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SERVIÇOS DE SAÚDE
JURISDIÇÃO PLENA
ILÍCITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL
PODER DE FISCALIZAÇÃO
NOTÍCIA DA INFRACÇÃO
PESSOA COLECTIVA
CULPA
Sumário
1. A sentença de primeira instância conhece sempre, em situações como a apreciada, com plena jurisdição e convocando todos os poderes de avaliação, da plenitude do objecto relevante para a ponderação dos elementos objectivos e subjectivos do ilícito; 2. A intervenção fiscalizadora dos funcionários da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) (entidade à qual se restringe o exercício de competências), não reclama delegação de poderes ou duplas assinaturas; 3. Tendo o documento pelo qual se deu notícia da infracção sido elaborado por quem tinha, insofismavelmente, competência para o lavrar, tendo a Arguida tido conhecimento do que lhe era imputado e podido defender-se no processo de mera ordenação social não se colocam questões de validade processual de tal documento; 4. Tendo a notificação da ERS descrito os factos relevantes para o conhecimento das imputações, permitindo à Recorrente compreender e contestar tais factos, nunca poderia ser considerado violado o seu direito de defesa; 5. Não há discricionariedade arbitrária quando, como ocorre nos autos, a decisão condenatória deve ser fundamentada com base em provas (nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo – RGCO), não se limitando ao auto/participação/denúncia; 6. É plena a jurisdição exercida pelo Tribunal de Primeira Instância, face ao disposto no Artigo 67.º, n.º 3, dos Estatutos da ERS, o que significa que o Tribunal que julga o recurso de impugnação judicial está investido em poderes de cognição não estritamente limitados à factualidade descrita na fase administrativa, ainda que sempre com o limite da possibilidade de exercício do direito de defesa; 7. O Órgão Jurisdicional pode reavaliar integralmente os factos e o acervo probatório, incluindo a prova produzida na fase de instrução administrativa e na audiência de julgamento; 8. A existência de audiência de discussão e julgamento (com inquirição de testemunhas) reforça a necessidade de o tribunal formar sua convicção independentemente da versão inicial dos autos. 9. Os factos analisados pelo Tribunal correspondem a um recorte objetivo da realidade, devendo ser avaliados de forma naturalística, sem vinculação a interpretações prévias; 10. O Tribunal recorrido tem liberdade para reinterpretar os factos à luz da totalidade da prova produzida e do contraditório realizado; 11. No âmbito do Direito de mera ordenação social, é aceitável a atribuição de um facto ilícito a uma pessoa coletiva sem que seja necessária a materialização de uma transferência para esta da culpa e da acção de agentes pessoas singulares porquanto a mesma possui culpa individual.
Texto Integral
Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO
ELICÊ & RAFAEL, LDA, com os sinais identificativos constantes dos autos, impugnou judicialmente a decisão da ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE (ERS) que lhe impôs sanções pela prática das infracções aí descritas.
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos: 1. ELICÊ & RAFAEL, LDA veio impugnar a decisão proferida pela ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE (ERS) proferida no processo de contraordenação n.º PCO/…/… que a condenou nos seguintes termos: a. na coima de 2500,00 EUR (dois mil e quinhentos euros), pelo incumprimento da obrigação de registo, no Sistema de Registo de Estabelecimentos Regulados da ERS, dos serviços de saúde por si prestados, de osteopatia, no estabelecimento sito na Rua de Pedrouços, n.º 64-A 1400 – 270 Lisboa, previamente ao início da atividade, em violação das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 4.º e do n.º 3 do artigo 26.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto (infração n.º 1); b. na coima de 5000,00 EUR (cinco mil euros), pelo incumprimento da obrigação de possuir licença de funcionamento, no estabelecimento sito na Rua de Pedrouços, n.º 64-A 1400 – 270 Lisboa, em violação dos n.os 1 a 3 e alínea a) e/ou b) do n.º 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22 de agosto, em conjugação com o disposto na Portaria n.º 182/2014, de 12 de setembro (infração n.º 2); c. na coima de 2.000,00 EUR (dois mil euros), pela conceção e/ou difusão de práticas de publicidade em saúde em violação do princípio da fidedignidade da informação publicitada em suporte publicitário exterior, porquanto se verificou o recurso a expressões como "Clínica Medicina Estética" e "Clinica Medicina Estética Avançada sem que, todavia, estas referências sejam lícitas, considerando que se apurou não existirem médicos a prestar cuidados de saúde naquele estabelecimento pelo que as sobreditas práticas suscitam dúvidas sobre os atos e serviços de saúde que se propõe prestar, em violação do consagrado no n.° 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 238/2015, constituindo contraordenação punível nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 8.° do mesmo diploma (infração n.º 3); d. na coima de 2.000,00 EUR (dois mil euros), pela conceção e/ou difusão de práticas de publicidade em saúde em violação do princípio da fidedignidade, por recurso a cartaz afixado no interior do estabelecimento, com referência a "Campanha Botox" (i.e. aplicação de toxina botulínica) sem que, todavia, estas referências sejam lícitas, considerando que se apurou não existirem médicos a prestar cuidados de saúde naquele estabelecimento pelo que as sobreditas práticas suscitam dúvidas sobre os atos e serviços de saúde que se propõe prestar, em violação do consagrado no n.° 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 238/2015, constituindo contraordenação punível nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 8.° do mesmo diploma (infração n.º 4); e. na coima de 2.500,00 EUR (dois mil e quinhentos euros), pela conceção e difusão de práticas de publicidade em saúde ilícitas em violação da primeira parte do n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de outubro, porquanto o interveniente a favor de quem a prática de publicidade em saúde é efetuada assume a qualidade de prestador de cuidados de saúde, sem efetivamente o ser; (infração n.º 5); f. na coima única de 8.000,00 EUR (oito mil euros). 2. A Arguida suscitou as seguintes questões: nulidade do auto de notícia; preterição do direito de audição e defesa; não verificação das infrações porque não prestou cuidados de saúde; nulidade da decisão porque em relação à infração n.º 2 não esclarece a qual das alíneas legais indicadas se reconduz a sua conduta; violação do princípio da proibição da reformatio in pejus; e nulidade da decisão por falta de fundamentação da coima. 3. A ERS apresentou alegações nas quais pugnou pela manutenção da decisão recorrida. 4. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância das formalidades legais. 5. No decurso da audiência de julgamento, a Recorrente apresentou os requerimentos com as ref.ª … 69 e … 86, no qual pediu, entre o mais, o arquivamento dos autos.
