I – O regime regra de reparação de acidentes de trabalho assenta no risco da actividade, o que significa que este corre por conta da entidade empregadora, obrigada a transferir a respectiva responsabilidade para entidades autorizadas a realizar seguro. Quer isto dizer que se estabeleceu uma responsabilidade civil objectiva que prescinde da culpa do empregador ou de outrém, instituindo-se a obrigatoriedade do seguro privado - em detrimento da opção de outros países que integrarem este regime na segurança social.
II – Visa-se com este sistema garantir a protecção do trabalhador - privado da sua capacidade de ganho/trabalho -, ainda que a culpa não seja atribuível a alguém, pelo que, por razões de reconhecido interesse público e social, faz-se recair a responsabilidade pela reparação sobre quem detém a autoridade, organiza e desenvolve a actividade e dela mais beneficia.
III – A lei de reparação de acidentes de trabalho é precisamente um dos casos de excepção em que há responsabilidade pelo risco - a par, mormente, dos acidentes causados por veículos. Mas também porque assim é, a reparação não abrange todos os danos, mas tão só os que visam compensar a perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho, ou visam ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de ganho ou de trabalho e sua recuperação para a vida activa, o que está expresso em várias das normas - 23º, a), 48º. E, concordantemente, as prestações a que o trabalhador/beneficiário tem direito são tarifadas, isto é, são apenas as especificadas na lei especial de reparação de acidentes de trabalho, tais como prestações em espécie e prestações em dinheiro, entre estas a pensão em caso de incapacidade permanente ou morte, a indemnização em caso de incapacidade temporária, o subsidio por situação de elevada incapacidade permanente, o subsidio de readaptação da habitação, a prestação para assistência a terceira pessoa, entre outras – arts. 23º, 25º, 47º, 48º LAT.
IV – Por isso e por regra, a indemnização dos danos não patrimoniais não se encontra, consequentemente, abrangida pelo regime de reparação de acidentes de trabalho porque este se baseia no risco e aquela não faz parte das prestações tipificadas, sendo esta a lógica que subjaz ao regime garantístico de acidentes de trabalho.
V – A LAT salvaguardou, contudo, a possibilidade de reparação da totalidade dos prejuízos, incluindo os não patrimoniais, em casos de actuação culposa do empregador, seu representante, ou alguém por ele contratada, mormente se resultar de falta de observação por estes das regras sobre segurança e saúde no trabalho, determinando o artigo 18º, n.º 1, que quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquela contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, de regras de segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares nos termos gerais - O agravamento da responsabilidade acidentária sucede, pois, quando o acidente se deve à culpa do empregador ou que seja consequência da inobservância de regras de segurança, higiene e saúde que lhe seja imputável.
VI – Nestas situações, resulta um agravamento da responsabilidade, que se traduz no facto da responsabilidade pela indemnização incluir a totalidade dos prejuízos - patrimoniais e não patrimoniais -, sofridos pelo trabalhador, nos termos gerais da responsabilidade civil, e a responsabilidade pela reparação infortunística cabe ao empregador, sendo que, por força da norma do artigo 79º, n.º 3, verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18º, a seguradora do responsável satisfaz, apenas, o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso – leia-se, em relação às prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa/ até porque o exercício do direito de regresso previsto nos arts. 18º nº 3 e 79º nº 3 da LAT, por parte da seguradora da entidade patronal do sinistrado, pressupõe a alegação e prova, pelo/a demandante, da factualidade integradora de uma das duas situações previstas no nº 1 daquele art. 18º: que o acidente de trabalho em questão foi culposamente causado pelo empregador ou por algum dos seus «representantes», ou que tal sinistro se deveu a [resultou de] falta de observação, por algum deles [no caso, pela ré], de regras de segurança e saúde no trabalho que estavam obrigados a observar .
