GERENTE SOCIAL
SUSPENSÃO DO CARGO
DECISÃO
CONTRADITÓRIO PRÉVIO
Sumário

I - A expressão o juiz decide imediatamente o pedido de suspensão, após realização das diligências necessárias " constante do art.º 1055.º, n.º 2, do CPC, deve interpretar-se no sentido de que o legislador terá querido que a decisão sobre o pedido de suspensão de titulares de órgãos sociais não é precedida da audição do requerido, e exprimiu a sua vontade em termos suficientemente claros. De outro modo, dificilmente se compreenderia o emprego daquele advérbio “imediatamente”.
II - Em qualquer caso, concorrendo in casu circunstâncias flagrantes susceptíveis de colocar «em risco sério o fim ou a eficácia da providência», nos termos consignados no art. 366º, n.º 1 do CPC se a audição dos requeridos tiver lugar antes de ser decretada a suspensão de funções de gerente, pelos riscos que envolvem de maior delapidação do património social, deve tal audição ser dispensada.

Texto Integral

Processo: 3173/24.3T8STS-A.P1





Acordam no Tribunal da Relação do Porto:




Sumário:
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AA, residente em Rua ..., ... ..., propôs contra “A.... Lda.”, com sede em Lugar ..., ... ..., BB e CC, residentes em Rua ..., ... ..., acção de destituição de destituição de titulares de órgãos sociais com pedido de suspensão imediata do cargo dos 2.ª e 3.º réus do cargo de gerentes da 1.ª ré, sem audiência prévia, a título antecipatório e com natureza urgente e cautelar, indicando pessoa para exercer as funções de administrador da 1.ª ré até ao trânsito em julgado da decisão que puser termos à presente acção. Alegou, para tanto, os seguintes factos:
- Por acórdão datado de 04 de Abril de 2024 a autora foi judicialmente nomeada como cabeça de casal da herança aberta por óbito de Francisco da Silva Terroso, como se comprova, e com a indicação de que o cabeçalato comprova o exercício dos direitos sociais referentes, em particular, à sociedade requerida.
- Em 12 de Julho de 2000, e por forma a fazer face ao financiamento da sociedade A..., Lda., e por outro lado, reduzir o imposto sobre o rendimento pessoal que poderia advir, e poder suportar o pagamento das rendas de locação financeira de dois imóveis que estavam a ser adquiridos pela referida sociedade em regime de locação financeira, por contratos celebrados através do Banco 1..., e o Banco 2..., agora Banco 3..., o de cujus e a sua mulher celebraram com a sociedade A...., Lda. vários contratos de comodato, cujos termos melhor se indicam nos documentos que ora se juntam e cujo teor aqui se dá por devidamente reproduzido.
- Os contratos foram celebrados com a faculdade de a referida A..., Lda, poder celebrar contratos de arrendamento em seu nome e fazer suas as rendas, o que a sociedade efectivamente fez até 29 de Setembro de 2017,
- Nessa data, em articulação e comunhão de esforços com a ré e gerente BB e o seu filho CC aqui também réu, e por carta, procedeu à resolução do contrato de comodato, e paralelamente, celebrou novos contratos de arrendamento com as empresas que eram arrendatárias dos imóveis, o que se comprava pelos documentos juntos.
- E sem que viesse a pagar as rendas vincendas dos contratos de locação financeira.
- Nessa qualidade de cabeça de casal, e de gerente da ré Sociedade; a ré BB conferiu a favor do seu filho CC, procuração com poderes especiais, nomeadamente, sobre a herança, tendo este sido dispensado na referida procuração da prestação de contas, o que se tem vindo a traduzir na prática de actos que têm vindo a empobrecer e a desprover de valor a herança, com particular incidência sobre as participações sociais e os bens das empresas em causa
. Com efeito, a sociedade A..., sobre o imóvel adquirido em regime de locação financeira sito em ..., construiu uma estrutura de eventos denominada de B..., sendo que, por interesse e conveniência de todos os herdeiros, foi constituída uma sociedade denominada de C..., a qual tinha por objecto assegurar a exploração do espaço e bem assim, organizar os eventos
- A sociedade foi constituída pelo filho CC, ainda em vida do de cujus, tendo como sócio um profissional do ramo da hotelaria, e por forma a poder viabilizar uma mais rápida rentabilização do local.
