CONTRATO DE ARRENDAMENTO
FORMA ESCRITA
NULIDADE DO CONTRATO
Sumário

I - A exigência da forma escrita para os contratos de arrendamento constante do artigo 1069.º, n.º 1, do Código Civil, é meramente ad probationem, pelo que, mesmo que não se demonstre que a falta de observância de forma é imputável ao senhorio, a celebração do contrato de arrendamento pode ser provada por confissão expressa, judicial ou extrajudicial.
II - Esta confissão tem que ser expressa, pelo que estão excluídas as confissões resultantes da não impugnação de factos nos articulados.
III - A excepção constante do nº2 do artigo 1069.º do Código Civil, apenas se mostra estabelecida a favor do arrendatário.
IV - O artigo 1069.º, n.º 2, do Código Civil, aditado pela Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro, aplica-se aos arrendamentos existentes à data da entrada em vigor desta Lei, por força da norma transitória prevista no n.º 2 do artigo 14.º da citada Lei.
V - Considerando nulo o contrato de arrendamento, se houve detenção, ocupação e uso do arrendado, é devido o valor correspondente à utilização da coisa, correspondendo à reconstituição do “status quo ante” prevista no artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil. Não sendo o gozo da coisa, pela natureza das coisas, passível de restituição, esta passará, nesses casos, pela entrega do valor correspondente, o qual corresponderá ao valor da renda convencionado pelos outorgantes no contrato de arrendamento, já que este representa a medida pecuniária do gozo do imóvel por eles expressamente estipulada.

Texto Integral

PROC. N.º[1] 4083/23.7T8MTS.P1


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Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 4

RELAÇÃO N.º 220

Relator: Alberto Taveira

Adjuntos: João Proença

Rui Moreira


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

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I - RELATÓRIO.

AS PARTES


A.: AA.

R.: BB.


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O[2] A., intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a R., peticionando que, pela procedência da acção:

A) Julgar-se resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre o pai do ora A. e a Ré.

B) Ser a Ré, condenada a pagar ao A. a importância de 5.747,00€ (cinco mil setecentos e quarenta e sete euros) correspondentes às rendas vencidas e não pagas, acrescida dos respectivos juros de mora já vencidos, bem como nas rendas vincendas até efectiva entrega do locado, acrescida dos respectivos juros.

C) Ser a Ré, condenada a despejar imediatamente o locado que tomou de arrendamento, devolvendo-o ao A., inteiramente devoluto de pessoas e bens.

Alega para tal, ser o único herdeiro e cabeça de casal da herança aberta por óbito de CC, que o falecido no dia 01/02/2017 celebrou com a ré um contrato de arrendamento habitacional relativo ao prédio urbano sito na Travessa ..., ..., em ..., pela renda mensal de € 250,00.

Alega ainda que contactou a ré solicitando-lhe que desocupasse o locado para serem efectuadas obras no locado, a que esta não acedeu.

Mais afirma que a ré não pagou as rendas referentes aos meses de Outubro de 2020, Janeiro, Março, Abril, Agosto e Dezembro de 2021, tendo pago nos restantes meses as seguintes quantias, Fevereiro 250,00€, Maio 400,00€, Junho 250,00€, Julho 250,00€, Setembro 185,00€, Outubro 270,00€, Novembro 218,00€.

Relativamente ao ano de 2022 apenas pagou as seguintes quantias, em Janeiro 250,00€, em Abril 200,00€ e em Junho 250,00€, nada mais pagando a titulo de rendas após este último mês de Junho de 2022.

Por conseguinte, pretende a cessação do contrato, por falta de pagamento das rendas e o despejo do locado.

Regularmente citada, a Ré não apresentou contestação.

Foi proferido despacho julgando confessados os factos alegados pelo autor nos termos do artigo 567.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Após cumprimento do disposto no artigo 567.º n.º 2 do Código de Processo Civil, apenas o autor apresentou alegações pugnando pela condenação da ré nos termos já peticionados.


