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CONTRATO DE HOMEBANKING
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
ÓNUS DA PROVA
Sumário
SUMÁRIO (art. 663º, n.º7, do CPC): I. Em situações, como a invocada pela autora, em que ocorram prejuízos decorrentes de operações não autorizadas, de modo voluntário e consciente, pelo utilizador antes da sua notificação ao banco que disponibiliza o serviço ou instrumento de pagamento por meios electrónicos que decorram de negligência grosseira do utilizador, ou ordenante, cabe a este suportar os danos resultantes de tais operações. II. Por força do disposto no art. 113º, n.º3, do RJSPME, recai sobre o banco o ónus de provar que a operação de pagamento foi devidamente autenticada, que o cliente contribuiu para a ocorrência dos prejuízos dela decorrentes em violação de obrigações a que estava sujeito por força do art. 110º do mesmo regime e que tal se verificou a título de negligência grosseira.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I.
Blue Queen Hotels, Lda, intentou, contra Banco BIC Português, SA, a presente ação declarativa com processo comum peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de € 32.972,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, a título de restituição por transacções não autorizadas, e de € 14.880,59, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos em consequência da actuação da mesma.
Alega, em síntese, que:
- é cliente da ré, sendo titular de uma conta de depósitos à ordem, tendo aderido ao serviço de home banking EuroBicNet;
- associou ao identificado serviço de acesso online o número de telemóvel utilizado pelo seu gerente, sendo este a única pessoa que conhece as credenciais de acesso a tal serviço, sem que as tenha facultado ou cedido a terceiros;
- em determinado momento, através de computador utilizado geralmente para o mesmo fim, o seu legal representante acedeu ao serviço de homebanking, com as credenciais habituais, tendo sido, nesse momento, confrontado com uma mensagem a si dirigida, informando que haviam sido enviadas mensagens escritas para o número de telemóvel associado, com códigos necessários a processo de sincronização em curso, contendo valores aleatórios que não seriam debitados da conta associada, e que deveria introduzir;
- nesse seguimento, recebeu 38 mensagens escritas, com códigos diferentes, com indicação de proveniência do serviço da ré e instruções para introduzir cada um desses códigos para autorizar o pagamento do valor de € 999,00 ou € 500,00:
- conforme indicado, introduziu os referidos 38 códigos diferentes, na convicção de estar a proceder aos passos necessários ao processo de sincronização;
- a sua conta bancária foi alvo de 38 movimentos sucessivos, no valor total de € 32.972,00, de que o seu legal representante apenas se apercebeu no dia seguinte;
- não ordenou nenhum desses movimentos e não teve qualquer intenção de os realizar.
- as mencionadas transações apenas aconteceram porque a ré não cumpriu as regras de segurança que se lhe impunham na disponibilização do serviço de home banking;
- além do valor debitado na sua conta, sofreu outros danos patrimoniais na sequência da actuação da ré, cujo ressarcimento peticiona.
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A ré, a 18-05-2022, apresentou contestação, pugnando pela improcedência da acção.
Além de impugnar factualidade invocada na petição inicial, alega, em síntese, que:
- a autora, tal como os demais clientes do Banco, para se identificar e aceder ao EuroBIC Net tinha que inserir o seu utilizador e respetiva password de acesso, e a par de tais credenciais de acesso, o EuroBIC Net apenas permitia a realização de operações de transferência, pagamentos ou outras, mediante uma Autenticação Forte do Cliente (SAF), ao qual a autora também tinha aderido;
- julgava, à data da realização das operações ora reclamadas, que a única pessoa com acesso ao EuroBIC Net seria o gerente da autora, AA, pessoa devidamente identificada e credenciada pela sociedade para o efeito;
- contrariamente ao alegado pela autora, e em total desrespeito com as condições gerais de utilização do serviço EuroBIC Net, a autora terá facultado/disponibilizado à sua diretora financeira, BB, tais acessos,
- todas as transacções reclamadas pela autora foram autenticadas com os códigos de autenticação forte (token) que foram enviados, por sms, para o telemóvel n.º 966 211 821, com indicação pormenorizada do canal utilizado, tipo de operação, valor e entidade;
- a autora sabia que o banco, em caso algum efectuava processos de sincronização com os dispositivos utilizados pelos seus clientes no acesso ao EuroBIC Net, o que consta dos alertas e das recomendações de segurança constantes do seu acesso, além de avisos de segurança que vai publicando;
- todos os pagamentos realizados pela autora foram consciente e intencionalmente validados e confirmados pela mesma, mediante a inserção dos códigos token recebidos por SMS, sem estranhar a quantidade dos mesmos;
- se não estava a realizar qualquer pagamento, a autora descurou todos os cuidados de segurança que teria de ter adoptado;
- ainda que, hipoteticamente, efectuasse sincronizações com os dispositivos dos seus clientes, que não faz, e tivesse enviado uma mensagem com o teor do referido pela autora, qualquer homem médio, diligente e zeloso, em idêntica circunstância, não efectuaria a confirmação de uma operação, quanto mais de trinta e oito no total;
- a autora tinha bastante experiência e antiguidade na utilização do EuroBIC Net, tendo realizado dezenas e dezenas de operações, desde a sua adesão ao serviço em 28-05-2015, com a inserção do código de autenticação forte que lhe era enviado pelo banco para o efeito, código esse que confirmava e permitia que a operação se realizasse;
- a autora devia ter actuado de forma cuidadosa, diligente e zelosa, verificando de imediato o saldo da conta D.O., com o intuito de aferir e confirmar se foi debitada alguma operação;
- verifica-se, pois, negligência grosseira por parte da autora, quer ao ceder a terceiros o utilizador e password de acesso ao EuroBIC Net, quer ao validar sucessivamente, mediante a inserção dos diversos códigos Token (autenticação forte) que recebera no telemóvel, cada um dos pagamentos ora reclamados;
- a autora demonstra um total desrespeito pelas obrigações que assumira contratual e legalmente, a que se junta o incumprimento das regras de segurança constantes do contrato e que lhe haviam sido comunicadas e com as quais estava perfeitamente acostumada;
- o “prejuízo” que a autora alega ter sofrido, alegando que não deu autorização para as aludidas operações, ficou a dever-se única e exclusivamente à sua negligência, pelo que o banco não pode ser responsabilizado pelo mesmo.
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A 23-05-2023, realizou-se audiência prévia onde, além do mais:
- se fixou em € 48 978,15 o valor da causa;
- se identificou o objecto do litigio;
- se enunciaram os temas de prova.
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A 01-02-2024, a autora apresentou articulado superveniente, onde alegou que o Banco de Portugal instaurou processo de averiguação com vista a eventual acção sancionatória contra a ré, com fundamento na factualidade alegada na petição inicial.
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Realizou-se julgamento (sessões a 05-02-2024, 29-04-2024 e 23-05-2024), sendo que, por despacho proferido a 05-02-2024, se admitiu o aludido articulado superveniente, a que a ré respondeu por articulado junto a 12-02-2024.
A 24-11-2024, foi proferida sentença onde se julgou a acção integralmente improcedente e, em consequência, se absolveu a ré de todos os pedidos contra si formulados nos autos.
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Inconformada, a 21-01-2025, a autora interpôs recurso da decisão mencionada, que culminou com as seguintes conclusões (transcrição):
1. A decisão sobre a matéria de facto padece de manifestos erros de julgamento, cuja revisão e retificação se impõe em sede de recurso, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC.
2. Nesse sentido, impõe-se retificar o ponto 13 do elenco de factos provados, que, de acordo com a prova produzida, deverá passar a ter a seguinte redação: «13. No telefone móvel acima indicado, foram recebidas, a partir das 09h51 e ao longo de mais de duas horas, 38 mensagens sms, com a indicação “EuroBicNet Web Banking”, que continham instruções para introduzir o código ali indicado (38 códigos diferentes) para autorizar o pagamento do valor de € 999,00 ou € 500,00, para a Entidade: 21800, com a referência especificada em cada mensagem.»
3. A alteração do ponto 13 da decisão sobre a matéria de facto nos termos supra resulta do teor do Doc. n.º 2 junto com a Contestação, conjugado com o depoimento prestado pela testemunha BB (cfr. gravação do depoimento no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 5 de fevereiro de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024-02-05_14-08-33 (3)”) e as declarações tomadas ao Senhor AA, sócio-gerente e representante legal da Recorrente (cfr. gravação das declarações no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 29 de abril de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024-04-29_15-09-20 (2)”).
4. O Tribunal a quo incorreu num clamoroso erro de julgamento no que se refere ao ponto 21 da decisão sobre a matéria de facto, que deve, por isso, ser eliminado do elenco de factos provados.
5. Nem o Doc. n.º 14 junto com a Contestação, nem a prova testemunhal ouvida a este respeito (cfr. o depoimento da testemunha CC) são de molde a demonstrar minimamente que as operações/movimentos na conta da Recorrente no dia 14.12.2021 foram efetuadas através de IP de Portugal, já antes utilizado pela Recorrente noutros acessos ao EuroBic Net.
6. A Recorrida incumpriu, pois, em absoluto, o ónus que sobre si impedia de provar o alegado nos artigos 147.º e 148.º da Contestação.
7. A conclusão que se retira do referido Doc. n.º 14, quando conjugado com o teor do Doc. n.º 2 junto com a Contestação, as declarações do representante legal da Recorrente (cfr. gravação das declarações no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 29 de abril de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684- 22.7T8LSB_2024-04-29_15-09-20 (2)”) e até a factualidade vertida nos pontos 15, 16 e 17 do elenco de factos de provados e a fundamentação expendida a esse propósito, é a oposta, ou seja, que as instruções de pagamento associadas às operações realizadas no dia 14 de dezembro de 2021 foram ordenadas a partir de dispositivo com endereço de IP e localização geográfica diferentes dos dispositivos habitualmente utilizados pela Recorrente.
8. Dir-se-á até que, perante tamanha contradição entre a decisão e a fundamentação, a sentença recorrida se encontra ferida de nulidade, nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC, nulidade essa que aqui se deixa arguida para os devidos efeitos legais.
9. Sem prescindir, atenta a prova produzida, impõe-se, então, que o facto vertido no ponto G da decisão sobre a matéria de facto passe a constar do elenco de factos provados.
10. Por dele não ter sido produzida prova, incorrendo também aqui o Tribunal a quo num evidente erro de julgamento, deve o ponto 51 ser eliminado do elenco de factos provados.
11. A Recorrida falhou de novo o ónus da prova que sobre si impendia, porquanto do Doc. n.º 9 junto com a Contestação e do depoimento da testemunha CC (cfr. gravação do depoimento no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 5 de fevereiro de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684- 22.7T8LSB_2024-02-05_14-08-33”) não decorre que, entre maio de 2020 e 14 de dezembro de 2021, a Recorrente efetuou 134 operações através do EuroBIC Net, tendo realizado, desde a adesão ao EuroBIC Net até à 15 de dezembro de 2021, um total de 946 operações.
12. Ante essa insuficiência de prova e o que foi referido, na audiência, pela testemunha BB (cfr. gravação do depoimento no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 5 de fevereiro de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024-02-05_14-08-33 (3)”) e pelo Senhor AA (cfr. gravação das declarações no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 29 de abril de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024-04- 29_15-09-20 (2)”)relativamente ao uso pontual da conta bancária mantida junto da Recorrida, o ponto 51 da decisão terá de transitar para o elenco de factos não provados.
13. Ao dar como provado que, no dia 14 de dezembro de 2021, o EuroBIC Net não sofreu qualquer ataque (ponto 53 da decisão sobre a matéria de facto), o Tribunal a quo cometeu mais um ostensivo erro de julgamento.
14. Os depoimentos prestados por DD (cfr. gravação do depoimento no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 29 de abril de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024-04-29_15-09-20 (2)”) e CC (cfr. gravação do depoimento no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 29 de abril de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684- 22.7T8LSB_2024-04-29_15-09-20 (2)”), nos quais o Tribunal a quo se apoiou para fundamentar a sua decisão, não provam (muito longe disso) o facto em apreço.
15. Acresce que o que resulta, com clareza, do Doc. n.º 14 junto com a Contestação, quando conjugado com a hora das mensagens de SMS provenientes da Recorrida (vide Doc. n.º 2 junto com a Contestação), é que quando, na manhã do dia 14 de dezembro de 2021, a Recorrente tentou aceder à conta, já outro(s) o havia(m) feito, tendo aí forjado o processo de sincronização de dispositivos e colocado as operações de pagamento em causa nos autos.
16. O sistema da Recorrida sofreu, assim, intrusão indevida, que levou a que a Recorrente sofresse desfalque no valor de EUR 32.972,00.
17. Mal andou o Tribunal a quo ao julgar como não provado o ponto A, que, à luz da prova produzida no processo, designadamente o depoimento da testemunha BB (cfr. gravação do depoimento no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 5 de fevereiro de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024-02-05_14-08-33 (3)”) e as declarações do Senhor AA (cfr. gravação das declarações no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 29 de abril de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684- 22.7T8LSB_2024-04-29_15-09-20 (2)”), deve transitar para elenco de factos provados.
18. A mesma conclusão se retira quanto ao ponto E da decisão sobre a matéria de facto.
19. Tanto AA como BB relataram, com rigor e objetividade, os acontecimentos do dia 14 de dezembro de 2021, tendo ambos esclarecido que foi o legal representante da Recorrente quem, nessa manhã (como sempre sucede), tentou aceder à conta mantida junto da Recorrida.
20. Em particular, a leitura e a audição das declarações do Senhor AA (que o Tribunal a quo, inexplicavelmente, desconsiderou neste ponto), revelam um discurso espontâneo e escorreito, próprio de quem tem conhecimento direto dos factos.
21. Também o ponto K deveria ter sido dado como provado, resultando patente, em face do ofício do Banco de Portugal datado de 15 de dezembro de 2023, que a decisão que o Tribunal a quo tomou a este respeito foi totalmente desacertada.
22. Entre o mais, o sobredito ofício tem a virtualidade de demonstrar que a Recorrente, conforme alegado na Petição Inicial, apresentou participação junto daquela entidade.
23. No ponto L da decisão, o Tribunal a quo voltou a cometer um flagrante erro de apreciação.
24. O nexo entre o desfalque sofrido pela Recorrente e a necessidade de descontar a livrança solicitada junto da Caixa Económica Montepio Geral ficou demonstrado a partir do depoimento da testemunha BB (cfr. gravação do depoimento no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 5 de fevereiro de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024-02-05_14-08-33 (3)”) e das declarações do representante legal da Recorrente (cfr. gravação das declarações no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 29 de abril de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024-04-29_15-09-20 (2)”), que foram esclarecedores a este respeito.
25. Tendo em conta a prova produzida, impunha-se que o facto vertido no ponto L. tivesse sido dado como provado.
26. No artigo 18.º da Petição Inicial, a Recorrente alegou que não ordenou, fosse através do serviço de netbanking da Recorrida, fosse por qualquer outro meio, pagamentos no valor de de EUR 999,00 ou EUR 500,00 a favor da entidade com a referência 21800 (ou a favor de qualquer outra entidade).
27. Este facto, que assume indiscutível relevo nesta sede, resultou provado da instrução da causa, nomeadamente em vista do que foi relatado pelo Senhor AA (cfr. gravação das declarações no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 29 de abril de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684- 22.7T8LSB_2024-04-29_15-09-20 (2)”) e pela testemunha BB (cfr. gravação do depoimento no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 5 de fevereiro de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024- 02-05_14-08-33 (3)”).
28. Nessa medida e em linha, também, com o que se acha consignado (e bem) nos factos provados 15, 16 e 17, impõe-se aditar este facto ao elenco de factos provados, propondo-se, para o efeito, a seguinte redação: «A Recorrente não ordenou, fosse através do serviço de netbanking da Recorrida, fosse por qualquer outro meio, pagamentos no valor de valor de EUR 999,00 ou EUR 500,00, em benefício da entidade com a referência 21800.»
29. Do mesmo passo, deve o facto alegado no artigo 22.º da Petição Inicial ser aditado ao elenco de factos provados, por se tratar de factualidade relevante e sobre a qual foi produzida ampla prova.
30. Na audiência, AA esclareceu, mais do que uma vez, que confiava no sistema da Recorrida e que nunca suspeitou de que as mensagens relativas à sincronização de dispositivos pudessem não ser da autoria desta (cfr. gravação das declarações no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 29 de abril de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024-04-29_15-09-20 (2)”), o que foi corroborado pela testemunha BB (cfr. gravação do depoimento no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 5 de fevereiro de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024-02-05_14-08-33 (3)”).
31. Com vista a retificar o erro de julgamento em que o Tribunal a quo incorreu, requer-se que a factualidade vertida no artigo 22.º da Petição Inicial seja aditada ao elenco de factos provados, sugerindo-se a seguinte formulação: «A Autora e o seu representante legal nunca suspeitaram de que o serviço de netbanking da Ré poderia não ser seguro ou que pudesse conter mensagens que não fossem da autoria da Réu, pelo que procederam à solicitada sincronização convencidos de que se tratava de uma solicitação feita pela Ré.»
32. A mesma conclusão se impõe relativamente à factualidade vertida nos artigos 29.º, 30.º, 32.º e 33.º da petição inicial.
33. A testemunha BB descreveu o processo de organização de pagamentos no seio da Recorrente e esclareceu que nunca, nesse âmbito, preparou um tão elevado número de pagamentos (38) a favor da mesma entidade, a realizar em tão curto espaço de tempo (cfr. gravação do depoimento no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 5 de fevereiro de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024-02-05_14-08-33 (3)”), facto que foi corroborado por AA, que é responsável por executar os pagamentos (cfr. gravação das declarações no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 29 de abril de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024-04- 29_15-09-20 (2)”).
34. Por outro lado, até mesmo fazendo fé no Doc. n.º 9 junto com a Contestação (no que não se concede), não restam dúvidas de que 38 operações em duas/três horas (face a um total de 61 operações nos 7 meses e meio imediatamente anteriores) não consubstancia uma utilização conforme com o padrão operativo habitual da conta.
35. Compulsada a prova dos autos, devem, então, os factos supra ser aditados ao elenco de factos provados, sugerindo-se, para o efeito, os seguintes pontos: «A Autora nunca efetuou qualquer pagamento a favor da entidade com o número 21800.» «Na conta bancária mantida junto da Ré, a Autora nunca efetuou operações de pagamento sucessivas, em número elevado e num curto espaço de tempo, a favor da mesma entidade.»
36. Também a instauração de processo de averiguação contra a Recorrida pelo Departamento de Supervisão Comportamental e Departamento de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal deveria ter sido carreada para o elenco de factos provados.
37. Estando em causa facto relevante para a boa decisão da causa (como, de resto, foi reconhecido pelo Tribunal a quo no despacho de admissão do articulado superveniente da Recorrente com data de 1 de fevereiro de 2024) e que resulta claramente demonstrado a partir do ofício do Banco de Portugal de 15 de dezembro de 2023, deve esse mesmo facto ser aditado ao elenco de factos provados, com a seguinte formulação:
«O Departamento de Supervisão Comportamental e Departamento de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal remeteu à Autora ofício datado de 15 de dezembro de 2023, com o seguinte teor:
Assunto: Reclamação relativa a BAN CO BIC PORTUGUÊS, SA N/ ref.ª RCO/2022/000505
Exmo(a). Senhor(a),
A reclamação apresentada por V. Exa. indicia que a entidade reclamada terá infringido normas que regulam a sua atividade.
Em consequência, o Banco de Portugal deu início aos procedimentos legais de averiguação com vista a eventual ação sancionatória, o que encerra o processo de reclamação.
Com os melhores cumprimentos,
Banco de Portugal
Por delegação»
Da decisão sobre a matéria de direito
38. No caso vertente, impendia sobre a Recorrida o ónus de provar que as 38 operações de pagamento realizadas a partir da conta bancária da Recorrente – sem autorização desta – não foram afetadas por avaria técnica ou outra deficiência do serviço por si prestado (vide artigo 113.º, n.º 1 do RJSPME).
39. A Recorrida incumpriu rotundamente esse ónus.
40. Para tentar demonstrar que as ditas operações de pagamento foram efetuadas através de IP de Portugal, já utilizado pela Recorrente em acessos anteriores ao EuroBic Net, a Recorrida juntou aos autos folha produzida internamente, não se sabe em que moldes e com que metodologia e que, conforme melhor explicitado na motivação supra, nem sequer identifica os acessos à conta da Recorrente realizados antes das 09h51 e 10h59 do dia 14 de dezembro de 2021.
41. A atribuir-se algum valor ao documento junto pela Recorrida, só pode ser o de confirmar o que já se suspeitava, ou seja, que a Recorrente não detetou os acessos indevidos à conta da Recorrente ou, pior ainda, que os detetou (omitindo-os, intencionalmente, do documento), mas nada fez.
42. Quanto à prova testemunhal produzida pela Recorrida, a conclusão não é diferente.
43. Num litígio em que está em causa questão informática e de cibersegurança, a Recorrida não arrolou uma única testemunha dessa área, que, em razão dos seus especiais conhecimentos técnicos e do acompanhamento direto da situação sub judice, estivesse em condições de confirmar os factos alegados nos artigos 147.º e 148.º da Contestação.
44. Mais, mesmo as testemunhas ouvidas, quando perguntadas sobre a robustez do sistema da Recorrida e a capacidade deste para detetar ataques e acessos indevidos, acabaram por reconhecer que o dito sistema não é inviolável (cfr. gravação do depoimento da testemunha DD no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 29 de abril de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024-04-29_15-09-20 (2)”).
45. Já a Recorrente, ao invés, logrou demonstrar o que lhe competia, a saber, que o seu sistema informático estava a funcionar corretamente, com antivírus e sem registo de acessos não autorizados (cfr. facto provado 22).
46. Foi, pois e antes de mais, a falha de segurança cometida a montante pela Recorrida (ter permitido o acesso à conta da Recorrente por terceiros) que levou a que a Recorrente sofresse desfalque no valor de EUR 32.972,00.
47. Por outro lado, as próprias circunstâncias do caso impunham que a Recorrida, no âmbito dos seus deveres de diligência e prevenção (vide os artigos 108.º do RJSPME e 47.º, n.º 1 da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto), tivesse atuado, bloqueando os movimentos.
48. Estava em causa elevado número de operações (38), de carácter repetitivo (sempre os mesmos valores, para uma só entidade), num curto espaço de tempo (duas a três horas).
49. A Recorrente nunca realizara qualquer pagamento a favor da entidade em questão, nem fizera pagamentos de serviços nestes moldes.
50. Os factos dos autos tornam claro que a Recorrida não dispõe de mecanismos adequados a prevenir transações indevidas e operações suspeitas ou que, se porventura esses mecanismos tiverem sido implementados, não funcionaram adequadamente no dia 14 de dezembro de 2021.
51. Também por aqui se conclui que o serviço da Recorrente padece de deficiências graves, quer seja ao nível da segurança, quer seja no plano do controlo interno e prevenção e combate ao branqueamento de capitais.
52. Algo, de resto, que o Departamento de Supervisão Comportamental e Departamento de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal não deixou de entender também, atento o procedimento instaurado por esta entidade.
53. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, assim, o disposto nos artigos 113.º, n.º 1 do RJSPME e 47.º, n.º 1 da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto.
54. Ainda segundo o Tribunal a quo, ao inserir os 38 códigos indicados nas mensagens de SMS enviadas pela Recorrida, a Recorrente atuou com negligência grosseira.
55. O Tribunal a quo desconsiderou, por completo, o carácter fraudulento e altamente sofisticado do esquema perpetrado contra a Recorrente.
56. Em 14 de dezembro de 2021, alguém, sem o conhecimento ou autorização da Recorrente, conseguiu aceder ao netbanking da conta que esta mantém junto da Recorrida (intrusão apenas possível porque a Recorrida incumpriu, clamorosamente, as obrigações que sobre si impendiam).
57. Seguidamente, o autor ou autores da fraude fabricaram mensagem inicial relativa a uma suposta sincronização de dispositivos, com a indicação de que a Recorrente iria receber, no telemóvel associado ao serviço de netbanking, códigos com valores aleatórios, que se destinavam apenas a completar o processo de sincronização, e que não iriam ser feitos quaisquer débitos na conta.
58. Tendo em conta que a mensagem em apreço surgia no sítio da Recorrida e que as mensagens de SMS provinham também da Recorrida, a Recorrente confiou que se tratava de processo fidedigno.
