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MARCAS
RISCO DE CONFUSÃO
NOTORIEDADE DE MARCA
MARCA DE PRESTIGIO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
Sumário
- A matéria relativa às marcas é regulada pelo CPI, pelo que, nos termos do artigo 232.º, n.º 1, al. b), do referido diploma legal, a marca registanda confrontada com a existência de uma marca prioritária que se reporta aos mesmos produtos e serviços, com semelhanças gráficas e fonéticas suscetíveis de confundir o consumidor quanto às marcas, ou à proveniência dos produtos, deve ser recusado o registo da marca; - Deve igualmente ser recusado o registo da marca quando, disputando as partes a mesma clientela, se apura existir uma intenção “de colagem” e/ ou de aproveitamento da(s) marca(s) da Recorrida, havendo a possibilidade de induzir facilmente o consumidor em confusão/ risco de associação, existindo, por isso, a possibilidade de desvios de clientela, conforme decorre dos artigos 232.º, n.º 1, al. h), e 311.º do CPI.
Texto Integral
Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - Relatório
Partilha Indiscutível, Lda, intentou recurso, ao abrigo do disposto nos artigos 38.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, do despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), de 7 de novembro de 2023, que indeferiu o pedido de registo da marca nacional n.º … 23.
“DRINK BOSS”
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Cumprido o disposto no artigo 42.º do Código da Propriedade Industrial, o INPI remeteu o processo administrativo.
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O Tribunal da Propriedade Intelectual proferiu a seguinte decisão: “Nos termos e pelos fundamentos supra consignados, julga-se improcedente o recurso apresentado e mantém-se o despacho recorrido proferido pelo INPI que recusou o registo da marca nacional nº … 23, “DRINK BOSS”.”
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A Recorrente, inconformada com tal decisão, veio interpor recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões: “I. Não restam dúvidas que de que os produtos ora assinalados, e os produtos e serviços da recorrente, tratam-se de produtos e serviços totalmente distintos, não sendo complementares, nem concorrentes entre si, tendo naturezas e finalidades sem qualquer tipo de conexão (considerando, nomeadamente, a atividade da recorrente). II. A lista de serviços assinalados pelas marcas recorridas, é demasiado geral e pode alocar demasiadas variáveis, não revelando, por si só, a natureza e as características comerciais dos serviços abrangidos, tais como o respetivo destino, o método de utilização, o público destinatário relevante, os canais de distribuição, o setor de mercado pertinente ou a origem comercial habitual ou mesmo os produtos com os quais se relacionam. III. Quanto á questão da alocação da marca de prestígio ao abrigo do artigo 235º do C.P.I. não basta a mera invocação, como é o caso sub judice. IV. Sendo exigível que outrem “procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio” dessa marca (o que sucede, por exemplo, se o consumidor puder atribuir os produtos ou serviços à mesma origem empresarial ou a entidade com alguma relação entre si), “ou possa prejudicá-los” (nomeadamente, através da diluição da singularidade e do valor da marca que o uso de sinal igual o semelhante em produtos ou serviços não afins também pode acarretar). V. Face à natureza dos produtos e serviços em relação aos quais a marca anterior goza prestígio, a marca registanda nunca iria colocar em crise o espírito da outra marca. VI. Até por maioria de razão não se encontram preenchidos os pressupostos para efeitos de concorrência desleal não sendo aqui aplicável o disposto no artigo 232º/1 h) do C.P.I. VII. Afigura-se que se não se encontram preenchidos todos os requisitos para a existência de imitação de direitos anteriores, nem tão pouco para a aplicação dos regimes da marca notória ou da marca de prestígio. VIII. Inclusive a nível de grafismo é evidente que existe uma clara diferença entre as marcas que se apresenta como considerável e objetivamente distinta para quem nem sequer exista confusão. IX. Uma das marcas prioritárias atua no ramo da moda não existindo qualquer tipo de ligação. X. Ao invés a marca registanda pretende atuar no mercado do sector das bebidas XI. Esta situação ocorre quando o sinal apesar de ter um mínimo de capacidade distintiva, é na verdade, constituído quase em exclusivo por elementos de uso comum ou trivial ou de uso muito vulgarizado. XII. Perante esta factualidade o registo da marca é considerado como válido, mas o âmbito do proteção é mais reduzido. XIII. Conforme refere o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-04-2020 “A distintividade da marca, como resulta do que acima se expôs, não pode ser determinada em abstracto, antes tendo ser apreciada em relação aos produtos e serviços que se destina assinalar.” XIV. Estamos perante uma marca nominativa a qual é composto pelo nome de uma pessoa em conjugação com a expressão Drinks XV. O mero facto de um dos nomes em termos nominativos ser idêntico só por si não faz prova plena de risco de confundibilidade, imitação, XVI. E teremos igualmente ainda de acautelar o princípio da igualdade entre os concorrentes. XVII. Conforme salienta o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-12-2017 Tais palavras ou expressões podem integrar qualquer marca mas esta não pode ser concedida em exclusivo a quem quer que seja, já que ninguém pode ficar com o seu monopólio sob pena de se desvirtuarem as regras da concorrência. Tratando-se, portanto, duma marca débil ou fraca, constituída por uma expressão integrante da linguagem ou património comum, diversamente do que ocorreria se se tratasse duma marca forte (em que apenas uma diferença relevante poderia afastar o juízo de imitação), uma simples alteração morfológica do nome do produto/serviço ou a mera adição dum elemento figurativo minimamente expressivo pode ser bastante para afastar o juízo de confusão” XVIII. Pelo que, se não se encontra em momento algum preenchido os fundamentos de recusa elencados mormente o estatuído no artigo 232º/1 b) do C.P.I. XIX. Em matéria de concorrência não estamos perante qualquer tipo de prática pela exponente de um comportamento desonesto. XX. A marca que se pretende registar não é suscetível de poder ser confundida ou associado às marcas da recorrida XXI. Devendo, por conseguinte, ser permitido o registo da marca nacional nº … 23 XXII. Considera-se que um consumidor minimamente atento consiga fazer a diferenciação sem recorrer a um exame profundo ou confronto de tal forma complexo que impeça de alcançar as diferenças. XXIII. Pelo que, se não se encontra em momento algum preenchido os fundamentos de recusa elencados mormente o estatuído no artigo 232º/1 b) do C.P.I. XXIV. Por outro lado, o titular da marca a registar não irá tirar qualquer proveito no âmbito da sua atividade XXV. Nem será associado ao registo XXVI. Não se encontrando preenchidos os requisitos previstos no artigo 238/1 e 232º/1 b) e h) e 235º, 238 do C.P.I. XXVII. Face ao exposto a decisão proferido pelo Tribunal ad Quo viola os artigos 235 e 238º/C do Código da Propriedade Industrial. XXVIII. Devendo, por conseguinte, ser permitido o registo da marca nacional nº … 23 TERMOSEMQUE e noutros que VV. Exas. suprirão, concedendo-se a apelação e revogando-se a decisão revidenda, substituindo-se por outra que admitir o registo da marca nacionalnº … 23, far-se-á JUSTIÇA.”