- Assim que tal foi alcançado, cessou tal participação, passando a sociedade em causa a ser só gerida pelo referido CC, tendo ficado como sócio o irmão DD, com uma quota pequena da sociedade.
-. Com a morte do irmão DD, sucedeu a este, como herdeira universal, a sua mãe, a aqui requerida.
- A referida sociedade C..., após a morte do de cujus, deixou de pagar a renda do espaço, razão pela qual, a indicada sociedade A..., Lda, intentou, contra a indicada C..., Lda, acção executiva, a qual correu termos sob o n.° 19297/17.0T8PRT do Juiz 5 de Execução do Porto, mas que findou, porquanto a ré BB, deixou de promover os seus termos, como decorre dos documentos que se juntam.
- Em sede de oposição, foi a sociedade familiar confrontada com a existência de um documento subscrito pela cabeça de casal, e pelo seu filho CC, onde, em beneficio da sociedade em que aqueles dois eram os únicos sócios (a C...), esta declarava que as rendas estavam todas pagas e que alteravam os termos do contrato de arrendamento, reduzindo a renda devida e a duração do contrato.
- Ora, a declaração em causa representa, para a referida sociedade A..., Lda., uma perda combinada entre rendas perdidas e outras declarações superior a um milhão de euros, que se esfumava assim do património hereditário, e que se decompõem da seguinte forma:
- Rendas não cobradas- Eur.492.069,56;
- Reconhecimento de pretensas benfeitorias (fictícias), em beneficio apenas de dois herdeiros, usando para tanto a requerida a sua qualidade de cabeça de casal- Eur.680.000,00;
- Da mesma forma, os Réus BB e CC, junto da empresa D..., encomendaram um elevador destinado à referida empresa C..., Lda,, tendo sido remetida a factura à sociedade A..., Lda., factura essa que viria a ser exigida em juízo, tendo ficado nessa altura os demais herdeiros a saber que tinha sido tudo adjudicado por CC, e pago pela ré BB, como igualmente se demonstra pelos documentos juntos.
- Deixaram ainda de entregar os valores necessários para fazer face ao pagamento das rendas, colocando em risco a execução dos contratos de locação financeira, e abrindo assim porta à possibilidade de resolução contratual por parte do banco, abrindo a porta para a possível negociação livre dos imóveis a quem pagasse o seu valor residual, e o remanescente do preço, colocando em crise um valor superior a dois milhões de euros, em rendas pagas pela referida sociedade, e privando-a de qualquer valor.
- O que só não sucedeu, porque a autora e as suas irmãs, asseguraram o pagamento do remanescente das rendas em causa, assegurando o cumprimento dos contratos por parte da A..., sendo contudo certo que, o risco de perda total dos imóveis e do acervo da A..., Lda, e consequentemente do acervo da herança, não se encontra afastado.
- Por forma a proteger a empresa, a autora e as suas irmãs, em Assembleia Geral da A..., fizeram nomear representante comum para a sociedade, e, em representação da participação social do de cujus, deliberaram nomear como gerente EE.
- Foram instauradas acções de anulação de deliberação social, que correram termos no Juízo do Comércio de Santo Tirso sob os ns.° 1906/17.3T8STS - Juiz 2 e 2517/17.9T8STS - Juiz 3, onde foi proferida decisão de anulação da deliberação.
-. No decurso do verão, a autora constatou que o seu irmão e réu CC estava a proceder à venda de todo o equipamento fabril da A..., Lda, arrogando-se a qualidade de gerente nomeado pela sua mãe,
- Tendo sido carregados cinco camiões de maquinaria por cidadãos espanhóis, e obrigando a que fosse apresentada queixa junto das autoridades, sendo contudo certo que as mercadorias em causa desapareceram, esfumaram-se, sem indicação do valor, que não foi registado na sociedade, como se comprova por documentos juntos.
- A ré BB, como gerente de A..., e já após ter passado procuração ao réu CC, e junto a conta da Banco 4... da referida sociedade, fez um conjunto de movimentos, nomeadamente, pagamento de serviços em benefício de outras entidades, num total de Eur. 17.522,32, sem prestar qualquer tipo de contas à sociedade ou à contabilidade da sociedade em causa, como se demonstra por documentos que se juntam.
