I - Para efeito de determinação da “justa indemnização” a que alude o artigo 23º do Código das Expropriações, relevam as circunstâncias e condições de facto existentes à data da publicação da declaração de utilidade pública, não só quanto ao destino efetivo dos bens em causa, como também quanto ao destino possível numa utilização económica normal.
II- Na determinação do valor do solo para outros fins deve atender-se ao que é efetivamente produzido ou àquilo que é possível produzir, o que sugere, pois, que nessa avaliação deve ser utilizado o método analítico ou de capitalização do rendimento por via do qual se determina o valor do capital a partir do rendimento que ele produz, ou seja, através da sua avaliação e capitalização.
III- Traduzindo-se a determinação do valor da coisa expropriada essencialmente num problema técnico, deve o juiz aderir, em princípio, aos pareceres dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo tribunal quando haja unanimidade destes, face à sua posição de imparcialidade e à garantia de uma melhor objetividade por eles oferecida.
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Santo Tirso, Juízo Local Cível, ...
Relator: Miguel Baldaia Morais
1ª Adjunta Desª. Maria Fernanda Almeida
2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
Nos presentes autos de expropriação é expropriante IP – Infraestruturas de Portugal, S.A. e expropriados AA e BB.
Por despacho do Secretário de Estado das Infraestruturas, publicado no Diário da República nº 85, 2ª Série, de 3 de maio de 2021, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação de duas parcelas de terreno necessárias à realização da obra “EN 14-Maia (Via Diagonal)/Interface Rodoferroviário da Trofa, sendo uma identificada como n.º 117, com a área de 10.624 m2, a destacar do prédio rústico sito na freguesia ..., concelho da Trofa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob n.º ...28/20080115 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...67..., da freguesia ..., concelho da Trofa, confrontando a Norte - parte restante do prédio, Sul - parte restante do prédio, Nascente - AA e Poente — CC e outros, e uma outra identificada com o n.º 124, com a área de 3.723 m2, a destacar do prédio rústico sito na freguesia ..., concelho da Trofa, descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa, sob n.º ...54/20040423 e inscrito na matriz predial rústica, da referida freguesia, sob o artigo ...74, confrontando a Norte - Parte restante do prédio, Sul - DD, Limite da Freguesia ... e parte restante do prédio, Nascente - DD e Poente - Caminho de servidão.
Efetuada a vistoria ad perpetuam rei memorium, a expropriante tomou posse administrativa das referidas parcelas.
Procedeu-se à arbitragem nos termos legais, sendo que na respetiva decisão arbitral se fixou o valor da indemnização referente às parcelas nº 117 e 124, respetivamente, em €38.182,00 e em €15.732,00.
Notificados dessa decisão, quer os expropriados, quer a expropriante interpuseram recurso da mesma.
Procedeu-se à avaliação, sendo que relativamente às parcelas 117 e 124 os peritos indicados pelo tribunal estimaram o valor indemnizatório em, respetivamente, €40.776,56 e €16.642,12, enquanto o perito indicado pela entidade expropriante estimou esse valor em €37.826,56 e €15.607,12 e, por seu turno, o perito indicado pelos expropriados entendeu que os valores a arbitrar deveriam cifrar-se em €48.073,62 e €21.378,29
Expropriante e expropriados apresentaram alegações nos termos do art. 64º do Código de Expropriações.
Foi então proferida sentença na qual se decidiu julgar «parcialmente procedentes os recursos apresentados pela entidade expropriante e pela entidade expropriada, fixando-se em € 53 433,68[1] (cinquenta e três mil quatrocentos e trinta e três euros e sessenta e oito cêntimos), a indemnização devida a pagar pela entidade expropriante, IP – Infraestruturas de Portugal, S.A., à entidade expropriada, AA e BB, pela expropriação das parcelas de terreno designadas pelos n.ºs 117 e 124, destinada à realização da obra “EN 14-Maia (Via Diagonal) / Interface Rodoferroviário da Trofa”, com a área, respetivamente, de 10 624 m2, a destacar do prédio rústico sito na freguesia ..., concelho da Trofa, descrito na conservatória do registo predial sob n.º ...28/20080115 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...67, da freguesia ..., concelho da Trofa, confrontando a Norte - parte restante do prédio, Sul - parte restante do prédio, Nascente - AA e Poente - CC e Outros, e com a área de 3 723 m2, a destacar do prédio rústico sito na freguesia ..., concelho da Trofa, descrito na conservatória do registo predial sob n.º ...54/20040423 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...74, confrontando a Norte - Parte restante do prédio, Sul - DD, Limite da Freguesia c/ ... e parte restante do prédio, Nascente - DD e Poente - Caminho de servidão».