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Hugo Boss Trademark Management GMBH & CO. KG respondeu ao recurso, tendo formulado as seguintes conclusões: “I. Em 30.03.2023, a Apelante apresentou o pedido de registo de marca nacional n.º … 23 DRINK BOSS junto Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), destinado a assinalar produtos e serviços nas classes 32, 33 e 43 da Classificação Internacional de Nice. II. Julgando-se prejudicada com a apresentação daquele pedido de registo, em 10.07.2023, a Apelada deduziu reclamação com fundamento no prestígio e na imitação e risco de confusão dos seus registos prioritários das marcas, designadamente a Marca da União Europeia n.º 18246361 BOSS e a Marca da União Europeia n.º 49254 HUGO BOSS, para assinalar produtos e serviços nas classes 25, 32, 33 e 43 da Classificação Internacional de Nice. III. Em08.11.2023, o INPI considerou totalmente procedente aquela reclamação e recusou o registo da marca nacional n.º … 23 DRINK BOSS à Apelante. IV. Por discordar daquela decisão, em 09.01.2024, a Apelante interpôs recurso para o Tribunal da Propriedade Industrial (TPI) que, por sentença datada de 29.12.2024, julgou o recurso totalmente improcedente, e confirmou o despacho recorrido que recusou o registo da marca nacional n.º … 23 DRINK BOSS à Apelante. V. Não se conformando com aquela sentença do TPI, a Apelante veio interpor o presente Recurso de Apelação, não lhe assistindo, porém, qualquer razão, pois a sentença recorrida não merece censura, e procedeu a uma correta e fundamentada comparação das marcas em confronto e, bem assim, a uma exemplar análise e aplicação do conceito legal de imitação de marca, bem como do regime aplicável às marcas de prestígio, previstos nos artigos 238.º e 235.º do CPI, respetivamente. VI. Aliás, o recurso é uma mera reprodução de um outro recurso interposto pela Apelante para esse Douto Tribunal ad quem da sentença do Juiz 1 do TPI que lhe recusou, também, o registo da marca nacional n.º … 27 HUGO DRINKS, assinalar produtos e serviços nas classes 32, 33 e 43 da Classificação Internacional de Nice, no âmbito do processo n.º …/…-YHLSB. VII. Em suma, a Apelante defende que não se encontra preenchido o conceito de imitação constante do artigo “245.º” do CPI, tese que sustenta com base nos mesmíssimos argumentos elencados nas instâncias inferiores, invocando novamente normas legais já revogadas e litigando com pouca seriedade. VIII. Ao contrário do que sustenta a Apelante, é evidente que sentença recorrida não merece qualquer censura ao ter concluído pela verificação do conceito legal de imitação de marca contemplado no artigo 238.º do CPI. IX. A verificação do primeiro requisito do conceito legal de imitação de marca não é contestada pela Apelante, sendo assente que os registos das Marcas da União Europeia n.º 18246361 BOSS e n.º 49254 HUGO BOSS da Apelada, invocados na reclamação, são prioritários face ao pedido de registo da marca nacional n.º … 23 DRINK BOSS. X. A Apelante insurge-se, assim, contra a conclusão de que se encontram preenchidos os restantes requisitos do conceito legal de imitação de marca. Porém, sem razão. XI. A verificação do primeiro requisito do conceito legal de imitação de marca é evidente, sendo assente que os registos da Marca da União Europeia n.º 18246361 BOSS e da Marca da União Europeia n.º 49254 HUGO BOSS, invocados na reclamação, são prioritários face ao pedido de registo da marca nacional n.º … 23 DRINK BOSS. XII. Quanto ao segundo requisito, no recurso invoca-se que não se verifica afinidade entre os produtos ou serviços assinalados pelas marcas em confronto, uma vez que: “uma das marcas prioritárias atua no ramo da moda (…) Ao invés a marca registanda pretende atuar no mercado do sector das bebidas”, concluindo ainda que a lista dos serviços assinalados pelas marcas da Apelada é, em sua opinião, “demasiado geral e pode[ria] alocar demasiadas variáveis”. XIII. Ora, basta atentar à lista dos produtos que integram essas marcas para se perceber que estas alegações são completamente erradas e despropositadas. XIV. Para efeitos de verificação do requisito do artigo 238.º, n.º 1, b) do CPI o que releva é a comparação direta entre os produtos e os serviços especificamente listados pelas marcas em confronto e a atividade económica eventualmente desenvolvida, em cada momento, ou o setor de negócios das partes em litígio é irrelevante. XV. Na reclamação a Apelada invocou a Marca da União Europeia n.º 18246361 BOSS, que assinala “águas minerais e gasosas e outras bebidas não alcoólicas; bebidas de fruta e sumos de fruta; xaropes e outras preparações para bebidas”, na classe 32, “bebidas alcoólicas (com excepção das cervejas)”, na classe 33, e “serviços de fornecimento de alimentos e bebidas; alojamento temporário; aluguer de mobiliário”, na classe 43. XVI. É incontestável que os produtos e os serviços assinalados pelas marcas BOSS e DRINK BOSS são exatamente os mesmos. XVII. Sendo inconsequente a alegação de que a lista de produtos ou serviços das marcas da Apelada é demasiado extensa: a lei e a jurisprudência não contemplam ou sequer abordam a figura de “listas de produtos ou serviços demasiado extensas”. XVIII. Face ao exposto, não restam quaisquer dúvidas sobre a existência de identidade entre os produtos e serviços assinalados por BOSS e DRINK BOSS, não merecendo qualquer censura a sentença recorrida ao dar como verificado o segundo requisito do conceito de imitação, constante da alínea b) do art.º 238.º do CPI. XIX. Relativamente ao terceiro requisito do conceito legal de imitação de marca, na opinião da Apelante as marcas sub iudice não são semelhantes, nem confundíveis pois apresentam diferenças ao nível de “grafismo”, de “linguística” e de “fonética”, porém, salvo o devido respeito, esta linha de argumentação carece de qualquer sentido. XX. A marca DRINK BOSS conflitua com as marcas BOSS da Apelante, sendo indubitável que a BOSS encontra-se totalmente contida em DRINK BOSS: essas marcas são gráfica, fonética e concetualmente muitíssimo semelhantes. XXI. Tal como dado como assente na sentença recorrida, “DRINK” é uma expressão inglesa que significa “bebida” ou “beber”, pelo que possui pouquíssima ou nenhuma distintividade ou aptidão para distinguir as bebidas e os serviços de restauração da Apelante, tal como decorre do disposto nos artigos 208.º e 209.º, n.º 1, alínea c) do CPI. XXII. Pelo que os elementos a comparar são BOSS e BOSS, que são absolutamente iguais. XXIII. Assim, o consumidor que conheça as marcas BOSS, quando confrontado com produtos e serviços DRINK BOSS, produtos e os serviços esses que são idênticos, irá necessariamente confundir ou associar a origem empresarial dos produtos e serviços assinalados pelas marcas em causa. XXIV. Ao ser confrontado com DRINK BOSS aquele consumidor não poderia deixar de se recordar das famosas marcas BOSS da Apelada, acreditando que os produtos e serviços da Apelante se encontram de alguma forma associados à Apelada. XXV. Estamos, pois, perante um inevitável risco de associação, risco esse que não pode admitir-se, sob pena de as marcas em cotejo se tornarem decetivas. XXVI. Caso a marca em crise fosse concedida, o consumidor seria enganado e subverter-se-ia uma das principais funções das marcas, nomeadamente a função distintiva ou de indicação de origem, engano esse que é claramente ambicionado pela Apelante pois, conforme introdutoriamente se referiu, para além da marca em crise DRINK BOSS, a Apelante apresentou, também, o pedido de registo da marca nacional n.º … 27 HUGO DRINKS, para assinalar produtos e serviços nas classes32, 33 e 43. XXVII. Pedido esse que foi também, à semelhança do pedido de registo da marca em crise, recusado pelo INPI por despacho datado de 08.11.2023 – cf. Documento n.