- A sociedade A...., Lda:
- Tem a recuperar rendas no valor de Eur.492.059,56;
- Tem benfeitorias constituídas sobre o imóvel sito em ... e correspondente a um local de eventos denominado de B..., que superam os Dois milhões de euros, e
- Tem integralmente pagas as prestações referentes à aquisição de um imóvel em ... e um imóvel na ..., de valor combinado de cerca de dois milhões de euros, ou seja,
- Na sociedade existem na presente data bens ou direitos no valor que excede os quatro milhões de euros, parte já foi vendida, por valor desconhecido a cidadãos espanhóis, e basta os Réus ficcionar uma declaração de transmissão de posição contratual nos contratos de locação financeira, com referência ao exercício da opção de compra, para que estes desapareçam sem deixar contrapartida na sociedade em causa.
- Por outro lado, a ré BB, e gerente da sociedade A..., Lda, nasceu no ano de 1932, contando na presente data 92 anos de idade, tem como formação, a antiga quarta classe, exerceu a profissão de costureira e posteriormente de encarregada da produção,
- E foi nomeada como gerente, pese embora nunca tenha assumido, nem exercido a gerência, dado que apenas a assumia enquanto mulher do de cujus, desconhece as exigências de organização de uma empresa, da sua contabilidade, e bem assim, da negociação bancária,
- Ou mesmo as implicações e modalidades dos contratos bancários, nomeadamente os contratos de locação financeira, como os celebrados pela sociedade A... e lhe falece a capacidade para tal, por nunca ter negociado o desconto de papel comercial, um contrato com o banco, a regularização de créditos, ou outras actividades similares,
- Desconhece a real situação da sociedade, e bem assim, a situação referente aos contratos de locação financeira-
- Contudo, sob as instruções do seu filho CC, a ré BB tem executado todos os actos que este lhe tem solicitado (ou pelo menos, assinado os documentos necessários para que este possa assegurar as movimentações bancárias e pratique os demais actos),
- Como se reconheceu no Ac. que removeu a ré BB de cabeça de casal, a falta de capacidade, para o exercício da gestão da empresa que integra a herança onde se concentra o valor relevante do património que assegura a satisfação dos quinhões dos demais herdeiros, integra fundamento, e em sede cautelar, para o afastamento da cabeça de casal.
- Desde 2017 que a gerente não apresenta as contas da sociedade, não convoca as Assembleias Gerais de aprovação de contas, e mais grave, não procede ao seu depósito junto da CRC respectiva, como decorre da certidão permanente da empresa.
- Além da ocultação da situação real da empresa, a falta de apresentação de contas da empresa coloca a empresa numa situação de risco de ver declarada a sua dissolução administrativa, e com a agravante de, ao serem os réus a receber o processo em causa, os demais herdeiros e a cabeça-de-casal da herança não têm conhecimento da situação da empresa, e do processo, não se podendo opor ao mesmo, nem podem substituir-se aos réus na convocação das Assembleias Gerais de aprovação de contas.
- Sendo assim urgente que se determine a suspensão imediata de funções, como forma de afastar o risco da prática de actos de gestão danosa na empresa.
Conclusos os autos, foi proferido despacho liminar, nos seguintes termos:
Decorre do anexo de petição inicial que a aqui requerente pretende não só a destituição dos requeridos, pessoas singulares, mas também a prévia suspensão dos mesmos da função de gerentes, com efeitos imediatos.
Como meios de prova a produzir para os pedidos que formula, a requerente não distinguiu a que indicava para o pedido de suspensão e para o pedido de destituição.
A propósito do consagrado no artigo 1055.º do código de processo civil, temos vindo a entender (como a jurisprudência que pensamos ser maioritária), que estamos perante um processo principal e definitivo de destituição, que pode ter (como é o caso dos autos), enxertado no processo principal, uma providência cautelar inominada de suspensão, cujas decisões (de suspensão e de destituição) são autónomas entre si, pondo, cada uma das decisões, termo a procedimentos funcionalmente autónomos e independentes, com a diferença/especialidade de a decisão cautelar ser tomada num incidente tramitado/enxertado na acção principal (há quem defenda que sob a aparência de uma única acção, prevê esta efectivamente dois pedidos e dois processos, o de suspensão do cargo de gerente, que é um procedimento cautelar, com semelhanças evidentes com o procedimento cautelar comum, e o de destituição da gerência, que é uma acção declarativa com as especificidades características dos processos de jurisdição voluntária, sendo que o autor pode pedir só a destituição do gerente, como, simultaneamente, esta destituição e a sua imediata suspensão das respectivas funções; e há quem entenda que a suspensão é um dos pedidos da acção única ou procedimento cautelar não especificado e se justifique a sua existência afirmando que "o legislador reparou em que o sistema por ele criado tinha um grave inconveniente: a manutenção do gerente, apesar da justa causa, até ao trânsito em julgado da sentença que o destitua e que produz efeito ex nunc).
