à situação em presença.
Fica desta forma prejudicada a questão de saber se, no caso, o facto da promitente vendedora ter feito seu o sinal prestado, em razão do incumprimento definitivo do contrato promessa por parte da promitente compradora, corresponde a uma situação manifestamente excessiva e abusiva, ficando o tribunal desobrigado de apreciar tal questão, nos termos previstos no art.º 608.º n.º 2 do CPC.
Resta concluir pela improcedência do recurso, com a confirmação da sentença proferida.
V. Decisão:
Pelo exposto, julga-se o presente recurso interposto pela Recorrente totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente por ter ficado vencida – art.º 527.º n.º 1 e 2 do CPC.
Notifique.
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Lisboa, 22 de maio de 2025
Inês Moura
Rute Sobral
Fernando Caetano Besteiro