Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
NULIDADE DE CITAÇÃO
PRAZO
ELEMENTOS LEGÍVEIS
Sumário
SUMÁRIO (art. 663º, n.º7, do CPC): I. As nulidades da citação a que se reporta o art. 191º do CPC são consideradas nulidades secundárias, que só podem ser alegadas pelo demandado (art. 191º, n.º2, do CPC), sendo relevantes apenas as que importem prejuízo para a defesa do réu (art. 191º, n.º4, do CPC). II. O prazo para a arguição das referidas nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação salvo quando esteja em causa a citação edital ou a ausência de indicação de prazo para a defesa, situações em que a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo (art. 191º, n.º2, do CPC), sem prejuízo do previsto no art. 191º, n.º3, do CPC, que não releva para a economia da presente decisão. Não sendo a nulidade da citação arguida nos momentos referidos, considera-se a mesma sanada. III. No que respeita aos elementos a remeter ou a entregar ao citando, mencionados no art. 227º, n.º1, do CPC, devem os mesmos ser legíveis, de forma a permitir-lhe a plena compreensão do objecto da citação, como decorre do art. 219º, n.º3, do CPC. IV. Estando o réu impossibilitado de apreender o teor dos documentos juntos com a petição inicial como meios de prova da factualidade aí alegada, verifica-se um claro comprometimento da faculdade, que lhe assiste, por força do disposto no art. art. 3º, n.º3, do CPC, de participar de modo efectivo no desenvolvimento de todo o litígio, designadamente, pronunciando-se sobre todos os elementos que tenham ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e que se mostrem potencialmente relevantes para a decisão a proferir, como os factos, os meios de prova dos mesmos e as questões de direito, em plena igualdade com a autora. V. Em concretização do aludido princípio, por força do disposto no art. 415º, n.º1 e 2, do CPC, salvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem a audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas e, no que se refere às provas pré-constituídas, como os documentos juntos com a petição inicial, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respectiva admissão como da sua força probatória.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO.
AA intentou, contra BB, a presente acção declarativa com processo comum peticionando a condenação deste a:
a. proceder à reparação integral e definitiva das infiltrações no imóvel de que o Réu é proprietário;
b. proceder à integral substituição do tecto da cozinha da Autora;
c. picar as paredes danificadas na cozinha, no corredor e no quarto da Autora, devendo as mesmas ser ainda rebocadas, estucadas e pintadas;
d. proceder a todas as reparações necessárias a eliminar por completo todos estragos derivados das infiltrações;
e. pagar à Autora uma quantia nunca inferior a 2.500,00 Euros (dois mil e quinhentos Euros), a título de indemnização pela forma como o comportamento do Réu violou o direito que à Autora assiste de fruir na íntegra do seu imóvel, a que acrescem juros de mora contados à taxa legal desde a citação até efectivo e integral cumprimento.
Alega, em síntese, que:
- por contrato que celebrou em 01-04-2014 com o réu, este deu-lhe de arrendamento, para habitação própria, o imóvel situado na Rua..., Barreiro, mediante o pagamento de uma renda;
- desde 2020 que tem solicitado ao réu que proceda ao arranjo do telhado da cozinha do locado, que se encontra rachado, com infiltrações, o mesmo sucedendo no corredor da habitação;
- quando ocorrem infiltrações, não pode ligar a luz no locado, pois existe sério risco de curto circuito;
- existem fissuras nas paredes do locado;
- O poliban da casa de banho do locado está rachado;
- o réu, que nunca se negou a realizar obras de reparação, nada fez desde as primeiras interpelações;
- não dispõe de condições para realizar as obras de reparação a suas expensas;
- de acordo com o art. 1074º do NRAU, cabe ao réu, na qualidade de senhorio, executar as obras de reparação do acima referido.
*
O réu foi citado para contestar no prazo de 30 dias após receber a carta respectiva.