Por outro lado, a tramitação paralela e simultânea do dito procedimento cautelar e da acção especial principal (de jurisdição voluntária) poderá trazer dificuldades, dado que o incidente/procedimento se poderá "confundir" e "englobar" no processo da causa principal, o que não sucederia se tivesse processo próprio e distinto do processo da causa principal, como no caso de ser autuado por apenso, para além das dificuldades traduzidas em determinados actos processuais praticados no âmbito das citações/notificações e, subsequentemente, pelas partes, o que, naturalmente, não poderá deixar de ser levado em conta pelo tribunal, tanto mais por estarmos no domínio da jurisdição voluntária.
Na situação presente, e no sentido de evitar as aludidas dificuldades na tramitação, bem como para salvaguardar os interesses de ambas as partes, será entendido o aludido pedido de suspensão do cargo de gerente como consistindo num procedimento cautelar autónomo e inicial do processo, a tramitar de forma mais célere e com a produção de prova sumária e, posteriormente, a tramitação da causa principal, com a apreciação do pedido final de destituição de gerente.
Por outro lado, e quanto a tal procedimento inicial e cautelar, e embora prevista na lei a possibilidade de ser decretada tal suspensão sem audição da parte contrária, afigura-se-nos que, tramitando tal incidente de modo semelhante ao procedimento cautelar comum, apenas excepcionalmente pode ser ultrapassada tal audição (cfr. artigo 366.º, n.º 1 do C.P.C.).
Ora, no caso, a requerente pretende que a suspensão seja decidida sem audiência dos requeridos, mas a alegação que faz é insuficiente para justificar tal excepção à audição, pois não permite concluir que tal audiência coloque em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
Aliás, da própria alegação da requerente e dos elementos que juntou aos autos, designadamente da certidão comercial da sociedade e da informação da acção supra aludida, resulta que o "conflito" entre as partes se vem arrastando ao longo dos últimos tempos.
Nada é de concreto e suficientemente alegado que permita concluir que o tempo a despender com tal audição dos requeridos coloque em causa a eficácia de tal procedimento, até pelos actos ocorridos e procedimentos que vêm sendo instaurados.
Pelo que, considero que não se verificam no caso os pressupostos exigidos para não ouvir previamente os requeridos quanto a tal pedido de suspensão.
Notifique.
Inconformada com este despacho dele veio interpor recurso a autora, formulando as seguintes conclusões
A - O presente recurso versa sobre o despacho proferido pela Mma. Juiz do tribunal "a quo", a 26 de Novembro do corrente ano, através do qual determinou a audição dos Requeridos BB e CC, pese embora a Recorrente, ao intentar a acção de destituição de gerente por justa causa, tenha requerido que fosse decretada a suspensão imediata de funções sem audiência prévia, a título antecipatório e com natureza cautelar e urgente.
B - A Mma. Juiz, determinou a inquirição previa dos requeridos porquanto considerou que para evitar dificuldades na tramitação "... bem como para salvaguardar os interesses de ambas as partes, será entendido o aludido pedido de suspensão do cargo de gerente como consistindo num procedimento cautelar autónomo e inicial do processo'''' que deve ser tramitado de modo semelhante ao procedimento cautelar comum - cfr. Artigo 366° n.° 1 CPC.
C - A Mma. Juiz, ao proferir o sobredito despacho violou, salvo o devido respeito, o disposto nos Arts 366º e 1055º do CPC.
D - O Art.° 1055 do CPC estipula no seu n.° 2:
- "Se for requerida a suspensão do cargo, o juiz decide imediatamente o pedido de suspensão, após realização das diligências necessárias ", determinando, assim, o legislador que a decisão sobre o pedido de suspensão não é precedida da audição do requerido, pelo que não é aplicável à decisão a regra do Art.° 366° n.° 1 do CPC – vide neste sentido Ac. TRC, prolatado a 28.01.2020, relatora: Maria Catarina Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt.
