I – O teor do processado revela-se numa dimensão ipsofáctica, ou seja, é por si mesmo um facto a considerar aquando de uma decisão.
II – A fim de o tribunal poder aferir o comportamento das partes, a sua tramitação processual tem de ser clara, evitando tanto quanto possível que parte das questões colocadas nos requerimentos fiquem por obter resposta; se assim não for, restará sempre aquelas, pelo menos, o pretexto de não terem sido esclarecidas ou de haver uma concreta questão que não foi decidida (por deferimento ou indeferimento), o que obstaculiza posterior juízo de valor a fim de aplicar uma sanção processual ou substantiva.
III – A decisão que decida a sonegação de bens por parte de herdeiro (a sanção mais grave que a lei prevê) tem de ser especialmente fundamentada, de facto e de Direito, quer no âmbito do facto ou elemento objetivo, quer no elemento subjetivo (a intencionalidade ou atividade dolosa), tendo em conta a consequência da mesma prevista no art.º 2096.º, n.º 1, do C.C.: “[o] herdeiro que sonegar bens de herança, ocultando dolosamente a sua existência, seja ou não cabeça-de-casal, perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados, além de incorrer nas mais sanções que forem aplicáveis”.
IV – O elemento subjetivo, por sua vez, divide-se em dois requisitos: por um lado, o (inequívoco, dizemos) conhecimento da existência de outros bens que integram a massa hereditária e, em segundo, o propósito (intencionalidade) de os ocultar subtraindo-os à partilha, sonegando-os.
SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, C.P.C.):
……………………………………………………
……………………………………………………
……………………………………………………
Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relator: Jorge Martins Ribeiro;
1.º Adjunto: José Nuno Duarte e
2.ª Adjunta: Eugénia Cunha.
ACÓRDÃO
I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de inventário para partilha da herança indivisa, com o N.I.F. ...61..., aberta por óbito de AA, aos 14/05/2018, requeridos pela filha BB, titular do N.I.F. ...12..., aos 14/07/2023, tendo deixado como herdeiras a filha requerente, as irmãs dela (CC, titular do N.I.F. ...14; DD, Titular do N.I.F. ...22 e EE, titular do N.I.F. ...59...), bem como a viúva, FF, titular do N.I.F. ...30 (que era casada com o falecido no regime de comunhão geral de bens).
1) Os presentes autos iniciaram-se aos 14/07/2023 a requerimento da filha herdeira BB([3]).
1.1) Por despacho de 04/10/2023, na sequência do de 01/09/2023([4]), viria a ser nomeada cabeça-de-casal a requerente, tendo apresentado a relação de bens aos 19/10/2023.
1.2) De tal relação de bens não consta passivo e do ativo consta a seguinte verba única:
“VERBA 1 – Casa de um piso e logradouro, com a área total de 1.350 m2, área coberta de 110 m2 e área descoberta de 1.240,00 m2, prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...32/20220427 da freguesia ... e inscrito na matriz sob o artigo urbano ...71 da freguesia ..., com o valor patrimonial de 75.310,00 €”.
1.3) Na sequência do despacho, proferido aos 26/10/2023, em que foram as demais interessadas (DD e EE) notificadas para, querendo, deduzirem oposição, vieram, aos 29/11/2023, juntar procuração aos autos e, no dia seguinte, reclamaram da relação de bens.
Entre o demais, invocaram uma simulação e conluio entre a mãe, a requerente e a outra irmã que interveio na já referida escritura de cessão de quinhões hereditários e acusaram a falta de relacionação de contas bancárias e de um outro imóvel que era autónomo e que se destinaria, dizem, a que um dia cada uma das quatro filhas pudesse ficar com parte do terreno e cada uma construir a sua casa, tendo sido integrado na única verba descrita por manobra ardilosa das três.
Em F) desse requerimento concluem: “[s]ejam aditados à Relação de Bens: o prédio urbano sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...33/20220427 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...72; ii. o saldo das contas bancárias tituladas pelo inventariado à data do óbito”.
1.4) No dia 19/12/2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Notifique a cabeça de casal do teor da reclamação apresentada para, querendo, se pronunciar (artigo 1105.º, do CPC).
Deverá ainda a cabeça de casal juntar declaração escrita, assinada por si, de autorização de consulta e obtenção de informações sobre contas bancárias, saldos bancários e existência de produtos financeiros depositados/existentes em qualquer instituição financeira titulados pelo inventariado”.
1.5) Aos 18/01/2024 foi proferido despacho pelo qual, quanto ao imóvel referido atrás em F), foi decidido:
“Em face disso, nos termos do artigo 1093.º, 1, do CPC, no que se refere ao prédio urbano, sito em ..., inscrito na matriz sob o n.º ...72 e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, remeto os interessados para os meios processuais comuns.
Notifique”.
1.6) Aos 26/01/2024 a cabeça-de-casal impugnou o teor da reclamação, mormente no atinente ao imóvel, e reiterou que o único bem é o descrito como verba 1).