Não se conformando com o assim decidido, os expropriados interpuseram recurso dessa sentença, o qual foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
I - Os Recorrentes discordam da sentença recorrida, na parte que lhes é desfavorável, designadamente por entender que alguns critérios que foram utilizados na avaliação da parcela expropriada não permitem que seja atribuída uma indemnização justa, nos termos plasmados no artigo 23º do Código das Expropriações.
II - O Tribunal recorrido aderiu à avaliação efetuada pelos peritos do Tribunal, desvalorizando totalmente a avaliação subscrita pelo perito indicado pelos expropriados.
III - A sentença recorrida não atentou à realidade destas parcelas de terreno e o modo como os mesmos foram plantados e organizados por parte dos expropriados, o que originou a que a sentença recorrida não avaliassem o solo de acordo com a sua potencialidade real e efetiva, em manifesta violação do princípio da justa indemnização.
IV - Ao não o fazer não considerou a produção efetiva e real que as parcelas expropriadas produziam acabando por se limitar a adotar uma avaliação comum de um terreno florestal. O que não é o caso destas parcelas expropriadas.
V - Daí que a produção de 21ton/há prevista pelo senhor perito dos Expropriados é a mais adequada e a que se apresenta mais consentânea com a realidade das parcelas expropriadas.
VI - Igualmente, discordamos da não consideração por parte do Tribunal de uma indemnização pelo prejuízo decorrente de uma quota do investimento inicial por parte dos Expropriados.
VII - De facto, os Expropriados decidiram fazer um investimento considerável para tornar a plantação produtiva, preocupando-se em fazer uma produção organizada, cuidada e limpa e a expropriação veio interromper a produção e impedir que o investimento que tinham efetuado se torne rentável e ressarcido.
VIII - Igualmente discordamos da sentença recorrida por não ter atendido à perda de rentabilidade expectável que os expropriados sofreram com a expropriação.
IX - Novamente apenas o perito indicado pelos expropriados previu tal perda e contemplou uma indemnização para este efeito que Vª Exª.s deverão atender e revogar a sentença recorrida.
X - Estes prejuízos têm de ser indemnizados e têm de acrescer ao valor do solo por se tratar de um prejuízo autónomo, mas que em simultâneo decorre da expropriação. A propósito, e como não consta dos autos qualquer avaliação a este respeito, entendemos dever ser considerada a avaliação apurada pelo perito indicado pelos expropriados.
XI - Considerando as lacunas existentes no laudo maioritário a que a sentença recorrida aderiu, verifica-se que o único elemento pericial que é suscetível de avaliar adequadamente as parcelas expropriadas é o subscrito pelo Senhor Perito indicado pelos expropriados que acabou por ser o único que consagrou todos os aspetos que carecem de ser avaliados.
XII - Deste modo, deverão Vª Ex.ªas revogar a sentença recorrida e avaliar as parcelas expropriadas segundo os parâmetros definidos no laudo subscrito pelo Senhor Perito indicado pelos expropriados.
A expropriante apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Após os vistos legais cumpre decidir.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações recursórias apresentadas pelos apelantes, a questão a decidir é a de saber se a indemnização arbitrada para os compensar pela privação forçada dos seus imóveis se mostra em conformidade com os critérios legais.