E - Solange Fernanda Moreira de Jesus, a propósito do Art.° 1484.°-B CPC de 1961, actual Art.° 1055° CPC (em tudo idêntico ao anterior artigo 1484°-B CPC), no estudo "O Processo Especial de Destituição e Suspensão dos Gerentes Problemas Suscitados pelo n° 2 do artigo 1484. °-B CPC", in IDET/Miscelâneas/N.° 7, página 194 e ss, defende que:
- " Aliás, do teor deste normativo parece resultar com alguma evidência que o legislador quis que fosse tomada decisão célere quanto ao pedido de suspensão, após a realização de diligências estritamente necessárias, o que não se compadece com a eventual audição prévia do requerido, sob pena de aquela não poder ter aquela celeridade " - vide no mesmo sentido João Labareda in "notas dobre os processos destinados ao Exercício de direitos sociais "-Revista de Direito e Justiça, ano 1999, Tomo I, e Coutinho de Abreu in "Código das Sociedades Comerciais em Comentário", Volume VI, Almedina, página 388,
F - Assim, entre o pedido e a decisão, interpõe-se apenas a realização das diligências necessárias à decisão.
G - Acresce que, do preâmbulo do Decreto-lei n.° 329-A/95, de 12 de Dezembro (diploma que revê o CPC, altera o Código Civil, e a lei orgânica dos tribunais judiciais; tendo efectuado uma adaptação entre o CPC e o CSC, criou os processos especiais relativos ao exercício de direitos sociais, entre os quais processo previsto no artigo 1055.°) resulta que o legislador quis que os processos especiais que criou relativos ao exercício de direitos sociais fossem procedimentos céleres.
H - Se o legislador quis que o processo de destituição de titular de órgão social fosse expedito, certamente que mais expedito quis que fosse o processo de suspensão, o que como é evidente, salvo o devido respeito, não ocorre se se determinar a previa audição do(s) requerido(s).
I - Por outro lado, e recorrendo ao elemento de ordem sistemática, no que tange aos processos previstos no CPC relativos ao exercício dos direitos sociais, o previsto no artigo 1055.° do CPC não é o único que prevê a adopção de medidas cautelares; o processo de inquérito judicial, previsto no Art.° 1050° do mesmo diploma, prevê igualmente a adopção de tais medidas.
J - Na interpretação do Art.° 1055° n.° 2 do CPC, não podemos olvidar o disposto no Art.° 9° do Código Civil, que no seu n° 3 determina - "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".
K - Considerando, que no Art.° 1050° do CPC referente ao processo de inquérito judicial, o legislador estipulou expressamente que se aplicam com as necessárias adaptações o preceituado quanto às providências cautelares; caso o legislador quisesse que à decisão sobre o pedido de suspensão fossem, também, aplicáveis com as devidas adaptações, o preceituado quanto às providências cautelares tê-lo -ia dito como fez no Art.°1050.
L - Se o não disse, é de presumir que foi outra a sua opção, pelo que é de concluir não ser aplicada à decisão de suspensão de funções, o disposto no Art.° 366° n.° 1 do CPC.
M - No Art.° 1055° n.° 2 do CPC, o legislador consagrou um dos casos excepcionais, previstos na lei - Art.° 3° n.° 2 do CPC, em que se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
N - O Tribunal Constitucional, no acórdão n.° 131/02, proferido em 14 de Março de 2002, Proc. n° 346/01 - 3a secção, Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, declarou que não era inconstitucional o artigo 1484.°-B, n.° 2 do CPC de 1961 (reproduzido ipsis verbis, pelo actual Art.° 1055° n.° 2 do CPC), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.° 329-A/95, de 12 de Dezembro, interpretado no sentido de que a decisão sobre o pedido de suspensão não era precedida da audiência do requerido.
O - No caso em apreço, é manifesto que o pedido cautelar e provisório de suspensão imediata de funções dos requeridos, encontra-se devidamente fundamentado - na P.I., bem como nos documentos juntos, encontram-se inequivocamente demonstrados factos que fundamentam a existência do direito de destituição da gerente BB, e concomitantemente do filho CC, atenta a procuração por aquela outorgada cfr. doe. n.° 12 junto com a P.I., bem como do periculum in mora.