No atinente à invocada falta de relacionamento de saldos de contas bancárias, a final juntou a seguinte declaração:
1.7) No dia 08/02/2024 foi proferido o seguinte despacho (não tendo sido constatado que o nome do inventariado não é GG mas AA):
“Com cópia da declaração junta oficie ao Banco de Portugal solicitando que informe da existência de qualquer conta bancária titulada pela inventariada e respetivo saldo à data do seu falecimento, devendo a Secção informar do seu nome completo e demais elementos identificativos.
Notifique”([5]).
1.8) No mesmo dia, aos 08/02/2024, as interessadas reclamantes (e recorrentes, DD e EE) – e não obstante o despacho que havia remetido as partes para os meios comuns no atinente ao imóvel – apresentaram requerimento em que concluem pelo seguinte modo:
“ Termos em que:
a) Ficam impugnados todos os documentos juntos pela Cabeça-de-casal;
b) Deve a Cabeça-de-casal ser notificada para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual por si deduzido e condenada na multa pelo atraso no pagamento;
c) Deve a Cabeça-de-casal ser condenada nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 1105.º, n.º 4 do CPC.
d) Mais se requer a V. Exa. se digne admitir a junção aos autos do contrato promessa junto sob doc .1”.
1.9) Na sequência da primeira parte do despacho referido em 1.7) e do expediente junto aos autos, no dia 20/05/2024 as interessadas apresentaram novo requerimento em que concluem pela seguinte forma:
“Ademais, ainda na senda da análise efetuada à base de dados carreada pelo Banco de Portugal, as aqui Interessadas puderam atestar que, à data do óbito, o Inventariado detinha duas contas bancárias à ordem junto da Instituição ...18, Banco 1..., S.A, a saber:
- Conta n.º ...68, que foi encerrada a 07-09-2018, ou seja, em data posterior ao óbito (ocorrido em 14.05.2018);
- Conta n.º ...53, que foi encerrada a 31.08.2018, ou seja, em data posterior ao óbito (ocorrido em 14.05.2018);
6. Pelo que, sem prejuízo da informação que venha a ser trazida aos presentes autos por parte do banco, quanto aos saldos bancários existentes à data do falecimento, sempre se deverá atentar que tais contas foram, intencionalmente, omitidas na relação de bens apresentada pela Cabeça-de-casal, numa clara tentativa de sonegação dos eventuais valores existentes.
Termos em que, e nos mais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, se requer a V. Exa. digne a oficiar a Banco 2..., S.A., para vir aos presentes autos informar a titularidade e saldo bancário da conta à ordem n.º ...34”([6]).
1.10) Certamente por lapso, o tribunal a quo proferiu no dia 28/05/2024 despacho em que considera que a cabeça-de-casal era a viúva e não a filha.
O despacho é do seguinte teor:
“Notifique a cabeça de casal para, em dez dias:
1) informar se era titular de uma conta bancária na Banco 2..., SA, à data do óbito do seu marido e, em caso afirmativo, juntar o respetivo extrato bancário à data do falecimento daquele.
2) considerando o regime de casamento, juntar declaração escrita assinada por si, de autorização e consulta e obtenção de informações sobre contas bancárias, saldos bancários e existência de produtos financeiros depositados/existentes em qualquer instituição financeira à data do óbito do seu marido.
3) juntar extratos bancários das contas bancárias tituladas pelo seu marido no Banco 1..., SA.
4) pronunciar-se sobre a sonegação e bens de que é acusada”.
1.11) A cabeça-de-casal, no dia 05/06/2024, veio aos autos dizer que tal despacho deveria ser notificado à viúva.
1.12) Em sequência, o tribunal, aos 12/06/2024, ordenou que o despacho fosse (então) notificado à viúva (mãe da cabeça-de-casal).
1.13) Aos 03/07/2024 a mãe da cabeça-de-casal referiu o seguinte:
([7]).
Quanto às duas contas referidas pelas interessadas no Banco 1..., referiu que a conta foi, entretanto, encerrada e que não tem extratos:
Quanto à sonegação de bens, apesar de não ser a cabeça de casal, referiu:
1.14) Aos 08/08/2024 as interessadas vieram tomar posição sobre o processado e requereram (invocando, entre o mais, que o falecido era casado em regime de comunhão geral de bens), a final, o seguinte:
“Termos em que, e nos mais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, se requer a V. Exa. seja a Interessada FF novamente notificada para vir aos presentes autos juntar declaração de autorização para consulta e obtenção de informações sobre contas bancárias, saldos bancários e existência de produtos financeiros depositados/existentes em qualquer instituição financeira por si titulados à data do óbito, isto é, até 14.05.2018.
Subsidiariamente, requer-se a V. Exa. digne por oficiar as entidades Banco de Portugal e Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) para virem aos presentes autos juntar mapa de todas as contas bancárias, aplicações, certificados de aforro, fundos e/ou investimentos tituladas pela Interessada FF à data do óbito do seu marido, aqui Inventariado (14.05.2018), ao abrigo do artigo 79.º do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro”.