VII – Ou seja, na vigência da actual LAT, em caso de comportamento culposo do empregador, a seguradora satisfaz o pagamento ao lesado, responsabilidade a título principal - anteriormente era uma responsabilidade meramente subsidiária -, até ao limite dos danos cobertos pela responsabilidade objectiva - caso não haja actuação culposa -, e, pode exigir em regresso este valor ao responsável, não podendo, por isso, ser responsabilizada pelos danos não patrimoniais.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
1.Relatório
Pelo Juízo Central Cível de Leiria - Juiz 1 foram proferidas as seguintes decisões – (in)competência do tribunal/ conhecimento do mérito relativamente à ré A... – Companhia de Seguros SA:
(…)
Decorre desta norma que, nestes casos, isto é, quando o acidente laboral radique em actuação culposa da entidade patronal ou de terceiro, podem ser peticionados danos não patrimoniais. No entanto a competência dos Tribunais de Trabalho para a sua apreciação depende de, para além desse tipo de danos, serem também peticionadas típicas prestações previstas na lei laboral.
Diz-nos a este propósito o AC.STJ. 24.09.2013 www.dgsi.pt/jstj.nsf que a extensão da competência material do Tribunal de Trabalho prevista no n.º 2 do Art.º 18º da L.A.T. é uma típica competência por conexão e não uma competência própria e directa em função da matéria em causa.
Consequentemente, só funcionará tal extensão de competência, quando a pretensão principal que se quer fazer valer tenha em vista exercitar o direito à reparação especialmente prevista na lei laboral.
Então, se para além desse direito, o sinistrado ou os seus familiares beneficiários, pretendem, ainda, obter uma indemnização por danos morais, sendo competente o Tribunal de Trabalho, em razão da matéria, para conhecer do pedido principal, não haveria razão válida, até por uma questão de economia processual, para obrigar a parte a recorrer ao foro comum para se ver ressarcida dos danos morais a que se arroga, daí que a lei estenda a competência do Tribunal de Trabalho, por força da conexão entre os pedidos, caso em que, no que respeita aos danos morais, o Tribunal de Trabalho irá aplicar as normais gerais de responsabilidade civil (nos termos da lei geral, como se diz no preceito).
Mas, diferentemente, se a parte não pretende fazer valer o direito à reparação tipicamente contemplado na lei laboral (porque não quer, ou porque não lhe assiste esse direito, como por exemplo acontecerá se os familiares da vítima não estiverem em condições de serem considerados beneficiários para efeito de obterem a pensão por morte prevista no Art.º 20º da L.A.T.), mas apenas quer exercitar o direito à indemnização por danos morais, nos termos da lei geral, não se vê qualquer razão para ter de intentar a acção no Tribunal de Trabalho, que não tem competência directa para apreciar tal matéria a não ser por via da conexão acima referida (…).
Ora, os autores não pretendem fazer valer qualquer prestação típica da lei laboral, assumindo desde logo que nem sequer se encontram nas condições para serem considerados beneficiários legais nos termos da Lei 98/2009, visando tão somente a reparação por danos não patrimoniais com fundamento em responsabilidade delitual, nos termos gerais de direito, pelo que é este Juízo Central Cível o competente.
Pelo exposto, julgo improcedente a excepção de incompetência absoluta invocada e julgo este tribunal e juízo competentes para decidir a causa.”
(…)
I- Na sequência do nosso despacho de 29.10.2024, notificadas as partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de imediato se proferir decisão de mérito quanto à ré A... – Companhia de Seguros SA, respondeu esta, por requerimento de 31.10.2024, anuindo à mesma, reiterando o por si alegado em sede de contestação, uma vez que, em seu entender, não existe fundamento para a responsabilizar pelo pagamento das quantias peticionadas nos autos a título de indemnização por danos não patrimoniais, na medida em que a mesma apenas pode ser responsabilizada na estrita medida da apólice de acidentes de trabalho, a ser discutida noutra sede.
Por requerimento de 06.11.2024, respondeu a ré B... considerando, pelo contrário, que não se encontram reunidas todas as condições para o conhecimento imediato do mérito por referência à co-ré, uma vez que está em causa um seguro obrigatório, sempre sendo esta última responsável por qualquer questão que advenha do presente processo, tanto mais que nos termos do contrato de seguro junto ficou estabelecida a cláusula de renúncia ao direito de regresso.