*
Por requerimento junto a 29-11-2023, o réu arguiu a nulidade da sua citação ao abrigo do art. 191º do CPC, alegando, em síntese, que:
- recebeu a carta de citação com documentos anexos à petição inicial completamente ilegíveis e incompreensíveis por estarem desfocados e excessivamente ampliados, o que impede as suas leitura e identificação, em violação do disposto no art. 219º, n.º3, do CPC;
- a formalidade exigida no aludido preceito destina-se a assegurar o cabal exercício do contraditório (art. 3º, n.º3, do CPC).
Foi anexada ao requerimento em referência procuração forense, outorgada pelo réu a favor da Ilustre Advogada subscritora do mesmo, além de a favor de outra, datada de 13-11-2023.
*
A 04-12-2023, foi proferido despacho nos seguintes termos, além do mais que não releva para a presente decisão:
“Veio o Réu, em requerimento avulso entrado em 29/11/2023 (30 dias após a sua citação, ou seja, no último dia do prazo normal para apresentar a sua contestação, podendo ainda ser apresentada até ao final do dia de hoje, mediante o pagamento da multa a que se reporta o artigo 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil), invocar a nulidade da sua citação por, alegadamente, os documentos anexos à petição inicial encontrarem-se ilegíveis e incompreensíveis por estarem desfocados e ampliados. Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do disposto no artigo 187.º, al. a), do Código de Processo Civil, é nulo todo o processado subsequente à petição inicial quando o Réu não tenha sido citado. Por sua vez, estabelece o artigo 188.º, n.º 1, do mesmo diploma que há falta de citação nos seguintes casos: a) Quando o acto tenha sido completamente omitido; b) Quando tenha havido erro na identidade do citado; c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; d) Quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade; e) Quando se demonstre que o destinatário da citação não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável. Nos termos do disposto no artigo 191.º, é ainda nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei (n.º 1), mas, nesse caso, a arguição só é atendida de puder prejudicar a defesa do citando. Nessa sequência, há que ter em consideração ainda o disposto nos artigos 571.º e 572.º do Código de Processo Civil, nos termos dos quais na contestação o réu poderá defender-se por excepção e/ou impugnação, expondo as razões de facto pelas quais se opõe à pretensão do autor. Ou seja, em sede de contestação o réu tem de defender-se de factos alegados pelo autor e não de documentos (os quais constituem um meio de prova), não havendo qualquer obstáculo à apresentação de uma petição inicial desacompanhada de qualquer documento. Daí se considerar que vicissitudes no envio de documentos anexos à petição inicial constituirá, quanto muito, uma irregularidade susceptível de sanação e nunca uma nulidade da citação em si mesma. Em qualquer dos casos, sempre se dirá que, compulsados os autos, constata-se que: • A Autora alega a existência de um contrato de arrendamento com o Réu e o incumprimento desse contrato pelo mesmo, concretamente, a não realização de obras no locado; • A citação, a ter sido recebida pelo Réu como agora o alega, apenas apresenta como documentos desconfigurados o contrato de arrendamento (que, ou existe e é do conhecimento do Réu, ou não existe e o Réu apenas terá de impugnar a sua existência), fotografias do locado, e o requerimento de apoio judiciário apresentado pelo Réu (o qual nem sequer constitui um meio de prova); • A procuração outorgada pelo Réu à sua Il. Mandatária foi subscrita em 13/11/2023, pelo que, pelo menos desde essa data, a mesma tem acesso electrónico aos autos e poderia facilmente consultar os documentos anexos à petição inicial e/ou requerer o reenvio dos mesmos. Assim, mesmo que se considerasse existir a preterição de uma formalidade essencial na citação, a mesma não era de todo atendível já que o réu estava e está em perfeitas condições de se defender perante o alegado pela Autora. Pelo que improcede a alegada nulidade do processado. *** Admitindo-se a existência de uma irregularidade no envio dos documentos remetidos ao Autor e sem prejuízo do mesmo já ter acesso ao processo electrónico, considerando o disposto no artigo 199.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, com a notificação do presente despacho remetam-se ao Autor os documentos anexos à petição inicial.”