1.15) Em sequência, e reiterando o lapso de considerar a viúva a cabeça-de-casal (quando esta é a filha), o tribunal a quo proferiu, aos 16/09/2024, o seguinte despacho:
“Com a cominação de multa, notifique a cabeça de casal para, em 10 dias, juntar o extrato bancário da conta sediada na Banco 2..., que menciona à data do óbito do seu marido, certo que senão o tiver consigo pode ir pedi-lo à referida instituição bancária.
Constatamos que o tribunal a quo não se pronunciou sobre o requerido em 1.14).
1.16) No dia 27/09/2024 a cabeça-de-casal veio (muito em suma) esclarecer, novamente, que é filha mas que foi com a mãe à Banco 2..., informando que a conta é titulada pela mãe, que o falecido apenas a podia movimentar e solicitando esclarecimento se, ainda assim, o tribunal pretende a informação quanto a essa conta.
Quanto às contas no Banco 1..., informou que aguardava as informações em 5 dias (o que reiterou no dia 04/10/2024 – pedindo prorrogação de prazo, a qual foi deferida por despacho de 08/10/2024).
1.17) Não houve resposta (ou clarificação) do tribunal a quo à primeira parte, relativamente ao interesse pela conta na Banco 2... – sem prejuízo do ponto 1 do despacho (ainda que com equívoco quanto a quem era a cabeça-de-casal) referido no ponto 1.10) desta sinopse, do qual resulta que o tribunal pretendia saber o ali mencionado.
Quanto às 2 contas do Banco 1..., referidas no ponto 1.9) desta sinopse (...68; ...53):
No dia 11/10/2024 a cabeça-de-casal apenas respondeu quanto à conta terminada em ...01(sem a terminação 68) mas nada disse quanto à segunda; quanto àquela, indicou que no período do extrato (de 01/05 a 30/05/2018) tinha um saldo de depósito à ordem de 275,21 Euros e um depósito renda poupança de 5,01 Euros, num total de 280,22, ainda que na data mais próxima do falecimento (aos 14/05/2018), 10/05/2018, o saldo da conta à ordem fosse o de 320,92 Euros, acrescendo 5,01 Euros da conta renda poupança.
O tribunal a quo nesse momento nada referiu quanto a tal, pois por despacho de 16/10/2024 determinou que os autos aguardassem o prazo de 10 dias para as demais interessadas se pronunciarem.
1.18) Aos 24/10/2024 surge novo requerimento das interessadas; no ponto 3 aludem à sonegação de bens intencional pela cabeça-de-casal e, em suma, requerem a final:
“a) Seja a Interessada FF novamente notificada para vir aos presentes autos juntar declaração de autorização para consulta e obtenção de informações sobre contas bancárias, saldos bancários e existência de produtos financeiros depositados/existentes em qualquer instituição financeira por si titulados à data do óbito do seu marido, isto é, até 14.05.2018.
b) Requer-se a V. Exa. digne por oficiar as entidades Banco de Portugal e Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) para virem aos presentes autos juntar mapa de todas as contas bancárias, aplicações, certificados de aforro, fundos e/ou investimentos tituladas pela Interessada FF à data do óbito do seu marido, aqui Inventariado (14.05.2018), ao abrigo do artigo 79.º do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro”.
1.19) No dia 26/11/2024 foi proferido despacho.
Na parte que releva, dele consta o seguinte:
“Verifica-se que na conta bancária do Banco 1..., SA, a 10/0572016 estavam depositados 320,92€, montante que deve então a cabeça de casal relacionar, para tanto lhe concedendo 10 dias.
Notifique.
Constatamos o seguinte: sem prejuízo do lapso de escrita na data, o valor indicado de 320,92 Euros (quanto à conta terminada em ...01) é o a considerar, nos termos já sobreditos) – acrescido de 5,01 Euros.
Quanto à outra alegada conta também no Banco 1..., já antes mencionada, nada é referido.
Novamente, à semelhança do referido na parte final de 1.15), constatamos que o tribunal a quo voltou a não se pronunciar sobre o requerido em 1.18) a) e b).
1.20) Aos 02/12/2024 a cabeça-de-casal veio apresentar relação de bens retificada, adicionando a verba 2 do dito saldo na conta do Banco 1...:
“VERBA 1 – Casa de um piso e logradouro, com a área total de 1.350 m2, área coberta de 110 m2 e área descoberta de 1.240,00 m2, prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...32/20220427 da freguesia ... e inscrito na matriz sob o artigo urbano ...71 da freguesia ..., com o valor patrimonial de 75.310,00 €.
VERBA 2 – Depósito bancário junto do Banco 1... na conta nº ...01 com o montante de 320,92 €”.
1.21) Aos 16/12/2024 as interessadas apresentam novo requerimento, em que entre o mais alegam o seguinte:
“1. No passado dia 02.12.2024 veio a Cabeça-de-casal relacionar o saldo bancário da conta n.º ...01, no valor de 320,92€.
2. Porém, e uma vez mais, continua sem relacionar o saldo bancário existente na conta rendimento e poupança n.º ...20, no valor de 5,01€, conforme informação que consta do extrato por aquela já junto.