Foi proferida sentença que decretou: Em face de todo o exposto, julgo o recurso totalmente improcedente nos seguintes termos: a. Julgo improcedentes todas as questões prévias invocadas pela Recorrente; b. Condeno a Recorrente na coima de 2500,00 EUR (dois mil e quinhentos euros), pelo incumprimento da obrigação de registo, no SRER da ERS, dos serviços de saúde por si prestados, de osteopatia, no estabelecimento sito na Rua de Pedrouços, n.º 64-A 1400 – 270 Lisboa, previamente ao início da atividade, em violação das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 4.º e do n.º 3 do artigo 26.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto; c. Condeno a Recorrente na coima de 5000,00 EUR (cinco mil euros), pelo incumprimento da obrigação de possuir licença de funcionamento, no estabelecimento sito na Rua de Pedrouços, n.º 64-A 1400 – 270 Lisboa, em violação dos n.os 1 a 3 e alínea a) e/ou b) do n.º 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22 de agosto; d. Condeno a Recorrente na coima de 2.000,00 EUR (dois mil euros), pela conceção e/ou difusão de práticas de publicidade em saúde em violação do princípio da fidedignidade da informação publicitada em suporte publicitário exterior, com as expressões como "Clínica Medicina Estética" e "Clinica Medicina Estética Avançada” sem que tivesse profissionais com habilitações para prestar os serviços de saúde disponibilizados, em violação do consagrado no n.° 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 238/2015, constituindo contraordenação punível nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 8.° do mesmo diploma; e. Condeno a Recorrente na coima de 2.000,00 EUR (dois mil euros), pela conceção e/ou difusão de práticas de publicidade em saúde em violação do princípio da fidedignidade da informação publicitada em suporte publicitário exterior, devido ao recurso a expressões como “Campanha Botox” sem que tivesse profissionais com as habilitações para prestar tais serviços, em violação do consagrado no n.° 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 238/2015, constituindo contraordenação punível nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 8.° do mesmo diploma; u. Condeno a Recorrente na coima de 2.500,00 EUR (dois mil e quinhentos euros), pela conceção e difusão de práticas de publicidade em saúde ilícitas em violação da primeira parte do n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de outubro, No interior do estabelecimento constava a referência a “Dr.ª C …” em placas de sinalética e identificação, porquanto assume a qualidade de prestador de cuidados de saúde, sem efetivamente o ser; f. Em cúmulo jurídico, condeno a Recorrente na coima única de 8.000,00 EUR (oito mil euros).
É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por ELICÊ & RAFAEL, LDA, que alegou e apresentaram as seguintes conclusões: i A recorrente invocou na sua impugnação judicial a nulidade do auto de noticia lavrado na sequência da ação de fiscalização realizada desde logo com fundamento na circunstância dele constar A …, enquanto Técnica Superior da Regulação Especialista, na qualidade de técnica autuante, e B …, também ele Técnico Superior da Regulação Especialista, figurando como testemunha, sem ali figurar a que título participaram na ação ali descrita, concretamente se atuaram com competências próprias delegadas ou subdelegadas que os legitimasse a concretizar a ação inspetiva que levaram a cabo, nomeadamente, poderes para proceder ao levantamento do auto de notícia. ii Independentemente do documento em causa se tratar de uma participação, nos termos e para os efeitos do artigo 54, n.º 1 doRegime Geral das Contraordenações, ou uma denúncia obrigatória, nos termos e para os efeitos do artigo 242, n.º 1 do Código de Processo Penal, por força da remissão do artigo 246, n.º 3 do Código de Processo Penal para o artigo 243.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, aplicadas ex vi artigo 41, n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações, certo é que ali não figura a coberto de que legitimação formal aqueles Técnicos exerceram os poderes e competências própria(o)s da ERS, designadamente a ação de fiscalização e participação/denúncia ali mencionadas. iii Não estando legitimado o exercício de poderes próprios do ERS por parte daqueles técnicos não pode aquela Entidade ratificar aquele ato nulo, com as legais consequências quanto ao prosseguimento da fase administrativa contraordenacional. iv A falta de menção da delegação ou subdelegação no acto praticado ao seu abrigo, não pode prejudicar a arguida nos exercícios dos seus direitos pelo desconhecimento da existência da delegação ou subdelegação – art.48º, do CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 07 de janeiro). v No ato da inspeção, a arguida ignora se aqueles Técnicos, aquando da inspeção e denúncia realizadas, atuaram ou não no exercício de competências delegadas, subdelegadas ou mera suplência, se essa delegação de poderes foi válida e qual o âmbito da mesma. vi A omissão dessa advertência e sua menção obstou a que a arguida impedisse desde logo a ação inspetiva e a denúncia que se seguiu, por falta de legitimação formal de quem a exerceu, o que impediu desde logo que a arguida obstasse à sua realização com esse fundamento e consequentemente viesse prejudicado e violado o seu direito de defesa nos termos do art.32º, nº1, da C.R.P. viiA circunstância do substituto legal, seja por delegação de competências seja por suplência, não fazer alusão à qualidade em que intervém no processo pode comprometer a validade do ato, desde logo o conhecimento da razão subjacente a essa intervenção, conforme jurisprudência supra citada. viii A ausência de indicação do tipo de habilitação