Por último, respondeu a ré C..., manifestando o entendimento de que estando em causa nos presentes autos a responsabilidade civil aquiliana e não a responsabilidade objectiva por acidentes de trabalho, nada tem a opor ao conhecimento imediato da questão suscitada, sem necessidade de realização de audiência prévia.
Assim, considerado o anterior despacho, sendo que se mostra plenamente observado o princípio do contraditório, fazendo uso do dever de gestão processual e do princípio de adequação formal, previstos, respectivamente, nos artigos 6º e 547º do CPC, passar-se-á a proferir despacho saneador, com conhecimento do mérito relativamente à ré A... – Companhia de Seguros SA,
(…)
Em face do exposto se sem outras considerações julgo improcedente a acção no que concerne à ré A... – Companhia de Seguros SA e consequentemente absolvo a mesma dos pedidos formulados.
*
Custas nesta parte pelos autores (artigo 527º, nº1, do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.
(…).
2.1 - Da matéria de facto;
Com relevância para a decisão da causa estão provados os seguintes factos:
1- Por escritura de habilitação de herdeiros outorgada no dia 10.08.2021, os autores foram habilitados como únicos herdeiros de seu filho AA, falecido em 27.05.2021.
2- AA era funcionário da ré B..., tendo sido admitido ao serviço da mesma por contrato de trabalho celebrado a 27 de novembro de 2017, exercendo as funções inerentes à categoria profissional de operador de manutenção e auferindo a retribuição base mensal de € 800,00.
3- AA vem a falecer em consequência das lesões decorrentes de uma queda ocorrida nas instalações da ré C..., a qual havia contratualizado com uma empresa que subcontratou a ré B..., a realização de trabalhos de manutenção do sistema de desenfumagem do seu armazém.
4- Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ...86, a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho da ré B..., referente a trabalhadores, encontrava-se transferida para a ré A... – Companhia de Seguros SA.
5- Nas condições especiais referentes ao contrato mencionado em 4, consignou-se na condição especial 04 sob a epígrafe “Renúncia ao Direito de Regresso”:
1. Através da presente condição o Segurador renuncia ao direito de regresso contra o Tomador do Seguro, relativamente às quantias que, nos termos previstos na apólice e na lei, venha a despender em caso de ocorrência de acidente de trabalho resultante da falta de observância das regras sobre segurança e saúde no trabalho, por mera negligência daquele ou de pessoa por quem seja responsável, não sendo, por isso, a renúncia invocável nem operante relativamente a direito de regresso derivado de acidente de trabalho causado dolosamente ou por efeito de violação, com negligência grosseira, de norma legal ou regulamentar.
2. A renúncia a que se refere a primeira parte do número anterior não prejudica os direitos de que, nos termos gerais e, em especial, nos termos previstos na Lei nº 98/2009 e nas restantes normas aplicáveis ao contrato de seguro, o Segurador seja titular contra pessoas ou entidades que, agindo ou não na circunstância ao serviço do Tomador do Seguro, tenham dado causa ao sinistro e aos danos dele decorrentes.
6- Corre termos no Juízo do Trabalho de Lisboa J4, processo com o nº 2073/21.3 tendo por objecto o acidente referido em 3.
7- No processo referido em 6 considerou-se que os aqui autores não reuniam as condições para serem considerados beneficiários legais, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 57º, 49º nº 1 al. d) da Lei 98/2009, uma vez que não auferiam rendimentos de valor mensal individual inferior ao valor da pensão social.
O Juízo Central Cível de Leiria - Juiz 1 entendeu julgar improcedente a acção no que concerne à ré A... – Companhia de Seguros SA e consequentemente absolve a mesma dos pedidos formulados, fundamentando, assim, a sua decisão:
“Nos presentes autos não é questionado pelas partes que o acidente a que se reportam os presentes autos constitui um acidente laboral. A pretensão indemnizatória dos autores decorrente de danos não patrimoniais funda-se neste acidente, imputável, segundo a sua alegação, a culpa das rés B... e C....