A decisão em referência foi notificada às partes por correio electrónico expedido, através de termo elaborado na aplicação informática de apoio à actividade dos tribunais, a 04-12-2023 para os seus Ilustres Mandatários.
*
A 09-02-2024, foi proferido despacho onde, além de não admitir o recurso apresentado pelo réu referente à decisão de 04-12-2023 (que veio a ser confirmada, em sede de reclamação deduzida ao abrigo do art. 643º do CPC, por esta Relação em decisão proferida no apenso A a 06-06-2024), a primeira instância declarou confessados os factos articulados na petição inicial, cuja confissão não seja inadmissível, por força do disposto nos arts. 567º, n.º1, do CPC, e 354º do Cód. Civil, e ordenou as notificações previstas no art. 762º, n.º2, do CPC.
*
Após notificações das partes nos termos e para os efeitos do art. 567º, n.º2, do CPC, a 24-11-2024, foi proferida sentença com os seguintes termos em sede de dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a presente acção procedente por provada e decido condenar o Réu, BB, a proceder à reparação integral e definitiva das infiltrações no imóvel de que o Réu é proprietário e à integral substituição do tecto da cozinha da Autora, AA, picar as paredes danificadas na cozinha, no corredor e no quarto da Autora, devendo as mesmas ser ainda rebocadas, estucadas e pintadas, e proceder a todas as reparações necessárias a eliminar por completo todos estragos derivados das infiltrações; e ainda condenar o R. a pagar à A. a quantia 2.500,00 euros (dois mil e quinhentos euros), a título de indemnização pela forma como o comportamento do R. violou o direito que à A. assiste de fruir na íntegra do seu imóvel, a que acrescem juros de mora contados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral cumprimento, à taxa em vigor para juros de mora civis.”
*
Por requerimento junto a 20-01-2025, o réu interpôs recurso da decisão de 04-12-2023 e da sentença proferida a 24-11-2024, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
I. O Recorrente arguiu a nulidade da sua citação por não lhe terem sido facultadas cópias legíveis dos documentos juntos com a petição inicial em acção intentada contra si
II. Fê-lo no prazo da contestação e por considerar que existia violação «do preceituado pelos artigos 191º, 219º, n.º 3 do CPC e numa dimensão mais lata do princípio do contraditório consagrado no artigo 3º, n.º 3 do mesmo diploma legal.
III. O Tribunal a quo indeferiu essa arguição considerando que se tratava de simples irregularidade porque o R. defende-se de factos e não de documentos e porque o R. deveria ter conhecimento dos documentos em causa e porque a mandatária poderia ter tido acesso ao citius e consultado o processo antes do final do prazo da contestação.
IV. O Tribunal a quo parece concluir que a ilegibilidade dos documentos não tem qualquer relevância processual e seguramente não determinam nenhuma estratégia processual que o réu queira desenvolver.
V. Tal entendimento é, pelo Recorrente, absolutamente repudiado considerando-o atentatório das elementares regras da igualdade de armas, da igualdade das partes e da possibilidade concreta de escrutínio e apreciação de meios probatórios apresentados em juízo e que devem concorrer para a formação de um juízo justo e ponderado, subsumível ao direito.
VI. Os documentos sustentam - ou pretendem fazê-lo - factos que as partes alegam e, como tal, a sua junção e cabal compreensão pela parte contrária é imprescindível para assegurar o exercício do contraditório uma vez que só assim estará definido o objeto do processo sobre o qual as partes litigam.
VII. Aceitar a posição do Tribunal a quo seria pactuar com um entendimento muito pouco conforme com as exigências de uma tutela efetiva para se obter uma decisão justa e conforme a prova. Até porque, (mesmo) os juízes estão vinculados, nas suas decisões, a lei e aos factos que resultem provados.