que legitima a intervenção, por delegação de poderes ou suplência não pode ser sanada com o mero conhecimento ulterior da existência de delegação de competências ou suplência, capaz de transformar a invalidade em mera irregularidade, se tais factos não se mostrarem suficientemente adequados a concluir que a decisão final sempre seria a mesma, conforme jurisprudência supra citada. ix Também na situação dos autos, não está em causa a mera degradação da invalidade do ato em mera irregularidade, pela singela razão que não é liquido que a delegação de competências abarcasse a prática do ato que posteriormente foi objeto de impugnação, ao que acresce que, em qualquer caso, não é certo que o conteúdo do ato fosse o mesmo caso não se verificasse o declarado vício de incompetência relativa, conforme jurisprudência citada. x Em momento algum competia à arguida o ónus de provar que os Técnicos que realizaram a inspeção e denúncia atuaram por conta própria, erro em que incorre a sentença, numa clara violação do princípio da presunção de inocência previsto no art.32º, nº 2, da C.R.P. xi Competia, isso sim, à ERS e depois ao Ministério Público provar a existência da (sub)delegação de competências, a sua validade formal e substantiva e que aquela abarcava o ato objeto de impugnação, sendo certo que a suplência sempre careceria da indicação expressa do motivo que a determinou, sob pena da mesma ser inoperante. xii Não pode é a ERS ser desresponsabilizada sucessiva e sistematicamente pelo incumprimento das regras aplicáveis à delegação de competência e suplência, a pretexto da suposta degradação das invalidades praticadas em meras irregularidades, com prejuízo do direito de defesa atempado do ato a que a arguida pudesse legalmente obstar. xiii Assim não o entendendo, a sentença recorrida violou o art.48º, nº1 e 2, do CPAe o princípio da presunção de inocência e do direito à defesa previsto no art.32º, nº2 e 10, da C.R.P., devendo ser revogada por outra deste Tribunal de recurso que declare inválida e ineficaz a inspeção e denúncia/participação administrativas realizadas. xiv Por outro lado, foram omitidas na referida denúncia/ participação administrativa as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que se verificou a prática dos serviços de saúde subjacentes ao preenchimento de todos os tipos de contraordenação imputados à arguida, os quais não foram presenciados pela indicada EA, ficando, assim, irremediavelmente inviabilizada a possibilidade de verificação da prática da infração e assim definitivamente sacrificado o direito de defesa, quanto à efetiva impugnação do auto de denúncia/participação que faria fé sobre a efetiva prática de algum ato médico, cuja prática, perentoriamente, a arguida nega. xv A garantia de defesa não é assegurada pela mera indicação de factos genéricos no auto de denúncia/participação, não verificados pela E.A., pois apenas no ato e em tempo real poderiam ser verificados, aferidos e, sendo caso disso, contraditados pelo suposto infrator, ficando-lhe irremediavelmente coartada a sua defesa o que é inconstitucional por afastamento injustificado da garantia de todos os direitos de defesa do arguido nos termos do art.32º, nº2, e 10, da CRP, inconstitucionalidade que ora se invoca para todos os efeitos legais. xvi Aquilo que os técnicos da ERS alegadamente presenciaram não foi o exercício de atos médicos ou prestação de serviços de saúde, sendo que apenas estes interessam ao preenchimento das infrações típicas imputadas à arguida e ao correspondente exercício do direito de defesa. xvii De resto, confrontado o teor da decisão administrativa impugnada e o da sentença ora recorrida, verifica-se que nesta o tribunal a quo, ao arrepio dos art.s 1º, al.f), e 359º, nº1 a 4º do Código Processo Penal, ex vi art.41º, nº1, do RGCO, aditou factos novos que configuram o preenchimento das infrações imputadas à arguida. xviii Concretamente, a sentença recorrida substituiu a transcrição do conteúdo da prova declarativa de … constante do ponto 7 da decisão administrativa, pelos seguintes factos inexistentes naquela: xix “Na data indicada eram prestados nesses estabelecimento, entre o mais, os seguintes serviços: preenchimento de ácido hialurónico; aplicação do botox; laser podológico; e podologia” (alínea b)). xx E a sentença recorrida adiante aditou ex novo , sob alínea q) dos factos provados, a factualidade atinente ao dolo de todas as infrações, afirmando-se concretamente : xxi “A Arguida representou e quis não proceder ao registo no SRER xxii “A Arguida representou e quis não proceder à obtenção de licença de funcionamento do estabelecimento em causa xxiii “A Arguida representou e quis proceder à conceção e difusão das mensagens descritas nas alíneas e), h) e l) sem ter profissionais com as habilitações necessárias; xxiv A Arguida representou e quis proceder à conceção e divulgação das mensagens descritas nas alíneas e), f), g), i) e m) sem estar registada no SRER da ERS e sem ter licença de funcionamento do estabelecimento: xxv A arguida agiu de forma livre e consciente; xxvi A arguida sabia que a sua conduta é punida. xxvii Trata-se de alterações substanciais de factos que estaria vedada ao tribunal a quo sem cumprimento do disposto no art.359º, nº1 a 4, do Código Processo Penal, ex vi artigo 41, n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações. xxviii A indicação precisa e discriminada dos elementos indicados na norma do artigo 58.º, n.º 1 do R.G.C.O. constitui elemento fundamental para garantia do direito de defesa do arguido consagrado constitucionalmente (cf. art.º 32.