Como se disse no nosso despacho de 29.10.2024, a propósito da competência material, de acordo com o disposto no artº 18º nº 1 da Lei 98/2009 (LAT), se um acidente de trabalho radica em actuação culposa da entidade empregadora ou de terceiro, nada impede que sejam peticionados danos não patrimoniais, a serem analisados de acordo com os “termos gerais”, ainda que apreciados em processo laboral, juntamente com as demais prestações decorrentes da LAT.
Como vimos os autores pretendem tão somente uma indemnização por danos não patrimoniais, não detendo a qualidade de beneficiários legais que lhes permitiria intervir no âmbito do processo laboral e peticionar as prestações típicas deste processo enunciadas no art.º 23º da LAT, mais concretamente, o subsídio por morte, o subsídio por despesas de funeral e a pensão por morte (cf. artº 43º nº 1 alíneas e) a g) da LAT).
Circunscrito o pedido dos autores nos termos referidos, a ré A... nunca poderá ser responsabilizada por tal pretensão indemnizatória.
Com efeito, de acordo com o disposto no artº 79º nº 3 da LAT, nos casos a que alude o artº 18º, isto é, verificando-se actuação culposa da entidade empregadora, a seguradora satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa.
Significa isto que a ré A... nunca poderá ser condenada no pagamento das pretensões indemnizatórias formuladas pelos autores, porque, ainda que seja apurada a culpa da sua segurada, a aqui ré B..., seria apenas responsável pelo pagamento das prestações que seriam devidas se não existisse culpa, isto é, o subsídio por morte, o subsídio por despesas de funeral e a pensão por morte, que os autores não peticionam.
Resta acrescentar que este entendimento não contende com a renúncia ao direito de regresso dada por provada no facto 5. Na verdade, tal direito apenas poderia ser exercido relativamente a quantias devidas e pagas pela ré A..., sendo certo que nunca lhe incumbiria pagar qualquer indemnização por danos não patrimoniais.
A Apelante, não concordando, alega:
W. Importa então estatuir que as condições gerais do contrato de seguro celebrado entre as aqui Recorrente e Recorrida, designadamente na Cláusula Sexta, destinada às exclusões, não comporta qualquer afastamento da reparação de danos não patrimoniais resultantes do acidente de trabalho, conforme DOC. 1 junto com a Contestação da aqui Recorrente.
X. Pelo que, não havendo uma expressa exclusão do ressarcimento de danos não patrimoniais, ter-se-á que entender estar coberto pelo contrato de seguro, sob a égide do referido princípio in dúbio contra stipulatorum.
Y. Assim, não terem sido peticionadas as prestações que seriam devidas na ausência de uma situação não culposa não exclui, nem nunca poderá excluir a reparação de danos não patrimoniais, visto estarmos perante um seguro de acidentes de trabalho, não podendo ser excluído o princípio da reparabilidade, o que impediria a reparação de danos não patrimoniais.
Z. Considerando igualmente o princípio in dúbio contra stipulatorum e a circunstância de não existir uma exclusão expressa do ressarcimento de danos não patrimoniais é por demais evidente que o Tribunal a quo andou mal ao absolver a Recorrida A... dos pedidos formulados pelos AA. pela alegada ilegitimidade processual da mesma.
AA. Por fim considerando que, a Lei nº 98/2009, de 4 de setembro não procede a qualquer distinção entre os tipos de danos merecedores de reparação, dúvidas não poderão restar que todos estarão cobertos tornando a Recorrido A... parte legítima na demanda.
BB. Posto isto, deverá a decisão proferida ser revogada e substituída por outra que considere a Recorrida A... – Companhia de Seguros S.A. parte legitima na ação.
Avaliando.