VIII.A jurisprudência é uniforme e constante em reconhecer que a ilegibilidade dos documentos constitui uma preterição de formalidade essencial para citação, acto de importância fulcral no processo civil, e consequentemente tem-na declarado como nulidade sempre que é arguida.
IX. Neste sentido, entre tanto outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, tirado no processo n." 805/ 1 3.2TBGMR- A.G 1, de 26.09.2013, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21 de junho de 2022, tirado no proc. 2000/20.5T80VR- A.P1; Acórdão do Tribunal da Relação cie Lisboa, Acórdão de 07/07/2022, processo n." 25797/ I7.4T8SNT.LI-6;
X. O Tribunal a quo considerou que o R. já teria conhecimento dos documentos que tinham sido juntos por se tratar do contrato de arrendamento e fotografias do locado.
XI. Considerou erradamente e de forma muito precipitada: (i) não sabe o R, se o documento em causa é aquele que foi por si outorgado ou outro – e parece que o Tribunal também não tem forma de o afirmar porque tanto quanto o R. se recorda, não foi reconhecida a sua assinatura por quem o poderia fazer; (ii) também não sabe o R. se as fotografias juntas dizem respeito ao seu imóvel ou a outro qualquer, o que também não crê que o Tribunal esteja em condições de afirmar.
XII. O Tribunal a quo considerou ainda que a Mandatária do R. dispunha de procuração outorgada desde dia 13 de novembro e, consequentemente, poderia aceder aos autos para se inteirar dos documentos juntos.
XIII.O prazo da contestação, como qualquer prazo processual é unicamente administrado pelo seu beneficiário como este entenda por bem.
XIV. Fazer precludir a prática de um acto, designadamente a arguição de uma nulidade, suportada numa eventual falta de diligência da parte é entendimento que não tem qualquer suporte na lei processual portuguesa. Pior: seria uma transferência inaceitável de ónus.
XV. A perfeição da citação, nos exactos termos que a lei exige atenta a sua importância, é ónus da Secretaria e consequentemente do Tribunal. Não é da parte. A parte reage, arguindo a nulidade sempre que tal acto tenha sido omitido ou não tenham sido cumpridas as formalidades prescritas na lei. E fá-lo no prazo de que dispõe. Do primeiro ao último dia do prazo é sempre o mesmo prazo.
XVI. O que não parece, de todo, ser admissível é o Tribunal, no decorrer de um prazo processualmente determinado, presumir datas para exercício pelo Mandatário, as quais não sendo observadas, desqualificariam ou qualificariam uma falta que era do próprio Tribunal.
XVII. A simples junção da procuração para consulta dos autos como o Tribunal a quo sugere já foi declarada pelos Tribunais Superiores como renuncia à arguição da nulidade (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 3 de Janeiro de 202 3, tirado no processo n." 3108/22.8T8PRT.P1 ou Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, tirado no processo 401/10.6TBHTZ.P1), numa aplicação linear do disposto pelo artigo 189” do CPC.
XVIII. O Recorrente juntou a procuração e arguiu a nulidade da sua citação, de acordo com a estratégia processual que definiu, na salvaguarda dos seus interesses legítimos e com os elementos que lhe tinham sido transmitidos.
XIX. Porém, e para exercício, se tivesse tido essa iniciativa de juntar procuração e consultar na plataforma Citius o processo, daí resultaria um acréscimo de prazo para o R. poder contestar? É porque o prazo fixado pelo legislador é uno e assumindo que a citação cumpriu todas as formalidades essenciais. Como tal não se verificou, na tese do Tribunal a quo, dessa irregularidade acresceria prazo para contestar? E quem o fixava? Suportado em que critérios? No número de documentos? Na presunção de que eram conhecidos por todas as partes?
