ARRESTO
EXTINÇÃO DE EXECUÇÃO EM EMBARGOS DE EXECUTADO
TÍTULO EXECUTIVO
NÃO CERTIFICAÇÃO DA OBRIGAÇÃO EXEQUENDA
CASO JULGADO
INSTAURAÇÃO DE AÇÃO DECLARATIVA PARA RECONHECIMENTO DO CRÉDITO
Sumário

A declaração de extinção da execução em sede de embargos de executado com fundamento em que a certificação da obrigação exequenda não emerge do titulo executivo, não envolvendo uma decisão de mérito, não forma caso julgado (material), não impedindo que o credor instaure ação declarativa com vista ao reconhecimento da existência do seu crédito.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Relator: Maria João Areias
1º Adjunto: Anabela Marques Ferreira
2º Adjunto: Paulo Correia

                                                                                               

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

AA intenta o presente procedimento cautelar de arresto contra BB,

alegando em síntese:

o requerente foi casado com a requerida e dela se divorciando em 2017;

à data do divórcio uma conta bancária co-titulada por ambos junto do Banco 1..., onde se encontrava depositado o montante de €141.159,63, pertença de ambos, em comum;

instaurado processo de inventário notarial para partilha de bens comuns após divórcio, ficou a constar na Relação de Bens, após decisão das reclamações, o “Saldo bancário e aplicações financeiras associadas à conta bancária n.º ...17 de que Requerente e Requerida são contitulares junto do Banco 1..., no valor de EUR 141.159,63”;

elaborado o mapa da partilha foi adjudicado ao requerente €105.951,73, partilha homologada por sentença judicial de 20.09.2022;

a requerida realizou sucessivas operações a débito sobre a aludida conta bancária, mobilizando os fundos em seu proveito, à sua revelia e sem o seu consentimento ou autorização, deixando na conta apenas o montante de €305,72;   

o requerente instaurou processo de execução ao qual a Requerida deduziu embargos de executado, os quais foram julgados procedentes por sentença de primeira instância que ditou  a extinção da instância por falta de título executivo, decisão essa confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra;

o Requerente é credor da Requerida no montante de €127.544,27, até ao momento, considerando o capital e os juros já vencidos;

nos autos de execução apurou-se que a requerida tem como património saldos junto do Banco 1... que perfazem o valor conjunto de €4.913,37, reembolso do IRS no valor de €64,39; um vencimento laboral de €900,00 de remuneração base, dois prédios urbanos com penhora a favor do requerente, mas com cancelamento a breve prazo em face do trânsito da sentença de extinção da execução ao abrigo da qual foram registadas; que tais prédios foram postos à venda pela requerida estando iminente a propriedade passar para terceiro adquirente;

Conclui pedindo o decretamento do arresto de dois prédios urbanos que identifica, vencimento e retribuições e saldos e aplicações da requerida em contas bancárias de que seja titular, para segurança e garantia do crédito que invoca no montante de €127.544,27, acrescido ainda dos juros de mora, às taxas legais sucessivas fixadas para os créditos civis que se vencerem desde 13.10.2024 e até efetivo e integral pagamento.

 Procedeu-se a audiência de produção de prova, na qual se procedeu à  inquirição das testemunhas indicadas pelo requerente, após o que foi proferida a seguinte

Decisão:

I - Julgar procedente a presente providência requerida por AA e, em consequência, decretar o arresto dos seguintes bens, pertença da requerida BB, para garantia necessária e suficiente ao pagamento da quantia de €127.544,27, juros de mora vincendos e legais acréscimos, bem como das despesas previsíveis da ação.

i. Prédio urbano composto por parcela de terreno para construção (designado por lote 2, com a área total de 787 m2, situado em Quinta ..., ..., concelho ...), inscrito na matriz sob o artigo ...76 (da União das Freguesias ... – CC, ... e ...) e descrito na C.R.P. ... sob a descrição ...12, freguesia ...;

ii. Prédio urbano composto por parcela de terreno para construção (designado por lote 1, com a área total de 787 m2, situado em Quinta ..., ..., concelho ...) inscrito na matriz sob o artigo ...74 (da União das Freguesias ... – CC, ... e ...) descrito na C.R.P. ... sob a descrição ...12, freguesia ...;

iii. Saldos e aplicações financeiras que a requerida seja titular em contas bancárias existentes em instituições bancárias e de crédito a operar em Portugal;

II – Nomeia-se DD como agente de execução, a qual se constituirá também como fiel depositária dos bens arrestados, devendo a mesma, após notificada, dar cumprimento ao disposto nos art.s 780º do CPC e art.s 17º e 18º da Portaria n.º 282/13, de 29-08; e art. 755º, sem prejuízo do circunstancialismo previsto nos art.s 753º-1 e 756º-1, ex vi do disposto no art. 391º-2, todos do CPC.