º 1 junto com a resposta ao recurso no Tribunal da Propriedade Intelectual. XXVIII. Ora, o pedido de registo da marca em crise DRINK BOSS e o pedido de registo da marca HUGO DRINKS fazem, obviamente, parte de uma estratégia da Apelante com vista a usar “HUGO (DRINKS DRINK) BOSS” pretensão que é manifestamente ilegal e censurável. XXIX. Efetivamente, a Apelante tentou a habilidade de apresentar a registo duas marcas, uma HUGO, outra BOSS, combinando-as com os elementos genéricos “drink” ou “drinks”, com o objetivo de usar tais marcas lado a lado, isto é, de usar as marcas HUGO BOSS, conforme ilustrado acima. XXX. Acresce que, a jurisprudência europeia tem vindo a afirmar extensivamente que quando uma marca é reproduzida por outra marca, existe um elevado risco de confusão e de associação, sobretudo quando os produtos ou serviços são idênticos. XXXI. Tem ainda aplicação in casu o princípio da interdependência entre os fatores, que determina que atendendo à identidade entre os produtos e serviços, seria exigida uma maior dissemelhança entre BOSS e DRINK BOSS para que não existisse risco para os consumidores. XXXII. Por fim, contrariamente ao que alega a Apelante, as marcas BOSS e HUGO BOSS não são marcas fracas. Antes pelo contrário, conforme se demonstrará adiante, são marcas de grande notoriedade e prestígio na União Europeia, que granjearam um elevadíssimo poder de atração junto dos consumidores. XXXIII. BOSS é um substantivo forte e marcante, com elevada distintividade e sem qualquer relação indicativa ou descritiva com produtos e serviços nas classes 25, 32, 33 e 43. XXXIV. Aliás, foi por este motivo que na reclamação, para além da Marca da União Europeia n.º 18246361 BOSS, que assinala produtos e serviços nas classes 32, 33 e 43, a Apelada invocou também a Marca da União Europeia n.º 49254 HUGO BOSS, que assinala produtos na classe 25, que é uma marca de prestígio e que, por esse motivo, beneficia da aplicação do regime disposto no artigo 235.º do CPI, que corresponde a uma tutela reforçada que ultrapassa os limites do princípio da especialidade. XXXV. Em suma, contrariamente ao que defende a Apelante, a conclusão que se retira é que as marcas BOSS e HUGO BOSS são marcas fortes, notórias e de prestígio e que DRINK BOSS é uma evidente imitação daquelas marcas. XXXVI. Consequentemente, não restam dúvidas sobre a existência de fortíssimas semelhanças entre as marcas DRINK BOSS, BOSS e HUGO BOSS, que conduzirão a um elevadíssimo risco de confusão e de associação, tendo andado muitíssimo bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu e a concluir pela verificação do terceiro requisito do conceito de imitação, constante da alínea c) do art.º 238.º do CPI. XXXVII. Por outro lado, embora não conteste o prestígio das marcas BOSS e HUGO BOSS da Apelada, que se trata de matéria assente, a Apelante sustenta que a marca em crise não procuraria tirar partido indevido do caráter distintivo ou do prestígio daquelas marcas ou que pudesse prejudicá-las. XXXVIII. Não assiste, porém, razão à Apelante e as suas alegações não podem proceder, pois quanto às marcas de prestígio, como é o caso das marcas BOSS e HUGO BOSS da Apelada, é evidente que o grande público, ou seja, qualquer consumidor, seja ele de bebidas, de serviços de restauração e alojamento, ou de qualquer outro tipo de produtos ou serviços, conhece as marcas BOSS e HUGO BOSS e associa-as a uma ideia de excelência, de qualidade e de satisfação. XXXIX. Esse consumidor, caso fosse confrontado com os produtos e serviços DRINK BOSS, iria (i) associar os produtos e serviços da Apelante às marcas BOSS e HUGO BOSS e aos produtos e serviços da Apelada e (ii) confundir as entidades em causa. XL. Ora, tal raciocínio associativo potenciará a transferência pelo consumidor para os produtos e serviços DRINKBOSS das expectativas e valores que atribui aos produtos e serviços BOSS e HUGO BOSS e, desse modo, potenciará a solicitação de tais produtos e serviços alicerçada no caráter distintivo e reputação de BOSS e HUGO BOSS. XLI. Por conseguinte, a marca em crise iria beneficiar indevidamente e aproveitar-se do elevadíssimo caráter distintivo e do prestígio das marcas BOSS e HUGO BOSS da Apelada. XLII. Circunstância que, como se viu, não terá sido alheia aos desígnios da Apelante, sobretudo considerando a estratégia de apresentação conjunta de dois pedidos de registo de marca, um composto por HUGO e outro por BOSS. XLIII. Com efeito, é evidente que a Apelante empreendeu uma estratégia de atuação que passa pelo aproveitamento intencional das marcas BOSS e HUGO BOSS da Apelada, com vista a retirar partido indevido do carácter distintivo e do prestígio das mesmas. XLIV. Por outro lado, tal raciocínio associativo é suscetível de causar prejuízo ao caráter distintivo e reputação das marcas BOSS e HUGO BOSS, porquanto poderá enfraquecer a capacidade de BOSS e HUGO BOSS indicar uma única origem comercial. XLV. O que significa que DRINK BOSS permite o aproveitamento indevido do carácter distintivo e reputação de BOSS e HUGO BOSS, com diluição da sua capacidade distintiva. XLVI. Do exposto resulta que as marcas BOSS e HUGO BOSS, prioritárias e dotadas de prestígio no território da União Europeia são oponíveis à marca DRINK BOSS, obstando, pois, ao seu registo. XLVII. Alega, também, muito sumariamente a Apelante que a marca em crise deveria ser concedida, uma vez que existiriam outros registos de marca compostos por BOSS, tratando-se de uma pura repetição das suas alegações em primeira instância, sem que a mesma explique por que motivo discorda da sentença recorrida. XLVIII. A eventual existência de outros registos de marca não integra os critérios legais para a aferição da existência do conceito legal de imitação de marca, exaustivamente elencados no artigo 238.º do CPI, nem é apta a demonstrar que BOSS seria uma expressão vulgarizada, banal ou com reduzida distintividade. XLIX. Com efeito, o simples facto de tais marcas (co)existirem no registo, a nível nacional ou europeu, isto é, uma mera coexistência formal, é insuficiente para demonstrar a inexistência de risco de confusão entre elas. L. A Apelante é totalmente omissa quanto à verificação dos requisitos supra indicados, nomeadamente se as marcas que invocou são usadas, qual o período de coexistência efetiva, se essa coexistência é pacífica ou se resulta de acordos entre as partes envolvidas. LI. A Apelante não fez qualquer prova e, nessa medida, as suas alegações não podem proceder. LII. Alega, por fim, a Apelante que atendendo às diferenças existentes entre os produtos e serviços assinalados e entre as marcas BOSS e DRINK BOSS, ficaria excluída a possibilidade de ocorrência de concorrência desleal. LIII. Ora, da factualidade alegada resulta que os produtos e serviços assinalados pelas marcas BOSS e DRINK BOSS, nas classes 32, 33 e 43, são idênticos e, por conseguinte, concorrentes diretos e imediatos pela escolha do consumidor com vista à satisfação das mesmíssimas necessidades. LIV. Atendendo às elevadíssimas semelhanças gráficas, fonéticas e concetuais entre as marcas DRINK BOSS e BOSS, é evidente que o risco de associação pelo consumidor se qualifica como muito elevado. LV. DRINK BOSS não é um sinal apto a permitir que os produtos e serviços da Apelante se distingam ou conquistem o mercado com base na diferenciação da oferta, pois os consumidores poderiam optar por esses produtos e serviços por transferirem para os mesmos, inadvertidamente, as qualidades que associam à Apelada e às marcas BOSS e HUGO BOSS. LVI. Pelo que, caso as marcas DRINK BOSS e BOSS coexistissem no mercado, gerar-se-iam com elevada probabilidade situações de concorrência desleal. LVII. Sendo certo que, recorda-se, essa é precisamente a intenção da Apelante, com a apresentação dos pedidos de registo das marcas HUGO DRINKS e DRINK BOSS, e o uso conjunto de HUGO (DRINKS e DRINK) BOSS.
Nestes termos, e nos mais de direito, deve o presente recurso de Apelação ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e, em consequência ser confirmada na íntegra a sentença proferida pelo Tribunal a quo, mantendo-se a recusa do registo de Marca Nacional n.º … 23 DRINK BOSS para todos os produtos assinalados nas classes 32, 33 e 43 da Classificação Internacional de Nice, com todas as consequências legais.” *
Os autos foram à conferência.
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II - Questões a decidir
O objeto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito, conforme resulta dos artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1, e 608.º, todos do CPC.