XX. A decisão recorrida é manifestamente ilegal e atentatória de regras elementares do processo: “O processo civil, cuja estrutura é dialética ou polémica, pois que se apresenta como um debate ou discussão entre as partes, reclama que cada uma delas se dê a possibilidade de deduzir as suas razões, de oferecer as suas provas, de controlar as do adversário e de discretear sobre umas e outras: é o princípio do contraditório (auditeur et altera para). I: tem que ser, também ele, a due process of law - um processo em que ambas as partes desfrutem de idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida (princípio da igualdade de armas).” Acórdão do Tribunal Constitucional de 2 de Dezembro de 1998;
XXI. Deve, por isso, ser substituída por outra que ordene a citação do R. anulando todo o processado posterior à arguição indeferida e ora impugnada, por ser de elementar justiça – cfr. 195º/2 do CPC;
XXII. Quando assim não se entenda, e porque os autos prosseguiram até ao final, sem que nunca o Recorrente fosse notificado dos documentos cuja ilegibilidade arguiu e sem possibilidade de exercer o seu contraditório, a sentença final também está eivada de vícios que impõem a sua nulidade ou quando assim não se entenda a sua revogação.
XXIII. Com efeito, a Recorrida não alegou qualquer causa de pedir que suportasse o pedido formulado no que se refere aos danos não patrimoniais.
XXIV. Não há qualquer facto que possa ser contraditado, escrutinado e muito menos provado que possa suportar um qualquer juízo jurisdicional.
XXV. E não há porque não há nenhum facto alegado sobre esta matéria e, muito menos, que permita o exercício jurisdicional que o disposto no art.º 496 do C.C. exige.
XXVI. A ora Recorrida não alegou qualquer facto constitutivo do dano não patrimonial, isto é, os factos que originaram o dano reclamado; não identificou o direito ou interesse juridicamente protegido lesado; não estabeleceu a existência de qualquer nexo de causalidade entre a conduta do R. e os danos sofridos- que nunca alegou - e também não densifica nenhuma gravidade dos mesmos.
XXVII. Numa palavra: é completa e totalmente omissa quanto os requisitos formais que a lei exige, quando é seu o ónus de tal alegação – cfr. art.º 5º/1 do CPC.
XXVIII. Como foi já decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 6 de Fevereiro de 2024, tirado no processo 1566/220.0T8GMR-A.S1: Causa de pedir é o ato ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido (5). Na petição inicial deve o autor indicar a causa de pedir (arts. 552-1-d e 581-4), isto é, alegar o facto constitutivo da situação jurídica material que quer fazer valer – ou, no caso da ação de simples apreciação da existência dum facto (art.10-3-a), os elementos que o integram, tratando- se do facto concreto que o autor diz ter constituído o efeito pretendido (6). A causa de pedir constitui um dos elementos indispensáveis da petição inicial. Representando o fundamento da pretensão de tutela jurisdicional formulada, a causa de pedir tem de ser invocada na petição, sem o que faltará a base, isto é, o suporte da ação. E acrescente-se que não basta uma menção genérica da situação factual, é necessário o relato concreto e específico dos factos cuja verificação terá feito nascer o direito invocado pelo autor (7). A omissão da causa de pedir conducente à ineptidão verifica-se quando falte totalmente a indicação dos factos que constituem o núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo concedentes do direito em causa(8).
XXIX. Consequentemente, a petição inicial dos presentes autos inepta e por essa razão é nula e assim deveria ter sido declarada, mesmo sem arguição da parte, face ao disposto pelos artigos artº 576º, do artº 577º/b) e 578º todos do CPC, e não o tendo feito o Tribunal a quo errou e fez errada interpretação do preceituado nas normas identificadas.
XXX. A sentença recorrida viola o dever de fundamentação estabelecido no disposto pelo art.º 154º do CPC, preceito que é densificação do estatuído no artigo 205º, n.º 1 da CRP e que o artigo 615/1/b) do CPC comina com a nulidade, aplicável quer às sentenças, quer aos despachos conforme art.º 613º/3 do CPC.