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DA DECISÃO RECORRIDA


Após foi proferida SENTENÇA, nos seguintes termos:

Consequentemente, julga-se a acção totalmente procedente, por provada e, em consequência:

a) decreta-se a resolução imediata do contrato de arrendamento celebrado entre CC e a ré relativo à fracção urbana sita na Travessa ..., ..., ... ..., inscrita na matriz predial urbana da União das Freguesias ... e ...;

b) condena-se a ré BB a despejar imediatamente o locado e a restitui-lo à autora, livre de pessoas e bens;

c) condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 7.997,00, a título de rendas vencidas.

d) condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 250,00 por cada mês de ocupação do locado, até à sua efectiva entrega ao autor.

e) mais se condena a ré no pagamento de juros de mora sobre as quantias referidas em c) à taxa legal de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento.”.


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DAS ALEGAÇÕES


A R., vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir a revogação da sentença proferida.

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A apelante, R., apresenta as seguintes CONCLUSÕES:

1. A sentença que ora se recorre julgou a acção totalmente procedente, por provada e, em consequência decretou a resolução imediata do contrato de arrendamento celebrado entre CC e a ré relativo à fracção urbana sita na Travessa ..., ..., ... ..., inscrita na matriz predial urbana da União das Freguesias ... e ...; condenou a ré BB a despejar imediatamente o locado e a restituí-lo à autora, livre de pessoas e bens; condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 7.997,00, a título de rendas vencidas; condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 250,00 por cada mês de ocupação do locado, até à sua efectiva entrega ao autor e mais condenou a ré no pagamento de juros de mora sobre as quantias referidas em c) à taxa legal de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento.”

2. Nos termos da decisão recorrida, motivaram a decisão quanto à matéria de facto, os factos que deu como provados em 1) a 4) que resultaram assentes face ao teor dos documentos juntos como 1 e 2 com a petição inicial es de mais factos refere a decisão recorrida de se mostram assentes por confissão da ré.

3. Nos presentes autos, por despacho, datado de 11/12/2023, com a referência 454766735, ao abrigo do disposto no artigo 567.º, n.º 1 do Código Processo Civil, isto é, por falta de contestação, o Tribunal a quo julgou confessados os factos alegados pelo autor na petição inicial.

4. Sucede que, quando se consideram confessados os factos, por falta de contestação, de acordo com o previsto no artigo 567.º, n.º 2 in fine, a causa é julgada “conforme for de direito”, o que pode conduzir ou não à procedência da acção, considerando que se considera a confissão dos factos, mas o mesmo não sucede quanto ao direito, estando-se perante o chamado efeito cominatório semi-pleno.

5. Por conseguinte, apesar de se considerar confessados os factos articulados pelo autor, caberá, sempre, ao Tribunal a quo, proceder ao respectivo enquadramento jurídico – artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

6. No caso em apreço, estamos perante uma excepção ao artigo 567.º, designadamente, a excepção da alínea d) do artigo 568.º do Código de Processo Civil, porquanto, estamos perante facto para cuja prova se exige documento escrito – contrato de arrendamento.

7. Da leitura dos factos dados como provados, não se alcança em que data foi o referido imóvel dado de arrendamento, por quem e a quem, ou se houve transmissão do mesmo e qual o seu fim.

8. A que acresce o facto de a participação de óbito, na qual assentam os factos dados como provados, apenas constar a propriedade de ¾ do imóvel, desconhecendo-se a quem pertence a propriedade do restante ¼.

9. O contrato de arrendamento não foi junto com a petição inicial, nem o Tribunal a quo requereu a sua junção, o que, com o devido respeito, não permite o alcance dos factos essenciais acima referidos.

10. Sendo certo que, o facto de não se saber a data de celebração do contrato, também não impede a aplicação da legislação correcta que o regula.

11. Ora, não existindo nos autos o referido documento, ao contrário do que o Tribunal a quo fez consignar na sentença, não se pode incluir nos factos provados que o imóvel em causa foi dado em arrendamento a Apelante, por violação de uma exigência de prova legal.

12. Pelo que deveria o Tribunal a quo ter convidado o Apelado a juntar contrato de arrendamento e a aperfeiçoar a petição inicial, o que não sucedeu.