Assim, importa, no caso, apreciar e decidir:
- se deve ser concedido o registo da marca nacional n.º … 23 “DRINK BOSS” (afinidade nos produtos ou serviços; imitação das marcas da União Europeia n.º 18246361 BOSS e a Marca da União Europeia n.º 49254 HUGO BOSS; as marcas “BOSS e HUGO BOSS” são marcas notórias e ou marcas de prestígio);
- e, também, se existe a possibilidade de concorrência desleal entre os referidos sinais.
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II – Fundamentação
A – Factos provados
A decisão recorrida declarou como provados os seguintes factos:
1. A Recorrente PARTILHA INDISCUTÍVEL LDA, requereu, em 30/03/2023, o registo da marca nominativa nacional nº 703023, “DRINK BOSS”, para assinalar:
2. - na classe 32: cerveja e cerveja sem álcool; ales; bebidas não alcoólicas com aroma de cerveja; bebidas à base de cerveja; cerveja; cerveja (ale); cerveja bock; cerveja com sabor a café; cerveja de malte; cerveja de trigo; cerveja lager; cerveja pale ale; cerveja preta [cerveja de malte torrado]; cerveja sazonal; cerveja sem glúten; cervejas; cervejas aromatizadas; cervejas artesanais; cervejas com baixo teor alcoólico; cervejas enriquecidas com minerais; cervejas sem álcool; cocktails à base de cerveja; mosto de cerveja; mosto de malte; porter [cervejas pretas]; shandy; stout; sucedâneos de cerveja; vinho de cevada [cerveja]; vinho à base de cevada [cerveja]; preparações para a produção de bebidas; essências para a preparação de bebidas,;
3. - Da classe 33: bebidas alcoólicas (excluindo cerveja); bebidas alcoólicas pré-misturadas; aperitivos alcoólicos amargos; aperitivos à base de bebidas alcoólicas; aperitivos à base de vinho; bebidas alcoólicas aromatizadas; bebidas alcoólicas contendo frutas; bebidas alcoólicas contendo frutos; bebidas alcoólicas de frutas; bebidas alcoólicas à base de café; bebidas à base de rum; bebidas à base de vinho; bebidas que contêm vinho [spritzers]; cocktails; cocktails alcoólicos preparados; cocktails de frutas com álcool; cocktails de vinho preparados; ponche alcoólico; ponche de rum; ponches de vinho; vinhos de aperitivo; bebidas espirituosas; absinto; aguardente; aguardente (akvavit); aguardente [bebidas espirituosas à base de cana-de-açúcar]; aguardentes; araca; arak; bebidas alcoólicas fermentadas; bebidas destiladas; bebidas espirituosas destiladas; bebidas espirituosas potáveis; brandy para cozinhar; cachaça; cerejas (aguardente de -) [kirsch]; conhaque [brandy]; digestivos [licores e bebidas espirituosas]; espirituosos (bebidas alcoólicas); gin; kirsch; licor de gengibre; licor de ginja; licor de ginseng vermelho; licor tónico com extratos de ervas [homeishu]; licores tónicos aromatizados; rum; rum com adição de vitaminas; rum de sumo de cana-de-açúcar; shochu [aguardentes]; vodka; whisky; whisky canadiano; whisky de malte; whisky de mistura; aguardente de pêra; amargos [licores]; anis; anisete; aperitivos à base de licor alcoólico destilado; bebidas alcoólicas à base de açúcar de cana; bebidas aperitivas; bebidas com baixo teor alcoólico; curaçau; hidromel; licor de groselha preta; licor de menta; licores; licores alcoólicos de sabor amargo; licores cremosos; licores de ervas; licores à base de café; nira [bebida alcoólica à base de cana de açúcar]; vinho; vinhos; amontillado; vermute; vinho branco; vinho de ameixa; vinho de amoras; vinho de morangos; vinho de uvas; vinho espumante de frutos; vinho à base de framboesa preta [bokbunjaju]; água-pé; vinho espumante de uvas; vinho tinto; vinhos alcoólicos; vinhos com baixo teor de álcool; vinhos com indicação geográfica protegida; vinhos de denominações de origem protegidas; vinhos de fruta; vinhos de mesa; vinhos de sobremesa; vinhos doces; vinhos espumantes; vinhos espumantes brancos; vinhos espumantes naturais; vinhos espumantes tintos; vinhos fortificados; vinhos generosos; vinhos para cozinhar; vinhos quentes (vinhos aquecidos e adoçados com especiarias); vinhos rosé; vinhos sem gás; essências e extratos alcoólicos; preparações alcoólicas para fazer bebidas; preparações para produzir bebidas alcoólicas; bebidas alcoólicas exceto cerveja; bebidas alcoólicas destiladas à base de grãos; licores contendo natas; gelatinas alcoólicas; gemada alcoólica.
4. -Da classe 43: serviços de fornecimento de alimentos e bebidas; bares de cocktails; pizzarias; preparação de alimentos e bebidas; preparação de refeições; bares de vinhos; fornecimento de alimentos e bebidas para clientes; organização de banquetes; restaurantes de comida rápida (fast food); restaurantes de grelhados; restaurantes de iguarias refinadas; restaurantes de self-service; restaurantes para serviço rápido e permanente (snack-bares); serviços de alimentação e bebidas em restaurantes e bares; serviços de alimentação e bebidas take-away; serviços de alimentos e bebidas em cibercafés; serviços de banquetes; serviços de bar; serviços de bar de cocktails; serviços de bar de vinhos; serviços de bares; serviços de bebidas alcoólicas; serviços de buffet para bares de cocktail; salões de chá; serviços de alimentação e bebidas em pastelarias; serviços de alimentação e bebidas para clientes; serviços de alojamento e pequeno-almoço; serviços de alimentação e bebidas para clientes de restaurantes; bares; bares (pubs); disponibilização de alimentos e bebidas em bistrôs; disponibilização de alimentos e bebidas em cibercafés; disponibilização de alimentos e bebidas em pastelarias; fornecimento de alimentos e bebidas para clientes de restaurantes; fornecimento de alimentos e bebidas em restaurantes e bares; fornecimento de bebidas em microcervejeiras; fornecimento de bebidas em pubs com fabrico de cerveja; receção de boas-vindas de empresas (fornecimento de alimentos e bebidas); preparação e fornecimento de alimentos e bebidas para consumo imediato; serviços de bar de cerveja; serviços de bistrô; serviços de comida para fora; serviços de consultoria relativos à preparação de refeições; serviços de degustação de vinhos (fornecimento de bebidas); serviços de fornecimento de bebidas; serviços de fornecimento de comida para fora (takeaway); serviços de estabelecimentos de café; serviços de casas de chá; serviços de casa de chá; serviços de preparação de alimentos; serviços de restaurante de comida rápida; serviços de pub; serviços de restaurante e bar; serviços de restaurante em hotéis; serviços de restaurante fornecidos por hotéis; serviços de restaurante incluindo instalações de bar licenciadas; serviços de restauração [alimentação e bebidas]; serviços de restaurante para o fornecimento de comida rápida; serviços de restaurantes; serviços de restaurantes self-service; serviços de restaurantes take away; serviços de salas de chá; serviços para fornecimento de alimentos; serviços relacionados com a preparação de alimentos e bebidas; fornecimento de alimentos e bebidas em carrinhas; fornecimento de alojamento para cerimónias; organização de receções de casamento [alimentos e bebidas]; organização de refeições em hotéis; serviços de cervejaria ao ar livre; serviços de escanção; serviços de cozinhado de alimentos; serviços de preparação alimentar; serviços de restaurante de rodízio; serviços de snack-bar; serviços de snack-bares; serviços de snack-bars; snack-bares; snack-bars.
5. Por despacho de 8 de novembro de 2023, publicado no Boletim da Propriedade Industrial n.º 221/2023, de 2023.11.15, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial recusou o registo à Recorrente PARTILHA INDISCUTÍVEL, LDA. da marca nacional nº … 23, “DRINK BOSS”.