XXXI. O dever de fundamentação é um princípio do Estado de Direito, uma exigência constitucional, que visa o controle da legalidade da decisão pelos seus destinatários, a eventual sindicância pelos tribunais de recurso e impedir qualquer livre-arbítrio do julgador.
XXXII. É o que nos ensinam os comentadores Gomes Canotilho e Vital Moreira, citados no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/98, relatado pela Senhora Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza: “… há-de entender-se que o dever de fundamentação é uma garantia do próprio conceito de Estado de direito democrático..., ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a decisão da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial de garantia do direito ao recurso. Nestes casos, particularmente, impõe-se a fundamentação ou a motivação fáctica dos actos decisórios através de exposição concisa e completa dos motivos de facto, bem como das razões de direito que justificam a decisão.”
XXXIII. Este dever de fundamentação é de tal forma estruturante para o legislador ordinário que a sua violação, no processo civil, é sancionada com a nulidade da decisão quando não sejam especificados os fundamentos de facto e de direito - art.º 154º, 613º/3 e 615º/1/b) do C.P.C.
XXXIV. A sentença recorrida é omissa na sua fundamentação e nessa medida impede, desde logo, descortinar os concretos fundamentos que o suportam.
XXXV. A questão que de imediato se coloca é saber que ponderação e motivos determinam a o valor indemnizatório de 2500 euros, para que seja possível conhecer, interpretar e até sindicar o mesmo.
XXXVI. Como pode o Recorrente compreender e apreender a razão pela qual o Tribunal chegou àquele juízo e não outro, qual o raciocínio lógico que seguiu, quais os argumentos em que se baseou.
XXXVII. O regime que decorre o artigo 496 do Código Civil não convoca – não poderia fazê-lo – um juízo individual do titular dos autos. Convoca, isso sim, um critério normativo que exige uma apreciação e ponderação dos factos enunciados pelas partes. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2.07.2015, o qual estabelece que “o critério da justificação não é o critério individual do juiz do processo, caso em que a decisão seria discricionária, mas é verdadeiramente um critério normativo”.
XXXVIII. As decisões recorridas violam o disposto pelos artigos 3º, n.º 3, 187/a), 18ºº, 191 e 219, nº 3 do CPC; 5º/1, 186/1/2/a), 278º/2, 552º/1/d), 576º, 577º/b) e 578, do CPC e 484º, 494º e 496º do Código Civil, e ainda 205º, n.º 1 da CRP e 154º/1 e 607º do CPC, levando à sua revogação, quanto ao despacho recorrido e à declaração de nulidade da sentença final, o que deve ser declarado por ser de elementar Justiça!
*
Não foi apresentada resposta.
*
A 10-03-2025, o recurso foi admitido, com subida nos autos e com efeito suspensivo, o que foi alterado por este Tribunal que, por decisão de 13-05-2025, fixou efeito devolutivo, com arrimo no art. 647º, n.º1, do CPC.
*
II.
1.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635º, n.º4, 636º e 639º, n.º1 e 2, do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art. 608º, n.º2, parte final,ex vi do art. 663º, n.º2, parte final, ambos do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Tendo isto presente, no caso, atendendo às conclusões transcritas, no que tange ao recurso da decisão proferida a 04-12-2023, a intervenção deste Tribunal é circunscrita à seguinte questão:
- Saber se ocorre de erro na decisão recorrida ao julgar não verificada a nulidade de citação.
No que respeita ao recurso da sentença proferida a 24-11-2024, a intervenção deste Tribunal respeita às seguintes questões, considerando a sua dependência lógica, caso não se conclua pela procedência do primeiro recurso referido:
- saber se a decisão padece da nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. b), do CPC,
- saber se a petição inicial é inepta.