Os autores BB e CC, instauram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra B..., Lda, A... - Companhia de Seguros, S.A e C..., S.A, pedindo a condenação destas no pagamento da quantia global de € 170.000,00, assim discriminada:
a) € 100.000,00, a título de indemnização pelo dano morte;
b) € 10.000,00, a título de indemnização pelo sofrimento da vítima desde o acidente até a sua morte;
c) € 30.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora (mãe da vítima);
d) € 30.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor (pai da vítima).
Para tanto alegaram, em síntese que são pais e únicos herdeiros de AA, falecido no dia 27 de Maio de 2021, sendo que, para efeitos da Lei 98/2009, não são beneficiários legais, não podendo, por isso, ter qualquer intervenção no processo que corre termos no Juízo do Trabalho de Lisboa, sob o nº 2073/21.....
Mais alegam que o seu filho AA era funcionário da ré B... desde 27.11.2017. No dia 27.05.2021, nas instalações da ré C..., aquele e DD procediam a trabalhos de manutenção preventiva ao sistema de desenfumagem, para o que necessitavam de aceder aos ventiladores situados na cobertura do armazém, a uma altura de 11 metros.
Para o efeito, a ré C... forneceu um empilhador que apenas elevava a uma altura de cerca de 3,1 metros, pelo que AA teve que aceder à cobertura, onde terá pisado uma telha translúcida que se partiu provocando a sua queda no interior do armazém, da qual resultou a sua morte.
Alegam ainda que a ré B... não garantiu formação específica para trabalhos em altura, nem utilização do sistema de protecção anti-queda, formação esta que era imprescindível para o desenvolvimento da dita actividade em condições de segurança. Por sua vez, a ré C... não forneceu equipamento elevatório adequado, não tinha definido um programa de segurança específico para acesso/saída da cobertura e não tinha afixada junto à escada de acesso à cobertura qualquer sinalização ou identificação dos pontos frágeis.
Conclui que a conduta destas rés foi, pelo menos negligente, sendo que a morte de AA certamente teria sido evitada se todas as normas de segurança referidas tivessem sido cumpridas.
A ré A..., alega, além do mais, que a sua responsabilidade está circunscrita à cobertura por acidentes e trabalho, a qual não cobre danos não patrimoniais e apenas às prestações normais relativas à reparação por acidentes de trabalho.
De facto o artigo 7.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro - Lei que regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais (LAT) – determina, como princípio, que é responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidentes de trabalho (...), a pessoa singular ou coletiva de direito privado ou de direito público não abrangida por legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço. Daqui decorre, que são os empregadores que, em primeira linha, respondem pela reparação do acidente, embora sejam obrigados a transferir essa responsabilidade para uma companhia de seguros que passará então a ser a responsável, nos exactos termos do contrato de seguro - artigo 79º da LAT.
O regime regra de reparação de acidentes de trabalho assenta no risco da actividade, o que significa que este corre por conta da entidade empregadora, obrigada a transferir a respectiva responsabilidade para entidades autorizadas a realizar seguro. Quer isto dizer que se estabeleceu uma responsabilidade civil objectiva que prescinde da culpa do empregador ou de outrém, instituindo-se a obrigatoriedade do seguro privado - em detrimento da opção de outros países que integrarem este regime na segurança social.
Visa-se com este sistema garantir a protecção do trabalhador - privado da sua capacidade de ganho/trabalho -, ainda que a culpa não seja atribuível a alguém, pelo que, por razões de reconhecido interesse público e social, faz-se recair a responsabilidade pela reparação sobre quem detém a autoridade, organiza e desenvolve a actividade e dela mais beneficia.