6. A Recorrida HUGO BOSS Trade Mark Management GmbH & Co. KG, é titular da Marca da União Europeia n.º 49254 HUGO BOSS, apresentada em 01.04.1996 e concedida em 26.03.2008, para assinalar, entre outros, vestuário para homem, senhora e criança; collants ou coulãs; chapelaria; roupa interior; roupa de dormir, fatos de banho; roupões de banho; cintos; xailes; acessórios, nomeadamente lenços de cabeça, lenços de seda (foulards), echarpes, lenços de bolso; gravatas; luvas [vestuário]; sapatos; cintos em couro, na classe 25;
7. É ainda titular da Marca da União Europeia n.º 18246361 BOSS, apresentada em 28.05.2020 e concedida em 20.10.2020, para assinalar, entre outros, águas minerais e gasosas e outras bebidas não alcoólicas; bebidas de fruta e sumos de fruta; xaropes e outras preparações para bebidas, na classe 32, bebidas alcoólicas (com excepção das cervejas), na classe 33, e serviços de fornecimento de alimentos e bebidas; alojamento temporário; aluguer de mobiliário, na classe 43.
8. Recorrida, é uma sociedade do conhecido Grupo HUGO BOSS, e é a proprietária do portfolio de marcas BOSS e HUGO BOSS.
9. O Grupo HUGO BOSS foi fundando em 1924, em Metzingen, na Alemanha, tendo vindo a desenvolver a sua atividade à escala global e desde cedo que as marcas BOSS e HUGO BOSS se revelaram centrais na sua atividade.
10. As marcas BOSS e HUGO BOSS foram lançadas no início dos anos 70 do século XX, para coleções de roupa para homem de elevada qualidade.
11. Nessa mesma altura, a Recorrida começou a patrocinar desportos motorizados e a Fórmula 1.
12. Em 1994, foi concedida a primeira licença para sapatos.
13. A primeira licença para relógios BOSS e HUGO BOSS foi concedida em 1996, tendo a coleção BOSS Orange sido aditada em 2007.
14. Em 1997, a Recorrida, aproveitando a sua experiência resultante do patrocínio de golf, lançou a BOSS Golf Collection que incluía roupa de desporto.
15. Em 1999, a linha BOSS Orange de casual wear é lançada juntando-se à clássica coleção BOSS e à mais jovem e progressiva marca HUGO.
16. No ano de 2000, a primeira coleção feminina BOSS é lançada em alinhamento com a coleção masculina BOSS no mercado da moda de gama alta.
17. Em 2003, a linha BOSS Golf passa a BOSS Green, para vestuário de dia-a-dia e com um toque desportivo.
18. Em 2004, surgiu a linha de luxo BOSS Selection que inclui produtos para o segmento de vestuário de homem de elevada qualidade e o Grupo incorpora o fabrico de calçado e produtos de pele.
19. Na estação de verão de 2006, deu-se o lançamento da coleção feminina BOSS Orange.
20. Em fevereiro de 2009, a BOSS apresentou a sua linha mais luxuosa de vestuário, a BOSS Selection Tailored Line.
21. No ano de 2009, BOSS concedeu uma licença para coleção de vestuário para criança BOSS e também para adolescentes.
22. Em 2013, deu-se a integração da linha BOSS Selection na coleção BOSS e HUGO BOSS.
23. Posteriormente, as marcas BOSS e HUGO BOSS passaram a assinalar também relógios, carteiras, artigos de perfumaria, produtos de higiene e de beleza, artigos de escritório, chapéus, óculos.
24. Os produtos BOSS e HUGO BOSS são objeto de divulgação e promoção também na rede social Facebook, cuja página (https://www.facebook.com/hugoboss/) conta com mais de 8,5 milhões de seguidores; na rede social Instagram, cuja página (https://www.instagram.com/boss) tem mais de 12,1 milhões de seguidores; nas plataformas Pinterest (https://www.facebook.com/hugoboss/app/305927716147259/) e YouTube https://www.youtube.com/channel/UCFKQYs1RovAG8SqFUjXAkTw.
25. Os produtos assinalados pelas marcas da Recorrida, são frequentemente objeto de divulgação na imprensa escrita e digital, em especial, dedicada a moda e lifestyle.
26. As marcas da Recorrida são ainda divulgadas através de acordos de patrocínio e parcerias, um dos quais foi o acordo celebrado com a equipa de futebol Real Madrid para que usasse fatos BOSS e HUGO BOSS.
27. As marcas BOSS e HUGO BOSS têm presença mundial, incluindo em Portugal, registando volumes de negócio na ordem das centenas de milhões de euros.
28. Na seleção de BEST GLOBAL BRANDS 2015 efetuada pela INTERBRAND, BOSS e HUGO BOSS foi considerada, tendo sido evidenciadas as suas décadas de sucesso no vestuário para homem na Europa e na América do Norte e ainda o ressurgimento da HUGO BOSS no segmento de vestuário feminino com BOSS, uma forte submarca.
29. Em novembro de 2011, um relatório de estudo de mercado foi elaborado com base nos dados recolhidos entre 14 de setembro de 2011 e 14 de outubro de 2011 com o objetivo de obter informação quanto a comportamento de compra, status das marcas da Recorrida e das marcas concorrentes, recordação publicitária e de media das marcas da Recorrida e das marcas concorrentes, conhecimento e imagem das linhas de produtos BOSS da Recorrida em oito mercados, em concreto, Alemanha, França. Itália, Espanha, Reino Unido, China, Rússia e Estados Unidos, tendo sido associados os produtos BOSS e HUGO BOSS às seguintes afirmações: “representa qualidade”, “luxo, premium”, “clássico, elegante”, “é uma marca agradável”.
30. Adicionalmente, as marcas BOSS e HUGO BOSS passaram a assinalar uma prestigiada e vastíssima gama de artigos de perfumaria e cuidados de pele para homens, incluindo perfumes, loções, desodorizantes e cremes.
31. Sendo que atualmente, se encontram à disposição do consumidor mais de 100 (cem) artigos de perfumaria e de cuidados de beleza masculinos, em https://www.hugoboss.com/pt/fragrances-men/.
32. A atividade da Recorrida apresenta os seguintes números:
33. De acordo com um estudo de outubro de 2022, denominado “Findings of a representative survey on the reputation of the word mark in the sense of trade mark law” efetuado pelo Institut für Demoskopie Allensbach, BOSS é uma marca de prestígio.
34. E de acordo com um estudo de março de 2023, denominado “Findings of a representative survey on the reputation of the word mark in the sense of trade mark law”, efetuado pelo Institut für Demoskopie Allensbach, HUGO é uma marca de prestígio.
35. A Recorrente tem como objecto social o exercício de actividade de networking, promoção e realização de reuniões, eventos e formação. Organização de congressos e exposições. Prestação de quaisquer serviços de apoio às empresas, bem como o comércio a retalho de pão e de produtos de pastelaria e de confeitaria em estabelecimentos especializados.
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B - Factos não apurados
A decisão recorrida declarou inexistirem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
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III - Do mérito do recurso
Como referido supra, os presentes autos reportam-se a um pedido de registo de marca nacional, no caso, o n.º … 23, cujo regime legal se mostra previsto no Código de Propriedade Industrial (CPI).
Importa dar conta que parte deste Coletivo conheceu, no âmbito do processo n.º …/…-YHLSB.L1, o diferendo existente entre estas partes, sendo, aí, discutido o registo da marca “HUGO DRINKS”, motivo pelo qual, perante as semelhanças e quando se justificar, mais não faremos que reproduzir o que ali se consignou.
Vejamos as questões suscitadas. Da concessão do registo da marca nacional n.º … 23.
O presente recurso vem interposto da sentença que confirmou o despacho do INPI que indeferiu o pedido de registo da marca nacional n.º … 23 “DRINK BOSS”.