III. FUNDAMENTOS DE FACTO
III.1. Factualidade considerada provada na sentença
O Tribunal de 1ª instância considerou provado que:
1. Por despacho proferido pelo Sr. Secretário das Infraestruturas, identificado com o n.º 4482/2021 de 14 de abril, publicado no D.R., II série, n.º 85, de 3 de maio de 2021, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, da expropriação de duas parcelas de terreno necessárias à execução da obra EN 14 - Maia (Via Diagonal) / Interface Rodoferroviário da Trofa, em ..., concelho da Trofa, parcelas essas designadas pelos n.ºs 117 e 124, com a área, respetivamente, de 10 624 m2, a destacar do prédio rústico sito na freguesia ..., concelho da Trofa, descrito na conservatória do registo predial sob n.º ...28/20080115 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...67, da freguesia ..., concelho da Trofa, confrontando a Norte - parte restante do prédio, Sul - parte restante do prédio, Nascente - AA e Poente — CC e Outros, e com a área de 3 723 m2, a destacar do prédio rústico sito na freguesia ..., concelho da Trofa, descrito na conservatória do registo predial sob n.º ...54/20040423 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...74, confrontando a Norte - Parte restante do prédio, Sul - DD, Limite da Freguesia c/ ... e parte restante do prédio, Nascente - DD e Poente - Caminho de servidão.
2. Foi conferida posse administrativa das parcelas expropriadas, nos termos.
3. A entidade IP – Infraestruturas de Portugal, S.A. procedeu ao depósito global da quantia arbitrada.
4. Por despacho exarado nos autos em 07.07.2022, as parcelas descritas no facto provado 1 foram adjudicadas à entidade expropriante.
5. As parcelas expropriadas têm uma forma irregular aproximadamente retangular, estendem-se de nascente para poente, assumindo-se como um terreno florestal, com pendente pouco acentuada, com aptidão para a atividade florestal.
6. As parcelas encontram-se ocupadas com plantação florestal devidamente organizada, composta por linhas de plantação, com idade de 5/6 anos, espaçadas de 3/4 metros e uma distância entre plantas de 2/3 metros, perfazendo em média, 1 árvore por cada 9 metros quadrados.
7. As parcelas a expropriar têm pendente pouco acentuada, com inclinação para norte e poente, com acesso por caminho florestal existente a nascente, em terra batida e sem infraestruturas, sendo que, a cerca de 160 metros de distância, no seu ponto mais próximo, existe a Rua ..., na qual existem alguns edifícios industriais e que nesta zona é em terra batida sem qualquer infraestrutura, e a cerca de 176m existe rede de energia elétrica em baixa tensão.
8. As parcelas identificam-se como “Solo Rural – Espaço Florestal – Área Florestal de Produção”, e localizam-se numa faixa de proteção a uma infraestrutura rodoviária – Espaço Canal (variante à EN14).
9. Da divisão do prédio, por efeito da expropriação parcial, resultou, quanto à parcela expropriada n.º 117, duas áreas sobrantes, uma a Nascente, com a área de 15 000m2, e uma a Poente, com a área de 8 800m2.
10. Da divisão do prédio, por efeito da expropriação parcial, resultou, quanto à parcela expropriada n.º 124, duas áreas sobrantes, uma a Norte, com a área de 4 273m2, e uma a Sul/Poente, com a área de 910m2.
11. Na parcela expropriada n.º 117, existe um muro de vedação em pedra seca, não argamassada, numa altura média de 80cm, e extensão de 0,80cm, assumido como sendo uma benfeitoria[2].
12. Na parcela expropriada n.º 124, existe um muro de vedação em pedra seca, não argamassada, numa altura média de 80cm, e extensão de 1,75m, assumido como sendo uma benfeitoria.
13. Na parcela expropriada n.º 117, existem 1180 árvores (eucaliptos), assumidas como sendo uma benfeitoria.
14. Na parcela expropriada n.º 124, existem 414 árvores (eucaliptos), assumidas como sendo uma benfeitoria.
15. O terreno das parcelas expropriadas foi classificado como “solo para outros fins”.
16. Relativamente às referidas parcelas n.º 117 e n.º 124, considera-se o rendimento do seu aproveitamento bruto e líquido florestal, respetivamente, em € 765/ha x ano e em € 688,5/ha x ano, fixando-se:
a) Produção de madeira em 18t/ha x ano;
b) Valor do arvoredo em pé – € 40,00/ton;
c) Produção média de biomassa (25% do material lenhoso) – 4,5ton/ha/ano;
d) Valor médio de venda – € 10,00/ton
e) Encargos de exploração – 10%;
f) Taxa de capitalização anual – 2%[3].