III – Indeferir o arresto nos demais bens requeridos.

IV - Condenar o requerente no pagamento das custas.

Citada para deduzir oposição ou recorrer, a Requerida optou pela interposição de recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

(…).


*
Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Impugnação do facto dado como provado sob o ponto 13
2. Ausência de factos que justifiquem a existência de um direito de crédito
3. Se a decisão violou o caso julgado resultante do Acórdão proferido no âmbito dos embargos de executado deduzidos em anterior execução.
*
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

A – Matéria de facto

O tribunal a quo proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto:

Factos provados:

1.Requerente e Requerida contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial, no dia 22.09.2001.

2.No dia 07.01.2016 a Requerida instaurou os autos de processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, os quais correram termos sob o n.º 38/16.... junto do Juiz 1 do Juízo de Família e Menores de Caldas da Rainha, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.

3.Tal divórcio veio a ser decretado por sentença judicial de 02.05.2017, transitada em julgado em 01.06.2017.

4.Nesses autos de divórcio foi junta uma relação de bens onde, sob a verba n.º 3, se consignou existir uma conta bancária junto do Banco 1..., cujos valores aí depositados eram bem comum do anterior casal.

5.A essa conta bancária junto do Banco 1... corresponde-lhe o n.º ...17....

6.A dita conta tinha como titulares o requerente e a requerida e o saldo bancário da dita conta era comum.

7.Em 07.01.2016 – data da instauração da ação de divórcio – encontrava-se depositada, na aludida conta, a importância de €141.159,63, sendo o montante de €1.159,63 em depósito à ordem e o montante de €140.000,00 na aplicação “Conta Rendimento Mensal” sob o n.º ...54.

8.No dia 17.08.2016, a Requerida, à revelia da vontade e sem o consentimento ou autorização do requerente, deu ordem unilateral de transferência da quantia de €135.000,00 daquela conta para crédito na conta n.º ...08 junto daquela mesma instituição bancária (Banco 1...), deixando na conta do anterior casal o montante de €305,72.

9.A dita importância foi transferida pela Requerida para crédito na conta de que é titular EE.

10. Em 22.08.2016 a Requerida deu ordem de transferência da importância de €135.000,00 sobre a referida conta n.º ...08 de que é titular EE, a favor da conta n.º ...04 de que a Requerida é também titular junto do Banco 1....

11. Em 08.09.2016 a Requerida deu ordem de transferência da importância de €98.500,00 da conta n.º ...04 junto do Banco 1... para a conta a que corresponde o IBAN  ...73.

12. O Requerente reagiu através da instauração de uns autos de procedimento cautelar de arrolamento que correram termos por apenso aos indicados autos de divórcio, sob o n.º 38/16.....

13. Do modo descrito a Requerida fez sua a totalidade do saldo bancário, no valor de €141.159,63, depositado em conta conjunta de Requerente e Requerida e existente à data da instauração do divórcio e à partilha do património do ex-casal.-

14. Correu termos processo de inventário sob o n.º ...7, junto do Cartório Notarial ..., a cargo da Notária FF, e nele ficou a constar, sob a verba n.º 1 do Ativo da Relação de Bens, após decisão das reclamações, o “Saldo bancário e aplicações financeiras associadas à conta bancária n.º ...17 de que Requerente e Requerida são contitulares junto do Banco 1..., no valor de €141.159,63”.

15. Elaborado o mapa da partilha, foi então adjudicado, “em parte e na proporção de trinta e cinco mil duzentos e sete euros e oitenta e nove cêntimos para a interessada BB e em parte e na proporção de cento e cinco mil novecentos e cinquenta e um euros e setenta e três cêntimos ao interessado AA (...)”.

16. A referida partilha de bens, por inventário, foi homologada por sentença judicial de 20.09.2022, transitada em julgado em 31.10.2022, proferida nos autos de processo que sob o n.º 1497/22.... correu os seus termos junto do Juiz 1 do Juízo de Família e Menores das Caldas da Rainha.

17. O Requerente instaurou processo de execução que correu termos sob o n.º 656/23.... do Juiz 2 do Juízo de Execução de Alcobaça.

18. A Requerida deduziu embargos de executado, os quais correm por apenso aqueles sob a letra “A”.

19. Tais embargos foram julgados procedentes por sentença de primeira instância que ditou a extinção da instância por falta de título executivo.