*
2.
- Recurso da decisão proferida a 04-12-2023.
No que respeita ao primeiro recurso acima referido, a factualidade a ponderar na presente decisão é a que resulta da marcha do processo, acima descrita, que aqui se dá por reproduzida.
A citação é o acto pelo qual se dá o conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender, sendo que também se destina a chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa, como resulta do art. 219º, n.º1, do CPC.
A citação tem por finalidade assegurar o direito do demandado a defender-se, de modo a evitar que seja surpreendido por uma decisão judicial não esperada, que desconhecia, sendo uma concretização do princípio do contraditório previsto no art. 3º, n.º3, do CPC.
A citação pode ficar afectada por duas espécies de vícios distintos, que são a falta de citação e a nulidade da citação.
O primeiro vício ocorre quando a citação não é praticada na direcção do destinatário (art. 188º, n.º1, als. a) e b), do CPC), sendo equiparada a tal, além do mais, a situação de certeza de que, sem culpa sua, o réu não chegou a ter conhecimento da citação quase-pessoal, por não lhe ter sido comunicada por quem a recebeu ou por não ter podido ver a nota da citação afixada nem dela ter sabido (art. 188º, n.º1, al. e), do CPC).
O segundo vício verifica-se quando a citação se realiza com falta de alguma formalidade prescrita na lei (art. 191º, n.º1, do CPC), isto é, quando a citação, efectuada, não contempla algum elemento, de conteúdo ou de forma, determinado pelo art. 227º do CPC ou pelo regime específico da modalidade de citação praticada – cf. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, 5ª edição, 2023, Gestlegal, p. 94 e ss.).
A falta de citação constitui uma nulidade absoluta, de conhecimento oficioso e determina a anulação de todo o processado, após a petição inicial (cf. art. 187º, al. a), do CPC).
A nulidade da citação é considerada uma nulidade secundária, que só pode ser alegada pelo demandado (art. 191º, n.º2, do CPC), sendo relevante apenas a que importar prejuízo para a defesa do réu (art. 191º, n.º4, do CPC).
Na falta de citação, se o citando intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade (art. 189º do CPV).
Na nulidade da citação, o prazo para a sua arguição é o que tiver sido indicado para a contestação salvo quando esteja em causa a citação edital ou a ausência de indicação de prazo para a defesa, situações em que a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo (art. 191º, n.º2, do CPC), sem prejuízo do previsto no art. 191º, n.º3, do CPC, que não releva para a economia da presente decisão. Não sendo a nulidade da citação arguida nos momentos referidos, considera-se a mesma sanada.
O art. 227º, n.º1, do CPC, dispõe que o acto de citação implica a remessa ou entrega ao citando de duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem, comunicando-se-lhe que fica citado para a acção a que o duplicado se refere, e indicando-se o tribunal, juízo e secção por onde corre o processo, se já tiver havido distribuição.
O número 2 do mesmo artigo estatui que, no acto de citação, indica-se ao destinatário o prazo dentro do qual pode oferecer a sua defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre em caso de revelia.
No que respeita aos elementos a remeter ou a entregar ao citando, mencionados no art. 227º, n.º1, do CPC, devem os mesmos ser legíveis, de forma a permitir-lhe a plena compreensão do objecto da citação, como decorre do art. 219º, n.º3, do CPC.
Na decisão impugnada assumiu-se que os documentos remetidos ao réu com a citação, juntos com a petição inicial, eram inelegíveis e incompreensíveis por estarem desfocados e ampliados, em violação do disposto no art. 227º, n.º1, e 219º, n.º3, do CPC.
A situação verificada é apta a afectar a defesa do réu e, por isso, a constituir a nulidade da citação acima mencionada, ao invés do assumido na decisão impugnada.