17. Em consequência do descrito no facto provado 16, resultou fixado o valor unitário de cada uma das parcelas expropriadas em € 3,44/m2.
18. Mais resultou fixada a desvalorização a atender quanto à parte sobrante Sul/Poente, descrita no facto provado n.º 10, atendendo à depreciação em função da sua separação da parte sobrante norte, em 50%.
19. Em respeito às restantes partes sobrantes fixou-se entendimento de inexistir qualquer desvalorização, por manterem os mesmos cómodos.
20. Em respeito ao muro descrito no facto provado n.º 11, resultou fixado o seu valor por m2 em € 20,00, e o valor global em € 1 280,00.
21. Em respeito ao muro descrito no facto provado n.º 12, resultou fixado o seu valor por m2 em € 20,00, e o valor global em € 2 800,00.
22. Em respeito às árvores descritas no facto provado n.º 13, resultou fixado o seu valor por unidade em € 2,50, e o valor global em € 2 950,00.
23. Em respeito às árvores descritas no facto provado n.º 12, resultou fixado o seu valor por unidade em € 2,50, e o valor global em € 1 035,00.
24. Consta do teor dos segundos esclarecimentos complementares ao relatório pericial, quanto ao critério de avaliação das parcelas expropriadas: “Os Peritos entendem que o terreno, não estando destinado de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as caraterísticas descritas na alínea a) do n.º.2 do art.º 25 do C.E., como refere a alínea c) do n.º 2 do mesmo artigo, a não ser que, conforme o previsto na alínea d) do mesmo art.º 25, possuísse um alvará de loteamento ou licença de construção em vigor à data da declaração de utilidade pública e desde que o processo respetivo se tivesse iniciado antes da notificação a que se refere o n.º 5 do art.º 10 do mesmo C.E., o que não se verifica, pelo que nele não se pode construir. (…) De acordo com este Instrumento de Gestão Territorial não se prevê que a parcela em expropriação venha a adquirir acesso rodoviário, rede de abastecimento de água, de energia elétrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir.”
25. Consta, ainda, do teor dos segundos esclarecimentos complementares ao relatório pericial, quanto ao critério de avaliação das parcelas expropriadas: “ (…) Daqui resultou que na versão final corrigiram no texto as áreas, mas acabaram por não ponderar a situação decorrente do facto de a área da parte sobrante sul, ficando separada fisicamente da parte sobrante norte, deixar de ser de 1.377 m2, como constava do Relatório Complementar da Vistoria Ad Perpetuam Rei Memoriam, mas sim com apenas 910 m2, área esta que para uma exploração florestal é manifestamente exígua, situação negativa ainda agravada pela configuração sensivelmente triangular da mesma (…).”
26. Consta do teor do relatório de vistoria Ad Perpetuam Rei Memoriam, realizado no âmbito do processo de expropriação 2481/22.2T8STS, quanto às parcelas expropriadas n.ºs 127.1 e 127.2: “Parcela 127.1 – Esta parcela (…) tem um formato triangular (…) com uma área de 405m2, orografia plana, solo fértil e profundo e na data de vistoria estava ocupada com plantação de eucalipto com 5 anos, em 2.ª rotação, num compasso de 3x1,5. Parcela 127.2 - – Esta parcela (…) tem um formato triangular (…) com uma área de 25m2, orografia plana, solo fértil e profundo e na data de vistoria estava ocupada com plantação de eucalipto num compasso de 3x1,5.”
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III.2. Factualidade considerada não provada na sentença
O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:
1. Que o valor unitário de solo das parcelas expropriadas, classificada como “solo para outros fins” corresponde, à data da declaração de utilidade pública, a € 2,50/m2.