20. De tal decisão o Requerente recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por decisão singular, confirmou a sentença de primeira instância, consignando o seguinte: “No inventário em questão, foi adjudicado ao Exequente, nomeadamente, parte da Verba Um, correspondente a parte do saldo bancário e aplicações financeiras associadas à conta bancária n.º ...17 de que Exequente e Executada eram contitulares junto do Banco 1..., no montante de EUR 105.951,73. Esta adjudicação decorre de anterior decisão (4.3.2020) que, certificando o saldo à data de 7.1.2016, mandou corrigir o valor da verba 1 para 141.159,63€. Esta decisão preocupou-se apenas com a definição do valor à data do pedido de divórcio, não julgando factos anteriores ou posteriores relativos a movimentos da conta e à motivação de tais movimentos. No inventário, não consta, em parte alguma, que a quantia monetária objeto da execução se encontre na posse da executada. Declarou-se ainda naquele que não havia tornas a pagar ou a receber. A conta titulada por ambos está agora encerrada. Depositário era o Banco 1.... Neste contexto, alega o Exequente, no seu requerimento executivo: “5.º - De facto, desde a data da instauração do divorcio e até ao encerramento da sobredita conta bancária, os fundos que aí se encontravam depositados foram movimentados pela Executada, que os fez exclusivamente seus.” O inventario não discutiu ou decidiu sobre isso. O ónus da afirmação é do Exequente, mas não poderá prová-la na fase introdutória da execução (ultrapassada), que não está preparada para esse efeito (arts.714 a 716 do Código de Processo Civil). A certificação da afirmação, definindo a responsabilidade da Executada, tinha de estar já feita na sentença em execução. Sendo certo que a sentença homologatória de partilha poderá́ constituir titulo executivo para efeitos de assegurar a efetivação dos direitos dos respetivos intervenientes, sê-lo-á apenas dentro dos limites do que tenha sido discutido e decidido no inventario. Não estando obtidos os factos pertinentes, não é possível ajuizar sobre o pedido de má fé (conclusão O). Decisão. Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida”.

21. Nos autos de execução a instância foi declarada extinta pela procedência dos embargos deduzidos.

22. Nesses autos de execução foi possível apurar que à Requerida é apenas conhecido o património seguinte:

a) Saldos bancários junto do Banco 1... no valor de €4.913,37;-

b) Reembolso do IRS no valor de €64,39;

c) Vencimento que a Requerida auferiu na qualidade de trabalhadora por conta de outrem junto da A..., Lda., tendo sido penhorado, até ao termo deste vínculo laboral, o valor global de €900,00 de remuneração base;

d) Vencimento que a Requerida aufere na qualidade de trabalhadora por conta de outrem junto da B... & C.ª, Lda. (NIPC ...20), no valor mensal de €900,00 de remuneração base;

e) Prédio urbano composto por parcela de terreno para construção, designado por lote 2, com a área total de 787 m2, situado em Quinta ..., ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...76 da União das Freguesias ... – CC, ... e ..., e descrito junto da Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...12, freguesia ...;

f) Prédio urbano composto por parcela de terreno para construção, designado por lote 1, com a área total de 787 m2, situado em Quinta ..., ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...74 da União das Freguesias ... – CC, ... e ..., e descrito junto da Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...12, freguesia ...;

23. Embora sobre os indicados prédios exista uma penhora lavrada a favor do Requerente, a mesma será, a curto prazo, cancelada em decorrência da procedência dos embargos de executado e da extinção da execução, bem como libertada a penhora que incide sobre o mencionado depósito bancário e ainda sobre os vencimentos.

24. A Requerida tem vindo a requerer de forma insistente quer ao Tribunal, quer ao Agente de Execução, para que este proceda ao cancelamento das sobreditas penhoras.

25. A Requerida colocou à venda os prédios supra indicados no ponto

22.-e)-f), a qual vem a ser publicitada pela imobiliária «C...».

26. A mencionada imobiliária contactou o Requerente informando-o de que existirá um interessado em adquirir os prédios.

27. Tal como contactou o Agente de Execução nomeado no propósito de concretizar essa transação.

28. No dia 14.10.2024 a mencionada imobiliária informou, quanto ao estado da venda dos lotes outrora anunciados no sítio da internet daquela agência, que os lotes haviam sido retirados do site da imobiliária porquanto, embora ainda não celebrada a escritura pública, já se encontram vendidos, existindo sinal prestado.