P - Os factos elencados na P.I, bem como na fundamentação do presente recurso, demonstram a violação dos deveres do gerente de um modo continuado, elevado grau de ilicitude, mesmo de natureza criminal, que constituem fundamento legal para a destituição; sendo que a Ré BB na qualidade de gerente da sociedade, pode, como se disse, continuar a afectar gravemente os interesses da sociedade, bastando para tal invocar os seus poderes de representação.
R - Não pode deixar de se considerar como verificado o requisito do periculum in mora, que não é compatível com a demora da decisão derivada da audição dos requeridos.
S - Enquanto decorre o prazo, a ausência de uma decisão sobre a suspensão, está a prejudicar significativamente o objectivo e a eficácia da medida solicitada, ou seja impedir o gerente de decidir e actuar em nome da sociedade, praticando catos que a continuem a lesar.
T - Pese embora, o "conflito" entre as partes se venha arrastando ao longo dos últimos tempos, como afirmou a Mma. Juiz no despacho proferido, não podemos olvidar que a Ré BB era também a representante comum da quota do sócio falecido Francisco da Silva Terroso, pelo que só após a sua remoção do cargo e a nomeação da actual cabeça de casal - AA, foi possível a esta enquanto representante comum da quota do sócio falecido, intentar a presente acção, requerendo a suspensão imediata de funções dos Réus.
U - Como sustenta o TRG no Ac. prolatado a 21-04-2022, proc. n.° 4509/21.4T8GMR-A.G1, relatora: Rosália Cunha:
-" Concluindo-se pela existência de justa causa de destituição, a suspensão das funções de gerência deve ser decretada imediatamente não constituindo o periculum in mora um requisito autónomo, posto que este se presume e decorre da própria existência de justa causa a qual tem ínsita uma situação de inexigibilidade de manutenção do gerente em exercício de funções.
X - Devendo-se atentar que entre as partes já houve a decisão da remoção da cabeça de casal, tendo sido proferido o Ac. do TRP, que já deu como assentes e comprovadas as condutas graves e lesivas do interesse da sociedade e da herança e que determinaram o afastamento da cabeça-de-casal,
Y - A decidir-se pela audiência prévia, coloca-se assim de sobre aviso os Réus, acarretando riscos para a empresa, em especial os riscos associados à falta de aprovação de contas, quer os riscos de natureza patrimonial que estão em crise ou a necessidade de proceder à cobrança de rendas e receitas e assegurar as despesas correspondentes; riscos que impõem que a suspensão de funções seja decretada de forma célere e urgente;
Z- Da mesma forma, não se logra aperceber qual a utilidade concreta da audição dos Requeridos, e a protecção do direito de defesa, quando, entre as partes, correu termos o processo de destituição de cabeça de casal, e no âmbito do qual, e na sequência de produção em regime de contraditório da prova, foram considerados como provados os factos que integram os comportamentos culposos e dolosos que ferem a gerência da sociedade e justificam o imediato afastamento, por suspensão, dos Requeridos;
AA - Donde se conclui pela necessidade de a providência de suspensão ter que ser decretada sem que ocorra a audição dos Réus, decretando-se a mesma após a produção de prova.

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Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art.ºs 5.º, 635.º n.º 3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), a única questão que importa resolver resume-se a saber se o despacho recorrido fez correcta aplicação do disposto no artigo 1055.º do CPC ou, pelo contrário, se deveria ter sido determinada a dispensa de audição prévia dos requeridos. Os factos a considerar são os que resultam do relatório supra, bem como do despacho judicial transcrito, para que ora se remete.
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No despacho recorrido, a Mma. Juíza considerou que;
- Neste procedimento inicial e cautelar, e embora prevista na lei a possibilidade de ser decretada tal suspensão sem audição da parte contrária, afigura-se-nos que, tramitando tal incidente de modo semelhante ao procedimento cautelar comum, apenas excepcionalmente pode ser ultrapassada tal audição (cfr. artigo 366.º, n.º 1 do C.P.C.).No caso, a requerente pretende que a suspensão seja decidida sem audiência dos requeridos, mas a alegação que faz é insuficiente para justificar tal excepção à audição, pois não permite concluir que tal audiência coloque em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
- Da alegação da requerente e dos elementos que juntou aos autos, designadamente da certidão comercial da sociedade e da informação da acção supra aludida, resulta que o "conflito" entre as partes se vem arrastando ao longo dos últimos tempos. Nada é de concreto e suficientemente alegado que permita concluir que o tempo a despender com tal audição dos requeridos coloque em causa a eficácia de tal procedimento, até pelos actos ocorridos e procedimentos que vêm sendo instaurados.