2. Que o valor unitário do muro classificado como benfeitoria tem um valor máximo de € 15,00/m2.
3. Que os terrenos das parcelas n.ºs 117, 124, 127.1 e 127.2, têm idênticas caraterísticas.
4. Que os terrenos das parcelas aqui expropriadas têm capacidade
IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO
IV.1 - Considerações gerais
Como é consabido, a expropriação em sentido clássico implica a imposição de um sacrifício na esfera jurídica patrimonial do expropriado, em favor de um interesse público relevante, que se traduz na ablação do direito de propriedade. Uma vez que a atuação da entidade pública é lícita, exige a nossa ordem jurídica que o sacrifício imposto ao expropriado seja objeto de uma compensação com vista a torná-lo indemne. Vale aqui o princípio da igualdade, segundo o qual a indemnização surge como o instrumento que permite restabelecer a igualdade perante encargos públicos entre expropriados e não expropriados.
Daí que o regime da expropriação por utilidade pública constitucionalmente consagrado traduza uma das garantias do reconhecimento da propriedade privada. Com efeito, o artigo 62.º da Lei Fundamental, sob a epígrafe “direito de propriedade privada” e no capítulo dedicado aos direitos e deveres económicos, estabelece que a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, só podendo efetuar-se a expropriação com base na lei e mediante o pagamento da “justa indemnização”. Esta norma é continuada, no Código Civil, pelos artigos 1308.º e 1310.º, assegurando o primeiro que ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei e o segundo que, havendo expropriação por utilidade pública, é sempre devida a “indemnização adequada” não só ao proprietário, mas também aos titulares de outros direitos reais afetados pela expropriação, que incidam sobre a coisa expropriada.
No entanto, o conceito de “justa indemnização” não vem expresso no texto constitucional dada a especificidade da matéria, assim como também não vem definido no Código Civil.
Como escrevem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[4], o conceito de “justa indemnização” e de “indemnização adequada” equivalem-se, mas a sua concretização foi deixada ao legislador ordinário que por diversas vezes e em circunstâncias políticas e sociais diferentes teve de expressar a sua definição. Daí que, enquanto conceito indeterminado, há de ser preenchido por recurso aos princípios constitucionais e ao direito legislado, na medida em que seja com ele conforme.
Neste conspecto, o nº 1 do art. 23º do Cód. das Expropriações, aprovado pelo DL nº 168/99, de 18.09 (diploma a atender na apreciação das pretensões recursórias formuladas pelos apelantes, já que, conforme jurisprudência pacífica[5], a lei aplicável às expropriações por utilidade pública é a vigente à data da declaração de utilidade pública, a qual, in casu, ocorreu no dia 3 de maio de 2021) oferece um importante contributo na densificação do referido conceito de justa indemnização ao postular o princípio da plena ressarcibilidade do prejuízo causado pela intervenção forçada na esfera patrimonial do expropriado, determinando outrossim que esse prejuízo não pode ser inferior “ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”.
A propósito desta temática, o Tribunal Constitucional[6] vem reiteradamente considerando que a indemnização só é justa se respeitar nos critérios para a sua atribuição os princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade, ressarcindo o expropriado do prejuízo por ele efetivamente sofrido, razão pela qual a mesma não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória, meramente simbólica ou desproporcionada à perda do bem expropriado. Acentua-se ainda que o expropriado não pode ser beneficiado com a expropriação nem o expropriante pode ser prejudicado, motivo pelo qual não se deve atender a fatores especulativos que distorçam a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela.
Assim, para efeito de determinação da “justa indemnização”, relevam as circunstâncias e condições de facto existentes à data da publicação da declaração de utilidade pública, não só quanto ao destino efetivo dos bens em causa, como também quanto ao destino possível numa utilização económica normal.
A referência legal ao destino possível dos bens, isto é, à possibilidade do seu aproveitamento no momento da publicação da declaração de utilidade pública da expropriação, depende não só da sua natureza, localização e estado, como também do regime jurídico definidor do respetivo aproveitamento.