13. Tratando-se de um acto essencial ao bom julgamento da causa, estamos perante uma nulidade processual, de conhecimento oficioso, o que se requer que seja declarado com todas as consequências legais.

14. Caso assim não se entenda, o que por cautela e mero dever de patrocínio se concebe, deve a decisão recorrida ser anulada com base na deficiência do julgamento da matéria de facto, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil e por violação dos artigos 568.º alínea d) e 590.º, n.º 2, b), c), n.º 3 e 4 do Código de Processo Civil.“.


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A A. apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, pugnando pela improcedência do recurso.

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II-FUNDAMENTAÇÃO.


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

Como se constata do supra exposto, a questão a decidir, é a seguinte:

O contrato de arrendamento apenas pode ser provado por documento escrito e não por confissão ficta.

Da nulidade da relação contratual de arrendamento e suas consequências.


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OS FACTOS


Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes no relatório, e bem como aqueles da sentença ora em crise.

A) Factos Provados

1) No dia 03/10/2019, faleceu DD, natural da freguesia ..., concelho ..., no estado de casada com CC, em primeiras e únicas núpcias de ambos, casados sob o regime de comunhão de adquiridos.

2) No dia 14/10/2021, faleceu CC, natural da freguesia ..., concelho ..., no estado de viúvo de DD.

3) O autor é o único herdeiro da herança aberta por óbito de DD e de CC.

4) Da participação fiscal por óbito de CC consta, como verba n.º 1, 3/4 do prédio urbano, artigo ..., da União das Freguesias ... e ....

5) O CC acordou com a ré ceder-lhe o gozo e fruição da fracção urbana sita na Travessa ..., ..., ... ..., inscrita na matriz predial urbana da União das Freguesias ... e ..., mediante contrapartida pecuniária mensal no montante de € 250,00.

6) No dia 22/11/22, através da sua mandatária, o autor enviou comunicação escrita à ré, com a epígrafe «desocupação de imóvel para realização de obras».

7) No dia 03/01/2023 a ré enviou uma comunicação escrita endereçada à mandatária do autor com o assunto: «arrendamento do imóvel situado na Rua ..., ... – ...».

8) A ré deixou de entregar as quantias acordadas correspondentes aos meses de Outubro de 2020, Janeiro, Março, Abril, Agosto e Dezembro de 2021, tendo entregue nos meses de Maio, Setembro, Outubro e Novembro do mesmo ano as quantias de 400,00€, 185,00€, 270,00€ e 218,00€ respectivamente.

9) Relativamente ao ano de 2022 a ré não entregou as quantias acordadas correspondentes aos meses de Fevereiro, Março e Julho, tendo entregue no mês de Abril a quantia de 200,00€.

10) A ré não entregou as quantias acordadas correspondentes aos meses de Janeiro a Agosto de 2023.

11) Em 19/04/2023 o autor interpelou a ré para efectuar o pagamento dos valores em atraso.

B) Não há factos não provados. “.


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DE DIREITO.


Na presente demanda pede o A. a declaração de resolução de contrato de arrendamento, pede que seja a R. condenada a pagar as rendas em dívida e bem como a sair do locado (despejo).

Invoca para tanto a existência de uma relação de locação – arrendamento. Alega o A. que após o falecimento do pai, teve conhecimento através do processo de imposto de selo da AT que o seu pai havia celebrado com a R. contrato de arrendamento. Que não possui nem original, nem cópia de tal contrato. Para além do que resulta do processo sucessório na AT, alega ter a R. confirmado a existência de tal relação contratual em carta emitida pela R..

A sentença proferida nos autos e objecto de recurso, e com base na factualidade dada como provada, a M.ma Juíza decide que se está perante um contrato de arrendamento válido, pelo que em face do não pagamento das rendas declara a sua resolução e consequente obrigação de pagamento das rendas devidas e a desocupação do locado.

Sustenta a apelante que a demonstração da relação contratual de arrendamento de imóvel apenas pode ser feita por prova documental, pelo que se impunha o dever ao Tribunal de notificar o A. para vir juntar tal documento.