A sentença proferida pelo tribunal a quo identifica convenientemente a questão sub judice.
Também, em resumo, qualifica as marcas como nominativas/ complexas; atesta os produtos/ serviços incluídos (sendo no caso da marca “BOSS” aos das classes 32.ª, 33.ª e 43.ª de Nice); salienta o facto do sinal registando ser composto por “DRINK” e por “BOSS”, o primeiro, de origem inglesa, significa “bebidas”, não tendo distintividade ou aptidão para distinguir as bebidas e os serviços de restauração da Recorrente, sendo o segundo que sobressai e que é acentuado na pronunciação; salienta ainda o público consumidor a que se reporta; mais salienta o facto de as marcas prioritárias gozarem de prestígio em Portugal e na União Europeia; e conclui que falta caráter distintivo ao sinal registando.
A Recorrente considera que “os produtos ora assinalados, e os produtos e serviços da recorrente, tratam-se de produtos e serviços totalmente distintos, não sendo complementares, nem concorrentes entre si, tendo naturezas e finalidades sem qualquer tipo de conexão (considerando, nomeadamente, a atividade da recorrente)” e que a “lista de serviços assinalados pelas marcas recorridas, é demasiado geral e pode alocar demasiadas variáveis. Não revelando, por si só, a natureza e as características comerciais dos serviços abrangidos, tais como o respetivo destino, o método de utilização, o público destinatário relevante, os canais de distribuição, o setor de mercado pertinente ou a origem comercial habitual ou mesmo os produtos com os quais se relacionam.”
Mais considera que “a nível de grafismo é evidente que existe uma clara diferença entre as marcas que se apresenta como considerável e objetivamente distinta para quem nem sequer exista confusão” e que “o sinal apesar de ter um mínimo de capacidade distintiva, é na verdade, constituído quase em exclusivo por elementos de uso comum ou trivial ou de uso muito vulgarizado.”
Finalmente, considera ainda que o “mero facto de um dos nomes em termos nominativos ser idêntico só por si não faz prova plena de risco de confundibilidade, imitação,” e que “teremos igualmente ainda de acautelar o princípio da igualdade entre os concorrentes”.
A Recorrida, nas contra-alegações de recurso, considera que é “a comparação direta entre produtos e serviços especificamente listados pelas marcas em confronto” que releva para se determinar se são idênticos ou afins e não “a atividade económica eventualmente desenvolvida, em cada momento, ou do setor de negócios das partes em litígio é irrelevante”, sendo que, no caso, “são exatamente os mesmos”.
Mais considera que a “lei e a jurisprudência não contemplam ou sequer abordam a figura de listas de produtos ou serviços demasiado extensas”, sendo que as “empresas e os empresários são totalmente livres de requerer marcas para os produtos ou serviços que entenderem”.
Considera que “DRINK BOSS reproduzintegralmente a marca BOSS e induz o consumidor em erro ou risco de associação”, que “BOSS encontra-se totalmente contida em DRINK BOSS: essas marcas são gráfica, fonética e concetualmente muitíssimo semelhante” e que “DRINK é uma expressão inglesa que significa bebida ou beber, pelo que possui pouquíssima ou nenhuma distintividade ou aptidão para distinguir as bebidas e os serviços de restauração da Apelante.”
Finalmente, que “os elementos a comparar são BOSS e BOSS”, sendo “absolutamente iguais”, pelo que “o consumidor que conheça as marcas BOSS, quando confrontado com produtos e serviços DRINK BOSS, produtos e os serviços esses que são idênticos, irá necessariamente confundir ou associar a origem empresarial dos produtos e serviços assinalados pelas marcas em causa”, em particular por aquelas serem marcas de “grande notoriedade e prestígio na União Europeia, que granjearam um elevadíssimo poder de atração junto dos consumidores.”
Vejamos.
A Marca da União Europeia - Marca da UE - encontra-se regulada pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de junho de 2017.
Esta adquire-se por registo (art. 6º do RMUE) produz os mesmos efeitos em toda a União Europeia - carácter unitário - (art. 1º, n.º 2, do RMUE) e, a sua disciplina jurídica é autónoma das leis nacionais no que diz respeito aos efeitos da Marca da UE (art. 17º, n.º 1, do RMUE).
Dispõe o artigo 4.º do RMUE, sob a epígrafe “Sinais suscetíveis de constituir uma marca da UE”, que: “Uma marca da UE pode consistir em sinais, nomeadamente em palavras, incluindo nomes de pessoas, ou em desenhos, letras, algarismos, cores, na forma dos produtos ou da embalagem dos produtos, ou em sons, desde que esses sinais possam:
a)
distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos produtos ou serviços de outras empresas; e
b)
ser representados no Registo de Marcas da União Europeia («Registo»), de um modo que permita que as autoridades competentes e o público identifiquem de forma clara e precisa o objeto da proteção concedida ao titular da marca.” (os destaques são nossos)
Estabelece o artigo 9.º do RMUE, sob a epígrafe “Direitos conferidos por uma marca da UE”, que: “1. O registo de uma marca da UE confere ao seu titular direitos exclusivos. 2. Sem prejuízo dos direitos dos titulares adquiridos antes da data de depósito ou da data de prioridade da marca da UE, o titular dessa marca da UE fica habilitado a proibir que terceiros, sem o seu consentimento, façam uso, no decurso de operações comerciais, de qualquer sinal em relação aos produtos ou serviços caso o sinal seja:
a)
Idêntico à marca da UE e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca da UE foi registada;
b)
Idêntico ou semelhante à marca da UE e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais a marca da UE foi registada, se existir risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;
c)
Idêntico ou semelhante à marca da UE, independentemente de ser utilizado para produtos ou serviços idênticos, ou afins àqueles para os quais a marca da UE foi registada, sempre que esta última goze de prestígio na União e que a utilização injustificada do sinal tire indevidamente partido do caráter distintivo ou do prestígio da marca da UE ou lhe cause prejuízo.
…”. (os destaques são nossos)
Dispõe o artigo 11.º do RMUE, sob a epígrafe “Data a partir da qual os direitos são oponíveis a terceiros”, que: “1. Os direitos conferidos por uma marca da UE são oponíveis a terceiros a partir da data de publicação do registo da marca. 2. Pode ser exigida uma indemnização razoável por atos posteriores à data de publicação de um pedido de marca da UE que, após a publicação do registo da marca, sejam proibidos em virtude dessa publicação. 3. O tribunal em que uma ação for interposta não pode decidir do mérito da causa enquanto o registo não for publicado.” (o destaque é nosso)
Estabelece o artigo 17.º do RMUE, sob a epígrafe “Aplicação complementar do direito nacional em matéria de infração”, que: “1. Os efeitos da marca da UE são exclusivamente determinados pelo disposto no presente regulamento. Por outro lado, as infrações a marca da UE são reguladas pelo direito nacional em matéria de infrações a marcas nacionais nos termos do disposto no capítulo X. 2. O presente regulamento não exclui que sejam intentadas ações respeitantes a marcas da UE com base no direito dos Estados-Membros, nomeadamente em matéria de responsabilidade civil e de concorrência desleal. 3. As normas processuais aplicáveis são determinadas nos termos do disposto no capítulo X.” (o destaque é nosso)
Por sua vez, dispõe o artigo 1º do Código da Propriedade Industrial, sob a epígrafe “Função da propriedade industrial”, que: “A propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza.”(o destaque é nosso).
Estabelece o artigo 208.º do CPI, aprovado pelo DL n.º 110/2018, de 10 de dezembro, sob a epígrafe “Constituição de marca”, que: “A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, cor, a forma do produto ou da respetiva embalagem, ou por um sinal ou conjunto de sinais que possam ser representados de forma que permita determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.” (os destaques são nossos).
Dispõe o artigo 232.º do CPI, sob a epígrafe “Outros fundamentos de recusa”, que:
“1 - Constitui ainda fundamento de recusa do registo de marca: a) A reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços afins; b) A reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços afins ou a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;” … h) O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.”