[4.] Ademais, cumprirá, uma vez mais, referir que tais valores NÃO foram pela Cabeça-de-casal relacionados aquando da apresentação da relação de bens no pretérito dia 14.07.2023, de forma dolosa e intencional, numa clara tentativa de sonegação de bens, a que este Tribunal não pode ficar indiferente.
5. As contas bancárias supramencionadas foram encerradas em 31.08.2018 e 07.09.2018, pelo que é manifestamente evidente que a Cabeça-de-casal não só as conhecia como as encerrou, visto ser a única habilitada para o efeito.
6. Pelo que deverá a aqui Cabeça-de-casal ser condenada no instituto da sonegação de bens, relativamente aos saldos bancários existentes e por si não relacionados, o que se requer.
7. Ademais, tendo tido as aqui Interessadas conhecimento da informação prestada pela Banco 2..., S.A no passado dia 11.12.2024, as mesmas reiteram a necessidade de a viúva FF, face ao regime de bens do casamento – comunhão geral, ou seja, a comunicabilidade de bens do casal – juntar declaração escrita assinada por si de autorização e consulta e obtenção de informações sobre contas bancárias, saldos bancários e existência de produtos financeiros depositados/existentes em qualquer instituição financeira por si titulados, à data do óbito do seu marido (14.05.2018)” ([8]).
1.21.1) Desde já observamos que([9]):
a) Da escritura pública de habilitação de herdeiros junta com o requerimento inicial, lavrada aos 22/04/2022, consta que a cabeça de casal era a viúva – pelo que apenas ela poderia encerrar contas (não a cabeça de casal nestes autos).
b) Da relação de bens inicial não constava o saldo da conta à ordem (320,92 Euros) e da retificada continua a faltar o depósito renda poupança de 5,01 Euros.
c) A interessada viúva não cumpriu o ordenado quanto à conta na Banco 2..., não só não tendo o tribunal clarificado o (desnecessário pedido de esclarecimento mencionado no ponto 1.16) antecedente) seu despacho anterior, como também não insistiu por uma resposta da Banco 2... à segunda parte do despacho mencionado em 1.19).
Ou seja, nem a interessada cumpriu, nem a cabeça-de-casal diligenciou por tal, pois em vez de cumprir o despacho veio pedir um (desnecessário) esclarecimento – aproveitando, por assim dizer, o facto de o tribunal ter confundido o cargo de cabeça-de-casal (referindo a viúva e não a filha, o que fez por duas vezes).
Não obstante o atrás referido, os autos continuam neste momento sem o pretendido extrato da conta da Banco 2... à data da morte do inventariado, sendo que era casado em regime de comunhão geral de bens.
d) A cabeça-de-casal (nem a sua mãe) nada juntou quanto ao extrato da segunda conta no Banco 1... (com o n.º ...53), não obstante o tribunal o ter ordenado no ponto 3 do despacho de 28/05/2024.
Quanto a tal, o tribunal a quo também não tirou qualquer consequência nem insistiu pelo seu cumprimento.
e) Os requerimentos das interessadas recorrentes, mencionados em 1.14), e reiterados em a) e b) do ponto 1.18) desta sinopse e reiterado no ponto 7 do requerimento de 16/12/2024 – que é o ponto antecedente da sinopse – nunca foram apreciados pelo tribunal a quo (surgindo repetidos como C) e D) no ponto seguinte e objeto, também, do despacho recorrido
1.21.2) O requerimento referido em 1.21) termina com o seguinte pedido:
“A) Ordenar o relacionamento, em verba autónoma, da conta rendimento e poupança n.º ...20, no valor de 5,01€;
B) Condenar a Cabeça-de-casal no instituto da sonegação de bens, com as necessárias consequências legais;
C) Notificar, novamente, a Interessada FF para vir aos presentes autos juntar declaração de autorização para consulta e obtenção de informações sobre contas bancárias, saldos bancários e existência de produtos financeiros depositados/existentes em qualquer instituição financeira por si titulados à data do óbito do seu marido, isto é, até 14.05.2018;
D) Alternativamente, oficiar diretamente as entidades Banco de Portugal e Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) para virem aos presentes autos juntar mapa de todas as contas bancárias, aplicações, certificados de aforro, fundos e/ou investimentos tituladas pela Interessada FF à data do óbito do seu marido, aqui Inventariado (14.05.2018), ao abrigo do artigo 79.º do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro”.
1.22) No dia 24/01/2025 foi proferido o seguinte despacho:
“Notifique a cabeça de casal do requerimento no qual se pede a sua condenação como sonegadora, para, querendo, se pronunciar”.
1.23) Aos 02/02/2025 a cabeça-de-casal pronunciou-se nos seguintes termos:
“A ora cabeça de casal nunca intencionalmente sonegou da herança do inventariado qualquer bem.
Como bem sabe o Tribunal e as interessadas não foi a ora cabeça de casal a fazer a necessária e competente participação em sede de processo sucessório junto da Autoridade Tributária.
Nem foi a ora Cabeça de Casal quem encerrou qualquer conta bancaria, tanto mais que a mesma não tinha sequer legitimidade para tal.