Vejamos.

Nos termos do artigo 220.º do Código Civil (A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei), fulmina o legislador com a nulidade em caso de falta de forma legalmente imposta.

No que diz respeito ao contrato de arrendamento impõe a lei o seguinte:

Artigo 1069.º do Código Civil (redacção da Lei n.º 13/2019 - Diário da República n.º 30/2019, Série I de 2019-02-12, em vigor a partir de 2019-02-13), com a epígrafe “Forma” o seguinte:

1 - O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito.

2 - Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses.”. Não é caso de chamar à colação o disposto no n.º 2 do citado artigo, pois que para tal era pressuposto ter a R. contestado e invocado factualidade atinente ao preenchimento dos requisitos de tal norma legal. De acordo com o alegado pelo A., não existe documento escrito de contrato de arrendamento, isto é, estamos perante um contrato de arrendamento verbal.

Compulsados os autos, quanto à fixação da factualidade dada como provado, nada pode ser apontada à sentença, objecto de recurso.

A R. não alega, em sede de recurso, não corresponder à realidade o facto 5 – ter o pai do A. cedido o gozo do imóvel à R. mediante a contrapartida de uma quantia mensal. Distinta é a apreciação jurídica de tal facto, sem que esteja demonstrado que tal acordo obedeceu ou não à forma legal.

Deste modo, nenhuma censura merece o decidido quanto à fixação da matéria de facto.

Concluindo. Bem andou o Tribunal a quo ao declarar como confessado o facto da relação contratual de arrendamento, nos termos dos artigos 566.º e 567.º do Código de Processo Civil, sem que com tal se tenha desconsiderado o disposto no artigo 568.º do Código de Processo Civil (Não se aplica o disposto no artigo anterior: (…) d) Quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito).

Com efeito, estamos perante facto cuja prova apenas poderá ser feita por documento escrito. A demonstração da realidade atinente à constituição de um arrendamento entre o A. e R., tendo como objecto um prédio urbano para fins habitacionais, dependeria da demonstração de tal realidade por escrito particular, que como vimos, não foi feito, nem pelo A. senhorio, nem pela R., arrendatária.

Não tendo sido junto pelo A., senhorio, o contrato escrito, tudo se passa como se de uma relação contratual de arrendamento sem forma escrita e, portanto, ferida de nulidade por inobservância da forma escrita – artigo 1096.º, n.º 1 e 220.º do Código Civil.

Aqui chegados, ter-se-á de concluir por não estar demonstrada a relação contratual de arrendamento entre A. e R., por inobservância da forma legal – redução a escrito.

Como referimos, a R., arrendatária, sempre teria ao seu dispor a possibilidade de prova do contrato por via do n.º 2 do artigo 1069.º do Código Civil, que apenas é atribuída ao arrendatário e não ao senhorio. Podendo-o fazer, optou por não o fazer.

A R. arrendatária optou por não fazer a demonstração nos autos da existência de um contrato de arrendamento válido e eficaz, quer fazendo a demonstração da existência de contrato escrito, apresentando o respectivo documento escrito, confessando expressamente, quer fazendo uso da prerrogativa do n.º 2 do artigo 1069.º do Código Civil, caso de contrato de arrendamento não escrito.

Desta feita, a R., se porventura pretendia fazer prova da relação de arrendamento, teria que o fazer no momento processual adequado, apresentando contestação. Recaía sobre a R. o ónus de alegação e prova de estar a usar e fruir o imóvel de modo legítimo, designadamente, demonstrando estar a usufruir e usar o imóvel por decorrência da relação contratual de arrendamento.

Assim, nada obsta à declaração de nulidade. Competia à R. a prova da existência de um título que legitime a ocupação do imóvel ora objecto de contrato de arrendamento declarado nulo. Está vedado à apelante, R. a alegação de qualquer título legitimador da utilização do imóvel do A. pois que a mesma não usou da faculdade processual de o fazer com a apresentação de contestação onde deveria apresentar e concentrar toda a sua defesa - artigos 572.º e 573.º do Código de Processo Civil.