Os recorrentes consideram, ao invés, que não é aplicável à decisão de suspensão de funções, o disposto no art.° 366° n.° 1 do CPC. devendo o art.° 1055° n.° 2 do CPC, interpretar-se no sentido de que se a citação dos requeridos não pode ser admitida nesta fase (cautelar) do processo, podendo contra eles tomar-se providências sem que sejam previamente ouvidos.
Vejamos:
Dispõe o artigo 1055.º do CPC (Suspensão ou destituição de titulares de órgãos sociais) que:
1 - O interessado que pretenda a destituição judicial de titulares de órgãos sociais, (…) nos casos em que a lei o admite, indica no requerimento os factos que justificam o pedido.
2 - Se for requerida a suspensão do cargo, o juiz decide imediatamente o pedido de suspensão, após realização das diligências necessárias.
3 - O requerido é citado para contestar, devendo o juiz ouvir, sempre que possível, os restantes sócios ou os administradores da sociedade.
4 – (…)
Este artigo prevê o processo especial de suspensão ou destituição de titulares de órgãos sociais em que é possível, simultaneamente, formular um pedido cautelar de suspensão e um pedido definitivo de destituição do cargo de órgão social.
Relativamente ao n.º 2 deste artigo, que regulamenta a medida cautelar de suspensão, tanto a jurisprudência como a doutrina se têm dividido quanto à possibilidade de citação dos requeridos antes de decidir do pedido de suspensão.
No sentido de que o n.º 2 do artigo 1055.º do CPC, ao dispor que “o juiz decide imediatamente o pedido de suspensão”, não admite a citação do requerido, nesta fase cautelar do processo, pronunciaram-se, entre outros, os Acs. da Relação de Coimbra de 28-11-2018 (Processo n.º 4039/17.9T8LRA-A.C1) e de 26-04-2022 (Processo n.º 568/22.0T8ACB.C1, ambos in dgsi.pt).Sufragam os aludidos arestos uma interpretação segundo a qual no procedimento cautelar de suspensão de funções dos titulares de órgãos sociais não é aplicável a regra geral do procedimento cautelar comum prevista no artigo 366.º, n.º 1, do CPC, que impõe que o requerido deve ser ouvido previamente à decisão do procedimento cautelar:
1) Ao dispor que “o juiz decide imediatamente o pedido de suspensão, após a realização das diligências necessárias”, o preceito aponta no sentido de que entre o pedido e a decisão interpõe-se apenas a realização das diligências necessárias à decisão (elemento literal);
2) Sabendo-se, através do preâmbulo do Decreto-lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro – que o legislador quis que o processo de destituição de titular de órgão social fosse expedito, certamente que mais expedito quis que fosse o processo de suspensão. A entender-se que a decisão de suspensão do cargo teria que ser precedida de audiência do requerido e porque nenhuma razão existiria para que os termos do processo com vista à destituição ficassem suspensos até à decisão a proferir sobre a suspensão, tal significaria que a notificação do requerido para se pronunciar sobre o pedido de suspensão seria efectuada em simultâneo com a notificação para deduzir oposição ao pedido de destituição. Quando o juiz estivesse em condições de apreciar o pedido de suspensão também já estariam reunidas as condições necessárias para apreciar o pedido de destituição e, portanto, já não teria qualquer utilidade a decisão referente à suspensão do cargo. (elemento racional).
3) No âmbito dos processos previstos no Código de Processo Civil relativos ao exercício dos direitos sociais, o previsto no artigo 1055.º do CPC não é o único que compreende no seu seio a adopção de medidas cautelares. Também prevê a aplicação de tais medidas o processo de inquérito judicial; o artigo 1050.º dispõe que, durante a realização do inquérito, o tribunal pode ordenar as medidas cautelares que considere convenientes para garantia dos interesses da sociedade, dos sócios ou dos credores sociais, sempre que se indicie e existência de irregularidades ou a prática de quaisquer actos susceptíveis de entravar a investigação em curso. Este manda aplicar, com as necessárias adaptações, à decisão do tribunal sobre as medidas cautelares o preceituado quanto às providências cautelares (elemento sistemático).