A Cabeça de Casal só o é no âmbito do presente processo de inventário e tudo tem feito para colaborar para um normal e transparente processo de inventário, tendo feito a necessária retificação à relação de bens.
Termos em que se entende não estarem verificados os pressupostos da sonegação de bens”
O seu teor é o seguinte:
“Relatório
Vieram DD e EE requerer que a cabeça de casal BB fosse declarada sonegadora por não ter relacionado a quantia de 5,01€, saldo bancário existente numa conta rendimentos e poupança junto do Banco 1..., SA.
Não juntaram prova.
A cabeça de casal pronunciou-se pela improcedência.
Fundamentação de facto
Matéria de facto provada
1) Consta do documento bancário junto pela cabeça de casal a 11/10/2024, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que o inventariado era titular de uma conta com rendimento poupança no valor de 5,01€.
Matéria de facto não provada
2) A conta bancária referida em 1) foi encerrada pela cabeça de casal.
3) A cabeça de casal BB atuou dolosamente ocultando a existência da quantia de 5,01€ depositada na conta bancária referida em 1).
Motivação
Assenta no teor do documento, na constatação que foi a cabeça de casal que o juntou, resulta ainda das regras da experiência comum, que melhor serão referidas na fundamentação de direito, e na falta de prova.
Fundamentação de direito
O instituto em causa está previsto no artigo 2096.º, do Código Civil, do qual resulta que 1. O herdeiro que sonegar bens da herança, ocultando dolosamente a sua existência, seja ou não cabeça-de-casal, perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados, além de incorrer nas mais sanções que forem aplicáveis. 2. O que sonegar bens da herança é considerado mero detentor desses bens.
Isto dito. Não deixando de assinalar que se discute 5,01€, verifica-se que talvez pelo montante em causa o próprio signatário não se apercebeu que constava da informação bancária que a própria cabeça de casal juntou a 11/10/2024, razão pela qual com base nessa informação apenas referiu à cabeça de casal para relacionar a quantia de 320,19€, que constam igualmente de uma outra bancária do documento bancário junto, o que esta veio a fazer.
Seja como for, considerando que a cabeça de casal é que juntou o documento e que o próprio tribunal não se apercebeu da existência daquela segunda conta não se consegue extrair uma conduta dolosa por parte da herdeira de querer sonegar 5,01€ à herança.
Nesta consideração será ainda de atender que a quantia que se diz ter sido sonegada, à cabeça de casal, por ser filha do inventariado, caberia 1/8, ou seja, quanto muito estaria a sonegar 4,39€, quantia que não parece que justificasse esse trabalho.
Por fim, chama-se a atenção que não se provou que tenha sido a cabeça de casal a encerrar essa conta, tanto que não era casada com o inventariado, mas apenas sua filha, tendo sido nomeada para exercer o cabecelato a 04/10/2023, cerca de cinco anos depois de, segundo dizem as requerentes, a conta bancária ter sido encerrada.
Nesta medida, por não se verificarem os pressupostos da sonegação de bens, julga-se o incidente improcedente, por não provado, dele absolvendo a cabeça de casal BB.
São devidas custas do incidente pelas requerentes DD e EE fixando-se a taxa de justiça, como incidente, em 1 UC para cada uma (artigos 527.º, 1, do CPC, 7.º, 4, do RCP e tabela II anexa e esse diploma).
Notifique.
Notifique”.
(…)
Em consequência do exposto, deve revogar-se a decisão recorrida.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. mui doutamente suprirá, deve ser concedido provimento ao presente Recurso e, em consequência, ser revogada a decisão sob recurso,
TUDO COM O QUE FARÃO V. EXAS. A SÃ E COSTUMEIRA JUSTIÇA!
Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação.
Assim, as questões (e não razões ou argumentos – pois que, quanto a tal, não há qualquer obrigação de o Tribunal os rebater especificadamente) a decidir são, por sequência lógica:
1 – Saber se o despacho padece da nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. d), in casu, omissão de pronúncia, ex vi do art.º 613.º n.º 3, do C.P.C. (por, na perspetiva das recorrentes, terem invocado a sonegação de bens nos requerimentos de 24/10/2024 e 16/12/2024).
2 – Saber se a cabeça-de-casal e a interessada sua mãe têm cumprido as determinações do tribunal (o que implica um juízo de valor prévio sobre a condução do processado pelo tribunal a quo).
3 – Saber se neste momento é possível qualificar a conduta da cabeça-de-casal, se ocultou dolosamente bens, sonegando-os e se o não relacionamento, pelo menos e nesta fase (após junção de relação de bens retificada), da quantia de 5,01 Euros é legalmente justificável.
4 – Saber se a decisão recorrida deve ser reformada quanto a custas, não só por não serem devidas por a decisão sobre a invocada sonegação de bens não integrar um incidente da instância e, em qualquer caso, a condenação em uma unidade de conta ser excessiva.