59. Para isso contribuiu também, de forma decisiva, o facto de, na imagem exibida no site, o saldo da conta se ter mantido inalterado à medida que os códigos iam sendo inseridos.
60. Acresce que, não tendo o Senhor AA ordenado qualquer pagamento com entidade e referência, este nunca poderia ter previsto que a consequência da inserção dos códigos viesse a ser uma autorização de débito.
61. O sócio-gerente da Recorrente, como qualquer utilizador do netbanking teria feito, confiou que estava perante processo fidedigno, proveniente do próprio banco.
62. Mais referiu o Senhor AA, na audiência, que, não obstante ir inserindo os códigos que lhe eram enviados para o telemóvel, nunca conseguiu passar a etapa de sincronização de dispositivos e aceder às funcionalidades da conta, designadamente à secção atinente aos pagamentos e transferências (ou seja, a Recorrente nunca conseguiu aceder ao netbanking, na sua totalidade).
63. A Recorrente não foi negligente, foi, sim, vítima de uma burla.
64. E tanto assim que a própria Recorrida, uma vez denunciados os factos pela Recorrente, se apressou a publicar, no respetivo site, um alerta de fraude tendo por referência o esquema de que esta havia sido vítima (cfr. facto provado 50).
65. Se há algo que este facto torna claro, é que a própria Recorrida reconhece o carácter ardiloso e sofisticado da fraude cometida contra a Recorrente.
66. Se assim não fosse, a Recorrida nunca teria publicado, no seu site, com o intuito de alertar outros clientes, os factos que lhe foram participados pela Recorrente.
67. Se, como a Recorrida veio alegar e o Tribunal a quo, inexplicavelmente, sufragou, estivéssemos perante negligência grosseira na utilização do netbanking, por certo que aquela não teria utilizado, como exemplo de fraude a divulgar aos seus clientes, a burla perpetrada contra a Recorrente.
68. O Tribunal a quo começa por fundamentar a suposta negligência da Recorrente no facto de a utilização do serviço de netbanking ser uma utilização profissional.
69. Sucede que se é certo que a utilização do netbanking pela Recorrente é feita de forma profissional, há que ter em conta que a fraude (em particular, a fraude cibernética) não escolhe vítimas.
70. De acordo com dados públicos, só em Portugal, são apresentadas mais de 50 denúncias por burla informática todos os dias.
71. Tanto cidadãos comuns como profissionais altamente qualificados e empresas experientes são, diariamente, vítimas de burla informática.
72. Há ainda que ter presente que a Recorrente é uma pequena empresa familiar, em que a utilização do netbanking não difere, tanto assim, da utilização que é feita por muitas famílias e pessoas singulares.
73. Por sua vez, no que respeita à redação das mensagens exibidas no computador da Recorrente, o Tribunal a quo afirma que o texto é rudimentar e repetitivo, é utilizado português do Brasil e a sigla “SMS” é utilizada no feminino.
74. O Tribunal parece esquecer-se de que é perfeitamente normal – dir-se-á até que é expectável – que, ao aceder ao netbanking e receber mensagens nesse âmbito, não se preste especial atenção à forma como essas mensagens estão redigidas.
75. Está em causa a mera utilização de uma ferramenta prática e a realização de uma atividade (consulta de saldos, realização de pagamentos, etc.) que não pressupõe especial atenção à qualidade literária das mensagens divulgadas pelo banco.
76. Em segundo lugar, os utilizadores de serviços de netbanking não apresentam todos o mesmo domínio da língua.
77. Na atualidade, o homebanking é utilizado de forma transversal, tanto por pessoas com elevada literacia como por pessoas com conhecimento mais rudimentar da língua, seja por falta de aptidão e/ou escolaridade, seja pela sua própria origem (lembre-se, a este propósito, que o Senhor AA, como resulta claro do seu nome, não é de origem portuguesa).
78. Terceiro, sendo o homebanking um serviço transversal e até predominante (já poucas pessoas se deslocam presencialmente ao banco), ele é utilizado por todo o tipo de pessoas (pessoas mais atentas, pessoas mais distraídas, pessoas mais crédulas, pessoas mais desconfiadas, pessoas mais astutas, pessoas mais ingénuas, etc.).
79. Perante uma situação como a dos autos, as pessoas não se comportam todas da mesma maneira.
80. E é por isso, também, que a lei impõe regras, sistemas e procedimentos de segurança.
81. Finalmente, dir-se-á que é fácil, agora, mais de três anos volvidos desde os factos, ler as mensagens exibidas no monitor da Recorrente e detetar pequenos erros ou inconsistências.
82. Uma coisa é ler uma mensagem (mais uma mais, uma mensagem de teor prático e funcional) no momento em que esta é recebida, ao mesmo tempo que se procura executar uma tarefa, outra, muito diferente, é analisar a frio o teor dessa mensagem, três anos mais tarde, no contexto de um litígio em tribunal.
83. Até mesmo o mais culto e atento dos leitores, num contexto como o dos autos, pode não se aperceber de que a mensagem exibida no site apresenta inconsistências.
84. Para o Tribunal a quo, a atuação negligente decorre ainda do facto de as mensagens de SMS enviadas pela Recorrida conterem a menção de autorização de pagamento.
85. Mais uma vez, o Tribunal a quo desconsiderou os contornos do esquema perpetrado contra a Recorrente, olhando para o teor das mensagens de SMS de forma isolada.
86. A eficácia desse mesmo esquema resultou de vários fatores: o acesso indevido à conta da Recorrente (não detetado ou, pelo menos, não impedido pela Recorrida); a colocação de instruções de pagamento, sem o conhecimento da Recorrente; a manipulação do sistema, forjando-se um processo de sincronização inexistente; a indicação, nesse âmbito, de que os códigos enviados continham valores aleatórios e que não iriam ser cobrados; o facto de as mensagens de SMS serem provenientes do número habitual da Recorrida; e, por último, a circunstância de o saldo exibido na página (que era real) se manter inalterado.
87. Foi neste conjunto de elementos, cuidadosamente planeado, que residiu o engano e artifício do esquema.
88. Ainda que nas mensagens de SMS constasse a menção à autorização de um pagamento, tudo o mais – as mensagens exibidas no monitor do computador, o facto de o saldo não sofrer qualquer alteração à medida que os códigos iam sendo inseridos, etc. – ia no sentido oposto, ou seja, no sentido de que nenhum valor seria debitado.
89. Por fim, o Tribunal a quo faz apelo ao número de códigos inseridos.
90. Constata-se, uma vez mais, pela forma como se refere às mensagens de SMS na sentença, isolando-as do seu contexto, que o Tribunal a quo desconsiderou a maquinação de que a Recorrente foi vítima e em que muitos outros utilizadores, colocados em situação semelhante, teriam, certamente, caído.
91. As mensagens de SMS referiam, de facto, a autorização de pagamento, mas tudo o mais, como se disse, fazia crer à Recorrente que nenhum valor estaria a ser debitado na conta.
92. Mais se dirá que o número de códigos inseridos (1, 2 ou 38) não transforma a atuação da Recorrente em atuação negligente.
93. Na audiência, perguntado pelo Tribunal sobre se o número de códigos não lhe causou estranheza, o representante legal da Recorrente respondeu: «Não, porque a sincronização … há bancos que são mais lentos, outros são mais rápidos. Epá, depende do sistema informático … e de cada banco e … quem é responsável pelo sistema. Quer dizer …» (cfr. gravação das declarações no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 29 de abril de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024-04-29_15-09-20 (2)”).
94. Ao contrário do que o Tribunal a quo fez constar na sentença, a resposta e a atuação do Senhor AA são perfeitamente consentâneas com as regras da experiência.
95. A necessidade de introduzir mais códigos é uma questão informática, sendo que, como é sabido, há processos de sincronização que requerem vários códigos.
96. O utilizador de netbanking não tem de ser versado em processos de sincronização ou outros procedimentos informáticos.
97. Se esse utilizador age na convicção de que o processo é fidedigno e não lhe está a causar qualquer prejuízo, não custa a entender que vá inserindo os códigos que a própria entidade (neste caso, a Recorrente) lhe envia.
98. De resto, se dúvidas restassem quanto a este ponto, o facto de, na sequência da reclamação apresentada pela Recorrente, a Recorrida ter criado uma página dedicada a alertas de fraude e ter, nesse âmbito, divulgado o presente caso, bastaria para as dissipar.
99. A Recorrida fê-lo porque entendeu – e bem – que muitos outros clientes corriam o risco de vir a sofrer fraude de contornos idênticos.
100. Num outro prisma (mas sem prescindir), se era entendimento do Tribunal que «a introdução de um ou dois códigos poderia ser considerada razoável», então impunha-se que, pelo menos quanto a essas mesmas operações, o Tribunal tivesse condenado a Recorrida a restituir os montantes correspondentes.
101. Se, na ótica do Tribunal a quo, há um limiar a partir do qual a atuação da Recorrente deixou de poder ser considerada razoável, não há dúvida de que, até esse limiar, a responsabilidade pelas operações não autorizadas tem de recair sobre a Recorrida.
102. Como consideração final a respeito da suposta negligência da Recorrente, o Tribunal a quo acrescenta que, nas circunstâncias do caso, o que se esperava de um utilizador prudente seria que confirmasse de imediato o estado da conta.
103. O Tribunal a quo esquece-se de que o estado da conta, no que respeita ao respetivo saldo, foi sempre exibido à Recorrente durante o processo de sincronização: como o saldo não apresentava qualquer alteração, a Recorrente não teve necessidade, no imediato, de fazer mais nenhuma verificação.
104. Além disso, AA explicou que, no dia 14 de dezembro de 2021, tinha outros compromissos e que, depois de ter despendido duas a três horas no processo de sincronização, teve de sair, apenas tendo dito oportunidade de aceder à conta no dia seguinte (cfr. gravação das declarações no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 29 de abril de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684- 22.7T8LSB_2024-04-29_15-09-20 (2)”).
105. Vale dizer também que a lógica subjacente ao homebanking/netbanking é precisamente a simplificação de processos e a realização de operações à distância.
106. Com o aumento das funcionalidades online, contactar os bancos, seja presencialmente, seja por telefone, tornou-se cada vez mais raro e até mais difícil, mercê do encaminhamento das chamadas para linhas de atendimento automático (realidade conhecida de todos).
107. Como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência, «[a] negligência grosseira será de afirmar relativamente ao comportamento que nunca por nunca seria adoptado pela generalidade dos utilizadores do serviço de pagamento colocados perante as concretas circunstâncias do agente, pois que a diligência e cuidados exigíveis no caso os levariam a abster-se de o adoptar e/ou prosseguir» (acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18 de abril de 2023, proferido no âmbito do processo n.º 16900/21.1T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt).
108. Fraudes como a dos autos são, hoje, infelizmente, comuns.
109. Ora, se um número significativo de utilizadores de um sistema é levado, por meio de engano ou artifício engendrado por terceiros, a praticar determinados atos nesse sistema dos quais resulta o seu próprio prejuízo, tais atos não poderão ser qualificados como negligência grosseira.
110. Pronunciando-se sobre situações de fraude informática, os tribunais superiores têm entendido que age sem culpa o cliente que, por via de esquema levado a cabo por terceiros, estando convicto de que está na página online do banco, introduz as suas certificações, pessoais e intransmissíveis, ou códigos provenientes do banco (cfr., a título exemplificativo, o sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15 de Janeiro de 2019, proferido no processo n.º 5600/11.0TBLRA.C1).
111. Também de acordo com os tribunais, em caso de acesso abusivo à página do netbanking, o risco corre sempre por conta das entidades bancárias, até mesmo nos casos em que o cliente tenha sido induzido a partilhar dados pessoais como as coordenadas ou posições do seu cartão matriz (ver, por todos, o acórdão deste Venerando Tribunal da Relação de Lisboa com data de 29 de setembro de 2022, proferido no âmbito do processo n.º 15455/20.9T8LSB.L1-6).
112. À luz do exposto, é manifesto que não pode ser assacada qualquer conduta grosseiramente negligente à Recorrente.
113. A decisão recorrida viola, assim, o disposto nos artigos 114.º, n.º 1 e 115.º, n.º 4 do RJSPME.
114. Na senda do atrás exposto e do que se deixou detalhadamente dito na motivação, é também forçoso concluir que o Tribunal errou ao considerar que a intervenção direta da Recorrente afasta, no caso vertente, a aplicação do dever previsto no artigo 108.º do RJSPME.
115. A intervenção direta da Recorrente só ocorreu porque esta foi levada ao engano.
116. A Recorrente não atuou livre, espontânea e esclarecidamente no sentido de realizar qualquer pagamento, antes foi determinada à prática desse ato, por meio de engano astuciosamente provocado por terceiros.
117. Além disso, no momento dos factos, que era quando o bloqueio das operações podia ter sido efetuado, a Recorrida desconhecia se a Recorrente estava a intervir ou não (a Recorrida desconhecia, em particular, quem tinha o telemóvel associado ao netbanking e quem estava a inserir os códigos remetidos por SMS).
118. O que a Recorrida não desconhecia era a natureza manifestamente suspeita das operações em curso: 38 pagamentos sucessivos, num curto espaço de tempo, com os mesmos valores e sempre a favor da mesma entidade, para a qual a Recorrente nunca havia realizado pagamentos ou transferências.
119. O dever de bloqueio dos movimentos, que impendia sobre a Recorrida também por via do disposto no artigo 47.º, n.º 1 da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, decorre, pois, do carácter suspeito das operações em causa.
120. Como se tal não bastasse, o acesso – indevido e não autorizado – à conta da Recorrente decorreu através de dispositivo estranho, sem qualquer relação com esta e com os seus dispositivos, facto que a Recorrida tinha, igualmente, a obrigação de conhecer.
121. Chegados aqui, a conclusão que se impõe é que a Recorrida está obrigada a suportar, na totalidade, as perdas resultantes das operações de pagamento em causa nos autos.
122. Assim, deve a sentença ser revogada e substituída por outra, que julgue a ação procedente e, em consequência, condene a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia de EUR 32.972,00, a título de reembolso pelas transações não autorizadas por esta na sua conta à ordem.
123. A este valor acrescem a quantia de EUR 1.125,56, a título de juros vencidos calculados à taxa de 14% desde a data da comunicação da não autorização das transações realizadas (15 de dezembro de 2021) até 14 de março de 2022, e, bem assim, os juros vencidos e vincendos, calculados à taxa de 14% sobre o valor a ser reembolsado, contados desde o dia 15 de março de 2022 até efetivo e integral pagamento.
124. Adicionalmente, deve a Recorrida ser condenada a pagar à Recorrente a quantia de EUR 4.391,10, correspondente ao valor pago, a título de honorários, aos advogados contratados pela Recorrente para fazer face à presente situão (cfr. facto provado 30).
125. E, por fim, impõe-se igualmente a condenação da Recorrida no pagamento da importância de EUR 1.489,49, correspondente aos custos da livrança que a Recorrente se viu obrigada a descontar, na sequência do desfalque sofrido no dia 14 de dezembro de 2021 (cfr. facto provado 52)
*
A ré apresentou resposta a 07-03-2025, onde concluiu pela improcedência do recurso.
Formulou as seguintes conclusões (transcrição):
1. Entende o Banco Recorrido, contrariamente aos Apelantes que a douta decisão sob análise não merece qualquer reparo, pelo deve este manter-se pelos fundamentos alegados infra.
2. A decisão sobre a matéria de facto não padece de erros de julgamento que sejam alvo de censura, não havendo fundamentos para proceder à sua revisão e/ou retificação.
3. A matéria de facto foi, corretamente, dada como assente e provada nos autos, não merecendo reparos em especial, não assistindo qualquer razão à Recorrente.
4. A Autora criou ab initio uma narrativa que não provou e não o fez porque a mesma não tinha correspondência com a realidade.
5. A Recorrente, suporta essencialmente as suas alegações de recurso em dois depoimentos, o da testemunha BB, e o de parte, pelo Sr. AA, cujos depoimentos não foram valorados pelo Tribunal a quo, por ter considerado que não eram merecedores de credibilidade no que dizia respeito ao acesso e utilização do Homebankimg do Banco Recorrido (EuroBicNet).
6. O Tribunal a quo, concluiu que,
a. “A testemunha BB, funcionária da autora desde 2014 e pessoa da confiança do seu legal representante desde há cerca de 20 anos, prestou depoimento de forma rígida e defensiva, sem fluência e evidenciando preocupação em manter-se fiel a determinada descrição dos eventos sobre que depôs, ao invés de os relatar com naturalidade e descomprometidamente. O seu depoimento não foi, assim, merecedor de inteira credibilidade, nomeadamente quanto ao acesso e utilização do serviço de homebanking da ré pela autora.” (sublinhado da nossa autoria), e que
b. “Do mesmo modo, o legal representante da autora não logrou convencer o tribunal quanto à efetiva verificação dos acontecimentos que foi descrevendo nas suas declarações, em especial no que respeita ao dito acesso e utilização do serviço de homebanking, não apenas pelo seu interesse natural e direto na ação, mas essencialmente por não ter apresentado um discurso espontâneo e natural, como seria de esperar por se tratar de factos que alegou ter vivido direta e pessoalmente.” (sublinhado da nossa autoria).
7. Entre estes dois depoimentos, foram várias as contradições, inconsistências e incoerências, para quem referia que vivera os factos que estava a relatar na primeira pessoa.
8. Ficou devidamente provado nos autos que as operações de pagamento foram todas realizadas pela Recorrente, mediante a introdução dos respetivos códigos de autenticação forte, tendo as mesmas sido devidamente registadas e contabilizadas e que não foram afetadas por avaria técnica ou qualquer outra deficiência do serviço prestado pelo Banco Recorrido.
9. Ficou provado e resulta da sentença do Tribunal a quo, o Banco Réu cumpriu com todas as regras de segurança na disponibilização do serviço de homebanking.
10. Refere a Recorrente que foi vítima de acesso indevido à sua conta bancária junto do EUROBIC, que alguém a partir de dispositivo alheio à Recorrente acedeu ao netbanking, quando, dos factos provados resulta que o acesso e todas as operações efetuadas no dia 14/12/2021, foram efetuadas através de IP de Portugal, fidedigno e credível, que não levantava qualquer suspeita e que era utilizado regularmente pela Recorrente.
11. A decisão sobre a matéria de facto não contém erros grosseiros, tendo o Tribunal a quo analisado de forma cuidada e rigorosa o acervo probatório dos autos. Senão vejamos,
12. A Recorrente, alega que os sms com os códigos Token não foram recebidos num intervalo de poucos minutos, tendo referido que foi ao longo de mais de duas horas entre a 1ª e a última, misturando o suposto processo de sincronização que esta alega ter sido alvo, que terá durado entre duas a três horas, com a sequência em que recebeu os códigos Token para validação de 38 operações de pagamento.
13. Tal alegação é reveladora do desnorte em que se encontra a Recorrente, pois contraria, o que afirmara na Petição Inicial (art. 16º), dizendo que a inserção dos códigos de autenticação forte foram recebidos num intervalo de pouco minutos.
14. O Tribunal a quo, deu como provado tal facto com base no Doc. n.º 2 junto com a PI, dando como provado o disposto no referido art. 16º da PI…
15. Tal facto foi, inclusivamente confirmado pelo Sr. AA, no depoimento de parte, cujo segmento se transcreve:
Juíza
[01:17:56] Olhe, ali, por exemplo, a primeira diz “EuroBic Net, web banking. Introduza o código 8562323 para autorizar o pagamento no valor de 999 euros para a entidade 21800, com a referência ...605”. Depois, a seguir, código diferente, uma referência diferente, mas o mesmo valor de 999, e uma série deles. Isto foi com que diferença temporal entre cada uma delas?
AA
[01:18:25] De acordo que eu ia fazendo o Enter, ia aparecendo logo a seguir.
Pronto.
Juíza
[01:18:30] Em poucos minutos, portanto?
AA
[01:18:32] Sim, sim. Poucos minutos.
(cfr. gravação das declarações no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 29 de abril de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024-04-29_15-09-20”).
16. É um facto que a Recorrente também cita do depoimento de parte do Sr. AA e, se se tiver em atenção ao excerto do depoimento, facilmente se constata que depois de dizer que tinha sido em poucos minutos (“[01:18:32] Sim, sim. Poucos minutos.”), contraria-se dizendo que se tinham passado mais de duas horas, duas horas e meia (“[01:20:23] Mais de 2 horas. 2 horas e meia, 2 horas e tal.”).
17. É um facto que se contradisse, e esta é apenas uma entre muitas, mas …
18. Resulta do referido documento n.º 2 junto com a PI que os diversos sms foram recebidos com um intervalo de poucos minutos entre si, tendo realizado o total de 38 operações, em menos de 70 minutos, mediante a inserção dos respetivos códigos Token, dando por isso, um intervalo de poucos minutos entre cada operação, tendo sido realizada a primeira às 09h51 e a última perto das 11h00.
19. Não tendo, por isso, conforme alega a Recorrente, decorrido mais de duas horas entre o primeiro e último sms com os códigos Token, conforme alega agora a Recorrente.
20. Atento o exposto, não deverá ser alvo de qualquer retificação o ponto 13 do elenco de factos provados, porquanto este reproduz fielmente a prova produzida.
21. No que diz respeito ao Facto Provado 21 a Recorrente nas suas alegações parte de dois erros crassos, um quanto à Direção em que a testemunha desempenhava as suas funções à data dos factos e respetivas competências técnicas, e a segunda sobre a quem era acometida a análise da informação sobre as transações.
22. Relativamente às funções desempenhadas pela testemunha CC, foi por este referido que era técnico da Direção de Canais Alternativos e Meios de Pagamento e que sempre trabalhou naquela Direção, nunca tendo, por isso, trabalhado no Gabinete de Provedoria do Cliente, conforme a Recorrente tenta fazer parecer, referindo que à data desempenhava funções em tal Gabinete, tendo uma vez mais, interpretado mal as palavras do depoente, ou, mais grave, estando a tentar deturpar o sentido das suas declarações.
23. A testemunha CC, deixou claro que sempre exerceu funções na Direção de Canais Alternativos e Meios de Pagamento e que, o Banco quando recebida uma reclamação de cliente, que à data eram recebidas pelo Gabinete de Provedoria do Cliente, eram posteriormente encaminhadas pelo referido Gabinete de Provedoria do Cliente para as Direções e áreas técnicas respetivas, tendo a reclamação em apreço, atenta a sua natureza (transação não reconhecida), sido analisada pela sua Direção (Direção de Canais Alternativos e Meios de Pagamento).
24. Relativamente à análise efetuada, a testemunha, atestou que a mesma estava centrada na Direção em que este trabalhava (Direção de Canais Alternativos e Meios de Pagamento), tendo confirmado que tinham sido verificados os IP’s utilizados, que não era um IP suspeito, que era um IP usado habitualmente pela Recorrente, sendo essa a informação que vinha da análise/parecer técnico da respetiva área.
25. A testemunha CC, também confirmou no seu depoimento que também foram verificados os LOG’s transacionais dos 38 pagamentos efetuados mediante a autenticação forte pela Recorrente, referindo que foram verificados pela sua área de competência técnica relativa à data e hora da entrada do cliente no homebanking, assim como transação que foi fazer. 26
26. A testemunha CC, não só atestou que tinha as competências técnicas quer para avaliar os LOG’s transacionais das horas e data de acesso ao EuroBicNet, quer para a confirmação da transação realizada pela Recorrente, como confirmou que o mesmo era realizado pela sua área de competência técnica.
27. Confunde, pois, a Recorrente o facto do processo de análise transacional estar centrado na Direção de Canais Complementares e Meios de Pagamento, no qual a testemunha trabalha, na qual era centralizada a análise das transações reclamadas que lhes eram reencaminhadas, com a necessidade de recorrer a outras Direções e áreas de competência técnica para obter outras informações, como era o caso das LOG’s de sms que eram recolhidos pela área da informática (não se confunda o LOG’s de sms com os LOG’s transacionais).
28. É certo que o Doc. n.º 14 foi produzido internamente com base na informação extraída de várias fontes diferentes, todavia, a divergência da hora apontada ficou a dever-se a erro humano, estando em causa um erro de escrita na sua compilação, ao que acresce que, em momento algum logrou a Recorrente provar que o acesso tivesse sido efetuado por outro IP, e não o fez, porquanto tal não ocorreu.