Na verdade, estando o réu impossibilitado de apreender o teor dos documentos juntos com a petição inicial, designadamente, como alegado pela autora, da cópia do contrato de arrendamento invocado na petição inicial e das fotografias das deteriorações do locado cuja reparação peticiona, verifica-se um claro comprometimento da faculdade, que lhe assiste, por força do disposto no art. art. 3º, n.º3, do CPC, de participar de modo efectivo no desenvolvimento de todo o litígio, designadamente, pronunciando-se sobre todos os elementos que tenham ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e que se mostrem potencialmente relevantes para a decisão a proferir, como os factos, os meios de prova dos mesmos e as questões de direito, em plena igualdade com a autora (cf., a propósito: o acórdão do TRE de 11-01-2024, processo n.º 2271/22.2T8STR.E1, acessível em dgsi.pt; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, Almedina, Coimbra, 4ª edição, p.29).
Importa reter que, em concretização do aludido princípio, por força do disposto no art. 415º, n.º1 e 2, do CPC, salvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem a audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas e, no que se refere às provas pré-constituídas, como os documentos juntos com a petição inicial, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respectiva admissão como da sua força probatória.
Na situação dos autos, entende-se que o réu ficou com o direito de se pronunciar sobre os elementos de prova apresentados pela autora, nos termos acima referidos, claramente comprometido, atento o desconhecimento, por motivo que não lhe é imputável, do seu teor.
Já acima se referiu que o réu dispõe do prazo que lhe foi comunicado para contestar para arguir a nulidade da citação, por força do disposto no art. 191º, n.º2, do CPC, sob pena de a mesma se considerar sanada.
Como se assume na decisão recorrida, o requerimento onde o réu arguiu a nulidade da citação foi apresentado dentro do prazo, consagrado no art. 569º, n.º1, do CPC, de que o mesmo dispunha para contestar e lhe foi comunicado.
Mostrando-se arguido tempestivamente, o vício da citação verificado importa a sua anulação bem como a anulação do processado subsequente dela dependente, onde se inclui o despacho de 09-02-2024, no segmento em que declarou confessados os factos articulados na petição inicial e ordenou as notificações previstas no art. 762º, n.º2, do CPC, e a sentença proferida a 24-11-2024.
Tenha-se em atenção que a circunstância de a procuração forense apresentada pelo réu nos autos com o requerimento onde formula a aludida arguição se mostrar datada de 13-11-2023, sendo anterior à apresentação do mesmo, não coloca em causa o afirmado. Na verdade, a arguição do vício processual em referência pode ser deduzida no prazo de apresentação da contestação, conforme previsto no art. 191º, n.º2, do CPC, não estando a mesma sujeita a outro prazo que não esse, por ausência de previsão legal.
A decisão recorrida deve, pelo exposto, ser revogada e substituída por outra que anule a citação e o processado subsequente dela dependente, conforme acima referido.
Conclui-se, assim, pela procedência do recurso do despacho proferido a 04-12-2023.
*
3.
A anulação da sentença recorrida compromete, por inutilidade, o conhecimento do recurso dela interposto.
Pelo exposto, decide-se não conhecer de tal recurso.
*
4.
O recorrente deverá suportar as custas do recurso, posto que dele retirou proveito (art. 527º, n.º1, do CPC).
*
III.
Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção em julgar o recurso procedente e, em consequência:
a. Revogam a decisão recorrida, proferida a 04-12-2023;
b. Anulam a citação e o processado subsequente dela dependente, onde se inclui o despacho de 09-02-2024, no segmento em que declarou confessados os factos articulados na petição inicial e ordenou as notificações previstas no art. 762º, n.º2, do CPC, e a sentença proferida a 24-11-2024;
c. Decidem não conhecer do recurso da sentença, proferida a 24-11-2024.
Custas do recurso pelo recorrente.
Notifique.
*
Lisboa, 22 de Maio de 2025.
Os Juízes Desembargadores, Fernando Caetano Besteiro Susana Gonçalves Higina Castelo