5- Saber se o tribunal a quo decidiu corretamente ter indeferido o requerido em C) e D) do requerimento das recorrentes, apresentado aos 16/12/2024, por “tal já ter sido efetuado” ou se, ao invés, tal integra uma reiteração de algo já ordenado pelo tribunal a quo mas nunca cumprido.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos
Os factos relevantes para a decisão são os constantes da sinopse processual antecedente, que nesta vertente adjetiva têm força probatória plena.
O Direito aplicável aos factos:
Seremos tão sucintos quanto possível, sem considerandos desnecessários([11]).
As questões (e não razões ou argumentos) são apenas de Direito e, tendo em conta o disposto no art.º 663.º, n.º 6, do C.P.C., os factos a considerar são os já referidos no relatório – que nesta vertente adjetiva têm força probatória plena.
As leis processuais corporizam a tramitação de qualquer processo, de modo a assegurar a igualdade de armas e um processo justo e equitativo, princípios estruturantes a que aludem, entre outros, os artigos 4.º e 6.º; de outro modo, cair-se-ia no subjetivismo, no arbítrio casuísta.
Vejamos então, sequencialmente, as questões antes enunciadas.
1 – Saber se o despacho padece da nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. d), in casu, omissão de pronúncia, ex vi do art.º 613.º n.º 3, do C.P.C. (por, na perspetiva das recorrentes, terem invocado a sonegação de bens nos requerimentos de 24/10/2024 e 16/12/2024).
Consideramos que não, pois a decisão recorrida tem exatamente por objeto esta questão.
Perspetiva diferente seria a da não consideração de anterior requerimento no mesmo sentido, o primeiro; todavia, a condução do processo, desde que contida no âmbito do disposto no art.º 6.º do C.P.C., compete ao tribunal, sendo que entre o primeiro e o segundo requerimento – que, após cumprimento do contraditório, foi objeto de decisão – não decorreram, sequer, dois meses.
A resposta à questão é assim negativa.
2 – Saber se a cabeça-de-casal e a interessada sua mãe têm cumprido as determinações do tribunal (o que implica um juízo de valor prévio sobre a condução do processado pelo tribunal a quo).
Ressalvando o devido respeito por diferente juízo de valor, ficamos com a sensação que a tramitação dos autos tem sido algo acidentada, por assim dizermos.
Por ser relevante, não só para respondermos a esta questão, mas também para analisarmos a seguinte – e por facilidade de exposição no texto – reproduzimos então aqui algumas constatações que antes fizemos, assinalando a itálico o que se nos afira mais relevante.
a) Da escritura pública de habilitação de herdeiros junta com o requerimento inicial, lavrada aos 22/04/2022, consta que a cabeça-de-casal era a viúva – pelo que apenas ela poderia encerrar contas (não a cabeça-de- casal nestes autos). Ora, este aspeto é bastante relevante para a questão seguinte.
b) Da relação de bens inicial não constava o saldo da conta à ordem ...01(68) (320,92 Euros) e da retificada continua a faltar o depósito renda poupança de 5,01 Euros.
c) A interessada viúva não cumpriu o ordenado quanto à conta na Banco 2... com o número ...00(34), não só não tendo o tribunal clarificado o (desnecessário pedido de esclarecimento mencionado no ponto 1.16) antecedente) seu despacho anterior quanto a tal, como também não insistiu por uma resposta da Banco 2... à segunda parte do despacho mencionado em 1.19).
Ou seja, nem a interessada cumpriu, nem a cabeça-de-casal diligenciou por tal, pois em vez de cumprir o despacho veio pedir um (desnecessário) esclarecimento – aproveitando, por assim dizer, o facto de o tribunal ter confundido o cargo de cabeça-de-casal (referindo a viúva e não a filha, o que fez por duas vezes).
Não obstante o atrás referido, os autos continuam sem o pretendido extrato da mencionada conta da Banco 2... à data da morte do inventariado, sendo que era casado em regime de comunhão geral de bens.
d) A cabeça-de-casal (nem a sua mãe) nada juntou quanto ao extrato da segunda conta no Banco 1... (com o n.º ...53), não obstante o tribunal o ter ordenado no ponto 3 do despacho de 28/05/2024.
Quanto a tal, o tribunal a quo também não tirou qualquer consequência nem insistiu pelo seu cumprimento.
Do ponto de vista lógico, para que as partes cumpram o que tribunal determina, não só não devem ocorrer enganos por parte deste, como também deve assegurar-se que o que determinou foi cumprido, lançando mão dos meios coercivos ao dispor, designadamente quanto à interessada viúva (e num primeiro momento) do disposto no art.º 417.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., e quanto à cabeça-de-casal não só de tal, mas também utilizando a cominação de, não cumprindo zelosamente os deveres que a lei lhe impõe, ser removida do cargo, nos termos dos artigos 2079.º, e 2086.º, n.º 1, al. c) – “se não cumpriu no inventário os deveres que a lei lhe impuser” – do C.C., tanto mais que nos termos do n.º 2 deste artigo, qualquer interessado pode pedir a sua remoção do cargo.