29. Acresce que, vem agora a Recorrente invocar o Doc. n.º 14 junto com a Contestação, quando o havia impugnado, por desconhecer a sua proveniência, inclusivamente, como esta refere, por se tratar de um documento elaborado internamente…
30. Não obstante o documento apresentar um erro de escrita (provocado por erro humano), e ter sido impugnado pela Recorrente, não se poderá deixar de sublinhar que, o depoimento prestado pela testemunha CC, foi claro e preciso a atestar que foram verificados os IP’s utilizados, tendo referido que se tratava de um IP que era utilizado habitualmente pela Recorrente, tendo sido conferidos os LOG’s de início e fim de sessão de acesso ao EuroBicNet pela testemunha CC e que os mesmos coincidiam com os movimentos realizados quer quanto à hora e data.
31. Também ficou assente e por isso provado (Ponto 43 do elenco dos factos provados), que o SAF gera um código único e válido por 60 segundos enviado por SMS para o número de telemóvel que o cliente tenha expressamente indicado para validar qualquer transação/operação, sempre que solicitado pelo banco.
32. É manifestamente impossível existir o desfasamento temporal que a Recorrente pretende extrair, porquanto a validade dos sms de autenticação forte é de apenas 60 segundos e, se não for inserido nesse espaço temporal, perde automaticamente a sua validade (Ponto 43 do elenco dos factos provados).
33. Tendo em consideração tais especificidades, forçosamente todos os movimentos de pagamento foram efetuados e confirmados pela Recorrente, mediante a sua introdução do código de autenticação forte, no espaço de 60 segundos após a sua receção por sms no telefone registado para o efeito.
34. Ainda sobre o facto provado 21, nas suas alegações, a Recorrente tenta colocar em causa o depoimento da testemunha DD, referindo que embora fosse responsável da segurança e informação do Banco, não tinha formação na área da informática. Todavia,
35. A Recorrente, apenas transcreveu um excerto do seu depoimento, contudo, certamente por desatenção da Recorrente, não citou a parte em que a testemunha, além de referir a sua formação de base, também esclareceu as demais competências técnicas e académicas que tinha, desde logo, duas pós- graduações em cibersegurança, uma pós-graduação em segurança física reconhecida pelo Ministério da Administração Interna, para além de outras certificações em Protecção de Dados e em Cibersegurança e várias certificações profissionais; de igual forma, atestou as competências técnicas da sua vasta equipa técnica, composta por técnicos com formação específica na área da cibersegurança, informática, engenharia de sistemas, etc, conforme este deixa perfeitamente claro no depoimento ao referir que tinha todas essas valências na sua equipa técnica
36. Em face do exposto, não poderá o facto vertido no Ponto 21. da Decisão sobre a matéria de facto transitar para o elenco dos factos não provados, devendo manter-se, como ajuizou o Tribunal a quo, no elenco dos factos provados, o que se requer.
37. Relativamente ao facto Provado 51, a Recorrente, em sede de Alegações, referindo que quer o Sr. AA, gerente da Recorrente (e única pessoa acreditada e reconhecida junto do Banco para utilizar o EuroBicNet) que a conta do EuroBic era utilizada com pouca frequência…
38. Para fazer tal prova, a Recorrente citou o depoimento da testemunha BB e do Depoimento de Parte prestado pelo Sr. AA.
39. Não obstante, a testemunha Sra. BB, quando questionada pela Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, no final do seu depoimento sobre tais factos, foi progressivamente corrigindo o sentido das suas declarações, começando por dizer que a conta do EuroBic não tinha muitos movimentos no EuroBicNet por comparação com as contas dos outros bancos, acabando por referir que a Recorrente, fazia movimentos todos os meses no EuroBicNet, que fazia pagamentos de serviços a entidades, transferências, entre outros, através desse canal.
40. Quanto à utilização do serviço do EuroBicNet pela Recorrente, embora esta refira que era uma conta que utilizava pouco por comparação com outras contas de que a sociedade era titular junto de outros Bancos, o certo é que, as testemunhas CC e EE (que é gerente da agência onde está domiciliada a conta da Recorrente) corroboraram os dados constantes do Doc. n.º 8 (junto com a contestação) quanto ao número de utilizações/acessos que a Recorrente tinha com o EuroBicNet, quer quanto ao número de transações realizadas através de tal canal.
41. Veja-se o depoimento da testemunha CC, que referiu que analisaram o tipo de interações que a Recorrente tinha com o EuroBicNet desde a data da sua adesão ao serviço (em 2015), até à data da ocorrência dos factos (14/12/2021), tendo esta atestado que se tratava de uma cliente que utilizava bastante o EuroBicNet “… era… tratava-se de um cliente que usava com bastante regularidade o EuroBic Net. Estamos a falar de se não milhares, já a chegar aos milhares, mas centenas de transacções realizadas através destes canais. Por isso, sim. Respondendo à sua questão directamente, sim. Era… fizemos essa análise e, efectivamente, era um cliente que usava bastante.”.
42. Por seu turno, a testemunha EE, que à data era, e ainda é, o gerente da agência da Rua do Ouro, em Lisboa, onde a Recorrente tem a sua conta EUROBIC domiciliada, esclareceu o Tribunal que a sociedade Recorrente usava bastante o serviço do EuroBicNet e que inclusivamente o utilizava no âmbito de outra conta titulada por outra sociedade.
43. Atento os depoimentos esclarecedores prestados pelas testemunhas, CC (técnico da Direção de Canais Complementares e Meios de Pagamento do Banco Recorrido) e EE (gerente da agência do Banco Recorrido da Rua do Ouro, em Lisboa), não poderá o facto vertido no Ponto 51. da Decisão sobre a matéria de facto transitar para o elenco dos factos não provados, devendo manter-se, como ajuizou o Tribunal a quo, no elenco dos factos provados, o que se requer.
44. Quanto ao Facto Provado 53, lamentavelmente, tentou a Recorrente, de forma desesperada, alterar o sentido do depoimento da testemunha, distorcendo e descontextualizando a segunda parte do seu depoimento, o que é merecedor de censura, porquanto, conforme é notório, o excerto que a Recorrente considera que afinal o EuroBicNet não é assim tão robusto, insere-se no seguimento de uma questão colocada pelo mandatário do Recorrido sobre a possibilidade de um acesso remoto a um computador (por referência ao computador utilizado pela Recorrente para aceder ao EuroBicNet no dia da ocorrência dos factos), poder ter sido alvo de um acesso que não deixava rasto, conforme aliás havia referido a testemunha FF.
45. A testemunha DD foi muito clara, categórica e perentória ao afirmar que o site do Banco não é violável (sic, “… vamos supor, um hacker que pode tentar quebrar a página. Isso não é possível fazer, até porque se houver uma tentativa de acesso, vamos imaginar… não de acesso às contas. De acesso ao site, ok? Se houver uma tentativa de acesso ao site, o que pode acontecer, do ponto de vista de segurança, é o site ficar imediatamente indisponível. Portanto, o site não é violável.” – negrito e sublinhado da nossa autoria (in, 00:09:00 da gravação das declarações no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 29 de abril de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024- 04-29_15-09-20 (2)”).).
46. Quando questionado se tinha algum registo de alguma ocorrência, no dia 14 de Dezembro de 2021, ou de alguma tentativa de intrusão ou de algum tipo de ataque ao site do banco, a testemunha DD respondeu de forma clara que não, de todo!
47. A segunda questão colocada à testemunha DD, prendeu-se com a possibilidade de um terceiro poder aceder a um computador sem deixar rasto (e não ao site do Banco), tendo por base o esclarecimento prestado pela testemunha FF, arrolada pela Recorrente, numa resposta que esta dera a instâncias do ilustre mandatário da Recorrente sobre a análise que efetuou aos computadores da Sra. BB e do Sr. AA.
48. A testemunha FF, referiu expressamente que efetuou uma averiguação no computador do Sr. AA e da Sra. BB, e apenas naqueles dois computadores, porque lhe foi solicitado expressamente para o fazer apenas naqueles dois computadores, sem que, todavia, lhe tivessem esclarecido o que acontecera, impossibilitando (convenientemente) que este pudesse efetuar uma análise mais rigorosa e específica a eventuais intrusões nos computadores…
49. No seguimento dos esclarecimentos prestados pela testemunha FF, que referiu que um antivírus não registava o acesso a um computador que tivesse sido efetuado através de um “BOT”, pois o ator malicioso depois de aceder a um computador através de um “BOT” não deixava rasto), a instâncias do mandatário do Recorrido foi colocada a questão à testemunha DD sobre a hipótese do computador da recorrente ter sido acedido por via de um “BOT”, não tendo deixado rasto.
50. A testemunha DD não apresentou qualquer contradição no seu depoimento, como tenta, a Recorrente desesperadamente passar; pelo contrário, depôs de forma muito assertiva, descomprometida, verdadeira, espontânea e rigorosa, tendo distinguido claramente que o site do Banco era inviolável.
51. O seu depoimento foi esclarecedor, quer quanto ao site do EuroBic, quer relativamente a um eventual acesso a um computador pessoal, de uma pequena ou média empresa ou inclusivamente de uma grande empresa, como era o caso do Banco, estabelecendo perfeitamente a diferença.
52. Do depoimento prestado pela testemunha DD, ficou perfeitamente claro que:
a. O site do EuroBic é perfeitamente seguro [00:29:58] * e inviolável ([00:09:00] * – “Portanto, o site não é violável.”);
b. Os sistemas de segurança que estão periféricos detetam os movimentos suspeitos e, qualquer tentativa de ataque é sempre feita para pôr o site em baixo. Nunca são feitos para aceder a contas, porque isso é impossível [00:32:00] *;
c. Não houve qualquer tentativa de ataque, ou intrusão, ou acesso indevido no dia 14/12/2021, nem houve reclamações de outros clientes (00:12:11) *.
* cfr. gravação das declarações no sistema de gravação digital Habilus media, prestado na audiência do dia 29 de abril de 2024, ficheiro áudio “Diligencia_7684-22.7T8LSB_2024-04-29_15-09-20 (2)”).
53. Não colhem os argumentos utilizados pela Recorrente quanto ao Facto Provado n.º 53, pelo que, atento exposto e a prova produzida, deverá manter-se o Facto 53. no elenco dos Factos Provados, o que se requer.
54. O Tribunal a quo deu como não provado que o número de telefone ...821 (afeto ao SAF) pertencesse ao Senhor AA, sócio e gerente da Recorrente (FACTO NÃO PROVADO “A.”)
55. Conforme demonstrado no Ponto 2.5. Do Facto Não Provado “A.”, os depoimentos da testemunha BB e, o de parte, do Sr AA não foram consistentes sobre a utilização do telemóvel em questão, tendo chegado a ser contraditórios.
56. Quando questionada sobre se utilizava o telemóvel em questão a testemunha BB, referiu que, embora fosse do Sr AA, esta por vezes atendia e fazia chamadas (o que permitia aferir que esta tinha o código de acesso ao mesmo), facto esse que o Sr. AA, quando confrontado com o mesmo, referiu, de forma irritada, que era mentira!
57. Não obstante, o Sr AA ter referido, no início do depoimento de parte, que o telefone era da empresa, mas que era utilizado só por si, pouco depois a instâncias do ilustre mandatário da Recorrente, contradisse o que tinha afirmado, dizendo que tal número de telefone (associado ao Sistema de Autenticação Forte) era o número de serviço da empresa.
58. A testemunha EE, gerente da Agência do EUROBIC da Rua do Ouro, em Lisboa, a instâncias do mandatário do Banco Recorrido, quando questionado se costumava falar com a Sra BB, este respondeu que quando precisava de algum documento, que ligava diretamente para o número de telemóvel que consta da assinatura do email da Sra. BB, número esse que era o referido número ...821 que estava afeto ao SAF (Sistema de Autenticação Forte).
59. O referido número de telemóvel, afeto ao Sistema de Autenticação Forte, não era pertença ou utilizado pelo Sr. AA; pelo contrário, era efetivamente utilizado pela Sra. BB, e tanto assim o era, que foi tal facto que levou a que o Sr. AA, no dia seguinte à ocorrência dos factos, dia 15/12/2021, tivesse ido à agência do EUROBIC da Rua do Ouro alterar o n.º telemóvel que estava afeto ao Sistema de Autenticação Forte (SAF), conforme também atestou a testemunha EE e decorre do Doc. n.º 8 junto com a Contestação (Ref. Citius 42282934, de 18/05/2022).
60. Quanto ao referido número de telemóvel associado ao serviço de Homebanking do Recorrido (...821) não ser pertença do Sr. AA, nem por este utilizado, dever-se-á ter em atenção que tal número nunca foi indicado junto do Recorrido como pertencente ao legal representante da autora, conforme se infere do Doc. n.º 1 junto com a Contestação (adesão ao BancoBicNet em 2015), e que é reforçado pela apreciação do documento n.º 6 junto com a Contestação, datado de 2020 (Adesão e Utilização do Serviço EuroBicNet), do qual resulta igualmente que o número de telemóvel indicado como pertencente ao legal representante AA não é o ...821.
61. Por outro lado, da apreciação do Doc. n.º 7 junto com a Contestação (Ref.ª CITIUS 32599125 de 18/05/2022), resulta que a funcionária da autora e testemunha BB, que utilizava o endereço de correio eletrónico ...@the7hotel.com, indicava na assinatura pré-configurada desse mesmo email o telemóvel ...821 (Conforme resulta do Ponto 46. Do elenco dos factos provados).
62. Ajuizou bem o Tribunal a quo ao dar como não provado que tal número de telemóvel pertencesse ao Sr. AA, pelo que, não poderá o facto vertido no Ponto A. da Decisão sobre a matéria de facto transitar para o elenco dos factos provados, devendo manter-se, como ajuizou o Tribunal a quo, no elenco dos factos não provados, o que se requer.
63. Relativamente ao Facto Não Provado “E.”, dever-se-á ter em consideração que os depoimentos da testemunha BB e, o de Parte, do Sr. AA, presentaram diversas contradições e inconsistências.
64. A par de muitas das incoerências e contradições já apontadas entre os depoimentos da testemunha BB e o de parte do Sr. AA, não se poderia deixar passar em claro, as contradições sobre a autoria do email enviado pela Sra. BB ao Banco, no dia 15/12/2021, a comunicar os débitos que tinham ocorrido na conta na véspera.
65. Confrontada com o email redigido na primeira pessoa, a relatar que nesse dia, 15/12/2021, havia acedido à conta da Recorrente através do EuroBicNet (sic, “Quando hoje entro na conta da BQH e encontro esses débitos todos na conta, estes são alguns.”), a Sra. BB veio com duas justificações inverosímeis.
66. A primeira, referindo que o contacto ali constante remontava aos tempos em que esta começara a trabalhar na Rossitur, agência de viagens, que foi criado um email e um número de telefone e teria ficado sempre na sua assinatura. Ora, não se tratava de um email da Rossitur que esta utilizasse e que se tivesse mantido, mas do email da Blue Queen Hotels, que utilizava a marca 7hotel, conforme decorre do domínio do email enviado ...@the7hotel.com) que se encontra junto como Doc. n.º 7 junto à Contestação (com a Ref.ª CITIUS 32599125 de 18/05/2022).
67. A segunda, quando, no seu depoimento, a Sra. BB referiu que o Sr. AA ainda não tinha chegado ao hotel e que lhe enviara aquele email para o enviar para o Banco, tendo por isso efetuado um “copy paste”; contudo, esta foi contrariada pelo Sr. AA que apresentou uma versão diferente, tendo dito que quando chegou ao Hotel, viu aqueles movimentos, chamou a Sra BB e lhe terá dito que estava a preparar um email para o Banco e que ela o enviasse que este ia ao Banco falar com o gerente.
68. Acontece que, muito convenientemente, o Sr. AA explicou de imediato, sem que lhe tivessem questionado, o porquê de não ter enviado diretamente o email para o Banco e ter pedido à Sra BB que o enviasse, dizendo que “Como o e-mail dela tem ...@the7hotel.pt, assim vai como The 7 Hotel, que é a nossa designação comercial. Ok? Porque eu utilizo ...@rossitur-travel.com, que é o nosso grupo. Disse, “olha, eu vou-te passar o texto e, portanto, fazes o copy paste e envias para o Sr. EE, que eu vou já ao banco.”.
69. Como se não bastasse as versões serem contraditórias, a desculpa para ser enviado pelo email da Sra. BB, também não colhe, senão vejamos, o email de correspondência que o Sr. AA tem junto do Banco para a conta em apreço (titulada pela sociedade Blue Queen Hotels, Lda), é exatamente o email da Rossitur, ...@rossitur-travel.com, conforme se infere do Doc. n.º 6 junto com a Contestação (com a Ref.ª CITIUS 32599125 de 18/05/2022), que se convida o Venerando tribunal a analisar.
70. Tais versões e justificações não têm correspondência com a realidade, porquanto o Sr. AA enviava email’s diretamente para o Banco, conforme se infere das mensagens de correio eletrónico que o Sr. AA enviou para o Banco através do endereço de correio eletrónico que este tinha registado na conta da sociedade Autora como email de contacto, nomeadamente ...@rossitur-travel.com (Doc. n.º 6 junto à Contestação, com a Ref.ª CITIUS 32599125 de 18/05/2022).
71. Sendo que, em tais email’s nunca foi identificado nas respetivas assinaturas como telemóvel de contacto, o n.º telemóvel associado ao SAF (...821), conforme se constata das mensagens de correio eletrónico que o Sr. AA endereçou ao Banco nos dias 24/12/2019 (Doc. n.º 1), 07/04/2020 (Doc. n.º 2), 15/12/2021 (Doc. n.º 3) e 04/05/2023 (Doc. n.º 4), que foram todos juntos aos autos com o Requerimento do Recorrido de 15/04/2024 com a Ref.ª CITIUS 48621771.
72. Tanto assim o era que o Sr. AA, no dia 15/12/2021 ao qual se reporta o email enviado pela Sra. BB (que se encontra junto à Contestação como Doc. n.º 7), também enviou um email ao Banco sobre os movimentos na conta do dia anterior (14/12/2021), só que, pasme-se, através do email ...@rossitur-travel.com (que foi junto aos autos como Doc. n.º 3 com o Requerimento do Recorrido de 15/04/2024 com a Ref.ª CITIUS 48621771), o tal email que o Sr. AA referiu que não queria usar por não ter a designação comercial do hotel…
73. O número de telemóvel associado ao SAF (...821) vem sempre identificado na assinatura dos email’s enviados pela Senhora BB através do seu endereço de correio eletrónico, conforme se pode verificar, não só no email em apreço de 15/12/2021 (que se encontra junto à Contestação como Doc. n.º 7), como nas mensagens de correio eletrónico que a Sra. BB enviou ao Banco no dia 03/05/2021 (Doc. n.º 5), dia 09/06/2021 e dia 17/06&2021 (Doc. n.º 6) e dia 06/01/2022 (Doc. n.º 7), que foram todos juntos aos autos com o Requerimento do Recorrido de 15/04/2024 com a Ref.ª CITIUS 48621771.
74. É por demais evidente que a narrativa da Recorrente se foi desmoronando, apresentando tais depoimentos versões antagónicas e incompatíveis, não tendo sido espontâneos, naturais e descomprometidos, não se podendo concluir que tenha sido o Sr. AA a aceder ao Homebanking, não sendo tais depoimentos merecedores de crédito.
75. Contrariamente ao referido pela Recorrente, embora o nome possa não ser de origem portuguesa, causando uma eventual aparência de se tratar de um cidadão de outra nacionalidade, o certo é que o Sr. AA é cidadão português, conforme resulta do respetivo Cartão de Cidadão Nacional emitido pela República Portuguesa (fls. 59 do Doc. n.º 2 junto com a Contestação, com a Ref.ª CITIUS 32599125 de 18/05/2022), tendo este indicado que tinha naturalidade portuguesa, conforme se infere de fls. 3 do Doc. n.º 2 junto com a Contestação (com a Ref.ª CITIUS 32599125 de 18/05/2022).
76. Não é admissível nem credível que, com a experiência que tinha na utilização do EuroBICNet, fazendo fé na narrativa da Recorrente, esta julgasse acreditar tratar-se de uma sincronização, quando todas as SMS enviadas com o código OTP, para confirmar e validar as várias operações de pagamento, identificavam o canal utilizado (“EuroBic Net”), tipo de operação (“… para autorizar o pagamento no valor …” – sublinhado e negrito nosso), entidade (“Ent.: 21800”), respetiva referência (Ref.: … …) e valor a pagar, conforme se infere do Doc. n.º 2 junto à PI.
77. Sem descurar e conforme também salientado pelo tribunal a quo, “… impõe-se notar os termos em que estão redigidas as mensagens exibidas no monitor do computador utilizado pela autora para a tentativa de acesso ao homebanking (11. e 12.): em 11., além da repetição do primeiro e segundo parágrafos, o texto é rudimentar e repetitivo; em 12., é utilizado português do Brasil, a sigla “SMS” é utilizada no feminino e o texto é pobre.”.
78. Atente-se ao facto de no fim da página constar o ano de 2019, quando estávamos em 14/12/2021. Como é óbvio, além do Banco Recorrido não fazer sincronizações nem aquele tipo de mensagens, as suas comunicações identificam sempre na página o ano em curso, com a devida certificação e registo, o que, no caso em apreço, era notório tratar-se de um embuste.
79. Atenta a prova produzida, decidiu bem o Tribunal a quo, ao considerar que não ficou provado que o acesso ao EuroBicNet tenha sido efetuado pelo representante legal da Recorrente, devendo manter-se tal facto no elenco dos factos não provados, o que se requer.
80. Relativamente ao Facto Não Provado “G.”, contrariamente ao alegado pela Recorrente, não se verificou qualquer erro de julgamento.
81. No que diz respeito ao IP utilizado no acesso ao EuroBicNet no dia 14/12/2021, e conforme referido supra (art. 21º e seguintes), a testemunha CC, além de descrever minuciosamente os procedimentos e análise efetuada pelo Banco Recorrido, também atestou que as instruções de pagamento associadas às operações realizadas em 14 de dezembro de 2021 foram ordenadas a partir de dispositivo com endereço de IP que, além de não ser suspeito, era utilizado com frequência pela Recorrente e tinha a mesma localização geográfica dos dispositivos habitualmente utilizados pela Recorrente.
82. Contrariamente ao que pretende fazer crer a Recorrente, o acervo probatório dos autos não deixa lugar a dúvidas que, quer o acesso à conta da Recorrente, quer a colocação das instruções de pagamento foram efetuados a partir de IP e equipamento utilizado regularmente pela Recorrente.
83. A testemunha CC, que exercia (e exerce) funções na Direção de Canais Alternativos e Meios de Pagamento do Banco Recorrido, que à data dos factos, analisava as reclamações que lhes eram reencaminhadas relacionadas com transações não reconhecidas, foi preciso e no que diz respeito à análise efetuada quanto aos IP’s, LOG’s transacionais e LOG’s de sms, referindo que a respetiva análise estava centrada na Direção onde trabalhava.
84. Mais confirmou a testemunha que tinham sido verificados os IP’s utilizados, que não era um IP suspeito, que era um IP usado habitualmente pela Recorrente, sendo essa a informação que vinha da análise/parecer técnico da respetiva área.
85. A testemunha CC, confirmou no seu depoimento que também foram verificados os LOG’s transacionais dos 38 pagamento efetuados mediante a autenticação forte pela Recorrente, referindo que foram verificados pela sua área de competência técnica relativa à data e hora da entrada do cliente no homebanking, assim como transação que foi fazer.
86. A testemunha CC, não só atestou que tinha as competências técnicas quer para avaliar os LOG’s transacionais das horas e data de acesso ao EuroBicNet, quer para a confirmação da transação realizada pela Recorrente, como confirmou que o mesmo era realizado pela sua área de competência técnica.
87. Com a manifesta experiência que a Recorrente tinha na utilização do homebanking e realização de operações através do mesmo, esta sabia perfeitamente que os códigos de autenticação forte que lhe foram enviados serviam para validar uma operação bancária por esta iniciada, sms esses com os códigos TOKEN que indicavam claramente a finalidade (pagamento), a entidade, a referência e o valor, além de esta sabia perfeitamente que os Bancos não faziam sincronizações.