º da Constituição) que só poderá ser efetivo com o adequado conhecimento antecipado dos factos imputados, das normas que integrem e das consequências sancionatórias que determinem, conforme jurisprudência citada. xxix A sentença recorrida, porque condenou por factos diversos dos descritos na decisão administrativa impugnada, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º; ex vi art.41º, nº1, do RGCO, é nula, nulidade do conhecimento aliás oficioso e que aqui se invoca–art.379º, nº1, al.b) e nº2, do Código Processo Penal. xxx Nos termos do art.7º, nº2, do RGCO, as pessoas colectivas serão responsáveis pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções. xxxi A responsabilidade contraordenacional da pessoa coletiva exige sempre o nexo de imputação do facto a um agente da pessoa coletiva, que será aquele que nela exerce liderança ou um seu subordinado nas condições prescritas na lei (artigo 11º, n.º 2 alíneas a) e b) do Código Penal). xxxii Dos factos dados como provados na sentença recorrida não respiga a necessária identificação, com um mínimo de densidade factual, da pessoa física ou órgão responsável que em nome, por conta, no interesse e em representação da arguida praticou os concretos atos que genericamente lhe são imputados, esgotando-se nestes a conduta típica e ilícita do agente da contraordenação. xxxiii Verifica-se no próprio texto da sentença uma clara insuficiência da matéria de facto dada como provada para a decisão, o que configura um vicio de nulidade previsto no art.410º, nº2, al.a), do Código Processo Penal, ex vi art.41º, nº1, do RGCO. xxxiv Os factos dados como provados no texto da sentença recorrida são claramente insuficientes para a decisão que estabelece o nexo de imputação do facto a um agente/órgão da pessoa coletiva, que será aquele que nela exerce liderança ou um seu subordinado nas condições prescritas na lei (artigo 11º, n.º 2 alíneas a) e b) do Código Penal). xxxv Também com este fundamento a sentença é nula, nos termos do art.410º, nº2, al.a), do Código Processo Penal, ex vi art.41º, nº1, do RGCO, o que deverá ser reconhecido pelo tribunal de recurso, sendo certo que a alteração de matéria de facto que agora identifique o agente que atuou em nome, no interesse e/ou por conta da arguida, constituiria uma alteração substancial não consentida – art.359º, nº1 e 4, do Código Processo Penal, ex vi art.41º, nº1, do RGCO. xxxvi Na medida em que a sentença omite aqueles factos necessários à imputação das infrações à sociedade arguida (art.7º, nº2, do RGCO), viola ainda o direito de defesa desta que assenta na possibilidade de conhecer e contraditar todas as circunstâncias relevantes para a imputação., ao arrepio do art.32º, nº1 e 10º, da C.R.P. xxxvii E, nem se diga que perante cada uma das apontadas omissões se verifica um mero lapso passível de correção, pois, na verdade, é aplicável a norma do artigo 380º do Código de Processo Penal, ex vi art.º 41º, nº 1, do Regime Geral das contraordenações, referente à correção de sentenças. Xxxviii Sucede que, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 380º do Código de Processo Penal, a correção só seria possível caso a eliminação do erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade não importasse modificação essencial, o que não seria o caso com a introdução de um dos pressupostos objetivos e/ou subjetivos do tipo legal atinente à imputação da responsabilidade contraordenacional da pessoa coletiva. xxxix O direito de defesa da arguida recorrente está previsto no artigo 50.º do Regime Geral das Contraordenações, em concretização do artigo 32.º, n.º 10, da Constituição. xl É, assim, essencial para o exercício deste direito que o arguido tenha conhecimento das imputações que lhe são feitas ou de acordo com a fórmula adotada pelo AUJ (STJ) nº 1/2003, publicado no Diário da República I série nº 21, de 25.01.2003, devem-lhe ser fornecidos “os elementos necessários para que o interessado fique a conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito”. Xli O que implica, de acordo com o ac TC nº 99/2009, “a descrição sequencial, narrativamente orientada e espácio temporalmente circunstanciada, dos elementos imprescindíveis à singularização do comportamento contraordenacionalmente relevante; e que essa descrição deve contemplar a caracterização, objetiva e subjetiva, da ação ou omissão de cuja imputação se trate” disponível in www.tribunalconstitucional.pt.. xlii Assim sendo, outra solução não resta senão declarar nula a sentença por introduzir e considerar todos aqueles factos novos relevantes para imputação das infrações, sem prévia comunicação à arguida para deles se defender. xliii A notificação efetuada pela ERS para efeitos de cumprimento do artigo 50.º do Regime Geral das Contraordenações, que consta a fls. 30 a 33 dos autos, corresponde, no essencial e efetivamente, à reprodução daquilo que consta no auto/participação. xliv Ora, a própria sentença recorrida reconhece que o auto/participação não descreve os concretos atos médicos que foram praticados e por quem, nem sequer que os Técnicos da ERS tivessem assistido a atos médicos. xlv Sendo a concretização daqueles atos médicos essenciais à subsunção da conduta da arguida nos tipos de contraordenação imputados, não constando da notificação da participação todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, o processo ficou irremediavelmente afetado de nulidade” – que é precisamente o que se verifica no caso destes autos, como se viu., com violação do direito de defesa da arguida previsto no artigo 50.º do Regime Geral das Contraordenações, em concretização do artigo 32.º, n.º 10, da Constituição – cfr. AUJ (STJ) nº 1/2003, publicado no Diário da República I série nº 21, de 25.01.2003. xlvi tal nulidade foi oportunamente invocada pela arguida. xlvii A sentença recorrida ao negar a sua verificação violou o artigo 50.