A lei de reparação de acidentes de trabalho é precisamente um dos casos de excepção em que há responsabilidade pelo risco - a par, mormente, dos acidentes causados por veículos. Mas também porque assim é, a reparação não abrange todos os danos, mas tão só os que visam compensar a perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho, ou visam ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de ganho ou de trabalho e sua recuperação para a vida activa, o que está expresso em várias das normas - 23º, a), 48º. E, concordantemente, as prestações a que o trabalhador/beneficiário tem direito são tarifadas, isto é, são apenas as especificadas na lei especial de reparação de acidentes de trabalho, tais como prestações em espécie e prestações em dinheiro, entre estas a pensão em caso de incapacidade permanente ou morte, a indemnização em caso de incapacidade temporária, o subsidio por situação de elevada incapacidade permanente, o subsidio de readaptação da habitação, a prestação para assistência a terceira pessoa, entre outras – arts. 23º, 25º, 47º, 48º LAT.
Por isso e por regra, a indemnização dos danos não patrimoniais não se encontra, consequentemente, abrangida pelo regime de reparação de acidentes de trabalho porque este se baseia no risco e aquela não faz parte das prestações tipificadas, sendo esta a lógica que subjaz ao regime garantístico de acidentes de trabalho.
A LAT salvaguardou, contudo, a possibilidade de reparação da totalidade dos prejuízos, incluindo os não patrimoniais, em casos de actuação culposa do empregador, seu representante, ou alguém por ele contratada, mormente se resultar de falta de observação por estes das regras sobre segurança e saúde no trabalho, determinando o artigo 18º, n.º 1, que quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquela contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, de regras de segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares nos termos gerais - O agravamento da responsabilidade acidentária sucede, pois, quando o acidente se deve à culpa do empregador ou que seja consequência da inobservância de regras de segurança, higiene e saúde que lhe seja imputável.
Nestas situações, resulta um agravamento da responsabilidade, que se traduz no facto da responsabilidade pela indemnização incluir a totalidade dos prejuízos - patrimoniais e não patrimoniais -, sofridos pelo trabalhador, nos termos gerais da responsabilidade civil, e a responsabilidade pela reparação infortunística cabe ao empregador, sendo que, por força da norma do artigo 79º, n.º 3, verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18º, a seguradora do responsável satisfaz, apenas, o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso – leia-se, em relação às prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa/ até porque o exercício do direito de regresso previsto nos arts. 18º nº 3 e 79º nº 3 da LAT, por parte da seguradora da entidade patronal do sinistrado, pressupõe a alegação e prova, pelo/a demandante, da factualidade integradora de uma das duas situações previstas no nº 1 daquele art. 18º: que o acidente de trabalho em questão foi culposamente causado pelo empregador ou por algum dos seus «representantes», ou que tal sinistro se deveu a [resultou de] falta de observação, por algum deles [no caso, pela ré], de regras de segurança e saúde no trabalho que estavam obrigados a observar .
Ou seja, na vigência da actual LAT, em caso de comportamento culposo do empregador, a seguradora satisfaz o pagamento ao lesado, responsabilidade a título principal - anteriormente era uma responsabilidade meramente subsidiária -, até ao limite dos danos cobertos pela responsabilidade objectiva - caso não haja actuação culposa -, e, pode exigir em regresso este valor ao responsável, não podendo, por isso, ser responsabilizada pelos danos não patrimoniais.
Como escreve a 1ª instância:
Significa isto que a ré A... nunca poderá ser condenada no pagamento das pretensões indemnizatórias formuladas pelos autores, porque, ainda que seja apurada a culpa da sua segurada, a aqui ré B..., seria apenas responsável pelo pagamento das prestações que seriam devidas se não existisse culpa, isto é, o subsídio por morte, o subsídio por despesas de funeral e a pensão por morte, que os autores não peticionam.
Resta acrescentar que este entendimento não contende com a renúncia ao direito de regresso dada por provada no facto 5. Na verdade, tal direito apenas poderia ser exercido relativamente a quantias devidas e pagas pela ré A..., sendo certo que nunca lhe incumbiria pagar qualquer indemnização por danos não patrimoniais.
Improcede, pois, a apelação.
O Sumário:
(…).
As custas ficam a cargo da apelante.
Coimbra, 13 de Maio de 2025
(José Avelino Gonçalves - Relator)
( Chandra Gracias - 1.ª adjunta)
(Catarina Gonçalves – 2.ª adjunta)