Em sentido oposto, pronunciaram-se, entre outros, o Ac. desta Relação do Porto de 26-10-2017 (Processo 2894/16.9T8STS-A.P1) e o Ac. da Relação de Évora de 30-01-2025 Processo 1619/24.0T8EVR.E1, ambos in dgsi.pt). Argumenta-se nesse sentido que o legislador sempre que pretendeu afastar a regra do contraditório prévio do requerido, nos termos do art. 366º, n.º 1 do CPC, fê-lo de forma expressa e inequívoca. A especialidade do procedimento cautelar de suspensão de gerente ou o seu caracter de procedimento urgente não constituem, de per si, razões bastantes para o afastamento do princípio estruturante do processo civil do contraditório prévio ao decretamento da providência. A expressão “imediatamente” empregue pelo legislador na redacção do n.º 2 do art. 1055º do CPC não traduz uma vontade inequívoca no sentido do estabelecimento da regra absoluta de exclusão da audiência prévia do requerido em procedimento de suspensão de funções de gerente, pretendendo enfatizar o caracter urgente do procedimento e a circunstância de o mesmo ser decidido autonomamente e em momento anterior à decisão do pedido principal de destituição.
Na doutrina, pronunciaram-se contra a audição prévia do requerido Solange Fernanda Moreira de Jesus (in "O Processo Especial de Destituição e Suspensão dos Gerentes Problemas Suscitados pelo n.° 2 do artigo 1484.°-B CPC", estudo in IDET/Miscelâneas/N.° 7, página 194 e ss). e João Labareda ("notas dobre os processos destinados ao Exercício de direitos sociais". in Revista de Direito e Justiça, ano 1999, Tomo I, e Coutinho de Abreu in "Código das Sociedades Comerciais em Comentário", Volume VI, Almedina, página 388). Em sentido oposto, Joaquim Taveira da Fonseca (“Suspensão e destituição dos membros dos órgãos de administração das sociedades por quotas e anónimas” texto publicado in Direito das Sociedades em Revista, V Congresso, Almedina, Novembro 2018).
Afigura-se que a posição que melhor enquadra as exigências específicas deste procedimento cautelar é a da dispensa da citação prévia do(s) requerido(s). A expressão o juiz decide imediatamente o pedido de suspensão, após realização das diligências necessárias " deve interpretar-se que o legislador terá querido que a decisão sobre o pedido de suspensão não é precedida da audição do requerido, sendo certo exprimiu a sua vontade em termos suficientemente claros. De outro modo, dificilmente se compreenderia o emprego daquele advérbio “imediatamente”.
Em qualquer caso, e independentemente da perspectiva jurisprudencial adoptada, na hipótese vertente concorrem circunstâncias flagrantes que recomendam que o juiz afaste a audiência prévia dos requeridos. Assim sucede com a cessação do pagamento das rendas dos contratos de locação financeira que a sociedade tinha celebrado para aquisição de dois imóveis, um sito em ..., outro na ..., colocando em risco a execução dos mesmos contratos, com o inerente risco resolução contratual por parte dos bancos, com a não cobrança das rendas devidas pela sociedade C..., com a assunção de um débito para aquisição de um elevador destinado à C..., e com a venda de equipamento fabril da A... Ao que acresce o reconhecimento, no âmbito de outro processo, da incapacidade da requerida BB para o exercício das funções de cabeça de casal e consequente remoção. Todas essas circunstâncias, que foram alegadas pela recorrente, com junção de prova documental em apoio, são susceptíveis de colocar «em risco sério o fim ou a eficácia da providência», nos termos consignados no art. 366º, n.º 1 do CPC se a audição dos requeridos tiver lugar antes de ser decretada a suspensão de funções de gerente, pelos riscos que envolvem de maior delapidação do património social.
Por outro lado, sempre estará garantido o contraditório dos requeridos, nos termos gerais do art.º 372.º do CPC, caso a providência venha a ser decretada sem a sua audição.

Procede, assim, o recurso, não devendo, para já, indeferir-se o pedido da requerente no sentido de não ouvir os requeridos antes da decisão sobre o pedido de suspensão.







Decisão.

Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, em função do que revogam a decisão recorrida, determinando que o tribunal a quo decida o pedido de suspensão após a realização das diligências necessárias, mas sem audição dos requeridos.




Porto, 13/05/2025

João Proença
Pinto dos Santos
Alexandra Pelayo