Prosseguindo.

O senhorio não podendo fazer a demonstração de contrato escrito do contrato de arrendamento, exigência de forma imposta por lei, está na situação de contrato não celebrado por escrito e, consequentemente, o meio de defesa a que o senhorio pode recorrer são os de defesa da propriedade. Ao arrendatário, e apenas a este, permite a lei, nos termos da citada norma legal, fazer prova da relação contratual, alegando que sua falta de escrito não lhe é imputável, “pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses”. Tudo sempre no pressuposto de que o contrato de arrendamento não obedeceu à forma legal, como é o caso dos presentes autos.

Deste modo, e conjugado com o disposto no artigo 364.º, n.º 1 do Código Civil (Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior), a obrigatoriedade de forma escrita não pode ser dispensada e, portanto, a prova por confissão, expressa ou ficta é irrelevante.

A jurisprudência quanto a esta questão é inequívoca ao afirmar que o contrato de arrendamento não pode ser demonstrado pela confissão ficta. Estamos perante uma formalidade denominada de ad probationem, em que o documento escrito pode ser substituído por confissão expressa, quando invocado pelo senhorio – n.º 2 do artigo 1069.º do Código Civil.

Assim Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 9715/19.9T8LRS.L1.S1, de 12.01.2022, relatado pelo Cons JOÃO CURA MARIANO, onde se pode ler:

Posteriormente, a Lei n.º 13/2019, de 12/02, veio aditar um número 2, ao artigo 1069.º, do Código Civil, permitindo que o arrendatário, na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não lhe seja imputável, possa provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário, sem oposição do senhorio, e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses.

O artigo 14.º, n.º 2, desta mesma Lei, determinou que o disposto no artigo 1069.º, n.º 2, do Código Civil, com as alterações por ela introduzidas, aplica-se igualmente a arrendamentos existentes em vigor da mesma, pelo que, apesar dos contratos de arrendamento celebrados entre Autora e Ré não terem sido celebrados por escrito, a Ré poderia provar a sua existência, por qualquer meio probatório, desde que alegasse e provasse que a falta de observância da forma escrita não lhe era imputável.

Não tendo a Ré alegado qualquer factualidade capaz de afastar a sua responsabilidade pela não observância da forma prevista na lei e devendo toda a defesa ser deduzida na contestação (artigo 573.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), já não parece ser possível beneficiar da facilidade probatória prevista no novo n.º 2, do artigo 1069.º do Código Civil.

No entanto, a introdução deste novo número veio evidenciar que a exigência da forma escrita para os contratos de arrendamento é meramente ad probationem [1], pelo que, nos termos do artigo 364.º, n.º 2, do Código Civil, a celebração do contrato de arrendamento pode ser provada por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.

Esta confissão tem que ser expressa, pelo que estão excluídas as confissões resultantes da não impugnação de factos nos articulados, razão pela qual não é possível na fase de condensação apurar da celebração de um contrato de arrendamento não escrito, mas já poderá resultar de depoimento de parte prestado na audiência de julgamento, o qual poderá ser determinado pelo juiz (artigo 452.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Quanto a esta questão o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se por Acórdão 11189/18.2T8LSB.L1.S1, de 25.03.2021, relatado pela Cons MARIA DA GRAÇA TRIGO, sumariado: “Ainda que não tenha sido impugnado, um documento particular emitido por terceiro não faz prova plena dos factos aí constantes; pois se, nos termos do n.º 1 do art. 376.º do CC, a autoria do documento se encontra reconhecida, quanto ao conteúdo do mesmo, não estão reunidos os requisitos previstos no n.º 2 do mesmo preceito, conjugado com o art. 358.º, n.º 2, do CC, de que depende a prova de factos contrários aos interesses da contraparte.” No mesmo sentido, Acórdão Supremo Tribunal de Justiça 4268/20.8T8PRT.P1.S1, de 12.01.2022, relatado pela Cons CATARINA SERRA, Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra, 343/19.0T8ACB.C1, de 24.01.2023, relatado pela Des CRISTINA NEVES, sumariado, “I-A exigência de redução a escrito dos arrendamentos urbanos, constante do artº 1069 nº1 do C.C., constitui uma formalidade ad probationem, podendo o documento escrito ser substituído, para efeito de prova, ao abrigo do artigo 364.º do CC, por confissão expressa, quando invocado pelo senhorio, uma vez que a excepção constante do seu nº2, apenas se mostra estabelecida a favor do arrendatário. II-Esta exigência não se mostra suprida pela cominação decorrente da revelia absoluta da parte R., pois que a confissão de factos dela decorrente, conforme decorre do disposto no artº 567, nº2, do C.P.C., é uma confissão ficta, abrangendo apenas os factos que não sendo indisponíveis, não exijam qualquer forma especial para a sua prova, conforme decorre expressamente do disposto no artº 568, alínea d), do C.P.C.