º do Regime Geral das Contraordenações, em concretização do artigo 32.º, n.º 10, da Constituição – cfr. AUJ (STJ) nº 1/2003, publicado no Diário da República I série nº 21, de 25.01.2003. xlviii A arguida invocou na sua impugnação judicial que foi preterido o seu direito de audição e de defesa, por não ter sido sequer notificada para o efeito ao abrigo do disposto no art.º 50º do RGCO, o que fere de nulidade todo o processado desde o momento em que se verificou essa omissão. xlix Tendo a arguida suscitado em sede de impugnação judicial a falta de notificação nos termos e para os efeitos previsto no art.50º, do RGCO, ao tribunal a quo competia indagar se efetivamente o número de identificação da pessoa que assinou (… 90, de 10.02.23) o aviso de receção é do legal representante ou algum funcionário da arguida recorrente. l Não obstante, numa total subversão do princípio da presunção da inocência (art.32º, nº2, da C.R.P.) que desonera a arguida de qualquer ónus da prova, a sentença concluiu pelo indeferimento da nulidade, por considerar que à arguida competia o ónus da alegação e prova, o que não fez, de que a pessoa que assinou o aviso não é nem o representante legal, nem um empregado da Recorrente. li Tendo a arguida suscitado em sede de impugnação judicial a referida falta de notificação e nulidade, o tribunal não pode sem mais, na ausência de presunção legal, considerar que a notificação foi recebida pelo legal representante da arguida ou qualquer empregado desta. lii Perante tal arguição não bastava ao tribunal a quo aventar que “não existe nenhum razão para duvidar de que a notificação efetuada cumpriu o disposto no artigo 223.º do Código de Processo Civil”, pois crucial era saber se indagou e viu comprovado que a pessoa que recebeu a carta enviada para a arguida, cuja número de identificação civil é conhecido, efetivamente era seu legal representante ou funcionário. liii Assim não entendendo, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 223.º do Código de Processo Civil, art. 50º do RGCO e art. 32º, nº2, da C.R.P., sabido que nenhum ónus de alegação e prova compete à arguida em processo de contraordenação, até porque se podia pedir a colaboração do Tribunal no sentido de serem obtidos aqueles dados, era ao Tribunal que competia fazê-lo depois daquela arguição. Liv Afirmar-se, como o faz a sentença recorrida, que não há fundamento para duvidar de que a notificação tenha sido validamente efetuada, é o mesmo que dizer que também nenhuma razão existe para dar como certo o que verdadeiramente interessa, i. é, ver comprovado que a carta para notificação da arguida foi recebida por quem era legal representante ou empregado da arguida. lv E não se diga que se considera sanada essa nulidade com a impugnação judicial da decisão administrativa, quando a falta de notificação da arguida nos termos e para efeitos do art.50º, do RGCO, prejudicou desde logo o seu direito de audição e defesa na fase administrativa prévia à decisão impugnada. lvi Invocou ainda a Arguida que a decisão impugnada é nula, por violação do artigo 58.º, n.º 1, alínea c), do Regime Geral das Contraordenações, porquanto relativamente à infração n.º 2 (incumprimento da obrigação de possuir licença de funcionamento), imputa à arguida a violação dos n.ºs 1 a 3 e alínea a) e/ou b) do n.º 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22 de agosto, a mesmo imputação que vemos agora efetuada pela sentença recorrida, padecendo do mesmo vicio. lvii O art.º 58º, n.º 1, al.c), do RGCO estabelece, sob pena de nulidade, que a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão. lviii Também assim o art.374º, nº2, do Código Processo Penal, ex vi art.41º, nº1, do RGCO, quanto à sentença que conhece da impugnação judicial da decisão administrativa, sob pena de nulidade – art.379º, nº1, al.a) do Código Processo Penal. lix Ora, a decisão administrativa impugnada e a sentença recorrida, no que diz respeito à citada infração n.º 2 não definem qual das alíneas do n.º 3 é que efetivamente é aplicável ao caso concreto, se a alínea a), se a alínea b) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22 de agosto. lx Na verdade, a decisão da ERS e a sentença recorrida qualificam a arguida ora como clínica ora, como consultório dentário/médico, deixando aquela sem perceber qual a real e efetiva classificação que tem para que a ora recorrente perceba qual o fundamento exato da imputação, ambiguidade que restringe o exercício de defesa da arguida. lxi Ora, a decisão administrativa, assim como a sentença ora recorrida consideram o seguinte: “O referido estabelecimento prestador de cuidados de saúde explorado pela pessoa coletiva Elicê & Rafael, Lda. encontrava-se em funcionamento e a desenvolver, de forma autónoma, serviços de saúde, sem que possuísse a competente licença de funcionamento, que para os referidos serviços enquadraria a tipologia de atividade clínicas/consultórios médicos e/ou clínicas/consultórios dentários, em violação dos n.os 1 a 3 e alínea a) e/ou b) do n.º 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22 de agosto, consubstanciado tal facto, a prática de uma contraordenação prevista e punida nos termos do ponto i) da alínea a) do n.º 1 do artigo 17.º do mesmo diploma”. Lxii Não obstante reconhecer que a formulação adotada pela ERS no parágrafo transcrito é equívoca, a sentença recorrida acabou por cometer a mesma ambiguidade, fazendo a imputação da infração em causa nos precisos termos que não se sabe se cumulativa ou alternativa, o que nos termos da sentença recorrida “afeta a inteligibilidade da decisão”, vicio que se manteve com a mesma. Lxiii Sendo a decisão administrativa e a sentença ininteligíveis só num exercício de pura adivinhação a arguida podia e pode agora discernir sobre a concreta atividade (atividade clínicas/consultórios médicos e/ou clínicas/consultórios dentários) cuja falta de licenciamento lhe é imputada e o enquadramento jurídico correspondente, não podendo considerar-se sanada com a impugnação judicial e menos ainda após a prolação da sentença que padece do mesmo vicio. lxiv A Arguida invocou ainda a ilegalidade da decisão impugnada por falta de fundamento da fixação das coimas, designadamente não foi tida em conta a situação económico-financeira da arguida, violando, assim, a al. f), do n.