88. Não podia a Recorrente ignorar o teor dos sms que foi sucessivamente recebendo com os códigos de autenticação forte para as 38 (trinta e oito) operações de pagamento realizadas.
89. No caso em apreço, ficou bem demonstrado que as 38 operações de pagamento foram efetuadas mediante a autenticação forte, através da inserção pela autora de códigos token remetidos pelo Banco Recorrido, por sms, para o número de telemóvel associado ao SAF (Pontos 19., 14. e 44. do elenco dos factos provados), mais tendo ficado perfeitamente adquirido que tais operações provieram de ordens transmitidas a partir de IPs de Portugal, que tinham sido anteriormente utilizados pela Recorrente para acesso ao homebanking da ré (Ponto 21. do elenco dos factos provados) e que o sistema da ré não sofreu qualquer ataque nem esteve sob pressão ou risco (Ponto 53. Do elenco dos factos provados). Factos esses que foram atestados de forma categórica pelas testemunhas CC, EE e DD.
90. Alega a Recorrente que não foi a própria que deu as instruções de pagamento, mas conforme ficou assente e provado na Douta Decisão recorrida, o acesso ao EuroBicNet foi efetuado mediante a inserção das credenciais de acesso atribuídas (Utilizador e Password) e redefinidas pelo Sr. AA, pelo que, foi alguém a quem este as deu deliberadamente as credenciais de acesso (Utilizador e password que são pessoais e intransmissíveis).
91. No Depoimento de Parte, o Sr AA acabou por se descair e revelar que também tinha dado tais elementos de acesso ao seu irmão ...), como também o terá feito com a Sra. BB, conforme resulta claro para o Banco Recorrido dos documentos juntos aos autos que demonstram que a Sra BB teria acesso aos mesmos.
92. Consta do elenco dos factos provados (Ponto 49), que o Banco Recorrido publicava, à data dos factos (e continua a publicar) avisos de segurança na página de acesso ao EuroBic Net, estando em 08.07.2021 publicado o seguinte: “Aviso de Segurança: Alertamos para o facto de vários Bancos estarem a ser alvo de campanhas de phishing. Tenha em atenção as nossas recomendações de segurança e leia sempre os SMS de envio de códigos token de forma a garantir que está a autorizar operações que efetivamente iniciou nos canais à distância.” (Ponto 49 da matéria de facto provada).
93. As operações efetuadas ficaram a dever-se à negligência grosseira da Recorrente, por não atender às evidências descritas anteriormente relativas à suposta sincronização, aliado ao teor muito claro dos sms com os códigos de autenticação forte que foi recebendo no telemóvel associado ao SAF, circunstâncias essas que um cidadão normal, no mesmo contexto e circunstâncias, jamais ignoraria.
94. Desta forma, não poderá o facto vertido no Ponto G. da Decisão sobre a matéria de facto transitar para o elenco dos factos provados, devendo manter-se, como ajuizou o Tribunal a quo, no elenco dos factos não provados, o que se requer.
95. No que diz respeito ao Facto Não Provado K, concluiu bem o Tribunal a quo na Douta Sentença, dando por não provado que no dia 17/01/2022 a autora tenha endereçado reclamação aos departamentos de Supervisão Comportamental e de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal, porquanto não provou a Recorrente que tivesse apresentado nesse dia qualquer reclamação junto do BdP, não tendo junto qualquer documento aos autos que o demonstrasse.
96. Do Ofício BdP, datado de 15/12/2023, junto pela Recorrente com a Ref.ª 38176052 não resulta, nem permite concluir que a Recorrente apresentou reclamação junto BdP e respetivos termos, no dia 17/01/2022.
97. A Autora, procedeu à junção aos autos de Ofício do Banco de Portugal (BdP), datado de 15/12/2023, pretendendo-lhe dar um sentido e alcance que do mesmo não decorre, nem se pode extrair…
98. De tal ofício do BdP, apenas decorria que a reclamação apresentada pela Autora indicia (sic, “A reclamação apresentada por V. Exa. indicia que a entidade reclamada terá infringido normas que regulam a sua atividade.” (negrito e sublinhado nosso), não se tratando de qualquer conclusão do BdP.
99. Tanto assim o é, que o BdP, no âmbito dos seus poderes de supervisão comportamental da atividade, refere que deu início aos procedimentos legais de averiguação.
100. E fê-lo, porque a tanto estava efetivamente vinculado, atento o princípio da legalidade da iniciativa, mediante uma reclamação que lhe seja apresentada, tal como o Ministério Público está, ao abrigo do mesmo princípio, perante uma participação ou uma denúncia, obrigado a investigar em função dos factos que lhe são apresentados, sem que daí resulte ou possa resultar uma acusação, quanto mais uma sanção.
101. Atente-se o facto do Ofício, a par de não identificar o objeto da reclamação e respetivos fundamentos, nem tampouco referir que eventuais normas poderão ter sido infringidas em face do teor da reclamação apresentada.
102. O Ofício do BdP junto pela autora a Ref.ª 38176052 não identifica o objeto e os respetivos fundamentos da reclamação apresentada e a respetiva data, não resultando, por isso provado tivesse sido apresentada reclamação no dia 17/01/2022, não podendo ser retirado qualquer conclusiva que não seja a de que o BdP iniciara uma averiguação sobre uma reclamação.
103. Pelo exposto,
a. o facto vertido no Ponto K. da Decisão sobre a matéria de facto não poderá transitar para o elenco dos factos provados, devendo manter-se, como ajuizou o Tribunal a quo, no elenco dos factos não provados, o que se requer; e
b. tendo em consideração que EuroBicNet é seguro, que no dia 14/12/2021 não sofreu qualquer tipo de ataque, assim como não foi afetado por qualquer avaria técnica ou qualquer outra deficiência no serviço prestado, por não se verificar a falha de segurança que a Recorrente visa imputar, fica desde logo prejudicada a intenção da Recorrente, não podendo tal facto (Do Ofício do Banco de Portugal de 15/12/2023) ser aditado ao elenco de factos provados, o que se requer.
104. Quanto ao Facto Não Provado “L.”, dir-se-á que era prática corrente a Recorrente proceder ao desconto de livranças para apoio à tesouraria, tanto assim o era que a 05/11/2021 tinha efetuado um desconto de livrança no valor de € 30.000,00 junto do banco Recorrido (conforme foi dado como provado no Ponto 52. do elenco dos factos provados).
105. Uma vez mais, socorre-se a Recorrente dos depoimentos pouco convincentes e merecedores de pouca credibilidade pelo tribunal a quo, prestados pela testemunha Sra. BB e o de parte, pelo Sr. AA.
106. A Recorrente, em momento algum juntou qualquer documento comprovativo de que, após a data de 14/12/2021, tenha estado em dificuldades financeiras para pagar a fornecedores ou a terceiros, e que tal tivesse levado a ter que recorrer ao crédito por via do desconto de livrança.
107. Conforme atestou a testemunha EE, gerente da Agência da Rua do Ouro do Banco Recorrido, a Recorrente tinha naquela altura diversos créditos a decorrer na Banca, créditos esses de diversas tipologias, tendo afirmado que a Recorrida não tinha qualquer registo de incumprimento junto da Central de Responsabilidades de Crédito (CRC) do BdP.
108. O referido financiamento de desconto de livrança, no valor de € 50.000,00 que a Recorrente alega que efetuou, tinha como finalidade o “Apoio à Tesouraria”, conforme se infere do próprio título junto pela Recorrente à P.I., tendo a testemunha EE referido que os Bancos não fazem apoios à tesouraria se o cliente estiver em dificuldades financeiras.
109. Não logrou a Recorrente demonstrar que tivesse tido qualquer tipo de dificuldades financeiras após a ocorrência do dia 14/12/2021, assim como, não existe qualquer nexo de causalidade entre o desconto de tal livrança no valor de € 50.000,00 e o facto do Banco Recorrido ter recusado assumir qualquer responsabilidade pelas operações do dia 14/12/2021.
110. O facto vertido no Ponto L. da Decisão sobre a matéria de facto não poderá transitar para o elenco dos factos provados, devendo manter-se, como ajuizou o Tribunal a quo, no elenco dos factos não provados, o que se requer.
111. Quanto ao facto alegado no art. 18º da P.I. dever-se-á ter presente que a única pessoa que estava registada e acreditada junto do Banco Recorrido para poder aceder ao EuroBicNet em nome e representação da Recorrida, era única e exclusivamente o Sr. AA.
112. O Sr. AA, enquanto gerente, registou como telemóvel para Sistema de Autenticação Forte (SAF), um telemóvel que não era por si utilizado. Era um telemóvel de serviço da empresa que era utilizado pela Sra. BB.
113. Todos os pagamentos foram validados e confirmados pela Recorrente, mediante a inserção do código token – autenticação forte – recebidas por SMS no n.º telemóvel que a Recorrente associara ao SAF.
114. A Recorrente estava perfeitamente familiarizada com a finalidade exclusiva do sistema de autenticação forte.
115. Os sms com os códigos de autenticação forte que a Recorrente foi recebendo para autorizar as 38 (trinta e oito) operações de pagamento, descreviam com rigor o canal utilizado (“EuroBic Net”) tipo de operação (Pagamento) e respetivo valor (“… para autorizar o pagamento no valor …”), entidade (“Ent.: 21800”) e respetiva referência (“Ref.: … … …”).
116. Tais operações de pagamento foram todas efetuados a uma entidade devidamente registada junto da SIBS (Sociedade Interbancária de Serviços, S.A.), não havendo, por isso, quaisquer indícios ou elementos que permitissem suspeitar da entidade.
117. Por tudo o exposto, tal facto vertido no art. 18º da Petição Inicial não poderá ser aditado ao elenco dos factos provados, o que se requer.
118. Quanto ao Facto alegado no art. 22º da P.I., cumpre ressalvar que ficou provado e assente na Douta Sentença Recorrida, que o EuroBicNet é seguro e que, no dia 14/12/2021, não sofreu qualquer tipo de ataque, assim como não foi afetado por qualquer avaria técnica ou qualquer outra deficiência do serviço prestado.
119. A Recorrente pretende colocar o seu representante legal como ingénuo, quando se trata de pessoa que a par de ser gerente da Recorrente há muitos anos, também é gerente da ROSSITUR – Soc de Comércio e Turismo, Lda, a par de outros negócios. Tratando-se de pessoa experiente e rotinada a efetuar operações através dos serviços de homebanking dos diversos Bancos com a qual a sua representada trabalha(va).
120. Não poderá o Recorrido deixar de estranhar, que a Recorrente julgasse tratar-se de um processo de sincronização, quando no depoimento de parte, o Sr. AA, referiu que o Banco Recorrido nunca tinha feito qualquer sincronização, o que, por si, seria um sinal de alerta para o facto de não estar na página do banco, tendo ignorado por completo as recomendações e avisos de segurança publicadas à data no EuroBicNet.
121. No depoimento de parte, o Sr. AA atestou que naquele dia pretendia realizar uma transferência urgente, de valor muito avultado, pelo que, é de estranhar que, não tenha contactado o Banco, nem tenha pedido à sua Assistente de Direção para o fazer.
122. A Recorrente teve o cuidado de efetuar um printscreen sobre a suposta sincronização (por desconfiar da mesma…), mas já não teve o mesmo cuidado e prevenção (que um cidadão normal, em iguais circunstâncias teria e tem) de, (a) de contactar o Banco para aferir se tal pedido era fidedigno, e/ou (b) após ter validado e confirmado o primeiro pagamento, mediante a inserção do código token de autenticação forte (OTP) que recebeu por SMS no telemóvel certificado para o efeito, verificar que a conta não havia sido debitada, conforme supostamente referia a mensagem…
123. Sabendo-se que tinha uma transferência urgente para efetuar, não é compreensível que a Recorrente não tivesse contactado o Banco, ou solicitado à sua Assistente de Direção que o fizesse.
124. Consta do elenco dos factos provados (Ponto 49), que o Banco Recorrido publicava, à data dos factos (e continua a publicar) avisos de segurança na página de acesso ao EuroBic Net, estando em 08.07.2021 publicado o seguinte:
“Aviso de Segurança: Alertamos para o facto de vários Bancos estarem a ser alvo de campanhas de phishing. Tenha em atenção as nossas recomendações de segurança e leia sempre os SMS de envio de códigos token de forma a garantir que está a autorizar operações que efetivamente iniciou nos canais à distância.” (Ponto 49 da matéria de facto provada).
125. Não poderia ignorar, como ignorou a Recorrente o teor dos sms com os códigos Token.
126. O facto que a Recorrente pretende ver transitado para o elenco dos factos provados, além de não ter qualquer base fática de suporte, porquanto o site do Banco Recorrente era, e é, seguro e inviolável, as operações efetuadas ficaram a dever-se à negligência grosseira da Recorrente, quer por não atender às evidências descritas relativas à suposta sincronização, aliado ao teor muito claro dos sms com os códigos de autenticação forte que foi recebendo, circunstâncias essas que um cidadão normal, no mesmo contexto e circunstâncias, jamais ignoraria.
127. Pelo exposto, fica prejudicada a intenção da Recorrente, não podendo tal facto alegado no art. 22º da P.I., ser aditado ao elenco de factos provados, o que se requer.
128. Quanto aos factos vertidos nos art. 29º, 30º, 32º e 33º da P.I., não logrou a Recorrente provar que os pagamentos efetuados eram inabituais, não tendo junto qualquer documento que o comprovasse.
129. Dever-se-á ter presente que, aquando da sua adesão ao Homebanking, embora a Recorrente pudesse ter definido um limite de valor por operação ou em agregado, esta não o fez, não tendo selecionado qualquer limite de valor por operação daqueles que são pré-propostos pelo Banco, nem tendo definido um específico por tipo de operação/transação, por assim o ter desejado, conforme se infere do Doc. n.º 6 junto com a Contestação (Ref.ª CITIUS 32599125).
130. Desta forma, a Recorrente não tinha limites de valores definidos que pudessem ter obviado parte dos 38 pagamentos efetuados, por exceder um valor limite, de forma agregada, por esta previamente definido.
131. Acresce que, as 38 operações de pagamento não eram suspeitas, tanto mais porque se trava de pagamentos a uma entidade registada junto da SIBS (Sociedade Interbancária de Serviços, S.A.) para o efeito, conforme atestou a testemunha CC.
132. Resulta, pois, claro do depoimento prestado pelas testemunhas CC e EE que a Recorrente utilizava com frequência o EuroBicNet, efetuando vários tipos de operações, estando o Sr. AA, gerente da Recorrente, e única pessoa acreditada junto do Banco Recorrido para movimentar a conta através desse canal (EuroBicNet) perfeitamente familiarizada com o EuroBicNet e rotinada em aceder e utilizar o Homebanking do Banco Recorrido.
133. A Recorrente reconheceu que utilizava também o serviço do Homebanking com muita regularidade noutras duas instituições bancárias, estando, por isso, perfeitamente familiarizada com os códigos de autenticação forte e sua finalidade, motivo pelo qual não poderia negligenciar de forma grosseira os sms recebidos, inserindo os respetivos códigos, caso não fosse essa a sua real intenção.
134. Resulta de forma muito clara, do depoimento prestado pela testemunha CC, que foram verificados os IP’s utilizados, tendo a testemunha referido que se tratava de um IP que era utilizado habitualmente pela Recorrente, tendo sido conferidos os LOG’s de início e fim de sessão de acesso ao EuroBicNet pela testemunha CC e que os mesmos coincidiam com os movimentos realizados quer quanto à hora e data.
135. Não tendo logrado a Recorrente fazer a sua prova, os factos vertidos nos artigos 29º, 30º, 32º e 33º da Petição Inicial não poderão transitar para o elenco dos factos provados, devendo manter-se no elenco dos factos não provados, o que se requer.
Isto posto,
Resultou claro e provado, quer da prova documental junta aos autos, quer da prova testemunhal que,
136. O Sr. AA tinha credenciais de acesso pessoais e intransmissíveis para aceder ao EuroBicNet, tendo definido a password de acesso depois de receber a credencial de utilizador que lhe foi facultada pelo Banco;
137. Recorde-se que, nos termos das alíneas a) e c) do ponto 2. das “Condições Gerais de Utilização do BancoBicNet – Empresas”, os utilizadores “São as pessoas singulares que legalmente representam o cliente …” e que “Aos representantes serão atribuídos elementos de identificação e segurança, para seu uso pessoal e exclusivo, necessários para aceder e utilizar o Serviço, conforme definido nas Condições Particulares”.
138. A este propósito, estabelece expressamente a alínea a) do n.º 1 do art. 110º do RJSPME, sob a epígrafe “Obrigações do utilizador de serviços de pagamento associadas aos instrumentos de pagamento”, que o utilizador de serviços de pagamento, in casu a Recorrente, tem como obrigação utilizar o instrumento de pagamento de acordo com as condições que regem a sua emissão e utilização.
139. No caso em apreço, ficou provado que as 38 operações de pagamento foram efetuadas mediante a autenticação forte, através da inserção pela autora de códigos token remetidos pelo Banco Recorrido, por sms, para o número de telemóvel associado ao SAF (Pontos 19., 14. e 44. do elenco dos factos provados), mais tendo ficado perfeitamente adquirido que tais operações provieram de ordens transmitidas a partir de IPs de Portugal, que tinham sido anteriormente utilizados pela Recorrente para acesso ao homebanking da ré (Ponto 21. do elenco dos factos provados) e que o sistema da ré não sofreu qualquer ataque nem esteve sob pressão ou risco (Ponto 53. Do elenco dos factos provados). Factos esses que foram atestados de forma categórica pelas testemunhas CC, EE e DD.
140. A DSP2, transposta pelo Decreto-Lei 91/2018, de 12/11 (RJSPME). atento a sofisticação dos meios de fraude, veio estabelecer o conceito de autenticação forte do utilizador, de forma a conferir a segurança necessária às operações à distância, que “Na prática corresponderá à exigência de indicação de outros elementos além do habitual PIN, por exemplo, o já utilizado sistema de SMS Token, enviando um segundo código por SMS, ou exigindo uma ou mais coordenadas.” (in obra citada, nota 231, pg 50).
141. As operações efetuadas ficaram a dever-se à negligência grosseira da Recorrente, por não atender às evidências descritas anteriormente relativas à suposta sincronização, aliado ao teor muito claro dos sms com os códigos de autenticação forte que foi recebendo no telemóvel associado ao SAF, circunstâncias essas que um cidadão normal, no mesmo contexto e circunstâncias, jamais ignoraria.
142. Neste âmbito, dever-se-á ter presente que o n.º 3 e 4 do art. 115º do RJSPME, dispõe que,
a. O ordenante/utilizador suporta todas as operações de pagamento não autorizadas, se aquelas forem devidas a atuação fraudulenta ou ao incumprimento deliberado de uma ou mais das obrigações previstas no art. 110º (i.e., utilizar o instrumento de pagamento de acordo com as condições que regem a sua emissão e utilização, assim como preservar a segurança das suas credenciais de segurança personalizadas) – n.º 3 do art. 115º;
b. Havendo negligência grosseira do ordenante/utilizador, este suporta as perdas resultantes de operações de pagamento não autorizadas até ao limite do saldo disponível na conta – n.º 4 do art. 115º.
143. No caso sub judice, é patente a negligência grosseira com que validou as 38 (trinta e oito) operações de pagamento, introduzindo os códigos token de autenticação forte que recebeu para confirmar e autorizar todas as operações em questão.
144. A Recorrente apenas validou as operações em questão porque assim o pretendeu, pois em momento algum estranhou ou questionou o facto de ter que validar e introduzir 38 (trinta e oito) operações com os códigos token que recebeu por SMS para validar e confirmar as mesmas.
145. O desleixo e incúria foi tanto, que nem teve a preocupação de, assim que validava cada uma das operações de pagamento, verificar que a conta tinha acabado de ser debitada.
146. Resulta da prova efetuada nos autos e dos depoimentos das testemunhas, DD, CC, que as operações realizadas através do EuroBicNet não foram afetadas por qualquer avaria técnica ou qualquer deficiência, tendo tais operações sido regular e devidamente autenticadas, registadas e contabilizadas.
147. Conforme ficou provado na Decisão recorrida, à data em que foram realizados os 38 (trinta e oito) pagamentos, o Banco já tinha publicados diversos Avisos e Recomendações de Segurança no site do EuroBic, sobre os cuidados a ter com a validação de operações com os códigos token.
148. Sobre a responsabilidade que recai sobre os utilizadores, atento os avisos efetuados pelos Bancos, refere Raquel Lima que “É a existência destes avisos, logo na página inicial do site, que tornará a conduta do titular do IP especialmente censurável. O utilizador é constantemente alertado para os indícios de fraude, de maneira a estar, naturalmente consciente de que os pedidos feitos nestas páginas falsas não são legítimos.” (in “A responsabilidade pela utilização abusiva on-line de instrumentos de pagamento eletrónico na jurisprudência portuguesa”, Revista Eletrónica de Direito, 2016, pg 48).
149. O Tribunal da Relação de Guimarães também decidiu no mesmo sentido, por Douto Acórdão de 12/12/2013, “… apesar da aparência genuína do site, a solicitação dos dígitos do cartão matriz, em si, é muito estranha, dentro do contexto da lógica do sistema de segurança implementado pela ré (…) Assim é de concluir que o comportamento da autora foi negligente, violador das regras de segurança impostas pelo contrato, que foram causa direta da movimentação das suas contas por terceiros.” (in obra citada, nota 223, pg 48).
150. Igual entendimento teve o Tribunal da Relação do Porto, por Douto Aresto de 14/07/2020, ao decidir que “Face ao princípio geral da boa fé, impõe-se, a quem pretende utilizar o home-banking, o dever de guarda dos dados que lhe permitem aceder ao sistema e realizar operações on-line e de preservação da confidencialidade dos mesmos, por forma a evitar a sua apropriação por terceiros, adoptando uma cultura de segurança e rigor, face aos interesses envolvidos.”, referindo de seguida que “Já tratando-se de negligência grave/grosseira ou dolo do utilizador do serviço, terá de ser esse utilizador a arcar com as consequências nefastas para si do desvio ilícito de fundos da sua conta, a ele, portanto, cabendo suportar os prejuízos que decorram de tais operações de pagamento não autorizadas.” e “Sendo que a negligência grosseira constitui uma negligência temerária, qualificada, em que a culpa é agravada pelo elevado teor de imprevisão ou de falta de cuidados elementares, adoptando-se uma conduta de manifesta irreflexão ou ligeireza.”,
151. concluindo o Douto Aresto que “A conduta negligente grave do Autor (v.g., facultando a alguém qualquer dos três níveis de segurança – número de contrato, password e Cartão Matriz) não se pode consubstanciar como um risco inerente à actividade económica do Banco. A não se entender assim, o equilíbrio contratual – inerente ao sinalagma contratual – ficaria seriamente posto em causa, com aceitação duma postura leónica a todos os títulos inaceitável.” (in. www.dgsi.pt, proc n.º 22158/17.0T8PRT.P1).
152. Dos relatórios da SIBS e informação, àquela data, prestada pelo Banco, resultava claro que todas as transações reclamadas foram realizadas mediante a autenticação da A. com o respetivo Utilizador e Password de acesso ao EuroBIC Net, tendo todas as operações em questão sido confirmadas pela Recorrente mediante a posterior inserção dos códigos token (Autenticação Forte) enviados por SMS para o telemóvel identificado pela A., o que, desde logo, afasta a tese peregrina de não ter realizado e validado tais operações.
153. Na alegada mensagem de sincronização, que se encontra junta à PI como Doc. n.º 1, contata-se que a mesma apresenta erros e discrepâncias que não passariam despercebidas a um homem médio, criterioso, diligente e zeloso, (por homem médio, não se entende o puro cidadão comum, mas o modelo de homem que resulta do meio social, cultural e profissional daquele indivíduo concreto). Desde logo,
a. Os dois primeiros parágrafos de mensagem constante do Doc n.º 1 junto à PI são exatamente iguais, pelo que, além da respetiva sintaxe gramatical não ser correta, o que permitiria perceber que não se tratava de uma mensagem fidedigna, proveniente do Banco;
b. Da barra final de tal mensagem consta o ano de 2019, o que seria mais um sinal de alerta quanto à sua falsidade / fraudulência;
c. Seria também de estranhar que esta não conseguisse sair da página, conforme referiu a Autora no depoimento de parte que não conseguia sair do site (esteve aproximadamente 2h30)
d. Simultaneamente a autora estava a receber as SMS com os códigos de Autenticação Forte (Token) indicando claramente a sua finalidade (PAGAMENTO), o valor, entidade e referência
e. E diga-se que a própria Autora também estranhou e desconfiou do pedido de sincronização, tanto estranhou, que tirou uma fotografia do monitor com a imagem do pedido de sincronização (conforme resulta do email junto como Doc. 1 à PI),
f. Tanto mais porque, a própria autora confirmou no Depoimento de Parte que o Banco nunca efetuara uma sincronização, razão pela qual deveria ter sido prudente e ter contactado o Banco, à semelhança do que fez noutras situações em que desconfiou de um email ou mensagem recebida.