Tudo sopesado, não pode manter-se o decidido pela primeira instancia, quanto ao fundamento da procedência da demanda.

Em primeiro lugar, é de afirmar que quanto à exigência de forma do contrato de arrendamento, a redacção do artigo 1069.º do Código Civil, é aplicável a qualquer contrato vigente à data da entrada em vigor da nova redacção decorrente da alteração de 2019 - Alterado pelo artigo 2.º da Lei n.º 13/2019 - Diário da República n.º 30/2019, Série I de 2019-02-12, em vigor a partir de 2019-02-13. Como se decidiu no aresto Acórdão 11189/18.2T8LSB.L1.S1, de 25.03.2021, relatado pela Cons MARIA DA GRAÇA TRIGO, esta norma é de aplicação imediata a qualquer contrato de arrendamento, sumário: “II - Aprovou a AR, na pendência da presente acção, a Lei n.º 13/2019, de 12-08, na qual, entre outras inovações, introduziu no CC a norma do n.º 2 do art. 1069.º que permite que a prova do contrato de arrendamento seja feita mediante qualquer meio de prova admitido em direito. III - Atendendo à finalidade expressamente enunciada pelo legislador de, com o novo regime legal, se alcançar uma maior protecção dos interesses dos arrendatários, temos como certo que a determinação de aplicação desse novo regime aos arrendamentos existentes à data da sua entrada em vigor (art. 14.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2019) abrange os casos apreciados em acções pendentes, como a presente, desde que verificados os respectivos requisitos.” Também neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 24466/18.3T8PRT.P1, de 04.10.2021, relatado pelo Des PEDRO DAMIÃO E CUNHA, Acórdão Tribunal da Relação de Évora 769/19.9T8OLH.E1, de 30.06.2021, relatado pelo Des MÁRIO COELHO, Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa 681/23.7T8MTA.L1-2, de 24.01.2024, relatado pela Des RUTE SOBRAL, Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra 1662/23.6T8FIG.C1, de 11.12.2024, relatado pelo Des PIRES ROBALO,

Por fim, é de considerar o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 4268/20.8T8PRT.P1.S1, de 12.01.2022, relatado pela Cons CATARINA SERRA, quanto a esta norma (artigo 1069.º do Código Civil) escreve o seguinte: “Desta norma decorre, em primeiro lugar, a definição de uma regra: o contrato de arrendamento deve ser reduzido a escrito. E decorrer, em segundo lugar, a previsão de uma hipótese específica ou mesmo excepcional: quando não seja reduzido a escrito, o contrato de arrendamento pode ainda ser provado por outro(s) meio(s) de prova admitido(s) em direito.

Parece que pode dizer-se, com propriedade, que a faculdade de o arrendatário usar qualquer das formas admissíveis em direito para provar a existência de título fica subordinada a uma condição – a condição de a falta de forma escrita não lhe ser imputável. (…)

Voltando à norma do artigo 1069.º do CC, e tendo em conta o teor do (novo) n.º 2, há, pelo menos, uma conclusão que é possível retirar: é agora inequívoco que, como vinha defendendo a doutrina há tempo, a redução do contrato de arrendamento a escrito é só um requisito ad probationem, o que significa que o arrendatário pode muito bem dispor de um contrato de arrendamento válido ainda que este não revista forma escrita.”. Em igual sentido Acórdão 4049/22.4T8VFR.P1, de 19.11.2024, relatado pela Des RAQUEL CORREIA DE LIMA.