º 1, do art.º 63º dos Estatutos da ERS, bem como, o art.º 18º do DL 433/82, de 27 de outubro. lxv A falta de fundamentação da determinação das medidas das coimas configura uma nulidade da decisão administrativa, por força do art.58º, do RGCO, e art.374º, nº2, e artigo 375.º, n.º 2, e art.379º, nº1, al.a), do Código Processo Penal, ex vi art.41º, nº1, do Código Processo Penal. lxvi Em sede de apreciação judicial da decisão administrativa proferida em processo contraordenacional, impunha-se ao Tribunal a quo pronunciar-se sobre todos os elementos enunciados nos artigos 374.º e 375.º do CPP, sob pena de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, tal como determinado pelo artigo 379.º., n.º 1, alínea c), do CPP. lxvii Ora, a sentença recorrida, em vez de se pronunciar nesse particular sobre a invocada falta de fundamentação da decisão administrativa, considerou, erradamente – como sobredito, não haver nenhuma razão para duvidar de que a Recorrente recebeu a notificação prevista no art.50º do RGCO, e assim que a ERS não considerou, na decisão impugnada, a situação económico-financeira da Recorrente, conforme determina o artigo 63.º, alínea f), dos Estatutos da ERS e artigo 18.º, n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações, por razões imputáveis à própria Recorrente. lxviii Dito isto, a sentença recorrida baseia a sua argumentação na presunção errada da arguida ter recebido aquela notificação, num claro entorse do princípio da presunção da inocência para onerara a arguida com o ónus de alegação e prova que não tem, à luz do art.32º, nº2 e 10, da C.R.P. lxix Mas, ainda que assim fosse, o que só em tese se admite, a decisão administrativa não estava dispensada de averiguar e concretizar as circunstâncias relativas à situação económico-financeira da arguida para determinação do montante da coima, o que claramente não fez, tudo como se a arguida tivesse o ónus de alegação e prova dos factos correspondentes. lxx Assim não entendendo, a sentença recorrida violou o artigo 63.º, alínea f), dos Estatutos da ERS e artigo 18.º, n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações, art.50º do RGCO e art.32º, nº1 e 10 da C.R.P. lxxi O Tribunal a quo não se pronunciou, porque não analisou, à semelhança da decisão administrativa impugnada, sobre a escolha da sanção contraordenacional aplicável, sendo a sentença, à semelhança da decisão administrativa, nula por falta de fundamentação nesse particular. lxxii Com efeito, o artigo 379.º, n.º 1, alínea a) e c), do Código Processo Penal ex vi o artigo 41.º do RGCO, que enuncia os casos de nulidade da sentença prescreve que é nula a sentença quando o tribunal não dê cumprimento ao disposto no nº2, do art.374º ou deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar . lxxiii Em consequência, ao nada analisar quanto à escolha da sanção e situação económico financeira da arguida na medida da coima aplicada pela autoridade administrativa, o Tribunal a quo omitiu a pronúncia sobre uma questão relativamente à qual tinha a obrigação de se pronunciar, independentemente da alegação da Recorrente, nos termos do artigo 374.º, n.° 2 e 375.º, n.º 1, do CPP. Ao não fazê-lo, a sentença proferida deve ter-se por nula, o que se invoca. lxxiv A arguida veio invocar a violação do princípio ne bis in idem, na variante da litispendência e concurso aparente, em virtude do disposto nos artigos 20.º do Regime Geral das Contraordenações, e artigo 29.º, n.º 5, da Constituição, com as devidas adaptações, por correr termos o Inquérito Crime correspondente ao NUIPC …/…-TALSB em relação aos mesmos factos aqui configurados como contraordenação – cfr. requerimento com a ref.ª … 69 e requerimento com a ref.ª … 86. lxxv Sucede que, em vez de indagar sobre o exato objeto do processo crime invocado para os efeitos considerados, o tribunal a quo especulou sobre o mesmo para concluir que não se verifica qualquer possibilidade de litispendência ou concurso aparente de infrações entre um qualquer crime ao qual se possa reconduzir a factualidade objeto dos autos e as contraordenações imputadas. lxxvi Assim, numa clara insuficiência da matéria de facto para essa decisão, o tribunal a quo incorre no vicio de nulidade previsto no art.410º, nº2, al.a), do Código Processo Penal, ex vi art.41º, nº1, do RGCO. lxxvii Tendo a arguida invocado serem os mesmos os factos objeto daquele processo crime e deste processo de contraordenação e/ou que os mesmos se encontram numa relação de concurso aparente, o tribunal a quo podia e devia ter indagado exaustivamente junto daquele sobre os concretos e completos factos ali investigados. lxxviii Não o tendo feito, mas sendo insuficiente a informação obtida em 17.09.2024 da ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica sobre o objeto do processo crime NUIPC …/…-TALSB para aferir da coincidência dos factos ou da sua relação de concurso aparente, o tribunal a quo não podia deixar de concluir pela procedência da invocada litispendência, sob pena de violação do art.29º, nº5, da C.R.P. e art.20º do RGCO. lxxix A sentença recorrida condenou a arguida, sob a forma de concurso real efetivo, além do mais: pela conceção e/ou difusão de práticas de publicidade em saúde em violação do princípio da fidedignidade da informação publicitada em suporte publicitário exterior, com as expressões como "Clínica Medicina Estética" e "Clinica Medicina Estética Avançada” sem que tivesse profissionais com habilitações para prestar os serviços de saúde disponibilizados, em violação do consagrado no n.