154. Ainda que hipoteticamente o Recorrido efetuasse sincronizações com os dispositivos dos clientes – o que não o faz – e tivesse enviado uma mensagem com aquele teor constante do Doc. n.º 1 junto à PI, qualquer homem médio, diligente e zeloso, em idêntica circunstância, não efetuaria a confirmação de uma operação, quanto mais de 38 (trinta e oito) no total…
155. Verifica-se, pois, negligência grosseira por parte da Recorrente, quer ao ceder a terceiros o Utilizador e Password de acesso ao EuroBIC Net, quer ao validar sucessivamente, mediante a inserção dos diversos códigos Token (autenticação forte) que recebera no telemóvel, cada um dos pagamentos ora reclamados.
156. Conforme refere Raquel Lima “A nossa Jurisprudência tem começado por afirmar a obrigação do titular “utilizar esse serviço seguindo as regras de segurança que lhe tenham sido comunicadas pelo Banco e aquelas que, segundo um padrão de normalidade, o comum utilizador da internet sabe que devem ser observadas, nomeadamente a não divulgação dos códigos e passwords de acesso”. Neste sentido, haverá quebra da confidencialidade associada ao homebanking, quando este divulgue, ainda que sem culpa grave, os códigos e dados de acesso.” (in “A responsabilidade pela utilização abusiva on-line de instrumentos de pagamento eletrónico na jurisprudência portuguesa”, Revista Eletrónica de Direito, Outubro 2016, pg 45).
157. Sendo o código pessoal e intransmissível, a Autora, enquanto utilizador de serviços de pagamento violou o disposto no n.º 2 do art. 110º do RJSPME, não tendo salvaguardado a integridade dos seus dispositivos de segurança personalizados,
158. Sendo-lhe imputável a responsabilidade pela autorização das operações em causa, conforme decorre do n.º 3 do art. 115º do RJSPME.
159. Neste sentido, também, apontou o Tribunal da Relação de Lisboa, por Douto Aresto de 06/11/2018, ao decidir que “Esses dispositivos de segurança personalizados têm uma função de autenticação – artigo 2º, al. t) do RSP – permitindo identificar o utilizador e verificar se este é efetivamente o cliente que contratou o serviço de homebanking. Exige-se, por isso, ao utilizador que tome todas as medidas razoáveis em ordem a preservar a eficácia desses dispositivos de segurança personalizados. Esses dispositivos de segurança personalizados visam evitar que terceiros consigam aceder, fraudulentamente, através do sistema, à conta do cliente utilizador do serviço de homebanking, logrando apropriar-se de fundos aí existentes.” (in www.dgsi.pt).
160. nas situações reclamadas, as operações apenas foram realizadas/concluídas porque a Recorrente, inseriu, de forma leviana e imprudente por sua livre e espontânea vontade, os códigos de autenticação forte que recebera no telemóvel indicado e certificado para o efeito.
161. O “prejuízo” que a Recorrente agora vem dizer que incorreu, alegando que não deu autorização para tanto, ficou a dever-se única e exclusivamente à sua imprudência, desleixo e negligência...
162. Não pode o Banco Recorrido ser censurado e condenado por um comportamento que não teve, pois, o sistema de autenticação forte confere, nos termos do RJSPME, a segurança necessária ao utilizador (que sabe que não bastará a introdução do Utilizador e respetiva Password para efetuar uma transação) e ao Banco que, ao ser inserido tal código de autenticação, o utilizador está a confirmar e validar a intenção do utilizador em realizar a operação/transação.
163. Nesse sentido apontou o Tribunal da Relação do Porto, ao decidir por Douto Acórdão de 18/04/2023, (Proc 16900/21.1T8PRT.1) que ”III - A negligência grosseira ocorre quando o grau de reprovação ultrapassar a mera censura que merece a simples imprudência, irreflexão ou o impulso leviano, quando seja alcançado um mais alto grau de desleixo e incúria – decorre da inobservância das mais elementares regras de prudência e da não adoção do esforço e diligência minimamente exigíveis, nas circunstâncias concretas, correspondendo ao erro imperdoável, à desatenção inexplicável e à incúria indesculpável, vistos em confronto com o comportamento do comum das pessoas, mesmo daquelas pouco diligentes.” e que “IV - A negligência grosseira será de afirmar relativamente ao comportamento que nunca por nunca seria adoptado pela generalidade dos utilizadores do serviço de pagamento colocados perante as concretas circunstâncias do agente, pois que a diligência e cuidados exigíveis no caso os levariam a abster-se de o adoptar e/ou prosseguir.”.
Não se tendo verificado qualquer incumprimento contratual ou violação dos dispositivos legais que regem a atividade, não poderá ser imputada ao Banco Recorrido a responsabilidade pelas eventuais perdas sofridas pela Recorrente, Pois, tendo todas as operações reclamadas sido efetuadas mediante a inserção do Utilizador e Password de acesso ao EuroBicNet, validados com Autenticação Forte através da inserção do código token recebidos por SMS para o efeito, fica inequivocamente provado que a responsabilidade é única e exclusivamente da Recorrente, não lhe podendo também ser assacada qualquer indemnização por não estarem reunidos os pressupostos legais para o efeito.
são da única e exclusiva responsabilidade da Recorrente e, por isso, correm por sua conta, as eventuais perdas resultantes de operações de pagamento ora reclamadas, conforme do disposto nos art. 110º e 115ºº do RJSPME, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 91/2018, de 12 de novembro.
*
A 28-03-2025, o recurso foi admitido, como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, o que não foi alterado neste Tribunal.
*
II.
1.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635º, n.º4, 636º e 639º, n.º1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art. 608º, n.º2, parte final,ex vi do art. 663º, n.º2, parte final, ambos do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Tendo isto presente, no caso, atendendo às conclusões transcritas, a intervenção deste Tribunal de recurso é circunscrita às seguintes questões, considerando a sua dependência:
1. Saber se a sentença impugnada padece da nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. c), do CPC;
2. Saber se ocorre erro de julgamento quanto à factualidade identificada pela recorrente;
3. Saber se ocorre erro de julgamento, no que respeita à improcedência do pedido da autora.
*
2.
Na sentença impugnada, foi dada como provada a seguinte factualidade, com referência aos artigos da peça processual onde foi alegada:
1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à exploração e gestão hoteleira e representação de marcas (artigo 1.º da petição inicial, artigo 8.º da contestação).
2. A ré é uma instituição de crédito autorizada a prestar todas as atividades permitidas aos Bancos e registada junto do Banco de Portugal com n.º de registo 79 (artigo 2.º da petição inicial, artigo 8.º da contestação).
3. A autora é cliente da ré, sendo titular da conta de depósitos à ordem (DO) com o número ...001 (artigo 3.º da petição inicial, artigo 8.º da contestação).
4. O gerente da autora AA tem poderes de movimentação da conta DO acima referida (artigo 5.º da petição inicial, artigo 8.º da contestação).
5. Em 28.05.2015 a autora aderiu ao serviço disponibilizado de homebanking, denominado EuroBicNet (artigo 6.º da petição inicial, artigos 4.º e 8.º da contestação).
6. No serviço EuroBicNet, os aderentes, uma vez autenticados, podem efetuar uma série de operações bancárias fora do horário de atendimento da ré, através de uma página na internet ou de uma aplicação no telemóvel (artigo 9.º da petição inicial).
7. Para utilizar o serviço EuroBicNet, a ré forneceu à autora chaves de acesso pessoais e intransmissíveis (artigo 10.º da petição inicial).
8. A autora associou ao serviço EuroBicNet o número de telefone ...821 (artigo 11.º da petição inicial).
9. No dia 14.12.2021 a autora procurou aceder ao serviço de homebanking da ré através do computador existente na unidade hoteleira “The 7 Hotel” (artigo 14.º da petição inicial)
10. Para o efeito, fez login com as credenciais de acesso da autora numa página que aparentava corresponder à do serviço de homebanking da ré (artigo 14.º da petição inicial, alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil).
11. Após o login, foi constatada uma mensagem com o seguinte teor: (artigo 15º da petição inicial).
12. E, de seguida, mensagens com o seguinte teor: (artigo 15º da petição inicial).
13. No telefone móvel acima indicado, foram recebidas, num intervalo de poucos minutos, 38 mensagens sms, com a indicação “EuroBicNet Web Banking”, que continham instruções para introduzir o código ali indicado (38 códigos diferentes) para autorizar o pagamento do valor de € 999,00 ou € 500,00, para a Entidade: 21800, com a referência especificada em cada mensagem (artigo 16.º da petição inicial).
14. As mensagens acima referidas em 13. provieram da ré (artigo 17.º da petição inicial).
15. A autora não pretendia autorizar pagamentos, no valor de € 999,00 ou € 500,00, para a Entidade: 21800, ou qualquer outra (artigo 19.º da petição inicial).
16. A autora inseriu os acima mencionados 38 códigos diferentes na convicção de que desse modo completava o processo de sincronização acima referido em 12. (artigo 20.º da petição inicial).
17. A autora atuou do modo acima descrito na convicção de que os valores indicados nas mensagens sms não se referiam a nenhuma transação efetiva, de que não estava a autorizar qualquer pagamento e de que nenhum valor seria retirado da conta (artigo 21.º da petição inicial).
18. No mencionado dia 14.12.2021, na conta DO titulada pela autora junto da ré foram efetuados 38 movimentos sucessivos, dos quais 28 movimentos no montante de € 999,00 e 10 movimentos no montante de € 500,00, num valor total de € 32.972,00 (artigo 23.º da petição inicial).
19. Todas as mencionadas operações foram autenticadas pela inserção, pela autora, dos códigos de autenticação forte (Token) que foram enviados, por sms, para o telemóvel n.º ...821 (artigos 39.º e 44.º da contestação).
20. A ré executou os movimentos referidos em 18. sem contactar prévia e pessoalmente a autora para confirmar se efetivamente os tinha ordenado e autorizado (artigo 29.º da petição inicial).
21. Os movimentos referidos em 18 foram efetuados através de IP de Portugal já utilizado previamente pela autora noutros acessos ao EuroBic Net (artigos 147.º e 148.º da contestação).
22. Em verificação efetuada a 16.12.2021 no sistema informático da autora foi constatado o seu funcionamento, a existência de antivírus e a ausência de registo de acessos não autorizados (artigo 36.º da petição inicial).
23. No dia 15.12.2021 a autora constatou os movimentos referidos em 18. e entregou no balcão da agência da ré sita na Rua Áurea uma reclamação de transação – fraude dirigida à DCAMP – Unidade de Cartões e Gestão de Fraude, onde identificou todos os movimentos em causa e declarou que não reconhecia, autorizara ou participara nas referidas transações (artigo 42.º da petição inicial).
24. A autora apresentou queixa crime junto da Polícia de Segurança Pública (artigo 43.º da petição inicial).
25. Em 30.12.2021 a autora interpelou a ré para que procedesse ao pagamento do montante de € 32.972,00, correspondente ao valor debitado na conta n.º ...001, titulada pela autora, no prazo máximo de cinco dias úteis (artigo 44.º da petição inicial).
26. A ré remeteu à autora em 06.01.2022 uma comunicação informando que a situação reportada estava a ser analisada (artigo 71.º da contestação).
27. Em 25.01.2022 a ré remeteu à autora comunicação informando que a situação reportada continuava em análise (artigo 72.º da contestação).
28. A ré recusou a devolução à autora da quantia mencionada em 25 (artigo 49.º da petição inicial, artigo 77.º da contestação).
29. Em 28.01.2022 a autora solicitou junto da Caixa Económica Montepio Geral o desconto de livrança no valor de € 50.000,00, pelo que suportou o montante de €1.489,49 relativo a imposto de selo, comissão de processamento, juros e portes (artigo 63.º da petição inicial).
30. A autora recorreu a serviços jurídicos externos para contacto com a ré e com o Banco de Portugal, pelo que pagou a quantia de € 4.391,10 (artigos 66.º e 67.º da petição inicial).
31. O representante legal da autora tem alocado tempo do seu trabalho para obter da ré a devolução da quantia acima mencionada em 25. (artigos 69.º e 70.º da petição inicial).
32. À data da celebração do contrato de abertura de conta, a autora indicou como condição de movimentação a intervenção de um gerente (artigo 6.º da contestação).
33. A partir de 23.12.2021, aquando da comunicação pela autora da alteração da gerência da sociedade, e mediante a entrega da respetiva certidão permanente actualizada, a ré teve conhecimento da alteração da forma de obrigar da autora, passando a vincular-se, em qualquer ato, por qualquer um dos gerentes designados até ao montante de € 25.000,00 (artigo 7.º da contestação).
34. Nesse seguimento, foi a conta da autora junto da ré, atualizada (artigo 7.º da contestação).
35. Pelo menos em 11.05.2022, na página eletrónica da ré (https://www.eurobic.pt/) era possível consultar as seguintes recomendações:
“Verificar que o endereço do site do EuroBic e a página de login do Web Banking EuroBic começam por https:// e têm a imagem de um cadeado fechado.” e “Confirmar sempre o conteúdo das mensagens com códigos de autorização, verificando que correspondem à atividade que está a efetuar no momento.” (artigos 13.º e 14.º da contestação).
36. Pelo menos desde 11.05.2022 a ré disponibiliza recomendações relativamente a proteção do computador e a internet segura em https://www.eurobic.pt/eurobic/recomendacoes-segurancaeurobic-net (na presente data em https://www.eurobicabanca.pt/eurobicabanca/recomendacoes-seguranca eurobic-abanca-net) (artigo 15.º da contestação).
37. Em 2020 a ré alterou a plataforma do EuroBIC Net, tendo procedido à migração automática dos clientes que já tinham aderido ao serviço de web banking para a nova plataforma, que apenas teriam que efetuar novo registo na plataforma e aderir ao acesso multicanal (artigo 17.º da contestação).
38. A autora efetuou o mencionado novo registo e subscreveu digitalmente o acesso ao código multicanal em 16.05.2020 (artigo 17.º da contestação).
39. A nova password multicanal foi definida pela autora após a conclusão dos passos de registo e acesso na nova plataforma (artigo 19.º da contestação).
40. Para a utilização do serviço de homebanking da ré é necessário cada cliente introduzir o seu utilizador e respetiva password (artigo 21.º da contestação).
41. A realização de operações de transferências e de pagamentos no sistema de homebanking depende de autenticação forte (artigo 22.º da contestação).
42. O sistema de autenticação forte (SAF) consiste na certificação e associação, pelo cliente, de um número de telemóvel (artigo 23.º da contestação).
43. O SAF gera um código único e válido por 60 segundos enviado por SMS para o número de telemóvel que o cliente tenha expressamente indicado para validar qualquer transação/operação, sempre que solicitado pelo banco (artigos 24.º e 28.º da contestação).
44. Em 14.12.2021 a autora tinha associado ao SAF o número de telemóvel ...821 (artigo 25.º da contestação).
45. Aquando da adesão ao serviço EuroBIC Net, a autora identificou, nas Condições Particulares, como representante legal para utilizar o serviço o gerente AA (artigo 26.º da contestação).
46. No dia 15.12.2021 BB remeteu ao gerente da agência da ré da Rua do Ouro uma mensagem de correio eletrónico com a seguinte assinatura: (artigo 32º da contestação).
47. No dia 15.12.2021 o gerente da autora AA solicitou e subscreveu presencialmente na agência da ré da Rua do Ouro a alteração do número de telemóvel associado ao SAF, indicando como novo número ...709, por substituição do anterior número ...821 (artigo 34.º da contestação).
48. A ré disponibiliza na página de acesso ao EuroBic Net as seguintes mensagens:
“Todas as transações são protegidas por um segundo fator de autenticação por SMS. Caso receba um código por SMS leia com atenção o texto do mesmo para avaliar se corresponde à transação que está a fazer. Caso não esteja correto ou caso não esteja a fazer nenhuma transação informe de imediato o EuroBic através do número ...444*.” e “O EuroBic nunca envia códigos por SMS (SMS token) com mensagens aleatórias que não identifiquem a transação e montante associados.” (artigo 42.º da contestação).
49. A ré publica avisos de segurança na página de acesso ao EuroBic Net, estando em 08.07.2021 publicado o seguinte: “Aviso de Segurança: Alertamos para o facto de vários Bancos estarem a ser alvo de campanhas de phishing. Tenha em atenção as nossas recomendações de segurança e leia sempre os SMS de envio de códigos token de forma a garantir que está a autorizar operações que efetivamente iniciou nos canais à distância.” (artigo 43.º da contestação).
50. A ré publicou no seu site um alerta de fraude, dirigido aos seus clientes, tendo utilizado como exemplo de fraude a evitar pelos clientes as mensagens recebidas pela autora (artigo 50.º da petição inicial).
51. Entre Maio de 2020 até 14.12.2021 a autora efetuou 134 operações através do EuroBIC Net, entre as quais transferências e pagamentos, tendo realizado, desde a adesão ao EuroBIC Net até à 15.12.2021 um total de 946 operações (artigo 58.º da contestação).
52. A autora efetuou em 05.11.2021 junto da ré desconto de livrança no valor de € 30.000,00 destinada a apoio à tesouraria (artigo 97.º da contestação).
53. Em 14.12.2021 o EuroBIC Net não sofreu qualquer ataque (artigo 151.º da contestação).
*
Na decisão recorrida, foi dado como não provado que:
A. O número de telefone ...821 pertencesse ao gerente da autora AA (artigo 11.º da petição inicial).
B. O acesso ao EuroBicNet fosse efetuado unicamente pelo representante legal da autora (artigo 12.º da petição inicial).
C. O legal representante da autora fosse a única pessoa possuidora das credenciais de acesso ao EuroBicNet (artigo 12.º da petição inicial).
D. O legal representante da autora nunca tenha permitido o acesso ou cedido as credenciais a terceiros (artigo 13.º da petição inicial).
E. O acesso acima mencionado em 9. tenha sido efetuado pelo legal representante da autora (artigo 14.º da petição inicial).
F. A autora tenha disponibilizado a BB, funcionária no seu departamento financeiro, as credenciais de acesso ao serviço de homebanking da ré (artigo 31.º da contestação).
G. As instruções de pagamento associadas aos movimentos acima indicados em 18. tenham sido ordenadas a partir de dispositivo com endereço de IP e localização geográfica diferentes dos ligados a dispositivos habitualmente utilizados pela autora (artigo 31.º da petição inicial).
H. Não houvesse qualquer aviso prévio sobre eventual possibilidade de fraude associada aos canais de homebanking da ré (artigo 35.º da petição inicial).
I. Em 23.11.2021 e em 06.01.2022 a ré tivesse publicado na página de acesso ao EuroBic Net o seguinte: “Aviso de Segurança – Tenha em atenção as nossas recomendações de segurança e lembre-se: • Leia sempre os SMS de envio dos códigos token de forma a garantir que está a autorizar operações que efetivamente iniciou nos canais à distância. • Nunca pesquise o site do EuroBic nos motores de busca (Ex: Google, Bing) para aceder ao seu Web Banking. Digite sempre diretamente o url www.eurobic.pt e verifique se este se inicia por https://” (artigos 43.º e 79.º da contestação).
J. A autora não tenha sido informada pela ré sobre os riscos associados à utilização do serviço de homebanking e sobre a conduta a adotar em casos desta natureza (artigo 38.º da petição inicial).
K. No dia 17.01.2022 a autora tenha endereçado reclamação aos departamentos de Supervisão Comportamental e de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal (artigo 47.º da petição inicial).
L. A autora tenha descontado a livrança e suportado a quantia mencionada em 27. porque a ré recusou a restituição da quantia mencionada em 23 (artigo 64.º da petição inicial).
M. O legal representante da autora tenha alocado 45 horas do seu trabalho ao mencionado em 31 (artigo 70.º da petição inicial).
N. O valor de uma hora de trabalho do legal representante da autora seja de € 200,00 (artigo 71.º da petição inicial).
O. Aquando da adesão ao serviço homebanking da ré foram prestados esclarecimentos à autora, na pessoa do seu representante legal AA, quer sobre as condições gerais do serviço, quer sobre o funcionamento do Web Banking, cuidados a ter no acesso e seu funcionamento, inclusivamente quanto à necessidade de ter e manter atualizado um programa antivírus e/ou anti-malware (artigo 4.º da contestação).
*
3.
Conhecendo da primeira questão acima enunciada, importa referir que a sentença – e, por força do disposto no art. 613º, n.º3, do CPC, os despachos judiciais – pode padecer de duas causas distintas de vícios: por conter erro no julgamento dos factos e do direito – o denominado error in judicando –, tendo, como consequência, a sua revogação pelo tribunal superior; por sofrer de um erro na sua elaboração e estruturação ou por o decisor ter ficado aquém ou ter ido além do que lhe cabia decidir (thema decidendum), sendo a consequência a nulidade, conforme previsto no art. 615º do CPC. Nas primeiras situações referidas, ocorrem vícios do acto de julgamento; nas segundas situações mencionadas, verificam-se vícios formais, externos ao acto de julgamento propriamente dito, antes relacionados com a sua exteriorização ou com os seus limites.
Uma das causas de nulidade da sentença ocorre quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (art. 615º, n.º1, al. c), do CPC).
A nulidade em referência abrange as situações em que ocorre incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, isto é, quando a fundamentação indica sentido que contradiz o resultado, o que se distingue de eventual erro de julgamento, em que se decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que impõe uma solução jurídica diferente.
O vício mencionado demanda um erro de raciocínio lógico, em que a decisão corresponde a um resultado contrário ao que os seus fundamentos de direito impõem (cf., no mesmo sentido, a título de exemplo o Ac. STJ de 14-04-2021, processo n.º 3167/17.5T8LSB.L1.S1, acessível em dgsi.pt. Veja-se, também: Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, 3ª ed., 2024, Livraria Almedina, p. 793, nota 11; Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 670).
O vício verifica-se quando exista contradição entre o raciocínio expresso pelo juiz na fundamentação da decisão, mas já não quando “o antagonismo interceda entre o elenco de factos provados propriamente ditos e a decisão, já que, sendo aqueles factos o terreno de apreciação do caso à luz do direito aplicável, qualquer incompatibilidade entre a sua significância jurídica e a apreciação efetiva que o juiz faça deles envolve erro de julgamento” (ac. desta Secção de 20-06-2024, processo n.º 11433/21.9T8LSB.L1).
A sentença será obscura quando contenha algum segmento cujo sentido seja ininteligível, indecifrável, e ambígua se alguma parte permita interpretações diferentes, assim comprometendo a sua inteligibilidade (cf., no mesmo sentido, a título de exemplo o Ac. STJ de 09-03-2022, processo n.º 4345/12.9TCLRS-A.L1.S1, acessível em dgsi.pt. Veja-se, também, Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa, obra citada, p. 793, nota 11).
Revertendo ao caso dos autos, constata-se que a recorrente argui a nulidade da sentença impugnada por nela existir oposição entre a fundamentação nela constante e a decisão que na mesma se assume, convocando, para o efeito, certamente por lapso, o art. 668º, n.º1, al. c), do CPC (inexistente), pretendendo, certamente, referir-se ao art. 615º, n.º1, al. c), do CPC, onde tal vício se mostra previsto (conclusão 8).
A oposição apontada consubstancia-se na existência de uma incoerência entre os meios de prova que identifica (documentos n.º 14 e 2 juntos com a contestação, declarações de parte do representante da autora), a factualidade dada como provada nos pontos 15, 16 e 17, a fundamentação apresentada na decisão impugnada a seu propósito e a resposta nela dada ao enunciado de facto constante do ponto 21 da matéria provada (cf. conclusão 7).