Na esteira de tais considerações, vem-se recorrentemente entendendo que o critério mais adequado ou mais apto para alcançar uma compensação integral do sacrifício patrimonial infligido ao expropriado e para garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto, é o do valor de mercado, também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo, na medida em que estamos perante um “valor de mercado normal ou habitual”, não especulativo, isto é, um valor que se afasta, às vezes substancialmente, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura, já que está sujeito, frequentes vezes, a correções (que se manifestam em reduções e em majorações legalmente previstas, consignadas, designadamente, nos nºs 6 a 12 do art. 26º do Cód. das Expropriações), as quais são ditadas por exigências da justiça.
Em suma, a indemnização por expropriação deve aproximar-se tanto quanto possível do valor que o proprietário obteria pelo seu bem se não tivesse sido expropriado, tendendo a coincidir com o valor de mercado, em situação de normalidade.
Posto este enquadramento relativamente ao critério a adotar para a avaliação dos bens objeto de expropriação, é tempo de apreciar as concretas questões que balizam o objeto do presente recurso.
IV.2 – Da classificação das parcelas expropriadas
Em consonância com as regras de avaliação plasmadas no Código das Expropriações, aprovado pelo DL nº 168/99, de 18.09[7], no apuramento da indemnização devida aos expropriados, importa, como prius, determinar a natureza do solo, sendo que, neste particular, não se regista dissenso na qualificação das parcelas expropriadas (que têm, respetivamente, as áreas de 10.642 m2 [a parcela nº 117] e 3.723 m2 [a parcela nº 124]) como solo apto para outros fins, de acordo com o critério residual plasmado no nº 3 do art. 25º, posto que não reúnem nenhumas das condições estabelecidas no nº 2 do mesmo preceito legal
IV.3 - Da determinação do valor da indemnização referente às parcelas expropriadas
Assente que as parcelas expropriadas assumem, na sua totalidade, natureza de solo apto para outros fins, segue-se que o respetivo valor indemnizatório haverá de ser calculado em conformidade com os critérios enunciados no art. 27º, que postula dois critérios referenciais (embora não vinculativos[8]), concretamente o denominado “critério comparativo ou fiscal” (nº 1) e o “critério ou método do rendimento fundiário” (nº 3), sendo de registar, de qualquer modo, que o nº 5 do art. 23º consagra a possibilidade de utilização de outros métodos ou critérios alternativos para atingir o valor real e corrente dos bens, designadamente quando aqueles critérios instrumentais se revelem inidóneos a tal desiderato, prevendo-se assim, na expressão de ALVES CORREIA[9], uma “válvula de escape” ou “cláusula de salvaguarda”.
No caso vertente, em virtude de não existirem elementos para utilização do critério fiscal, mostra-se, pois, justificada a opção da avaliação da parcela expropriada tendo por base o critério subsidiário consagrado no nº 3 do art. 27º, opção essa que foi seguida pela totalidade dos peritos que tiveram intervenção na avaliação.
De acordo com o referido normativo, o cálculo do valor dos solos para outros fins deve ser realizado «[t]endo em atenção os seus rendimentos efetivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objetivas suscetíveis de influir no respetivo cálculo».
Na determinação do valor de imóvel dessa natureza deve, por conseguinte, atender-se ao que é efetivamente produzido ou àquilo que é possível produzir, o que sugere, pois, que nessa avaliação deve ser utilizado o método analítico ou de capitalização do rendimento por via do qual se determina o valor do capital a partir do rendimento que ele produz, ou seja, através da sua avaliação e capitalização.
Tal foi o método seguido pelos peritos que tiveram intervenção na avaliação a que alude o art. 61º do Cód. das Expropriações que, para determinação da indemnização das parcelas expropriadas, admitiram que toda a área das mesmas seria suscetível de aproveitamento florestal, embora tenham divergido entre eles quanto ao apuramento do respetivo valor por metro quadrado.
Assim, enquanto os peritos indicados pelo tribunal e o perito da entidade expropriante consideraram que esse valor se deve cifrar em €3,44, já o perito dos expropriados entende que esse montante deve ascender a €3,50.