Deste modo, retirando as consequências jurídicas do atrás exposto, apreciando a factualidade dada como provada, teremos de concluir por a relação existente como de um contrato de arrendamento que foi celebrado verbalmente, sem observância da forma escrita, o que nos termos das normas atrás citadas, é nulo.

A resolução contratual pressupõe a existência de uma relação contratual válida e eficaz, no qual o contrato produz os seus efeitos. Ora, como vimos tal relação contratual está ferida de nulidade, que nos termos do artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil, tem efeito retroactivo “devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.

No caso dos autos, em face da declaração de nulidade do contrato de arrendamento, dado que foi pedida a entrega do locado, a mesma é fundada na declaração de nulidade e não na resolução do contrato. Neste sentido e seguindo a jurisprudência do Assento 4/95, publicado no DR de 17.05.1995 (agora Acórdão de Uniformização de Jurisprudência), “Quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil.

Pelo exposto, será ordenada a entrega do imóvel ao A., por decorrência da declaração de nulidade, atrás apontada.

Resta a apreciação do pedido de pagamento das quantias peticionadas pelo A. a título de rendas vencidas e não pagas e bem como as vincendas, acrescidas de juros de mora.

Aqui chegados, é de trazer à colação o iter decisório do Acórdão atrás citado deste Tribunal da Relação do Porto.

A condenação no pagamento do valor pela compensação pela ocupação do imóvel, correspondente a rendas vencidas e vincendas, não pode ter como fonte o contrato de arrendamento, pois o acordo celebrado entre as partes é nulo e é insusceptível de gerar obrigações. Mas, o certo é que durante um lapso de tempo considerável, a R., apelante, gozou do imóvel do A. sem que este tivesse auferido qualquer contrapartida económica.

Não sendo possível a restituição em espécie, deve a R. pagar ao A. o valor correspondente aquele uso. Tal decorre do n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil.

No caso dos autos, está provado que A. (seu antepossuidor) e R. acordaram fixar o valor de 250,00 € mensais pelo gozo do imóvel. Não foi alegado e demonstrado outro qualquer valor correspondente à fruição e uso do imóvel, pelo que será este o valor a atribuir pelo gozo do imóvel. Neste sentido, Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra, 343/19.0T8ACB.C1, de 24.01.2023, relatado pela Des CRISTINA NEVES, já atrás citado, Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa 681/23.7T8MTA.L1-2, de 24.10.2024, relatado pela Des RUTE SOBRAL, Acórdão Tribunal da Relação do Porto 12464/23.0T8PRT.P1, de 26.09.2024, relatado pelo Des JOSÉ MANUEL CORREIA,

Por todo o ante exposto procederá parcialmente a apelação, pelo fundamento ante exposto.


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III DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente a apelação:

a) Declarando-se a nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre o pai do A. e a R..;

b) Vai a R. condenada a entregar ao A. imediatamente o imóvel identificado em 4) e 5) dos factos provados;

c) Mais vai a R. condenada a quantia 5.747,00€ (cinco mil setecentos e quarenta e sete euros) a título de indemnização correspondente à compensação pela ocupação do imóvel (referente a Out de 2020, Jan, Mar, Abr, Ago e Dez de 2021, Fev, Mar, Mai, Julho a Dez de 2022, de Jan a Set de 2023), acrescida dos respectivos juros de mora já vencidos, bem como os montantes correspondentes aos meses subsequentes, no valor de 250,00 €, até efectiva entrega do imóvel, acrescida dos respectivos juros, tudo a título de indemnização pela ocupação do imóvel.

Custas pela apelante (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).


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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

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Porto, 13 de Maio de 2025
Alberto Taveira
João Proença
Rui Moreira
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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
[2] Seguimos de perto o relatório elaborado pelo Exmo. Senhor Juiz.