A argumentação apresentada pela recorrente reconduz-se, numa parte, na invocação de que os meios de prova que identifica evidenciam factualidade distinta da dada como provada no aludido ponto 21, que tem o seguinte teor: “Os movimentos referidos em 18. foram efetuados através de IP de Portugal já utilizado previamente pela autora noutros acessos ao EuroBic Net”.
A argumentação em referência reconduz-se à convocação de erro na valoração de meios de prova o que não se reconduz ao vício em apreço, mas antes a erro de julgamento, que constitui fundamento de impugnação da matéria de facto (art. 640º do CPC).
Noutra parte, a recorrente funda a contradição apontada à decisão recorrida em os factos dados como provados nos pontos 15, 16 e 17 e a fundamentação aduzida a seu propósito serem opostos, antagónicos, em relação à matéria vertida no ponto 21.
Os pontos da matéria de facto invocados pela recorrente têm o seguinte teor:
15. A autora não pretendia autorizar pagamentos, no valor de € 999,00 ou € 500,00, para a Entidade: 21800, ou qualquer outra.
16. A autora inseriu os acima mencionados 38 códigos diferentes na convicção de que desse modo completava o processo de sincronização acima referido em 12.
17. A autora actuou do modo acima descrito na convicção de que os valores indicados nas mensagens sms não se referiam a nenhuma transacção efetiva, de que não estava a autorizar qualquer pagamento e de que nenhum valor seria retirado da conta.
21. Os movimentos referidos em 18. foram efetuados através de IP de Portugal já utilizado previamente pela autora noutros acessos ao EuroBic Net.
Na decisão recorrida encontra-se a seguinte fundamentação, no que respeita à matéria de facto acabada de elencar:
“Ficou adquirido que os 38 movimentos aqui em causa foram ordenados sem que a autora pretendesse efetivamente ver-se desapossada daquelas quantias (15., 16., e 17.) atendendo ao já mencionado depoimento da testemunha BB e às declarações do legal representante da autora. Com efeito, embora tal depoimento e declarações não tenham merecido credibilidade quanto ao acesso e utilização do serviço de homebanking da ré, nos termos já expostos, foram valorados positivamente quanto ao logro em que viram a autora envolvida: o embaraço e constrangimento pareceram genuínos, convencendo o tribunal de que não existiu, na verdade, intenção de ordenar as ditas operações de pagamento”.
Considerando o teor, quer dos enunciados de facto vertidos nos pontos 15, 16 e 17, quer da fundamentação de decisão quanto aos mesmos, não se alcança qualquer incompatibilidade entre si e a factualidade vertida no ponto 21 da matéria provada, designadamente a apontada pela recorrente, no sentido de tais elementos apontarem logicamente para factualidade oposta à assumida como demonstrada no ponto 21.
Face ao referido, entende-se que a sentença recorrida não padece da nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. c), do CPC, arguida pela recorrente.
*
4.
Passando ao conhecimento da segunda questão acima elencada.
Sobre a modificabilidade da decisão de facto pela Relação, refere-se, no acórdão do TRG de 09-11-2023, processo n.º 2984/22.9T8GMR.G1 (acessível em dgsi.pt), nos termos seguintes:
“Mais se lê, no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspetos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (art.ºs 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CC), ou quando exista acordo das partes (art.º 574.º, n.º 2, do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art.º 358.º, do CC, e art.ºs 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos art.ºs 351.º e 393.º, ambos do CC).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
(…)
Lê-se no n.º 2, als. a) e b), do art.º 662.º, do CPC, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O atual art.º 662.º representa uma clara evolução [face ao art.º 712.º do anterior CPC] no sentido que já antes se anunciava. Através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua atuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos fatores de imediação e da oralidade.
Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607.º, n.º 5) ou da aquisição processual (art. 413.º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efetiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, págs. 29 e segs.).
(…)
Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detetar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento» (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para delimitar o objeto do recurso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art.º 640.º, n.º 1, do CPC, que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a), do n.º 2, do art.º 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c), do n.º 1, do art.º 640.º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto «decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efetividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional (art.º 205.º, n.º 1, da CRP) e processual civil (art.ºs 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respetiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo n.º 3785/11.5TBVFR.P1).
Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objetivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655).
«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325).
«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respetiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 591, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao ato jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, setembro de 2013, pág. 281).
É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 595, com bold apócrifo).
Compreende-se que assim seja, isto é, que a «censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não» possa «assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão» (Ac. do TC n.º 198/2004, de 24 de março de 2004, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, reproduzindo Ac. da RC, sem outra identificação).
De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Contudo (e tal como se referiu supra), mantendo-se em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, precisa-se ainda que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 609).
Assim definidos os termos de apreciação do recurso sobre a matéria de facto, tendo o recorrente observado o disposto no art. 640º, n.º1, do CPC, importa referir que os tribunais não lidam só com realidades inequívocas ou que não suscitam controvérsia. De ordinário, lidam com a dúvida e com realidades esbatidas e discutidas. E é aqui que intervêm a sensibilidade, a experiência e o bom senso do julgador.
Como referido no acórdão do TRG de 07-12-2023 (processo n.º 573/20.1T8CHV.G1, acessível em dgsi.pt) o “nosso sistema processual é enformado pelo princípio da prova livre, nos termos do qual o tribunal aprecia livremente os meios de prova e é livre na atribuição do grau do valor probatório de cada um deles. Isto não significa o arbítrio, posto que a apreciação da prova está sempre vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório. Por outras palavras – as de Paulo Saragoça da Matta (“A Livre Apreciação da Prova”, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos fundamentais, Coimbra: Almedina, 2004, p. 254) –, “a liberdade concedida ao julgador (…) não visa criar um poder arbitrário e incontrolável, mas antes um poder que na sua essência, estrutura e exercício se terá de configurar como um dever, justificado e comunicacional.” Para que o exercício de tal poder seja justificado e comunicacional é pressuposto que todo o caminho da prova, desde a sua admissão ou decisão de recolha até à sua valoração, seja suscetível de autocontrolo por parte do julgador e de controlo por parte da comunidade, incluindo os próprios sujeitos prejudicados com a atividade probatória em questão.
É esta necessidade que explica o disposto no art. 607º, n.º4, do CPC que, por imposição constitucional (art. 205º, n.º1, da CRP), diz que “[n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Perante o referido princípio da livre apreciação da prova, o tribunal tem liberdade para, em cada caso, considerar suficiente a prova produzida ou para considerar que a mesma é afinal insuficiente e exigir outro meio de prova de maior valor probatório no sentido de ficar convencido da verdade do facto em discussão”.
Os segmentos decisórios que a recorrente impugna respeitam aos seguintes pontos:
1. Ponto 13 da matéria de facto provada, no sentido de passar a ter o seguinte teor: No telefone móvel acima indicado, foram recebidas, a partir das 09h51 e ao longo de mais de duas horas, 38 mensagens sms, com a indicação “EuroBicNet Web Banking”, que continham instruções para introduzir o código ali indicado (38 códigos diferentes) para autorizar o pagamento do valor de € 999,00 ou € 500,00, para a Entidade: 21800, com a referência especificada em cada mensagem.
2. Ponto 21 da matéria de facto provada, no sentido de passar a constar dos factos não provados;
3. Ponto G da matéria de facto dada como não provada, no sentido de passar a constar dos factos provados;
4. Ponto 51 da matéria de facto provada, no sentido de passar a constar dos factos não provados;
5. Ponto 53 da matéria de facto provada, no sentido de passar a constar dos factos não provados;
6. Ponto A da matéria de facto dada como não provada, no sentido de passar a constar dos factos provados;
7. Ponto E da matéria de facto dada como não provada, no sentido de passar a constar dos factos provados;
8. Ponto K da matéria de facto dada como não provada, no sentido de passar a constar dos factos provados;
9. Ponto L da matéria de facto dada como não provada, no sentido de passar a constar dos factos provados.
A recorrente, também pretende que sejam dados como provados os seguintes factos, que tem como pertinentes para a apreciação da causa, não referidos na decisão impugnada:
a. A autora não ordenou, fosse através do serviço de netbanking da Recorrida, fosse por qualquer outro meio, pagamentos no valor de EUR 999,00 ou EUR 500,00, em benefício da entidade com a referência 21800 (facto que a recorrente refere ter alegado no art. 18º da petição inicial);
b. A autora e o seu representante legal nunca suspeitaram de que o serviço de netbanking da Ré poderia não ser seguro ou que pudesse conter mensagens que não fossem da autoria da Ré, pelo que procederam à solicitada sincronização convencidos de que se tratava de uma solicitação feita pela Ré (facto que a recorrente refere ter alegado no art. 22º da petição inicial);
c. A autora nunca efetuou qualquer pagamento a favor da entidade com o número 21800 (facto que a recorrente refere ter alegado nos arts. 29º, 30º, 32º e 33º da petição inicial);
d. Na conta bancária mantida junto da ré, a autora nunca efetuou operações de pagamento sucessivas, em número elevado e num curto espaço de tempo, a favor da mesma entidade (facto que a recorrente refere ter alegado nos arts. 29º, 30º, 32º e 33º da petição inicial);
e. O Departamento de Supervisão Comportamental e Departamento de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal remeteu à Autora ofício datado de 15 de dezembro de 2023, com o seguinte teor:
Assunto: Reclamação relativa a BAN CO BIC PORTUGUÊS, SA N/ ref.ª RCO/2022/000505
Exmo(a). Senhor(a),
A reclamação apresentada por V. Exa. indicia que a entidade reclamada terá infringido normas que regulam a sua atividade.
Em consequência, o Banco de Portugal deu início aos procedimentos legais de averiguação com vista a eventual ação sancionatória, o que encerra o processo de reclamação.
Com os melhores cumprimentos,
Banco de Portugal
Por delegação» (facto que a recorrente refere ter alegado no articulado superveniente junto a 01-02-2024 e admitido por despacho de 05-02-2024).
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- Ponto 13 da matéria de facto provada:
O ponto 13 da matéria de facto provada tem o seguinte teor: “No telefone móvel acima indicado, foram recebidas, num intervalo de poucos minutos, 38 mensagens sms, com a indicação “EuroBicNet Web Banking”, que continham instruções para introduzir o código ali indicado (38 códigos diferentes) para autorizar o pagamento do valor de € 999,00 ou € 500,00, para a Entidade: 21800, com a referência especificada em cada mensagem.”
No que respeita ao ponto da matéria de facto provada acima identificado, colhe-se a seguinte fundamentação da decisão recorrida:
“Quanto à sucessão de sms recebidos descrita em 13, o tribunal atentou no depoimento e nas declarações de parte já acima mencionadas, bem como no documento n.º 2 junto com a petição inicial”.
A recorrente pretende a substituição da expressão “num intervalo de poucos minutos” pela expressão “a partir das 09h51 e ao longo de mais de duas horas”, alegando que tal se mostra evidenciado pelo documento n.º 2 junto com a petição inicial, conjugado com as declarações de parte prestadas pelo representante legal da autora, AA (no segmento que identifica) e com o depoimento da testemunha GG (no segmento que identifica).
Importa reter que a matéria de facto constante do ponto 13 corresponde à alegada no art. 16º da petição inicial, que foi aceite como verdadeira pela ré no art. 68º da contestação.
A matéria em referência mostra-se, face ao referido, assente nos autos por força do disposto no art. 574º, n.º2, do CPC, e, como tal, provada, pelo que não necessitava de ser objecto de prova (art. 410º do CPC).
Tratando-se de matéria de facto provada, conclui-se pela improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto, no que a ela respeita.
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- Ponto 21 da matéria de facto provada:
O ponto 21 da matéria de facto provada, que a recorrente pretende que seja tido como não provada, tem o seguinte teor: “Os movimentos referidos em 18. foram efetuados através de IP de Portugal já utilizado previamente pela autora noutros acessos ao EuroBic Net”.
Na decisão impugnada consta a seguinte fundamentação quanto à matéria de facto referida:
“A demonstração do vertido no n.º 21 decorre da apreciação do documento n.º 14 junto com a contestação, valorado conjuntamente com o depoimento da testemunha CC, funcionário da ré que de forma serena e perentória explicou a origem do documento, não suscitando assim dúvidas ao tribunal quanto à sua fidedignidade.”
Entende a recorrente que o documento n.º 14 junto com a contestação, invocado na decisão recorrida, é de reduzido ou nenhum valor probatório, posto que se desconhece as condições em que foi elaborado, por quem ou com que metodologia, no que tange à matéria em menção.
A recorrente também alega que a testemunha CC, única que se reportou ao aludido documento, como pela mesma referido, não dispõe de conhecimentos que lhe permitam esclarecer o tipo de análise realizada pela equipa de informática da ré.
Mais alega a recorrente que o documento referido não se coaduna com o teor do documento n.º 2 junto com a petição inicial, referente às mensagens sms em que a requerente recebeu os códigos de autorização das operações nelas mencionadas, referidos no ponto 13 da matéria de facto provada.
Ao invés do alegado pela recorrente, a testemunha CC (cujo depoimento se ouviu integralmente) não evidenciou não dispor de conhecimentos que lhe permitissem apurar a análise realizada pela equipa de informática da ré. A testemunha referiu, a propósito do aludido documento, que tal análise foi realizada pelo Departamento de Segurança e Informação da Ré e respeitou ao IP utilizado para realização do login do utilizador do serviço de homebanking, zona de origem, browser utilizado, data e hora dos logs, além do mais.
Por outro lado, a testemunha referiu ser técnico na Direcção de Canais Alternativos e Meios de Pagamento da ré desde 2015, sendo que, à data dos factos em apreço, tratava das reclamações dos clientes, incluindo do tipo da realizada pela autora, e pedia análise aos serviços de informática e de cibersegurança da ré relativa às transacções em causa, como procedeu no caso da autora.
A testemunha também referiu que, com base na informação obtida pelos aludidos serviços, analisava as reclamações dos clientes, como sucedeu no caso em referência.
A testemunha referiu igualmente que, da informação obtida pelos aludidos serviços resultava que as transacções realizadas na conta da autora tinham sido autenticadas com os códigos fornecidos pela ré por sms e que o IP utilizado para a entrada no serviço homebanking e autorização das operações correspondia a um IP de Portugal usado habitualmente pela autora, não sendo, por isso, suspeito.
A testemunha evidenciou ainda saber interpretar as informações que lhe foram dadas bem como o documento n.º 14 junto com a contestação, que referiu ter-lhe sido fornecido pelos serviços da ré a propósito das transacções indicadas pela autora, onde se alcançam, além do mais, as datas e horas de entrada no serviço de homebanking, o IP utilizado e o usuário ou identificação do cliente.
De tal documento resulta que o IP utilizado para acesso ao serviço de homebanking pela autora na data referida é o mais utilizado no período a que tal documento respeita, que medeia entre 15-11-2021 e 15-12-2021, e corresponde a 62.28.207.198, de Portugal, em sintonia com o afirmado pela testemunha.
Importa, porém reter que o documento n.º 14 junto com a contestação, a que a testemunha se reportou como evidência de que o IP utilizado para entrada no serviço homebanking e autorização das operações correspondia a um IP usado habitualmente pela autora, identifica, na data de 14-12-2021 (que corresponde à data das operações em referência nos autos), dois acessos ao homebanking da ré, por parte da autora, às 11H05 e 11H06.
As horas de acesso referidas não se coadunam com o teor do documento n.º 2 junto com a petição inicial, referente às mensagens sms com os códigos de autorização, onde se evidencia que as mesmas foram emitidas pela ré e recebidas no telemóvel indicado pela autora, pelo menos, a partir das 09H51 da mesma data (o que se mostra corroborado pelo representante legal da autora, em sede de depoimento de parte prestado em audiência final, cuja audição integral se efectuou), o que aponta para que o acesso ao serviço de homebanking para as ordenar tenha ocorrido em hora anterior próxima, e não às 11H05 e 11H06, o que não consta registado no documento n.º 14 junto com a contestação.
Considerando critérios de normalidade, o desfasamento apontado mitiga a força do aludido documento n.º 14 junto com a contestação para evidenciar a matéria de facto em análise.
Não obstante o referido, importa atentar em que a testemunha CC reportou que a informação obtida dos serviços internos da ré, referente às operações realizadas a 14-12-2021 na conta da ré, que se analisam nos autos, foi no sentido de que o IP utilizado para a entrada no serviço homebanking e autorização das operações correspondia a um IP usado habitualmente pela autora, não sendo, por isso, suspeito, sendo o aludido documento n.º 14 um elemento elaborado após as averiguações efectuadas. Por outras palavras, as informações obtidas pela aludida testemunha respeitavam aos elementos obtidos nas aludidas averiguações e não no mencionado documento e que este foi elaborado com base em tais informações.
Como acima se referiu, a testemunha evidenciou capacidade para interpretar a informação que lhe foi transmitida pelos serviços da ré, tendo afirmado a ocorrência da matéria de facto vertida no ponto 21, o que tem correspondência com o documento n.º 14 junto com a contestação, ainda que o seu teor imponha reservas na sua valoração, como se aludiu.
Do depoimento da aludida testemunha não se colhe qualquer motivo que coloque em causa a sua credibilidade.
Entende-se, face ao referido, que os elementos de prova mencionados evidenciam, com segurança, a matéria de facto em apreço, ao invés do defendido pela recorrente.
Conclui-se, assim, pela improcedência da impugnação no que tange ao segmento ora apreciado.
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- Ponto G da matéria de facto dada como não provada:
O ponto G da matéria de facto não provada constante da sentença impugnada, que a recorrente pretende ver transitada para a matéria de facto dada como provada, tem o seguinte teor:
“As instruções de pagamento associadas aos movimentos acima indicados em 18 foram ordenadas a partir de dispositivo com endereço de IP e localização geográfica diferentes dos ligados a dispositivos habitualmente utilizados pela autora.”
Da sentença recorrida colhe-se, no que tange a segmento referido, a seguinte fundamentação:
“No que respeita ao vertido em G., além da ausência de prova, pela autora, do alegado, considerou-se ainda o já mencionado documento n.º 14 junto com a contestação.”
A recorrente alicerça a impugnação, no que ao segmento referido respeita, no alegado para sustentar a impugnação do segmento de facto constante do ponto 21, designadamente, os documentos n.º 14 junto com a contestação e o documento n.º 2 junto com a petição inicial.
Considerando o acima afirmado a propósito da impugnação da decisão da matéria de facto referida no ponto 21 do acervo provado, resulta a improcedência da impugnação no segmento ora em apreço, posto que se tem por evidenciado que os movimentos em causa foram efetuados através de IP de Portugal já utilizado previamente pela autora noutros acessos ao EuroBic Net.
Ainda que assim se não entendesse, sempre a impugnação, no que concerne ao segmento constante do ponto G do acervo não provado haveria de improceder, posto que os meios de prova convocados pela recorrente não se mostram evidenciadores da matéria de facto em causa.
Na verdade, por um lado, o documento n.º 2 junto com a petição inicial é omisso no que respeita à identificação de IP´s e, por outro lado, o documento n.º 14 junto com a contestação aponta, como se referiu, para que o IP utilizado para acesso ao serviço de home banking pela autora na data de 14-12-2021 era o mais utilizado no período a que tal documento respeita, que medeia entre 15-11-2021 e 15-12-2021, e corresponde a 62.28.207.198, de Portugal. Este último documento aponta, pois, para a ocorrência de factualidade distinta da que a recorrente pretende que seja tida como pelo mesmo demonstrada.
Acresce que o depoimento da testemunha CC, também convocado pela recorrente por referência para o alegado em sede de impugnação a propósito do ponto 21, foi prestado no sentido de que o IP utilizado para a entrada no serviço homebanking e autorização das operações em causa correspondia a um IP de Portugal usado habitualmente pela autora, dele não resultando qualquer reporte à factualidade que a mesma pretende ver tida como demonstrada.
Conclui-se, assim, pela improcedência da impugnação no que tange ao segmento ora apreciado.
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- Ponto 51 da matéria provada:
O ponto 51 da matéria de facto provada, que a recorrente pretende que seja tido como não provada, tem o seguinte teor:
“Entre Maio de 2020 até 14.12.2021 a autora efetuou 134 operações através do EuroBIC Net, entre as quais transferências e pagamentos, tendo realizado, desde a adesão ao EuroBIC Net até à 15.12.2021 um total de 946 operações.”
Na decisão impugnada consta a seguinte fundamentação quanto à matéria de facto referida:
“A consideração do descrito no n.º 51 resultou da apreciação conjugada do documento n.º 9 junto com a contestação e do depoimento da testemunha CC. Pese embora o mencionado documento, produzido internamente pela ré, consista em meras tabelas desprovidas de identificação ou elementos que permitam, por si só, aferir da respetiva credibilidade, a ponderação conjunta do documento com o mencionado depoimento, espontâneo, escorreito e detalhado, aliada à consideração das regras da experiência e ao número de meses e anos de utilização permitiram considerar demonstrado o alegado.”
Alega a recorrente que o documento n.º 9 junto com a contestação, invocado na sentença recorrida, não é idóneo a evidenciar a matéria vertida no ponto 51 do acervo provado, o mesmo se verificando com o depoimento da testemunha CC, que demonstrou não dispor de razão de ciência quanto ao número de operações realizadas pela recorrente em home banking.
A recorrente alega, ainda, que as declarações de parte do seu representante legal, AA, e o depoimento da testemunha BB, sua trabalhadora, apontam para uma utilização do serviço home banking da ré, por parte da recorrente, com pouca frequência.
O documento n.º 9 junto com a contestação não permite identificar a entidade a que o mesmo se reporta, designadamente, se à autora, nem o período a que respeita, o que compromete sobremaneira a sua utilidade probatória.
Por outro lado, do depoimento da testemunha CC resulta que a mesma reportou que, após verificação nos registos informáticos da ré, constatou a utilização, pela autora, do serviço de homebanking daquela com regularidade, apontando para centenas de operações realizadas desde a sua adesão até à data das operações em referência nos autos, 14-12-2021, evidenciando, pois, razão de ciência.
O afirmado pela aludida testemunha foi corroborado pela testemunha EE (cujo depoimento se ouviu integralmente), gerente da dependência da ré na Rua do Ouro, em Lisboa, em cujas funções tinha contacto com a autora, que referiu que, na data das operações mencionadas, a mesma já havia realizado muitas operações com recurso ao SAF no site da ré, estando, pois, dotado de razão de ciência.
O depoimento da testemunha BB (cujo depoimento se ouviu integralmente), trabalhadora da autora como assistente de direcção, que labora directamente com o seu gerente AA, foi prestado no sentido de a autora utilizar o serviço de homebanking da ré regularmente, todos os meses.
Já das declarações de parte prestadas pelo representante legal da autora, AA (que se ouviram integralmente), resulta que o mesmo, nessa qualidade, utilizava os aludidos serviços desde 2015.
Considerando os elementos de prova pessoal referidos e a sua coerência entre si, tem-se por evidenciada, de modo seguro, apelando a critérios de normalidade, a utilização dos serviços de homebanking da ré, por parte da autora, desde 2015 até 14-12-2021, incluindo transferências e pagamentos, pelo menos uma vez por mês, entendendo-se como não demonstrada a demais matéria vertida no ponto 51 do acervo factual provado.
A factualidade tida como demonstrada ajusta-se a critérios de normalidade, que apontam, com segurança, para a utilização dos serviços mencionados por uma sociedade comercial como a autora com periodicidade não inferior a mensal.
Assim, julga-se a impugnação de facto, no que tange ao segmento ora apreciado, parcialmente procedente, alterando-se a redacção do ponto 51 do acervo provado para os seguintes termos:
51. A autora, desde 2015 até 14-12-2021, utilizou os serviços de homebanking da ré, pelo menos uma vez por mês, incluindo para realizar transferências e pagamentos.
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- Ponto 53 da matéria de facto provada.
O ponto 53 da matéria de facto provada, que a recorrente pretende que seja tido como não provada, tem o seguinte teor:
“Em 14.12.2021 o EuroBIC Net não sofreu qualquer ataque.”
Na decisão impugnada consta a seguinte fundamentação quanto à matéria de facto referida:
“(…) o teor do n.º 53. ficou adquirido nos autos pela apreciação conjugada dos depoimentos das testemunhas DD – já mencionado trabalhador da ré que, à data, exercia funções na área de melhoria contínua e receção e tratamento de reclamações – e DD, responsável de segurança da informação da ré. Ambos descreveram, de forma assertiva, espontânea e detalhada, as análises técnicas efetuadas aos sistemas da ré na sequência da reclamação apresentada pela autora, afiançando, nessa sequência, a inviolabilidade do sistema da ré na data em causa.”