° 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 238/2015, constituindo contraordenação punível nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 8.° do mesmo diploma; pela conceção e/ou difusão de práticas de publicidade em saúde em violação do princípio da fidedignidade da informação publicitada em suporte publicitário exterior, devido ao recurso a expressões como “Campanha Botox” sem que tivesse profissionais com as habilitações para prestar tais serviços, em violação do consagrado no n.° 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 238/2015, constituindo contraordenação punível nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 8.° do mesmo diploma; pela conceção e difusão de práticas de publicidade em saúde ilícitas em violação da primeira parte do n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de outubro, No interior do estabelecimento constava a referência a “Dr.ª C …” em placas de sinalética e identificação, porquanto assume a qualidade de prestador de cuidados de saúde, sem efetivamente o ser; lxxx A sentença recorrida deu como provado que a Arguida, em 26.04.2022, divulgava no exterior do estabelecimento por si explorado a designação “Clínica Medicina Estética” e “Medicina Estética Avançada " (realce aditado, alíneas a) e e) e l) dos factos provados) e no interior do estabelecimento tinha publicidade em cartaz da "campanha Botox - a partir de 60 €" (alínea h) dos factos provados). lxxxi E logo adiante, a sentença recorrida concluiu que estas expressões sugerem e prestação de cuidados de saúde prestados por profissionais com as respetivas habilitações, publicidade que viola o princípio da fidedignidade previsto no .° 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 238/2015, constituindo contraordenação punível nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 8.° do mesmo diploma;. lxxxii Para efeitos de preenchimento daquele tipo de contraordenação relativa à conceção e difusão de práticas de publicidade em saúde importa verificar se, à luz dos factos provados, o conteúdo de cada um dos suportes publicitários, um deles com as expressões "Clínica Medicina Estética" e "Clinica Medicina Estética Avançada”, o outro com as expressões “Campanha Botox”, por si só criavam dúvidas sobre as habilitações dos profissionais de saúde. lxxxiii Salvo melhor opinião, além de se tratar de uma só resolução e contraordenação, na mesmo situação temporal, sendo o mesmo o desvalor do ilícito contraordenacional, nos termos do art.30º, nº1, do Código Penal, ex vi art.32º do RGCO, a verdade é que não se compreende como a partir do conteúdo daqueles suportes publicitários, sem qualquer referência aos profissionais de saúde e sua especialidade, especialmente o referente à “campanha de Botox”, se criam – sem mais - dúvidas na clientela sobre as habilitações dos profissionais de saúde que exercem os serviços ali publicitados. lxxxiv Daí a sentença recorrida ter feito errada interpretação e aplicação do n.° 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 238/2015, pois que a conduta provada não é subsumível no tipo de ilícito ali previsto, já que não está provada a subsumível referência a quaisquer habilitações dos profissionais naqueles suportes publicitários, únicos que aqui estão em causa. lxxxv Refere-se na alínea m) dos factos provados que:” No interior do estabelecimento constava a referência a “Dr.ª C …” em placas de sinalética e identificação. “ lxxxvi A partir deste facto, a sentença recorrida concluiu pela conceção e difusão de práticas de publicidade em saúde ilícitas em violação da primeira parte do n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de outubro. Lxxxvii Isto porque, no entender do tribunal a quo, na placa de sinalética e identificação colocada no interior do estabelecimento com a referência a “Dr.ª C …”, se assume a qualidade de prestador de cuidados de saúde, sem efetivamente o ser. Lxxxviii Ora, a referida placa sinalética, colocada no interior do estabelecimento, não só não configura – sem mais - qualquer prática de publicidade de saúde, como não refere que a “Dr.ª C …” ali assuma a qualidade de prestador de cuidados de saúde. lxxxix Daí a sentença recorrida ter feito errada interpretação e aplicação do n.°3 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 238/2015, pois que a conduta provada não é subsumível no tipo de ilícito ali previsto. xc A sentença recorrida deu como provado e condenou a arguida, além do mais, em concurso efetivo: pela conceção e/ou difusão de práticas de publicidade em saúde em violação do princípio da fidedignidade da informação publicitada em suporte publicitário exterior, com as expressões como "Clínica Medicina Estética" e "Clínica Medicina Estética Avançada” sem que tivesse profissionais com habilitações para prestar os serviços de saúde disponibilizados, em violação do consagrado no n.° 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 238/2015, constituindo contraordenação punível nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 8.° do mesmo diploma; e pela conceção e/ou difusão de práticas de publicidade em saúde em violação do princípio da fidedignidade da informação publicitada em suporte publicitário exterior, devido ao recurso a expressões como “Campanha Botox” sem que tivesse profissionais com as habilitações para prestar tais serviços, em violação do consagrado no n.