29. A requerida, no que respeita a património imobiliário, apenas é titular dos imóveis acima identificados no ponto 22, e) e f), cujo valor patrimonial atual dos mesmos, para efeitos de CIMI, determinado no ano de 2021, é de €62.696,55 e de €62.787,90, respetivamente.

Factos não provados:

Não se apuraram outros factos.


*

1. Impugnação da matéria de facto

(…).


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B. Subsunção dos factos ao direito

2. Ausência de factos que justifiquem o crédito.

Insurge-se a Apelante contra a decisão que decretou o arresto de parte dos seus bens, com fundamento em que não se encontra provado um único facto que demonstre que o requerente tem um direito de crédito sobre a requerida:

- o facto 15. menciona o conteúdo do mapa de partilha, mas não refere, nem existem provas que o sustentem, que a quantia adjudicada ao requerente se encontra na posse do requerido, nem que este não a tivesse já recebido e muito menos que a requeria esteja obrigada a entregar tal quantia ao requerente, fosse sob a forma de tornas ou qualquer outra via.

Não é essa a leitura que fazemos dos factos dados como provados:

- à data da instauração do divórcio, encontrava-se depositada na referida conta comum o montante de 141.159,63 € (ponto 7);

- no processo de inventário subsequente ao divórcio ficou a constar como verba nº1 do ativo da relação de bens o “saldo bancário e aplicações financeiras associadas à conta bancária n.º ...17, de que requerente e requerida são contitulares junto do Banco 1..., no valor de 141.159,63 € (ponto 14);

- elaborado o mapa da partilha tal saldo foi adjudicado “em parte e na proporção de 35.207, 89€ para a interessada BB e em parte e na proporção de 105.951,73 € ao interessado AA.

Se o saldo de tal conta – do qual 105.951,73 € foi adjudicado ao aqui requerente – foi transferido, na sua quase totalidade pela Requerida para contas bancárias a que o requerido não tinha acesso, o requerido ficou com um crédito sobre a requerida no montante correspondente à parte que lhe fora adjudicada.

Quanto à alegação, em sede alegações de recurso, de que o requerido já recebeu o montante do dinheiro que lhe foi adjudicada, é completamente inócua –a requerida só se poderia socorrer de tal meio, mediante dedução de oposição ao arresto, incumbindo-çje na só a sua alegação, mas também, a respetiva prova.

Como tal, dúvidas não nos ficam de que o requerente do arresto alegou e demonstrou indiciariamente factos que tornam provável a existência do crédito, em conformidade com o exigido pelo artigo 392º, nº1 do CPC.


*

 3. Se a sentença ao considerar verificada a existência do crédito viola o caso julgado

Segundo a Apelante, ao considerar verificada a existência de um crédito, o tribunal fez tabua rasa dos fundamentos sustentados pelo tribunal da relação proferido no âmbito da execução instaurada pelo requerente contra a requerida, para no processo de embargos rejeitar a ideia de que o requerente fosse titular de um título executivo:

nesse acórdão, foi decidido que de nenhum dos documentos juntos resulta que a requerida seja devedora de qualquer quantia ao ali embargado – “No inventário, não consta em parte nenhuma que a quantia monetária objeto da execução se encontre na posse da executada”, e que “Declarou-se ainda naquele que não havia tornas a pagar ou a receber”, afirmando-se ainda que, “a conta titulada por ambos está agora encerrada”.

Desde já adiantamos não assistir qualquer razão à Apelante.

A oposição à execução assume a natureza de uma contra-acção[1] tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da ação que nele se baseia.

O pedido formulado na oposição à execução é o da extinção da execução, total ou parcial, tendo por fundamento uma oposição de mérito – a atual inexistência do direito exequendo –, ou a falta de um pressuposto processual (ex., falta de competência), incluindo a falta de título executivo, obstando ao procedimento da causa por inadmissível[2].

O atual Código veio resolver uma questão altamente debatida na doutrina e na jurisprudência, aditando uma norma segundo a qual “A decisão de mérito proferida nos embargos à execução constituiu, nos termos gerais, caso julgado (material) quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda (artigo 732º, nº 6).