Não sendo assim, gera-se a dúvida se a parte não cumpre porque não quer ou se não cumpre porque o tribunal não foi explícito no que determinou, num primeiro momento (ou não esclareça um pedido de esclarecimento – por desnecessário que seja –, acabando assim por poder gerar-se uma ambiguidade ou um pretexto, como se queira), e, num segundo, como reage o tribunal perante a atividade das partes.
– Dado o exposto, deverá o processado seguir um novo rumo a fim de a atividade das partes poder ser efetivamente sindicada e, sendo o caso, punida, pelo que mantendo presente o que vimos mencionado a resposta à questão é, por ora, negativa.
3 – Saber se neste momento é possível qualificar a conduta da cabeça-de-casal, se ocultou dolosamente bens, sonegando-os e se o não relacionamento, pelo menos e nesta fase (após junção de relação de bens retificada), da quantia de 5,01 Euros é legalmente justificável.
Como antes dissemos, a resposta a esta questão está relacionada com a anterior.
Começamos esta parte por realçar algo que dissemos antes: ao contrário do alegado pelas recorrentes, a cabeça-de-casal não podia ter encerrado as contas de que o pai fosse titular.
Fizemos expressa referência à escritura de habilitação de herdeiros (de 22/04/2022) para explicarmos cabalmente esta parte, na medida em que daquela ficou a constar que a cabeça-de-casal era a viúva; a aqui cabeça-de- casal apenas foi instituída como tal por despacho proferido nestes autos.
De todo o modo, considerando-se a alegação que as contas terão sido encerradas em agosto de 2018 (sendo o óbito do autor da herança no dia 14/05/2018) o evidente é que apenas a viúva (cotitular) as poderia ter encerrado.
Posto isto, não deixa de ser uma situação incomum que se pretenda uma decisão de sonegação de bens à partida, com as consequências que tal implica, sem antes, tão-pouco, se ter questionado a continuação da cabeça-de-casal no exercício do cargo, defendendo-se primeiramente a sua remoção.
A título exemplificativo da jurisprudência, pacífica, sobre os elementos objetivo (ocultação) e subjetivo (dolosa) da sonegação de bens, que pode ser cometida pelo cabeça-de-casal ou por outro herdeiro, cuja prova compete a quem a invoca, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do C.C., citamos o sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo n.º 13452/15.5T8PRT.P1.S1, aos 08/10/2019, “I - A sonegação de bens prevista no art. 2096.º, n.º 1, do CC, exige a verificação de dois requisitos: um, de natureza objectiva, traduzido na ocultação da existência de bens; outro, de natureza subjectiva, correspondente ao dolo na ocultação. II - O ónus da prova dos factos constitutivos da sonegação de bens incumbe à parte que a invoca – art. 342.º, n.º 1, do CC. III - A insuficiência da matéria de facto no preenchimento dos elementos, objectivo e subjectivo, do dolo, impede a verificação da sonegação de bens”([12]).
O elemento subjetivo, por sua vez, divide-se em dois requisitos: por um lado, o (inequívoco, dizemos) conhecimento da existência de outros bens que integram a massa hereditária e, em segundo, o propósito (intencionalidade) de os ocultar subtraindo-os à partilha, sonegando-os.
Como observado na decisão recorrida, não foi oferecida prova, bastando-se, para tal, as interessadas com as suas interpretações do processado – o qual, como dissemos, foi algo acidentado –, o que redunda no presente numa insuficiência da matéria de facto para que se possa concluir pela ocultação dolosa, tanto mais que a sonegação implica a consequência mais gravosa: “[o] herdeiro que sonegar bens de herança, ocultando dolosamente a sua existência, seja ou não cabeça-de-casal, perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados, além de incorrer nas mais sanções que forem aplicáveis” – art.º 2096.º, n.º 1, do C.C.
Nestes termos, não é possível concluir, pelo menos neste momento, que a cabeça-de-casal tenha dolosamente sonegado bens, pelo que a resposta à questão é negativa.
4 – Saber se a decisão recorrida deve ser reformada quanto a custas, não só por não serem devidas por a decisão sobre a invocada sonegação de bens não integrar um incidente da instância e, em qualquer caso, a condenação em uma unidade de conta ser excessiva.
A decisão quanto a custas não merece qualquer censura.
Ao contrário do que defendem as recorrentes, a sonegação de bens é claramente um incidente da instância, com enquadramento processual nos artigos 1091.º do C.P.C. (remetendo para os artigos 292.º a 295.º do mesmo Código) e, sem margem para dúvida, no teor do art.º 1103.º, n.º 2, também do C.P.C., “[a] substituição, a escusa e a remoção do cabeça-de-casal([13]) constituem incidentes no processo de inventário, aos quais se aplicam as regras dos incidentes da instância”, dispondo o art.º 295.º que é aplicável o estatuído no art.º 607.º que, por sua vez, no n.º 6, menciona a condenação em custas – sendo aplicável então e no caso a tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais no item “outros incidentes da instância”, sendo a taxa de justiça prevista entre 0,5 unidade de conta e 5 unidades de conta”.
Assim, a resposta à questão é negativa, pois não só estamos perante uma decisão de um incidente da instância pelo qual são devidas custas, como se mostra comedida a condenação em uma unidade de conta, tendo em consideração o mínimo e o máximo acabados de referir.