Na determinação desse valor, os primeiros peritos atenderam a uma produção média anual de 18 toneladas por hectare, ao valor do arvoredo em pé de €40,00 por toneladas, uma produção média anual de biomassa de 4,5 toneladas por hectare, um valor médio de venda de €10,00 por tonelada, 10% com encargos de exploração e uma taxa de capitalização de 2%. Em resultado da aplicação desses fatores apuraram um rendimento médio bruto anual de €765,00 por hectare [18ton/há/ano x 40€/ton + 4,5 ton/há/ano x 10€/ton], um rendimento médio líquido anual de €685,50 por hectare [€765,00 x (1-0,10)] e um valor do terreno por hectare de €34.425,00.
Por seu turno, no apuramento do valor por metro quadro das parcelas expropriadas, a essencial divergência apresentada pelo perito dos expropriados relativamente à forma como aqueles procederam a essa determinação prende-se com o montante de produção média anual de material lenhoso, que considera dever antes cifrar-se em 21 toneladas por hectare.
Neste conspecto, dos dois posicionamentos adotados quanto à avaliação do solo, na decisão recorrida obteve acolhimento o que foi sufragado pela maioria dos peritos.
É certo que vigora neste domínio o princípio da livre apreciação da prova pericial (cfr. art. 391º do Cód. Civil), não estando, por conseguinte, o tribunal vinculado ao posicionamento assumido pelos peritos. No entanto, não poderá deixar de ser equacionado que não só foram eles que ponderaram devidamente (designadamente in loco) as circunstâncias concretas que a situação factual traduz, como são eles os técnicos e, como tal, melhores portadores de conhecimentos especializados, pelo que, certamente, são quem está melhor habilitado e informado sobre as potencialidades de um dado terreno em termos agrícolas e dos respetivos encargos culturais.
A posição dos peritos é, neste domínio, de primordial importância, dada a especificidade técnica da matéria em questão e do conhecimento que pressupõe das condicionantes das parcelas expropriada em todos os fatores que relevam para a determinação da justa indemnização devida aos expropriados pela privação forçada do seu imóvel. Ao tribunal restará sindicar a coerência das razões que fundamentam o parecer dos peritos, e a sua conformidade com os parâmetros legalmente impostos. Ultrapassado este crivo, subsistindo apenas, como foi o caso, a divergência entre peritos que tiveram intervenção na avaliação a que alude o art. 61º, é aceitável que a livre convicção do julgador o leve a acolher o parecer dos peritos que se pronunciam maioritariamente num dado sentido.
Por isso se tem entendido que traduzindo-se a determinação do valor da coisa expropriada essencialmente num problema técnico, deve o juiz aderir, em princípio, aos pareceres dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo tribunal quando haja unanimidade destes (face à sua posição de imparcialidade e à garantia de uma melhor objetividade por eles oferecida[10]). Ponto é que se observem os critérios legais, como foi o caso, posto que fundamentaram, de modo que reputamos suficiente, as razões que conduziram ao resultado apresentado, expendendo, de forma perfeitamente inteligível, o raciocínio seguido para firmarem a conclusão a que chegaram quanto à determinação do rendimento fundiário tendo por base a indicada produção anual média de material lenhoso na ordem das 18 toneladas por hectare, sendo que as respetivas conclusões foram, na essência, acolhidas na decisão recorrida.
Nas suas alegações recursivas os apelantes rebelam-se ainda contra o ato decisório sob censura por nele não ter sido arbitrada “uma indemnização pelo prejuízo decorrente de perda de uma quota do investimento inicial por parte dos expropriados” na plantação das árvores existentes nas parcelas e bem assim por não se ter atendido “à perda de rentabilidade expectável que os expropriados sofreram com a expropriação”.
Questão que se coloca é a de saber se esses putativos danos devem ser atendidos nesta sede.
Afigura-se-nos impor-se uma resposta negativa a essa interrogação.
Com efeito, em conformidade com o critério geral enunciado no citado art. 23º, nº 1, a realidade predial a atender para efeito de atribuição da “justa indemnização” é a existente “à data da publicação da declaração de utilidade pública”, estatuindo-se que a utilização económica prevista para o bem deve ser a normal e não a que maximize o seu valor, o que significa que se não deve atender a fatores especulativos ou outros que distorçam a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela.