Nos embargos deduzidos à execução instaurada pelo aqui requerente, com vista à cobrança do crédito aqui em causa, o tribunal veio a julgar extinta a instância executiva com fundamento em que os documentos que serviram de base à execução não constituíam título executivo suficiente:

“No inventário em questão, foi adjudicado ao Exequente, nomeadamente, parte da Verba Um, correspondente a parte do saldo bancário e aplicações financeiras associadas à conta bancária n.º ...17... de que Exequente e Executada eram contitulares junto do Banco 1..., no montante de EUR 105.951,73. Esta adjudicação decorre de anterior decisão (4.3.2020) que, certificando o saldo à data de 7.1.2016, mandou corrigir o valor da verba 1 para 141.159,63€. Esta decisão preocupou-se apenas com a definição do valor à data do pedido de divórcio, não julgando factos anteriores ou posteriores relativos a movimentos da conta e à motivação de tais movimentos. No inventário, não consta, em parte alguma, que a quantia monetária objeto da execução se encontre na posse da executada. Declarou-se ainda naquele que não havia tornas a pagar ou a receber. A conta titulada por ambos está agora encerrada. Depositário era o Banco 1.... Neste contexto, alega o Exequente, no seu requerimento executivo: “5.º - De facto, desde a data da instauração do divorcio e até ao encerramento da sobredita conta bancária, os fundos que aí se encontravam depositados foram movimentados pela Executada, que os fez exclusivamente seus.” O inventario não discutiu ou decidiu sobre isso. O ónus da afirmação é do Exequente, mas não poderá prová-la na fase introdutória da execução (ultrapassada), que não está preparada para esse efeito (arts.714 a 716 do Código de Processo Civil). A certificação da afirmação, definindo a responsabilidade da Executada, tinha de estar já feita na sentença em execução. Sendo certo que a sentença homologatória de partilha poderá constituir titulo executivo para efeitos de assegurar a efetivação dos direitos dos respetivos intervenientes, sê-lo-á apenas dentro dos limites do que tenha sido discutido e decidido no inventario. Não estando obtidos os factos pertinentes, não é possível ajuizar sobre o pedido de má fé (conclusão O). Decisão. Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida”.

O que se afirma em tal acórdão é que da certidão do inventário que terá constituído título executivo não resulta que o exequente seja titular de algum crédito sobre a requerida, uma vez que o mesmo depende, da alegação e prova, por parte do exequente, de que “desde a data da instauração do divorcio e até ao encerramento da sobredita conta bancária, os fundos que aí se encontravam depositados foram movimentados pela Executada, que os fez exclusivamente seus”, prova essa que não pode ser efetuada na execução.

E, efetivamente, tal prova é estranha ao processo executivo. A obrigação exequenda tem de constar do título exequendo, de modo a dele se presumir a existência da obrigação, presunção que só por meio de embargos de executado poderá ser ilidida.

Como sustenta Abrantes Geraldes, o interessado pode ser detentor de um direito de crédito, mas só a materialização do mesmo num documento a que seja atribuída força executiva permite instaurar a ação tendente ao cumprimento coercivo da correspondente obrigação[3].

O título executivo não só se assume como condição essencial, como é, por regra autossuficiente quanto à determinação do objeto da execução, fazendo presumir a existência do crédito nele materializado, dispensando, em geral, a alegação e prova de quaisquer outros factos.

O crédito que se pretende executar tem de se mostrar reconhecido ou constituído no título exequendo (singular ou complexo), não sendo permitida ao exequente a produção de qualquer prova suplementar fora dos casos previstos nos artigos 715º e 716 do CPC (obrigação condicional ou dependente de prestação ou quando é necessário proceder a liquidação prévia).

Contudo, o facto de tal prova não poder ser efetuada no âmbito do processo executivo não significa que o não possa ser mediante ação declarativa instaurada para o efeito.

Declarada extinta a instância executiva por insuficiência do título para o crédito que se pretende executar, pode o exequente instaurar ação declarativa com vista ao reconhecimento do seu crédito.

Na sentença proferida nos embargos de executado não se afirma que o crédito exequendo não exista – não é apreciada a existência, validade ou exigibilidade da obrigação –, mas, tão só, que o mesmo não se mostra refletido no título apresentado como base da execução, inexistindo qualquer contradição ou oposição entre a decisão proferida no âmbito dos embargos de executado e a decisão recorrida.

Como tal, não se pode aqui falar de caso julgado (material), porquanto, como já se referiu antes, a declaração de inexistência de título para cobrança da quantia exequenda, assentou num fundamento processual.

A apelação será de improceder.


*

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Custas a suportar pela Apelante.

Notifique

                                                    Coimbra, 13 de maio de 2025


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
(…).


 


[1] Anselmo de Castro, “Ação Executiva Singular”, pp. 44 e 274, e José Lebre de Freitas, “A Ação Executiva, à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, Coimbra Editora, p. 212.
[2] Cfr., Rui Pinto, “A Ação Executiva”, AAFDL Editora, 2018, pp. 371-372.
[3] “Títulos Executivos”, in THEMIS, Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano IV – nº7 – 2003, “A Reforma da Ação Executiva”, p. 36.