5- Saber se o tribunal a quo decidiu corretamente ter indeferido o requerido em C) e D) do requerimento das recorrentes, apresentado aos 16/12/2024, por “tal já ter sido efetuado” ou se, ao invés, tal integra uma reiteração de algo já ordenado pelo tribunal a quo mas nunca cumprido.
Novamente estará na base do indeferimento o que referimos antes quanto ao processado, que não vale a pena repetir.
Talvez pela sucessão de ausência de respostas concretas a diferentes aspetos dos (muitos) requerimentos, por um lado (e como fizemos constar em cada momento adequado da sinopse processual que elaborámos), e, por outro, não ter sido constatado pelo tribunal a quo nem o incumprimento de segmentos decisórios do já por si decidido e notificado às partes (e à Banco 2..., também), nem o não ter apreciado (nos termos que já igualmente mencionámos na dita sinopse) estes dois concretos pedidos, acabou por na decisão recorrida os indeferir, crendo que já o tinha deferido – mas não, pois o teor é substancialmente diferente do que o tribunal tinha deferido.
Observamos que nesta parte as próprias interessadas recorrentes estão equivocadas ao dizerem que o tribunal já tinha ordenado mas nunca tinha sido cumprido: não, o tribunal nunca tinha deferido (aliás, se assim não fosse, seria intrinsecamente contraditório defenderem que o tribunal já tinha deferido – ainda que incumprido – e depois interporem recurso do indeferimento).
Assim, nesta parte, o recurso será julgado procedente.
Pelo exposto, o presente recurso será julgado parcialmente procedente.
III – DECISÃO
Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto, revogando-se em parte o despacho recorrido.
Consequentemente, determinamos que o tribunal a quo deverá:
1) Fazer a interessada viúva cumprir o seu despacho, recorrendo aos meios coercivos ao seu dispor e previstos no art.º 417.º, n.º 2, do C.P.C., juntando aos autos o extrato da sua conta na Banco 2..., com o n.º ...00(34), à data do óbito do autor da herança (14/05/2018), de modo a poder ficar habilitado a decidir se metade do saldo (caso exista) deve ser relacionado.
2) Fazer a cabeça-de-casal cumprir o seu despacho no atinente à (segunda) conta existente no Banco 1..., com o n.º ...53, à data do óbito do autor da herança (14/05/2018), e relacionar os 5,01 Euros ainda não relacionados existentes na conta n.º ...01(68).
3) Deferir o requerido em C) e D) do requerimento das recorrentes de 16/12/2024, por se justificar e por nunca ter sido objeto de decisão, pois o aí requerido é distinto (e mais abrangente) do demais já ordenado pelo tribunal
4) No mais, confirmamos a decisão recorrida quanto à improcedência do incidente de sonegação de bens pela cabeça-de-casal (nos termos sobreditos) e condenação das recorrentes nas custas do incidente, tendo a taxa de justiça sido fixada em uma unidade de conta.
Custas da apelação pelas recorrentes, nos termos do art.º 527.º do C.P.C.
Relator: Jorge Martins Ribeiro,
1.º Adjunto: José Nuno Duarte e
2.ª Adjunta: Eugénia Cunha.
____________________________________
[1] Feita a partir dos autos principais e mais detalhada do que, em rigor, seria necessário mas que, estamos em crer, facilitará a compreensão do objeto do recurso e a decisão.
[2] Com o mesmo objetivo, introduziremos observações, constatações, fazendo como que um ponto de situação do processado em diferentes momentos.
[3] Invocando também a escritura pública, de 28/09/2022 de doação (pela mãe e por conta da legítima) do quinhão hereditário e de venda, a seu favor, pela irmã CC do respetivo quinhão hereditário.
[4] Em que perante a cessão de quinhões não se entendeu adequado nomear a viúva como cabeça- de-casal.
[5] O tribunal a quo, no primeiro parágrafo, referiu inventariada e não inventariado, certamente por lapso.
[6] As interessadas invocaram que o falecido estava autorizado a movimentar tal conta da Banco 2...
[7] A conta a que as interessadas se referiam omite a terminação “34” da indicada pela mãe: ...34....
[8] Interpolação e itálico nosso.
[9] Na sequência do que dissemos na nota de rodapé n.º 2, introduzimos observações que seriam mais adequadas na fundamentação de Direito; no entanto, fazemo-lo por continuarmos a crer que contribui para uma mais fácil compreensão do processado e da decisão.
[10] Do original constam aspas, itálico e negrito.
[11] Na maior parte das vezes apenas tecidos pelas facilidades de edição de texto decorrentes das ferramentas do programa word…
[12] Relatado por Maria João Tomé.
O acórdão está acessível em:
https://www.dgsi.pt/JSTJ.NSF/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/56cb0cdcaf22c7658025848e00389499?OpenDocument [07/05/2025].
[13] O que seria uma consequência inevitável de eventual decisão de sonegação de bens pela cabeça-de-casal, que é o que está em causa.