Por essa razão se vem sustentando[11] que, diversamente do que sucede no domínio da responsabilidade civil, a compensação por expropriação apenas envolve o valor da perda do direito que dela for objeto, não abrangendo, assim, a totalidade dos prejuízos que para o expropriado decorrem desse ato ablativo.
Como quer que seja, conforme deflui com meridiana clareza do relatório pericial apresentado pelos peritos do tribunal e da entidade expropriante, a ressarcibilidade dos reclamados danos foi, em grande medida, considerada na fixação do respetivo quantum indemnizatur, tendo inclusive sido arbitrado um valor autónomo pela “perda” das ditas árvores, sendo que o valor assim atribuído permitirá a recuperação do rendimento que possivelmente pudesse vir a ser obtido com as mesmas. A essa luz a impetrada atribuição de um valor indemnizatório adicional corresponderia, afinal, a uma dupla reparação da perda do bem expropriado.
Impõe-se, por conseguinte, a improcedência total do recurso.
V. DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos expropriados, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo dos apelantes.
Porto, 12.05.2025
Miguel Baldaia de Morais
Fernanda Almeida
Fátima Andrade
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[1] Desse montante global, €37.826,56 corresponde ao quantum indemnizatório referente à parcela nº 117, enquanto o valor relativo à parcela nº 124 foi fixado em €15.607,12.
[2] As expressões sublinhadas nos pontos nºs 11, 12, 13, 14 e 15, por envolverem uma conclusão jurídica não podem, qua tale, ser inseridas nos factos provados, considerando-se, pois, não escritas.
[3] As afirmações constantes dos pontos nºs 16 a 23 não podem ser consideradas já que, verdadeiramente, não constituem factos no sentido normativo do termo, mas antes e apenas uma tomada de posição de alguns dos peritos que tiveram intervenção na perícia colegial realizada no âmbito do presente processo quanto ao critério a atender para a determinação do valor das parcelas expropriadas.
[4] In Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 98.
[5] Cfr., inter alia, acórdão do STJ de 24.02.94, BMJ nº 434, pág. 404 e acórdão da Relação de Lisboa de 21.03.2002, CJ, ano XXVII, tomo 3º, pág. 75.
[6] Cfr., por todos, acórdãos do Tribunal Constitucional nº 20/2000, de 11.01.2000, publicado no Diário da República, II série, de 28.04.2000 e nº 404/2004, publicado no Diário da República, II série, de 22.07.2004. Pode ver-se uma recensão da casuística do Tribunal Constitucional sobre esta matéria em FERNANDO ALVES CORREIA, A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999, Revista de Legislação e Jurisprudência, nºs 3913 e 3914.
[7] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[8] De facto, o verdadeiro critério geral e vinculativo para se fixar a justa indemnização é, como se sublinhou, o critério do “valor de mercado” que se mostra vertido no nº 1 do art. 23º.
[9] Op. citada, pág. 122.
[10] Cfr., neste sentido e inter alia, ALVES CORREIA, op. citada, pág. 16 e acórdãos da Relação de Lisboa de 30.06.2005, CJ, ano XXX, tomo 3º, pág. 116, da Relação de Coimbra de 21.05.91, CJ, ano XVI, tomo 3º, pág. 73, da Relação de Évora de 7.1.88, CJ, ano XIII, tomo 1º, pág. 254 e da Relação do Porto de 23.10.2012 (processo nº 594/09.5TBMTS.P1), disponível em www.dgsi.pt, onde se assinala que, pese embora o tribunal valore livremente a prova pericial (art. 391º do Cód. Civil), não pode, sem que se demonstre a superioridade de outros critérios técnicos, nomeadamente pela sua objetividade e especificidade, pôr em causa o relatório subscrito pela maioria dos peritos.
[11] Cfr., por todos, SALVADOR DA COSTA, in Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores Anotados e Comentados, 2010, Almedina, pág. 144.