… (os destaques são nossos).
Estabelece o artigo 234.º do CPI, sob a epígrafe “Marcas notórias”, que: “1. É recusado o registo de marca que constitua: a) A reprodução de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos; b) A reprodução de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços afins, ou a imitação ou tradução, no todo ou em parte, de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins, sempre que com ela possa confundir-se ou se, dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória. …”. (os destaques são nossos).
Dispõe o artigo 235.º do CPI, sob a epígrafe “Marcas com prestígio”, que: “1. Sem prejuízo do disposto no número anterior, o pedido de registo será igualmente recusado se a marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem identidade ou afinidade, constituir tradução, ou for igual ou semelhante, a uma marca anterior registada que goze de prestígio em Portugal ou na União Europeia, se for marca da União Europeia, e sempre que o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, ou possa prejudica-los.” (os destaques são nossos).
Finalmente, estabelece o artigo 238.º do CPI, sob a epígrafe “Conceito de imitação ou de usurpação”, que:
“1 - A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente: a) A marca registada tiver prioridade; b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins; c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.” 2 - Para os efeitos da alínea b) do n.º 1: a) Produtos e serviços que estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem não ser considerados afins; b) Produtos e serviços que não estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem ser considerados afins.” (os destaques são nossos).
Resulta, assim, da conjugação dos preceitos legais em análise constituir fundamento de recusa do registo de marca a reprodução, ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, se ambas se destinarem a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins, quando ambas tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada.
Mas, especialmente relevante para o caso sub judice, resulta ainda que o pedido de registo será igualmente recusado se a marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem identidade ou afinidade, for igual ou semelhante, a uma marca anteriormente registada que goze de prestígio em Portugal ou na União Europeia e sempre que o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, ou possa prejudica-los.
Vejamos então.
Importa ter presente que, como refere o STJ, “a marcaé o primeiro e mais importante dos sinais distintivos do comércio, funcionando, de um lado, como identificação de um produto ou serviço proposto ao consumidor e permitindo, por outro, distingui-lo e diferenciá-lo de outros idênticos ou afins.” (Ac. de 12 de julho de 2018, proc. N.º 346/15.3YHLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt). (o destaque é nosso).
Por sua vez, a respeito das marcas nominativas, o mesmo STJ entendeu “que é pelos sons das palavras e das expressões que estas se fixam na memória (repare-se como as crianças aprendem a falar tentando imitar aquilo que dizem os adultos, sem sequer entender o seu sentido) - deve prestar-se primordial atenção aos fonemas que as compõem (assim, entre outros, o Ac. do STJ de 02-10-2003 ( Ferreira Girão), na revista nº03B2236 . A apresentação varia. O som fica….”.(Ac. de 9 de junho de 2016, proc. n.º 124/14.7YHLSB.L1.S1, inwww.dgsi.pt).
Refere Pedro Sousa e Silva que “A abordagem correcta no exame da confundibilidade das marcas é aquela que - no respeito do princípio da interdependência - coloca, num dos “pratos da balança” os factores de semelhança dos sinais, ao nível fonético, visual e conceptual e, no outro “prato”, os factores de diferenciação desses sinais, podendo a grande semelhança no contexto de um desses níveis ser compensada pela elevada dissemelhança no contexto dos demais.” (in Direito Industrial, 2.ª Ed., pág. 286).
Como referido supra, temos por assente que as marcas tituladas pela Recorrida são prioritárias.
Temos ainda por assente, apesar da oposição da Recorrente, que as marcas em confronto, no caso da “BOSS” e da “DRINK BOSS”, se destinam a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins.
Efetivamente, resulta da factualidade apurada (cfr. factos 2 a 4, 6 e 7) que as marcas em confronto se destinam a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins (ex. bebidas não alcoólicas; bebidas alcoólicas; serviços de fornecimento de alimentos e bebidas) e que estes se reportam às classes 32.ª, 33.ª e 43.ª da Classificação Internacional de Nice.
A comparação entre os produtos e os serviços “registados” pelas marcas é disso demonstrativo, ou seja, porque satisfazem as mesmas necessidades do consumidor, permite concluir pela referida identidade ou afinidade.
Impõe-se, ainda assim, acrescentar, por reporte à lista de serviços assinalados pelas marcas recorridas, que a mesma é suficientemente clara para se lograr determinar o objeto da proteção conferida ao seu titular.
Acresce ainda referir que a circunstância de a Recorrida ser (manifestamente) conotada com o “ramo da moda” não invalida que tenha ou mesmo que pretenda ter outras áreas de atuação, o que releva nesta área do Direito das Marcas é o respetivo registo, e este é inequívoco.
Dito de outra forma, não vemos que a mesma padeça dos vícios que a Recorrente lhe imputa e muito menos que os produtos e serviços concretamente registados não permitam revelar, repita-se, para o efeito a que se propõe a Propriedade Industrial em matéria de marcas, os tipos de produtos e os serviços da Recorrida.
Finalmente, importa ainda referir que a pugnada “lista de serviços assinalados pelas marcas recorridas” ser “demasiado geral e pode alocar demasiadas variáveis”, não encontra apoio legal, ficando, por isso, com é bom de ver, na disponibilidade/ liberdade do requerente do registo.
Vejamos agora os sinais em confronto.
Importa, como bem refere a decisão em crise, referir que estamos perante sinais nominativos e complexos.
Dito isto, reportando-nos aos sinais sub judice, passemos então a considerar os elementos assinalados.
Os elementos em análise são «DRINK BOSS» e «HUGO BOSS; BOSS».
A grafia é idêntica e o segundo vocábulo da marca registanda (BOSS) é comum ao/ ou a um dos vocábulos das marcas registadas.
A expressão «DRINKS», de origem inglesa, como dá conta a sentença, “significa bebida e que, mesmo os que não dominam a língua inglesa têm noção do seu significado. Trata-se de um vocábulo genérico para designar qualquer tipo de bebida, não assumindo, pois, um caráter distintivo que permita criar uma ideia diferente no espírito do consumidor que não seja o fornecimento de bebidas. Nessa medida, o elemento distintivo e que será retido pelo consumidor será o termo BOSS”.
Efetivamente, a apreciação de conjunto produzida pelos sinais em análise, ou seja, atendendo aos seus elementos distintivos e dominantes, seguramente que o elemento prevalente, suscetível de perdurar na memória do público, corresponde ao vocábulo «BOSS».
Esta perceção mostra-se, inequivocamente, reforçada pelo facto de corresponder ao vocábulo, num caso, ou a um dos vocábulos, nos demais, de marcas de prestígio.
É, pois, manifesto que as marcas da Recorrida gozam de amplo conhecimento em Portugal, na União Europeia e mesmo no Mundo. Tal conclusão, sendo uma evidência para o comum dos consumidores, decorre, de forma cristalina, da matéria de facto provada.
Essa circunstância, tem reflexos evidentes na memória do público, pois que este tende mais facilmente a evocar sinais conhecidos.
Aliás, não podemos deixar de ter presente que, habitualmente, o consumidor não se confronta em simultâneo com as duas marcas para as poder comparar, pelo que, quando se vê confrontado com uma das marcas, tendo reminiscências na memória da outra marca, possa, no imediato, não as distinguir e, como referido, é natural que se lhe assalte à memória o sinal conhecido.
Por isso, concordamos com a apreciação efetuada na sentença em crise, quando, a esse respeito, consigna que “atento o carácter notório que a marca BOSS da Recorrida tem, dificilmente o consumidor logrará considera-la como não tendo a mesma origem empresarial”, bem como, que “existir um risco acentuado de o público alvo considerar que “DRINK BOSS” é uma “submarca” da marca “BOSS”, destinada ao fornecimento de produtos e serviços de bebidas, existindo, pois, um risco sério de associação entre as marcas.