Alega a recorrente que de depoimento da testemunha DD resulta que a mesma, ainda que, no início tenha afirmado a inviolabilidade do sistema informático da ré, acabou por reconhecer que tal não ocorria, identificando as passagens que tem por pertinentes.
A recorrente convoca, ainda, o depoimento da testemunha FF, nos segmentos que refere, para sustentar o afastamento do juízo probatório assumido na decisão impugnada.
A recorrente também invoca que o depoimento da testemunha CC não constitui evidência da matéria de facto em referência, posto que demonstrou não ter conhecimento técnico sobre a mesma.
Para sustento da impugnação, a recorrente convoca, ainda, o documento n.º 14 junto com a contestação (conjugado com o documento n.º 2 junto com a petição inicial), alegando que o mesmo evidencia que o sistema informático da ré não registou (ou a ré omitiu) os acessos ao serviço de homebanking que deram origem às operações em referência nos autos.
É certo que, como alegado pela recorrente, do depoimento da testemunha DD (que se ouviu integralmente) resulta que o mesmo afirmou não poder assegurar a inviolabilidade do sistema informático ou de um computador da ré a um acesso indevido, reconhecendo que os atacantes estão sempre à frente dos atacados, ou seja, admitindo uma possibilidade muito reduzida de tal se verificar.
Importa, porém, atentar em que a mesma testemunha também afirmou que uma situação como a referida seria detectada pelo sistema informático da ré.
A mesma testemunha também afirmou que, na sequência da comunicação da autora referente às operações em referência nos autos, os serviços da ré, que dirige, atinentes a cibersegurança e protecção de informação, procederam à averiguação no sistema informático da ré e não encontraram qualquer registo que aponte para um acesso indevido.
Assim, ao invés do defendido pela ré, o depoimento em menção aponta, com credibilidade, para a ocorrência da matéria de facto dada como provada.
No que tange ao depoimento da testemunha FF (que se ouviu integralmente), entende-se que o mesmo não coloca em causa o afirmado pela testemunha DD, posto que afirmou a possibilidade de um acesso remoto a um computador não deixar vestígios, rasto, em sintonia com o reconhecido por esta última testemunha, e não se reportou ao sistema informático da ré.
Por outro lado, o afirmado pela testemunha FF no sentido de não ter detectado qualquer intrusão nos computadores da autora utilizados pelo seu representante legal, AA, e pela testemunha BB, também não compromete o afirmado pela testemunha DD quanto à ausência de intrusão no sistema informático da ré ou em algum computador desta, uma vez que tais versões não se mostram antagónicas: a ausência de detecção de intromissão nos dois computadores da autora referidos não importa necessariamente a intrusão no sistema informático da ré ou em algum computador desta.
No que respeita ao depoimento da testemunha CC, ao invés do defendido pela recorrente, entende-se que o mesmo reforça a evidência do depoimento da testemunha DD, posto que reportou as diligências realizadas pelos serviços da ré na sequência da comunicação da autora sobre a ocorrência das operações em referência nos autos, no sentido de averiguar a sua origem, das quais resultou não ter sido detectado que as mesmas decorreram de acesso indevido ao sistema informático da ré ou de algum computador desta.
Quanto ao documento n.º 14 junto com a contestação, entende-se que o mesmo não compromete o afirmado pelas testemunhas DD e CC, posto que tal se alicerçou nas informações obtidas pelas mesmas nas averiguações realizadas pela ré, algumas das quais lideradas pela primeira testemunha mencionada, e não no documento em referência.
Conclui-se, assim, pela ausência de motivo para colocar em causa o juízo probatório assumido na decisão recorrida e, em consequência, pela improcedência da reclamação, no que respeita ao segmento ora apreciado.
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- Ponto A da matéria de facto dada como não provada:
O ponto A da matéria de facto dada como não provada, que a recorrente pretende que transite para a matéria de facto provada, tem o seguinte teor:
“O número de telefone ...821 pertence ao gerente da autora AA.”
Na decisão recorrida, encontra-se a seguinte fundamentação quando a tal matéria:
“Para a consideração do vertido nos n.os 9. e 10. como demonstrado e, por sua vez, em A., B., C., D. e E. como não provado, o tribunal ponderou o depoimento da testemunha BB, as declarações de parte do legal representante da autora, AA, a prova documental junta aos autos e as regras da experiência. A testemunha BB, funcionária da autora desde 2014 e pessoa da confiança do seu legal representante desde há cerca de 20 anos, prestou depoimento de forma rígida e defensiva, sem fluência e evidenciando preocupação em manter-se fiel a determinada descrição dos eventos sobre que depôs, ao invés de os relatar com naturalidade e descomprometidamente. O seu depoimento não foi, assim, merecedor de inteira credibilidade, nomeadamente quanto ao acesso e utilização do serviço de homebanking da ré pela autora. Do mesmo modo, o legal representante da autora não logrou convencer o tribunal quanto à efetiva verificação dos acontecimentos que foi descrevendo nas suas declarações, em especial no que respeita ao dito acesso e utilização do serviço de homebanking, não apenas pelo seu interesse natural e direto na ação, mas essencialmente por não ter apresentado um discurso espontâneo e natural, como seria de esperar por se tratar de factos que alegou ter vivido direta e pessoalmente. Já a prova documental, por não suscitar dúvidas ao tribunal quanto à sua fidedignidade e não ter sido especialmente preparada para apresentar em audiência de julgamento, foi essencial para a aquisição da factualidade relevante nos autos. Assim, em especial, o tribunal atentou na circunstância de o número de telemóvel associado ao serviço de homebanking da ré (...821, cfr. n.º 11) não ser o telemóvel indicado junto da ré como pertencente ao legal representante da autora e declarante AA (nem ao então outro gerente HH), como se retira do documento n.º 1 junto com a contestação (referente a 2015), e como é reforçado pela apreciação do documento n.º 6 junto com a contestação, datado de 2020, do qual resulta igualmente que o número de telemóvel indicado como pertencente ao legal representante AA não é o ...821. Por outro lado, da apreciação do documento n.º 7 junto com a contestação, resulta que a funcionária da autora e testemunha BB, que utilizava o endereço de correio eletrónico ...@the7hotel.com, indicava na assinatura pré-configurada desse mesmo email o telemóvel ...821 (e, assim, considerou-se demonstrado o vertido no n.º 46). Sopesados estes elementos, não se considerou verosímil que o número de telemóvel ...821, associado ao serviço homebanking da autora junto da ré, fosse, como alegado pela autora, utilizado exclusivamente por AA – posto que nem sequer o indicou como seu junto da ré –, havendo nos autos elementos suficientes para crer, isso sim, que aquele número era utilizado pelos serviços de contabilidade da autora, ou seja, e pelo menos, pela funcionária e aqui testemunha BB. Ficou, assim, não demonstrado tudo quanto se verteu em A. a D..”
A recorrente convoca o depoimento da testemunha BB e as declarações de parte prestadas pelo representante legal da autora, AA, para sustentar a evidência da matéria de facto em referência.
Do depoimento da testemunha BB, trabalhadora da ré e colaboradora directa do representante desta acima referido, no que tange à área do departamento financeiro, colhe-se que a mesma, apesar de afirmar que o telemóvel com o número mencionado no ponto A era de AA, não se tratando de um número de telefone seu ou de serviço, também reportou que já o utilizou para atender e fazer chamadas.
Por outro lado, AA, representante legal da ré, em sede de declarações de parte, reportou que o telemóvel com o número aludido é da autora e que é usado por si para realizar operações por homebanking e para estabelecer conversações, sendo que não o utilizava para comunicar com a ré.
AA também afirmou que o aludido telemóvel não era utilizado por qualquer outra pessoa para realizar comunicações, salvo quando não pretendia atender alguma chamada recebida no mesmo e o entregava, para atender, à testemunha BB, tendo reportado que a mesma não atendia chamadas no mesmo telemóvel quando o próprio não estava presente e não realizava chamadas no mesmo, ao invés do referido pela mesma testemunha, como acima mencionado.
A factualidade que a autora pretende que seja tida como demonstrada reconduz-se a que o telemóvel com o número referido no ponto A era utilizado em exclusivo pelo seu representante legal, AA, sendo nessa acepção que o Tribunal recorrido se pronunciou.
Entende-se que a contradição entre o depoimento e as declarações de parte acima referidos sobre quem utilizava o telemóvel em causa supra apontada compromete, desde logo, de modo determinante, a formulação, com sustento em tais elementos, de um juízo seguro e inequívoco no sentido da demonstração da matéria de facto em referência, posto que afecta a sua credibilidade.
Por outro lado, o documento n.º 7 junto com a contestação, a que se refere o ponto 46 da matéria de facto provada, aponta para que o telemóvel com o número em causa fosse utilizado pela testemunha BB, designadamente, para contactos com a ré, posto que consta em tal documento como o seu contacto.
A justificação apresentada pela testemunha BB para tal número de telemóvel constar do aludido documento, remetido à ré, no sentido de tal ocorrer por não ter sido actualizado, não se mostra, à luz de critérios de normalidade, verosímil, sendo que os mesmos apontam para que as comunicações realizadas pela mesma testemunha conterem os contactos actualizados da mesma, designadamente telefónicos.
O referido nos dois parágrafos anteriores reforça, sobremaneira, o comprometimento da força probatória do depoimento e das declarações de parte acima mencionado.
Conclui-se, assim, que os elementos probatórios invocados pela recorrente se mostram insuficientes para a demonstração da matéria de facto vertida no ponto A do acervo não provado e, consequentemente, pela improcedência da impugnação no que a esse segmento respeita.
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- Ponto E da matéria de facto dada como não provada:
O ponto E da matéria de facto dada como não provada, que a recorrente pretende que seja dada como provada, tem o seguinte teor:
“O acesso mencionado em 9. foi efetuado pelo legal representante da autora.”
A fundamentação que consta da sentença impugnada no que respeita à matéria de facto mencionada é a seguinte:
“Para a consideração do vertido nos n.os 9. e 10. como demonstrado e, por sua vez, em A., B., C., D. e E. como não provado, o tribunal ponderou o depoimento da testemunha BB, as declarações de parte do legal representante da autora, AA, a prova documental junta aos autos e as regras da experiência. A testemunha BB, funcionária da autora desde 2014 e pessoa da confiança do seu legal representante desde há cerca de 20 anos, prestou depoimento de forma rígida e defensiva, sem fluência e evidenciando preocupação em manter-se fiel a determinada descrição dos eventos sobre que depôs, ao invés de os relatar com naturalidade e descomprometidamente. O seu depoimento não foi, assim, merecedor de inteira credibilidade, nomeadamente quanto ao acesso e utilização do serviço de homebanking da ré pela autora. Do mesmo modo, o legal representante da autora não logrou convencer o tribunal quanto à efetiva verificação dos acontecimentos que foi descrevendo nas suas declarações, em especial no que respeita ao dito acesso e utilização do serviço de homebanking, não apenas pelo seu interesse natural e direto na ação, mas essencialmente por não ter apresentado um discurso espontâneo e natural, como seria de esperar por se tratar de factos que alegou ter vivido direta e pessoalmente. Já a prova documental, por não suscitar dúvidas ao tribunal quanto à sua fidedignidade e não ter sido especialmente preparada para apresentar em audiência de julgamento, foi essencial para a aquisição da factualidade relevante nos autos. Assim, em especial, o tribunal atentou na circunstância de o número de telemóvel associado ao serviço de homebanking da ré (...821, cfr. n.º 11) não ser o telemóvel indicado junto da ré como pertencente ao legal representante da autora e declarante AA (nem ao então outro gerente HH), como se retira do documento n.º 1 junto com a contestação (referente a 2015), e como é reforçado pela apreciação do documento n.º 6 junto com a contestação, datado de 2020, do qual resulta igualmente que o número de telemóvel indicado como pertencente ao legal representante AA não é o ...821. Por outro lado, da apreciação do documento n.º 7 junto com a contestação, resulta que a funcionária da autora e testemunha BB, que utilizava o endereço de correio eletrónico ...@the7hotel.com, indicava na assinatura pré-configurada desse mesmo email o telemóvel ...821 (e, assim, considerou-se demonstrado o vertido no n.º 46). Sopesados estes elementos, não se considerou verosímil que o número de telemóvel ...821, associado ao serviço homebanking da autora junto da ré, fosse, como alegado pela autora, utilizado exclusivamente por AA – posto que nem sequer o indicou como seu junto da ré –, havendo nos autos elementos suficientes para crer, isso sim, que aquele número era utilizado pelos serviços de contabilidade da autora, ou seja, e pelo menos, pela funcionária e aqui testemunha BB. Ficou, assim, não demonstrado tudo quanto se verteu em A. a D.. Tendo o depoimento da referida testemunha e as declarações do legal representante da autora sido então, nesta parte, descredibilizados, entende o tribunal poder ficar demonstrado apenas que no mencionado dia 14.12.2021 existiu, em nome da autora, uma tentativa de acesso e de utilização do serviço de hombanking da ré (9. e 10.), embora sem ficar provado quem, em concreto, procurou efetuar esse acesso e utilização, nomeadamente sem ficar adquirido que tenha sido o legal representante da autora (E.).”.
A recorrente invoca as declarações de parte prestadas pelo representante legal da autora, AA, e o depoimento da testemunha BB para sustentar a evidência da matéria de facto em referência, ambos nos segmentos que identifica.
Das declarações e do depoimento referidos afere-se que os seus autores afirmaram a ocorrência da matéria de facto em análise.
Importa, porém, reter que tais elementos probatórios apresentam contradições entre si que comprometem a formulação de um juízo positivo sobre a ocorrência da factualidade aludida.
Na verdade, além da contradição acima apontada, verifica-se que a testemunha BB reportou que, no dia 15-01-2021, elaborou e remeteu à ré o e-mail a que respeita o documento n.º 7 junto com a contestação, com autoria a si atribuída, onde assume ter acedido à conta da autora e ter constatado os movimentos que aí se especificam em extracto a si remetido por AA, representante legal da autora, ainda antes de o mesmo ter chegado ao escritório onde ambos laboram, e que lhe determinou que enviasse o aludido e-mail.
Do mesmo depoimento constata-se que, quando confrontada com a circunstância de, no aludido e-mail, constar ter sido a própria testemunha a efectuar o acesso e a consulta da conta da autora, ao arrepio do pela mesma afirmado, no sentido de que nunca acedia a tal conta, a testemunha referiu que se limitou a copiar o conteúdo do e-mail que lhe havia sido remetido por AA que, nessa versão, seria mais extenso do que os simples extractos.
Já AA afirmou que, no dia 15-12-2021, quando chegou ao escritório onde labora com a testemunha BB, acedeu à conta da autora junto da ré por homebanking e constatou a realização das operações em referência nos autos, tendo ficado assustado e, de seguida, elaborou um e-mail para a ré, que remeteu para a aludida testemunha, a quem determinou que o remetesse à testemunha EE (trabalhador da ré), o que a mesma fez.
Do que se referiu acima resulta que as versões apresentadas pela testemunha BB e pelo representante legal da autora, AA, não se mostram coincidentes no que respeita à autoria do conteúdo do e-mail a que o aludido documento n.º 7 junto com a contestação respeita e à presença deste último no escritório onde ambos trabalham na altura em que o mesmo foi elaborado e remetido à testemunha EE.
A discrepância apontada, juntamente com a contradição entre o depoimento e as declarações em referência a que acima se fez menção, compromete a formulação de um juízo firme, seguro, inequívoco, nos mesmos alicerçado, no sentido da demonstração da matéria de facto em referência.
Em reforço do que se acaba de referir, encontra-se, ainda, a contradição entre o depoimento da testemunha BB, no sentido de não aceder à conta da autora na ré por homebanking, e o teor do e-mail que a mesma reconheceu ter remetido a que respeita no documento n.º 7 junto com a contestação, onde consta que a mesma realizou tal acesso e constatou a realização das operações em referência nos autos, sendo certo que a explicação pela mesma apresentada, no sentido de se ter limitado a copiar o e-mail remetido por AA para o remeter à testemunha EE, colide com o pela mesma afirmado anteriormente de que AA havia remetido apenas o extracto da conta da autora junto da ré.
Entende-se, pelo exposto, que os elementos probatórios invocados pela recorrente se mostram insuficientes para a demonstração da matéria de facto vertida no ponto E do acervo não provado e, consequentemente, pela improcedência da impugnação no que a esse segmento respeita.
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- Ponto K da matéria de facto dada como não provada:
O ponto K da matéria de facto dada como não provada, que a recorrente pretende que seja dada como provada, tem os seguintes termos:
“No dia 17.01.2022 a autora endereçou reclamação aos departamentos de Supervisão Comportamental e de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal.”
Da fundamentação da sentença recorrida encontra-se a seguinte fundamentação atinente ao segmento de facto em referência:
“Quanto ao descrito em K., não se vislumbrou nos autos documento que o demonstrasse, sendo que o documento junto pela autora a ref.ª 38176052 não permite concluir pela apresentação de reclamação na data e termos alegados.”
A recorrente alega que o documento emitido pelo Banco de Portugal com a data de 15-12-2023, por si junto com o requerimento apresentado nos autos a 16-01-2024, evidencia a matéria de facto acima identificada.
O documento referido pela recorrente corresponde ao documento invocado na decisão recorrida, que tem a referência nela mencionada (381 760 52).
O documento em causa respeita a uma comunicação do Banco de Portugal à autora referente a uma reclamação relativa à ré, apresentada pela autora, no sentido de que tal reclamação indicia que esta terá infringido normas que regulam a sua actividade e que se deu início aos procedimentos legais de averiguação para eventual acção sancionatória.
Tal documento é omisso quanto à data em que a reclamação a que se refere foi apresentada pela autora e a que departamentos do Banco de Portugal foi endereçada, ou seja, tal documento nada refere quanto à matéria de facto em causa no segmento constante do ponto K, cuja impugnação ora se aprecia.
Entende-se, face ao referido, tal como assumido na decisão recorrida, que o elemento probatório invocado pela recorrente não evidencia a matéria de facto vertida no ponto K do acervo não provado.
Em consequência, a impugnação no que a esse segmento respeita, mostra-se improcedente.
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- Ponto L da matéria de facto dada como não provada:
O ponto L da matéria de facto dada como não provada, que a recorrente pretende que seja dada como provada, tem o seguinte teor:
“A autora descontou a livrança e suportou a quantia mencionada em 27 porque a ré recusou a restituição da quantia mencionada em 23.”
Certamente por lapso de escrita, na sentença recorrida consta a referência aos pontos 27 e 23 quando a matéria em causa respeita aos pontos 29 e 25 da matéria de facto provada, respectivamente, como a simples leitura da decisão o evidencia.
Assim, com respaldo no art. 614º, n.º1, do CPC, procede-se à rectificação de tal lapso, passando a considerar-se a seguinte redacção para o ponto L da matéria de facto dada como não provada:
“A autora descontou a livrança e suportou a quantia mencionada em 29 porque a ré recusou a restituição da quantia mencionada em 25”
A fundamentação constante da sentença impugnada quando ao enunciado de facto em referência é a seguinte:
“(…) a autora não logrou produzir qualquer prova quanto ao nexo que alegou e que se verteu em L.”
A recorrente alega que o depoimento da testemunha BB e as declarações de parte do representante legal da ré, AA, nos segmentos que identifica, evidenciam a matéria de facto em referência.
Sendo certo que, quer a testemunha quer o representante legal da ré, AA, afirmaram a matéria de facto em referência, invocando insuficiência de recursos financeiros por parte da autora para fazer face a encargos que tinha decorrente da privação do valor total das operações em referência nos autos, os mesmos não concretizaram tal afirmação, designadamente, reportando o valor dos encargos a cumprir e a disponibilidade financeira existente.
Ora, a demonstração da matéria de facto em causa importa a evidenciação do valor dos encargos e da disponibilidade financeira mencionados, com recurso a prova documental, ainda que complementada por prova pessoal, de modo a poder-se concluir pela verificação do enunciado de facto em apreço.
A demonstração dos valores referidos não se encontra no processo, seja porque os elementos de prova pessoais convocados pela recorrente são omissos quanto aos mesmos, seja porque dele não constam elementos documentais que aos mesmos respeitem.
Conclui-se, face ao exposto, que os elementos de prova invocados pela recorrente para demonstração da matéria de facto vertida no ponto L da matéria de facto dada como não provada a não evidenciam e, consequentemente, pela improcedência da impugnação no que a este segmento se refere.
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- Aditamento do facto alegado no art. 18º da petição inicial:
A recorrente pretende que seja aditada à matéria de facto provada a factualidade constante do art. 18º da petição inicial, com o seguinte teor:
“A Recorrente não ordenou, fosse através do serviço de netbanking da Recorrida, fosse por qualquer outro meio, pagamentos no valor de valor de EUR 999,00 ou EUR 500,00, em benefício da entidade com a referência 21800.”
A factualidade em referência mostra-se alegada no art. 18º do articulado inicial.
Está provado nos autos que a autora inseriu os 38 códigos de autenticação forte que recebeu por sms referidos em 13 e que, na sequência de tal, a ré procedeu às operações a que os mesmos respeitavam, como se afere dos pontos 16, 18, 19 e 20 da matéria provada.
A matéria de facto acabada de referir, que a autora não colocou em causa, compromete a ocorrência da matéria de facto que a recorrente pretende ver aditada e acima enunciada.
Na verdade, a inserção dos aludidos códigos constitui autenticação das ordens dadas à ré para esta realizar as operações a que os mesmos respeitavam, ou seja, integra o procedimento de emissão de tais ordens e evidencia a participação da autora no mesmo, ainda que nos termos referidos na matéria provada, designadamente, nos pontos 15 a 17.
Pelo exposto, conclui-se pela improcedência da impugnação no que respeita ao segmento ora apreciado.
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- Aditamento do facto alegado no art. 22º da petição inicial:
A recorrente pretende que seja aditada à matéria de facto provada a factualidade constante do art. 22º da petição inicial, com o seguinte teor:
“A Autora e o seu representante legal nunca suspeitaram de que o serviço de netbanking da Ré poderia não ser seguro ou que pudesse conter mensagens que não fossem da autoria da Ré, pelo que procederam à solicitada sincronização convencidos de que se tratava de uma solicitação feita pela Ré.”
Como afirmado pela autora, a matéria de facto acima especificada encontra-se alegada no art. 22º da petição inicial.
A recorrente invoca as declarações de parte do seu representante legal, AA, e o depoimento da testemunha BB, ambos nos segmentos que identifica, para sustentar a evidência da matéria de facto em referência.
Importa, desde logo, atentar em que o enunciado de facto ora em apreço importa a afirmação de que a autora, por intermédio do seu representante legal, acedeu ao serviço de homebanking da ré e procedeu à inserção dos códigos de autenticação das operações em referência nos autos e que do mesmo serviço foi emitida a mensagem para sincronização referida no ponto 11 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida.
Ora, como se assume na sentença recorrida e se reiterou na apreciação da impugnação quanto ao ponto E dos factos nela dados como não provados, da prova produzida não resultou demonstrado quem, por intermédio da autora, tentou aceder ao serviço de homebanking da ré, designadamente, o representante legal daquela, AA.
Por outro lado, também não está demonstrado que a mensagem de sincronização referida no ponto 11 da matéria de facto provada tenha sido emitida pelo serviço de homebanking da ré, sendo certo que tal foi refutado pelas testemunhas CC, II (cujo depoimento foi ouvido integralmente) e DD e está demonstrado que, a 14-12-2021, tal serviço não sofreu qualquer ataque, ou seja, que não sofreu qualquer intrusão.
Conclui-se, pelo exposto, pela improcedência da impugnação no segmento ora apreciado.
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- Aditamento dos factos alegados nos arts. 29º, 30º, 32º e 33º da petição inicial:
A recorrente pretende que seja aditada à matéria de facto provada a factualidade constante do art. 29º, 30º, 32º e 33º da petição inicial, com o seguinte teor:
- “A Autora nunca efetuou qualquer pagamento a favor da entidade com o número 21800.”;
- “Na conta bancária mantida junto da Ré, a Autora nunca efetuou operações de pagamento sucessivas, em número elevado e num curto espaço de tempo, a favor da mesma entidade.”
A matéria de facto acima referida encontra-se alegada nos artigos da petição inicial supra mencionados.
A recorrente invoca o depoimento da testemunha BB e as declarações de parte do seu representante legal, AA, nos segmentos que especifica, bem como o documento n.º 9 junto com a contestação para fundamentar a demonstração da matéria de facto em referência.
Considerando o segmento do depoimento da testemunha BB invocado pela recorrente, do mesmo apenas se pode retirar, no que respeita à matéria de facto em menção, que a mesma preparava os pagamentos a efectuar pela autora por intermédio do seu representante legal, AA, no serviço de hombanking da ré, e que nunca ocorreu um número tão elevado de operações de pagamento e em período idêntico como os referidos na matéria de facto provada, a uma mesma entidade.
A mesma testemunha também afirmou que já havia preparado para pagamento a várias entidades, por recurso ao serviço de homebanking da ré, um número tão elevado de operações de pagamento como o referido na matéria de facto provada, designadamente, respeitantes a obras realizadas.
Já das declarações de parte do representante legal da autora, AA, no segmento identificado no recurso, apenas se retira que afirmou que a autora não efectuava muitas operações seguidas no serviço de homebanking da ré, ao invés do afirmado pela testemunha BB, como se referiu.
Os elementos mencionados são, face ao referido, omissos no que respeita à ausência de realização de operações de pagamento, por parte da autora e por intermédio do serviço de homebanking da ré, a favor da entidade 21800.
Dos mesmos elementos apenas se afere, por parte do depoimento da testemunha BB, que a autora não havia realizado um número de operações de pagamento tão elevado como o referido no acervo provado (38, como se afere do ponto 13) e num intervalo de poucos minutos (cf. ponto 13), a favor de uma mesma entidade.
Importa, no entanto, reter as reservas já acima enunciadas quanto à valoração do depoimento mencionado, que não podem deixar de ser assumidas nesta sede, sendo certo que o mesmo, no segmento que se aprecia, não se mostra corroborado por qualquer outro elemento de prova, designadamente, as declarações do representante legal da autora, AA.
Entende-se, pois, que o referido depoimento se mostra insuficiente para demonstrar a matéria de facto acima mencionada.
Por outro lado, como acima se referiu, o documento n.º 9 junto com a contestação não permite identificar a entidade a que o mesmo se reporta, designadamente, se à autora, nem o período a que respeita, o que compromete sobremaneira a sua utilidade para demonstração do segmento de facto em referência.
Conclui-se, pelo exposto, pela improcedência da impugnação no segmento ora apreciado.
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- Aditamento de factos alegados no articulado superveniente junto a 01-02-2024, admitido por despacho de 05-02-2024, atinentes a ofício datado de 15-12-2023, emitido pelo Departamento de Supervisão Comportamental e Departamento de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal.
A recorrente pretende que seja aditado à matéria de facto provada o teor do ofício em referência, tendo-o por demonstrado pelo documento junto com o articulado superveniente por si apresentado a 01-02-2024, que aí alega.
A matéria de facto que a recorrente pretende ver aditada ao acervo provado, tem os seguintes termos:
- “O Departamento de Supervisão Comportamental e Departamento de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal remeteu à Autora ofício datado de 15 de dezembro de 2023, com o seguinte teor: Assunto: Reclamação relativa a BANCO BIC PORTUGUÊS, SA N/ ref.ª RCO/2022/000505 Exmo(a). Senhor(a), A reclamação apresentada por V. Exa. indicia que a entidade reclamada terá infringido normas que regulam a sua atividade. Em consequência, o Banco de Portugal deu início aos procedimentos legais de averiguação com vista a eventual ação sancionatória, o que encerra o processo de reclamação. Com os melhores cumprimentos, Banco de Portugal Por delegação”.
A matéria de facto que a recorrente pretende aditar ao acervo provado é omissa no que respeita aos fundamentos da reclamação apresentada pela autora em relação à actuação da ré e da averiguação, a realizar pelo Banco de Portugal, a que respeita.
Do referido decorre a ausência de qualquer relação da matéria de facto que a recorrente pretende aditar aos factos provados com a demais constante de tal acervo, o que compromete a sua utilidade para a definição da solução jurídica do litígio destes autos.
Ora, como assumido no acórdão do TRC de 15-09-2015 (processo n.º 6871/14.6T8CBR.C1, acessível em dgsi.pt), “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto, quando o facto concreto objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente”.
Em igual sentido, encontra-se o acórdão do TRL de 07-11-2023 (processo n.º 3844/19.6T8LSB.L1-7, acessível em dgsi.pt), onde se refere que “sempre que se verifique que a alteração sobre a matéria de facto pretendida pelo apelante, é manifestamente insuscetível de ter como efeito a alteração quanto ao fundamento da causa, deve concluir-se que a impugnação sobre a matéria de facto contraria os princípios de celeridade e economia processuais (artigos 2º, 137, 138º CPC) e constitui acto inútil e como tal proibido (artigo 130º, CPC), razão pela qual deve o Tribunal da Relação rejeitá-la”. E assim é, porquanto “a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil (…) não deve ter lugar” – Acórdão do TRL de 11-05-2023 (processo n.º 8312/19.3T8ALM.L1-2, acessível em dgsi.pt).
Por via do que se acaba de referir, o conhecimento da matéria de facto em referência revela-se inútil e, por isso, proibido.
Razão por que se decide não conhecer da impugnação da matéria de facto no que respeita ao segmento em menção.
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Do acima exposto resulta a procedência parcial da impugnação da matéria de facto, com alteração da redacção do ponto 51 da matéria de facto para os seguintes termos:
51. A autora, desde 2015 até 14-12-2021, utilizou os serviços de home banking da ré, pelo menos uma vez por mês, incluindo para realizar transferências e pagamentos.
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5.
Passando ao conhecimento da terceira questão acima enunciada.
Alega a autora que, na conta bancária junto da ré de que é titular, ocorreram 38 operações de movimento a débito, para pagamento, no montante total de € 32 972,00, por si não autorizadas de modo intencional e consciente, realizadas por intermédio do serviço de home banking da ré, antes da notificação a esta, e que das mesmas ocorreram danos na sua esfera patrimonial, cujo ressarcimento incumbe à ré.
Na sentença recorrida, afastou-se a responsabilidade da ré pelos danos decorrentes das aludida operações por a autora ter actuado com negligência grosseira, o que a mesma refuta.
Para a economia da presente decisão, releva que, na esteira do referido no recente acórdão desta Secção de 13-03-2025, proferido no processo n.º 11019/23.3T8SNT.L1, relatado pela, aqui, segunda adjunta (acessível em dgsi.pt), a relação jurídica entre as partes que cumpre analisar tem a sua origem num contrato de abertura de conta (também designado por contrato de conta bancária – José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, pp. 483 e ss.), gerador de uma relação jurídica bancária, que se traduz “num contrato celebrado entre um banco (a ré) e um seu cliente (a autora) que enquadra e disciplina uma relação duradoura entre as partes e no âmbito do qual irão surgir outros contratos que implicam existência e movimentação de fundos (na maioria dos casos haverá, pelo menos, um contrato de depósito bancário, podendo também existir, apenas ou cumulativamente, um contrato de conta-corrente bancária ou uma de várias espécies de contratos de crédito)”, com as características de um contrato-quadro.
É frequente surgir, no âmbito da relação jurídica bancária, como acessório do contrato de abertura de conta que lhe deu origem, um outro contrato usualmente designado por contrato de home banking, online banking, internet banking, e-banking, banca ao domicílio, banca eletrónica ou banco online. Este contrato respeita a um sistema de canais digitais disponibilizado pelo banco via Internet que permite aos clientes obter informações sobre a sua conta bancária, efectuar transferências e pagamentos, além de outras operações bancárias, que tradicionalmente apenas eram feitas “ao balcão”, nos espaços físicos de agências e sucursais (veja-se, no mesmo sentido, também o acórdão do TRP de 14-07-2020, processo n.º 22 158/17.0T8PRT.P1, acessível em dgsi.pt).
Como se menciona no aludido acórdão desta Secção de 13-03-2025, o “contrato de homebanking é um contrato acessório do de conta bancária e que regula os direitos e deveres das partes no acesso e movimentação da(s) conta(s) bancária(s) pelo cliente bancário através de canais digitais disponibilizados pelo banco. Apesar de a lei não lhe atribuir um nome nem um conjunto concentrado de regras que o visem em exclusivo, é já um tipo social bem reconhecido na comunidade jurídica, e na sociedade em geral, por força da sua frequente e generalizada repetição na prática bancária, e pelo sequente tratamento que tem na doutrina – v.g., além dos textos supra citados, Calvão da Silva, «Conta corrente bancária, operação não autorizada e responsabilidade civil, STJ, Acórdão de 18 de dezembro de 2013», Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 144, n.º 3991 (mar.-abr. 2015), pp. 290-326, Bruno Silva Palhão, «Os serviços de pagamento e as operações não autorizadas», Cadernos de Direito Privado, n.º 65 (jan.-mar. 2019), pp. 3-17, Hugo Luz dos Santos, «Plaidoyer por uma "distribuição dinâmica do ónus da prova" e pela "teoria das esferas de risco" à luz do recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18/12/2013 , o (admirável) "mundo novo" no homebanking?», O Direito, Ano 147, n.º 3 (2015), pp.715-743 –, e na jurisprudência (v.g., Ac. STJ de 23/01/2024, proc. 379/21.0T8FAR.E1.S1, Cons. Nelson Borges Carneiro).
Apesar de atípico, o referido contrato de homebanking encontra-se regulado pelo Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Electrónica (RJSPME), aprovado pelo DL n.º 91/2018, de 12-11 (sendo que as alterações operadas pelo DL n.º 66/2023, de 08-08, Lei n.º 82/2023, de 29-12, e Lei n.º 1/2025, de 06-01, não se mostram aplicáveis à situação em apreço nos autos, posto que anterior ao início da sua vigência), quando, no âmbito da sua execução, seja utilizado um serviço de pagamento convencionado entre as partes, sendo certo que este não inclui necessariamente tal tipo contratual, que pode abranger apenas um âmbito mais restricto, designadamente, atinente a consulta de dados e transferências entre contas do mesmo titular.
No caso dos autos, no âmbito da relação constituída pelo contrato de abertura de conta a que respeita o ponto 3 da matéria de facto provada, por força de um contrato de home banking celebrado entre as partes, a ré, banco, disponibilizou a possibilidade de a autora, utilizador, lhe dar ordens de mobilização dos fundos depositados em tal conta, sendo que a mesma tem o direito de exigir da ré a execução das ordens que lhe dá por via da plataforma electrónica.
Em situações, como a invocada pela autora, em que ocorram prejuízos decorrentes de operações não autorizadas, de modo voluntário e consciente, pelo utilizador antes da sua notificação ao banco que disponibiliza o serviço ou instrumento de pagamento por meios electrónicos, o comportamento daquele tem relevância determinante no apuro da responsabilidade pelos mesmos, como salienta Carolina França Barreira, ‘Home banking: A repartição dos prejuízos decorrentes de fraude informática’, in Revista Electrónica de Direito, Outubro 2015, nº 3, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, p. 47 (acessível em www.cije.up.pt/revistared).
Na verdade, como se refere no acórdão do TRP de 18-04-2023, processo n.º 16900/21.1T8PRT. P1 (acessível em dgsi.pt), “nas situações não imputáveis a título de negligência grave ao utilizador do serviço (a pessoa singular ou colectiva que utiliza o serviço de pagamento a título de ordenante – alínea eee) do art. 2º do ‘Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica’, aprovado pelo DL 91/2018, de 12/11), é o banco (o prestador do serviço) quem deve arcar com os prejuízos que excedam o valor de 50,00€ (arts. 114º e 115º, nº 1 do RJSPME) decorrentes de operações de pagamento não autorizadas, pois é a este que cabe suportar o risco do sistema informático que sustenta o serviço de home banking não ser seguro e permitir a intromissão de terceiros; a responsabilidade do utilizador do serviço (ordenante da operação) é, nestas situações, limitada ou circunscrita ao referido montante (50,00€), arcando o banco com os prejuízos excedentes, por lhe caber suportar o risco do sistema informático que sustenta o serviço do home banking não ser seguro e permitir a intromissão de terceiros”.
Por sua vez, nos casos de negligência grosseira do utilizador, ou ordenante, cabe a este suportar os danos resultantes das operações de pagamento não autorizadas até ao limite do saldo disponível ou da linha de crédito associada à conta ou ao instrumento de pagamento, ainda que superiores a 50,00€, como decorre do art. 115º, nº 4 do RJSPME.
O banco, ou prestador do serviço, suporta os prejuízos causados pelas debilidades dos sistemas de pagamento que disponibiliza aos seus clientes sempre que as perdas não sejam decorrentes de negligência grosseira destes.
Por força do disposto no art. 113º, n.º3, do RJSPME, na aludida versão, recai sobre o banco o ónus de provar que a operação de pagamento foi devidamente autenticada, que o cliente contribuiu para a ocorrência dos prejuízos dela decorrentes em violação de obrigações a que estava sujeito por força do art. 110º do mesmo regime e que tal se verificou a título de negligência grosseira (veja-se, no mesmo sentido, Carolina França Barreira, obra citada, p. 37, 62-63, bem como o acórdão do TRP de 18-04-2023 acima mencionado).
Cumprido o ónus de prova referido por parte do banco, prestador de serviços, este deverá suportar a totalidade dos prejuízos.
O conceito de negligência grosseira deve ser encontrado na disciplina geral do direito civil, posto que não se mostra densificado no RJSPME, como salienta Carolina França Barreira (obra citada, p. 50).
Tratando-se de violação de deveres contratuais, a negligência grosseira em referência deve ser aferida nos termos aplicáveis à responsabilidade civil, designadamente, à luz dos arts. 799º, n.º 2, e 487º, n.º 2 do Cód. Civil, com apelo à “comparação entre o comportamento concretamente adoptado pelo agente e o que seria observado nas mesmas circunstâncias de facto por um utilizador do serviço de pagamento normalmente informado, diligente e cuidadoso, pois este é o padrão referencial ou parâmetro de aferição a considerar para apurar do grau de reprovação ou censura de que é merecedor a conduta do utilizador (o grau de reprovação ou de censura será tanto maior quanto mais ampla for a possibilidade de a pessoa ter agido de outro modo), donde resulta que a culpa grosseira ocorrerá quando a omissão do dever de cuidado em que a negligência se traduz revelar que o comportamento observado se afastou do (contraria o) grau de diligência minimamente exigível e da observância de deveres de cuidado (resultantes da relação jurídica) ostensivamente evidentes, patentes e manifestos, traduzindo desconsideração do proceder expectável a qualquer comum utilizador do serviço de pagamento minimamente cuidadoso, apresentando-se como altamente reprovável à luz do mais elementar senso comum, revelando desconformidade com todos os padrões de referência” (acórdão do TRP de 18-04-2023, acima referido, que se segue de perto).
Por ausência de outro critério legal, o padrão de conduta exigível ao utilizador do serviço deve ser definido tendo em conta o modelo de uma pessoa-tipo, um sujeito ideal, o tipo de homem médio ou normal, medianamente sagaz, prudente avisado e cuidadoso (fazendo reportar estas qualidades ao do utilizador do serviço em causa) que utiliza tais serviços.
Como refere Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª edição, 1996, Almedina, Coimbra, p. 596-597, nota 3), a referência, no art. 487º, n.º2, do Cód. Civil, ao bom pai de família acentua mais a nota ética ou deontológica do bom cidadão do que o critério puramente estatístico do homem médio, não estando o julgador vinculado às práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria, que porventura se tenham generalizado no meio, se outra for a conduta exigível das pessoas de boa formação e são procedimento.
A negligência grosseira verificar-se-á quando “o grau de reprovação ultrapassar a mera censura que merece a simples imprudência, irreflexão ou o impulso leviano, alcançando um mais alto grau de desleixo e incúria, decorrendo da inobservância das mais elementares regras de prudência e da não adopção do esforço e diligência minimamente exigíveis, nas circunstâncias concretas, correspondendo ao erro imperdoável, à desatenção inexplicável e à incúria indesculpável, vistos em confronto com o comportamento do comum das pessoas, mesmo daquelas pouco diligentes – comportamento que nunca por nunca seria adoptado pela generalidade dos utilizadores do serviço de pagamento colocados perante as concretas circunstâncias que se apresentaram ao agente, pois que a diligência e cuidados exigíveis no caso os levariam a abster-se de o adoptar e/ou prosseguir” (acórdão do TRP de 18-04-2023).
Do contrato de home banking emerge uma relação obrigacional complexa, geradora de deveres principais, acessórios e deveres laterais (Carolina França Barreira, obra citada, p. 17).
Por um lado, ao banco exige-se que assegure os mecanismos de segurança inerentes ao instrumento de pagamento que disponibiliza aos clientes, pois sobre si recai o dever de prestar um serviço eficaz e seguro, cabendo-lhe um reforçado dever de informar e elucidar os clientes dos casos de fraude e de intromissão de terceiros não autorizados nas operações que o sistema home banking permite e, assim, de elucidação dos perigos inerentes à utilização do serviço que se comprometeu a prestar (Carolina França Barreira , obra citada, p. 21 e ss.).
Por outro lado, sobre o utilizador do serviço impende um conjunto de deveres acessórios de conduta conexionados com a segurança do sistema.
Assim, além de dever tomar as medidas razoáveis para preservar a eficácia dos mecanismos de segurança personalizados associados ao instrumento que utiliza (art. 110º, n.º 2, do RJSPME) e de comunicar ao banco prestador do serviço, sem atraso, a apropriação abusiva ou qualquer utilização não autorizada do instrumento de pagamento (art. 110º, n.º1, al.b), do RJSPME), sobre o utilizador recaem deveres que respeitam à necessidade de se acautelar e proteger dos perigos de fraude para os quais seja alertado pelo banco, mormente por avisos, alertas e informações de segurança feitos no momento em que acede ao serviço na página do banco, logo depois de feito o registo inicial.
Nessa perspectiva, tem-se como dever acessório do cliente utilizador, em vista de utilizar, com segurança, o serviço que lhe é proporcionado, o de se manter ao corrente das variadas formas de fraude informática que vão surgindo e que o banco cuida de levar ao seu conhecimento em vista de que tome as cautelas devidas e adequadas e de as adoptar.
No caso em apreço nos autos, constata-se que a autora, no dia 14-12-2021, procurou aceder ao serviço de home banking da ré através de um computador, tendo, para o efeito, efectuado login inserindo as credenciais de acesso a si atribuídas numa página que aparentava corresponder à do serviço de homebanking da ré (cf. pontos 9 e 10 da matéria provada).
Está, também, provado que, após o login, foi constatada uma mensagem na aludida página no sentido de que ocorria um processo de sincronização do dispositivo da autora e que, para o mesmo continuar, receberia sms com dados e valores aleatórios, sem validade, e deveria indicar o código nelas enviado, sendo que nenhum valor seria debitado na sua conta (cf. pontos 11 e 12 da matéria provada).
Resultou, igualmente, demonstrado nos autos que, no telemóvel com o número associado ao serviço de homebanking da ré disponibilizado à autora, foram recebidas, remetidas por aquela, num intervalo de poucos minutos, 38 mensagens sms, com a indicação “EuroBicNet Web Banking”, que continham instruções para introduzir o código nelas indicado (38 códigos diferentes) para autorizar o pagamento do valor de € 999,00 ou € 500,00, para a Entidade: 21800, com a referência especificada em cada mensagem, que a autora inseriu na convicção de que desse modo completava o processo de sincronização acima referido e de que os valores indicados nas aludidas mensagens não se referiam a nenhuma transação efectiva, de que não estava a autorizar qualquer pagamento e de que nenhum valor seria retirado da conta (pontos 13, 14, 16 e 17 da matéria provada).
Está, ainda, provado que a autora não pretendia autorizar pagamentos, no valor de € 999,00 ou € 500,00 constantes das aludidas mensagens (cf. ponto 15 da matéria provada).
Releva, ainda, que todas as operações na conta da autora foram autenticadas pela inserção, pela autora, dos códigos de autenticação forte (Token) que foram enviados, por sms pela ré (ponto 19 da matéria provada).
Face à matéria de facto acima mencionada, constata-se que dela resulta estar evidenciado nos autos que as operações de pagamento invocadas pela autora e constantes do acervo provado foram devidamente autenticadas, mediante a inserção, pela autora, dos códigos de autenticação forte (Token) que foram enviados, por sms pela ré.
Considerando que está demonstrado que o serviço da ré não sofreu qualquer ataque (ponto 53 da matéria de facto provada), cumpre, atentando no referido acima, apurar se a actuação da autora contribuiu para a realização das aludidas operações, em violação de obrigações a que estava sujeita por força do art. 110º do RJSPME e que tal se verificou a título de negligência grosseira.
O contributo da autora para a realização das operações em referência decorre da validação, pela mesma, dos códigos de autenticação forte (Token) que foram enviados, por sms, pela ré, o que foi determinante para tal.
A actuação da autora ocorre após ter deparado com a solicitação da inserção de códigos para se concluir uma actualização do seu computador, referindo-se que os valores apresentados eram fictícios.
Ora, o comum dos utilizadores dos serviços de home banking, mesmo o menos diligente, ter-se-ia abstido de prosseguir a operação quando se deparou com o pedido de inserção de um código de autorização de operação simulada (ou com valores fictícios).
Por menos diligente e cauteloso que seja o comum dos utilizadores do serviço prestado pela ré, haverá que reconhecer-se que a comunicação de actualização referida no acervo provado permitiu-lhe ficar alerta e suspeitar de que a mesma era fraudulenta, posto que claramente contrária aos procedimentos utilizados pelas instituições bancárias.
A alerta e a suspeita mencionada mostrar-se-iam incrementados com a solicitação da inserção de códigos de autorização relativos a operações de pagamento simuladas, ao arrepio dos procedimentos das aludidas instituições.
Importa reter que a ré, à data dos factos em apreço, na página de acesso ao serviço home banking, tinha disponibilizado alerta aos clientes no sentido de garantirem que estavam a autorizar operações que efectivamente haviam iniciado nos canais à distância (ponto 49 do acervo provado), o que vai ao encontro das mais elementares regras de prudência de um normal utilizador de tal serviço.
Entende-se, pois, que se impunha à autora que se tivesse abstido de prosseguir com a operação de sincronização e de inserção dos códigos de autenticação acima mencionados.
A displicência e falta de cuidado evidenciada pela actuação da autora, como utilizadora, constitui um desrespeito elementar de regras de cuidado e prudência associadas à necessidade de acautelar a ocorrência de fraude informática, que se lhe impunham por força do disposto no art. 110º, n.º2, do RJSPME, para cuja observância foi alertada pela ré e para o que qualquer utilizador está fortemente avisado.
À autora impunha-se, claramente, a adopção de um comportamento diverso do verificado, adequado a prevenir a realização das operações mencionadas e os consequentes danos, designadamente, não inserindo qualquer código SAF.
O grau de inconsideração ou descuido evidenciado pela autora atinge o patamar mais elevado, posto que se traduz na omissão de elementares deveres de cuidado e diligência, que se impunham nas circunstâncias em que actuou, posto que plena e facilmente apreensíveis.
Entende-se, face ao exposto, que as operações de débito efectuadas na sua conta referidas no acervo provado são imputáveis à autora, a título de negligência grosseira.
Face ao disposto no art. 115º, nº 4 do RJSPME, na versão acima referida, e ao supra exposto, forçoso se mostra concluir que a ré não é responsável pelos danos sofridos em consequência das operações alegadas e demonstradas nos autos, cabendo à autora, cliente utilizador do serviço de home banking, suportá-los.
O recurso mostra-se, face ao referido, improcedente e a sentença recorrida deve ser confirmada.
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6.
Considerando a improcedência do recurso, a recorrente deverá suportar as respectivas custas (art. 527º, n.º1 e 2 do CPC).
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III.
Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção em julgar o recurso interposto pela autora improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas do recurso pela autora.
Notifique.
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Lisboa, 22 de Maio de 2025.
Os Juízes Desembargadores, Fernando Caetano Besteiro Arlindo Crua Higina Castelo