Mais concordamos que “atendendo ao facto de existir identidade de bens e serviços em alguns casos e afinidade noutros, atento o prestígio da marca “BOSS”, existe um risco acentuado da escolha ser feita em função do que o termo “BOSS” representa e dos consumidores optarem pela marca “DRINK BOSS” julgando se tratar da marca “BOSS”.”
Entendemos, pois, que apesar das diferenças assinaladas às marcas sub judice, existe um elemento semelhante de maior impacto ao nível da “audição” e mesmo da “visão” que, em termos globais, originam uma proximidade entre elas, suscetíveis de transmitir uma impressão idêntica que, mesmo um consumidor médio normalmente distraído em relação aos pormenores, possibilita a associação da marca da Recorrente com as marcas da Recorrida.
Efetivamente, a semelhança do sinal que compõe a marca registanda, analisada no seu conjunto, é suscetível de induzir facilmente o consumidor em confusão, designadamente por associação com os produtos da Apelante que, recorde-se, são idênticos/afins.
Dito de outra forma, os sinais das marcas em análise não são suficientemente diversos, em termos de apreciação de conjunto que possibilitem ao consumidor médio a que se destinam os produtos, mesmo quando na presença de apenas um deles, distingui-los, existindo, pois, o risco de associação destes.
Entendemos, pois, que o dito consumidor, perante qualquer uma das marcas em análise retenha a ideia do “BOSS” e, assim, associe os produtos de uma à outra.
Nessa medida, tal como decidiu o Tribunal a quo, entendemos que a marca registanda preenche o conceito de imitação ou de usurpação a que alude o citado artigo 238.º, n.ºs 1 e 2, do CPI.
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Naturalmente, como já referimos e a decisão proferida pelo Tribunal a quo dá conta, a circunstância de se estar perante marca de prestígio é suscetível de operar o citado artigo 235.º do CPI.
O STJ, no acórdão de 13 de outubro de 2010, proferido no âmbito do proc. n.º 3/05.9TYLSB.P1.S1, in www.dgsi.pt, refere “A marca de prestígio é mais que uma marca notória, gozando de maior protecção legal, não valendo quanto a ela o princípio da especialidade e, por isso, deve ser conhecida não só do público interessado nos produtos marcados, mas também do público em geral, que ante o nome da marca a associa, sem hesitar, a elevados padrões de qualidade dos produtos ou dos serviços que se distinguem dos seus competidores; a simples alusão à marca implica a intuição fulgurante da sua identificação e inquestionável qualidade, mesmo que sob ela sejam comercializados diversos produtos”(são nossos os destaques).
Por sua vez, o TRL, no acórdão de 20 de maio de 2024, proferido no âmbito do processo n.º 472/19.0YHLSB.L2, a esse respeito, referiu que: “A marca de prestígio é aquela que tem uma reputação elevada, individualidade e originalidade significativas e surja associada a produtos ou serviços de alta qualidade sendo reconhecida pelos consumidores como símbolo de distinção e excelência (ou, na feliz expressão constante do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.01.2009, processo n.º 10533/2008-6, in http://www.dgsi.pt, «gozar de excepcional atracção e/ou satisfação junto dos consumidores». Os objetivos subjacentes a esta tutela, muito específica e muito focada, são os de impedir a erosão ou diluição de marcas que funcionam como referentes no mercado (relevando mesmo em distintos mercados) salvaguardando o seu valor comercial, designadamente na vertente essencial desse valor que é a capacidade de atração do público – vd. neste sentido, as adequadas referências lançadas com mais detalhe por Pedro Sousa e Silva, in Direito Industrial, 2020, Almedina, Coimbra (ebook), pág. 245. Só quando tal ocorra pode a marca gozar da proteção especial que o Direito de propriedade industrial lhe confere especificamente em atenção a tais factos.” (destaques são nossos)
A decisão em análise, reportada ao reconhecimento das marcas da Recorrida como de prestígio, não é objeto de recurso, sendo, por isso consensual, a referida qualificação.
Porém, a Recorrente sufraga o entendimento que não se lhe aplica o regime do citado artigo 235.º do CPI, uma vez que não se demonstrou que o uso da marca registanda procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, ou possa prejudica-los.
Aliás, conforme foi referido no acórdão deste TRL, de 24 de fevereiro de 2022, proferido no âmbito do processo n.º 170/21.4YHLSB.L1, “o titular da marca de prestígio deve demonstrar a existência de elementos que permitam concluir pelo risco sério de diluição, degradação ou parasitismo, para que proceda a recusa de registo de marca posterior” (in www.dgsi.pt).
Efetivamente, em termos da atribuição da tutela prevista no artigo 235.º do CPI, Ana Maria Pereira da Silva refere que “… depende do circunstancialismo casuístico e da prova de factos de que se possa inferir num dado momento e contexto que aquele elevado valor simbólico-evocativo inere à marca e que do uso da marca ulterior resulte um aproveitamento desse valor distintivo e prestígio ou reputação, ou o possa afetar. Dada a amplitude da excecionalidade da sua efetividade a atribuição desta tutela conferida às marcas de prestígio deve revestir-se de rigor e exigência” (cfr. in CPI Anotado, Coordenação Luís Couto Gonçalves, Almedina, pág. 939).
Dito isto, temos para nós, na linha da referida exigência, que a Recorrida logrou demonstrar, que a Recorrente com o uso da marca “DRINK BOSS” procura tirar partido indevido do caráter distintivo das marcas “HUGO BOSS” e “BOSS” ou, pelo menos, que possa prejudica-los.
Nessa medida, tal como decidiu o Tribunal a quo, entendemos que a marca da Recorrente também poderia ser recusada por força do citado artigo 235.º do CPI.
* - Da concorrência desleal.
No que diz respeito à segunda questão, saber se o registo da marca da Recorrente é suscetível de gerar concorrência desleal, importa chamar à colação o citado artigo 232.º do CPI.
Estabelece o citado artigo, sob a epígrafe “Outros fundamentos de recusa”, que (n.º 1) “constitui ainda fundamento de recusa do registo de marca” (h) “o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.”
A respeito da concorrência desleal importa ainda fazer apelo ao disposto no artigo 311.º do referido diploma legal.
Dispõe o aludido artigo, sob a epígrafe “Concorrência desleal”, que (1) “constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, nomeadamente” (a) “os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue.” (os destaques são nossos).
Resulta do citado regime legal que a concessão do registo de marca deve ser negada quando existe “uma intenção tóxica de deslealdade comercial por parte do requerente;” mas “esta proteção preventiva é também aplicável quando esse desacerto ético possa ocorrer objetivamente, i.e. independentemente da subjacência de uma intenção daquele jaez.” (cfr. CPI Anotado, Luís Couto Gonçalves, pág. 931).
No caso, como vimos, porque as partes disputam a mesma clientela, naturalmente reportada aos produtos e serviços a que nos temos vindo a referir, julgamos evidente a intenção de colagem e/ ou de aproveitamento da(s) marca(s) da Recorrida e, por maioria de razão, também julgamos existir a possibilidade de induzir facilmente o consumidor em confusão/ risco de associação, existindo, por isso, a possibilidade de desvios de clientela.
Efetivamente, o consumidor é suscetível de poder “comprar” os produtos ou serviços da “DRINK BOSS” a pensar que está a comprar da “HUGO BOSS” ou “BOSS” ou de pensar que esta “tem a ver” com aquela.
Por todo o exposto, ao abrigo dos artigos 208.º, 232.º, 238.º e 311.º, todos do CPI, entendemos que não deve ser concedido o registo da marca nacional n.º … 23, mantendo-se, por isso, a decisão do tribunal a quo.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso interposto pela PARTILHA INDISCUTÍVEL, LDA, confirmando a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância que recusou o registo da marca nacional n.º … 23.
“DRINK BOSS”
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Custas pela Recorrente (artigo 527.º do CPC).
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Lisboa, 14 de maio de 2025
Bernardino Tavares
José Paulo Abrantes Registo
Armando Manuel da Luz Cordeiro