° 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 238/2015, constituindo contraordenação punível nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 8.° do mesmo diploma. pela conceção e difusão de práticas de publicidade em saúde ilícitas em violação da primeira parte do n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de outubro, No interior do estabelecimento constava a referência a “Dr.ª C …” em placas de sinalética e identificação, porquanto assume a qualidade de prestador de cuidados de saúde, sem efetivamente o ser. xci Ora, neste grupo de três contraordenações estamos perante uma unidade contraordenacional. xcii Ainda que a dúvida séria e fundada a esse respeito sempre tivesse de ser resolvida a favor da arguida, em nome do princípio in dubio pro reo, a factualidade dada como provada aglutina numa unidade resolutiva todas aquelas três práticas publicitárias em saúde, numa execução homogénea da sua atuação, situada no mesmo período temporal, todas em violação do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de outubro. xciii A arguida apenas podia ter sido condenada pela prática de uma só contraordenação, prevista no art.4º, nº2 e 3, do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de outubro. xciv Assim, não entendendo, a sentença recorrida violou o art.30º, nº1, do Código Penal , ex vi art.32º, do RGCO. xcv Em consequência deverá haver lugar à reformulação do cúmulo jurídico efetuado, para determinação da coima única agora aplicada, tendo em conta o quantum das coimas concretamente fixadas. xcvi Mantendo-se o juízo de censura proferido pelo Tribunal a quo, em relação a alguma das contraordenações visadas, sempredeveria este, face à factualidade provada, ter procedido a uma atenuação especial da coima, nos termos do artigo 72.º do Código Penal, ex vi art. 32.º do RGCO – cfr. ac AUJ (STJ) n.º 13/2015, de 15 de outubro. xcvii Nos termos do art. 51.º, n.º 1, do RGCO, há lugar à admoestação quando exista uma reduzida gravidade da infracção e a culpa do agente o justifique. xcviii Não resultaram provados benefícios económicos da conduta que imputada, nem a existência de antecedentes contraordenacionais. A gravidade de qualquer contraordenação e a culpa da arguida foram manifestamente reduzidas, pelo que a aplicação de uma coima especialmente atenuada acautela suficientemente as finalidades da punição, quando não se entenda – como se pugna – pela adequação da admoestação a aplicar. xcix Assim não entendendo, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 51.º, n.º 1 do RGCO, bem assim o artigo 72.º do Código Penal, ex vi art. 32.º do RGCO, o que se invoca. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, doutamente suprirão, concedendo provimento ao recurso, deve a sentença recorrida ser revogada, absolvendo-se a Recorrente ou, substituindo-a por outra nos termos aqui pugnados.
A ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE respondeu às alegações de recurso apresentando as seguintes conclusões: A. A sentença do Tribunal a quo não merece qualquer censura, devendo a mesma ser mantida na ordem jurídica nos seus exatos termos. B. Não se verifica qualquer nulidade do auto de notícia, tanto mais que o exercício de funções por parte dos técnicos da ERS não depende de qualquer delegação de competências. C. Percorrendo a douta sentença na parte ora em análise, não se descortina i) qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, ii) nem qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, iii) nem, por fim, qualquer erro notório na apreciação da prova. D. O tribunal não está vinculado pela factualidade apurada na decisão administrativa, conhecendo o objeto do processo “com ampla discussão e julgamento da matéria de facto e de direito e de decisão final”; E. Não pode a Recorrente em sede de recurso da sentença pretender a declaração de nulidade da decisão administrativa, pois já não é a decisão administrativa que está em sindicância, mas apenas e só a sentença recorrida. F. Conforme já se salientou atrás com referência ao Acórdão n.º no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2019, de 23 de maio, “a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima não constitui um verdadeiro recurso, mas um reexame do objeto processual com plenos poderes em matéria de facto e de direito, com possibilidade de produção de prova”. G. cabia à Recorrente demonstrar que a pessoa que assinou o AR não era nem funcionária da Recorrente, nem a Representante legal, nem qualquer outra pessoa a seu cargo, o que não fez, nem na sua impugnação, nem em audiência de julgamento. H. conforme a sentença esclarece, a conduta da Recorrente preenche tanto uma alínea como a outra e, consequentemente, integra-se nas duas. I. Isto porque o tipo de atos praticados no estabelecimento em causa seriam possíveis caso a Recorrente estivesse munida de licença para clínicas/consultórios médicos (al. b)), ou se estivesse munida de licença para clínicas/consultórios dentários (al a)). J. Daí a hipótese alternativa quanto à violação das normas aplicáveis. K. o pressuposto de que parte a Recorrente, para o efeito de aplicação do disposto no artigo 20º do RGCO, nem sequer se encontra demonstrado, pelo que nunca se poderão dar por preenchidos os requisitos previstos na al. d) do n.º 1 do artigo 449º do CPP. L. Percorrida prova carreada para os autos e aquela que sentença recorrida deu como provada resulta evidente que a Recorrente praticava atos no estabelecimento em causa subsumíveis ao conceito de atos médicos. M. E fazia-o sem que tivesse, por si ou por intermédio de qualquer outro profissional, habilitações técnicas e profissionais para o fazer. N. Concretamente no que se refere à infração em causa, a Recorrente publicitava a prática de tais atos através de expressões como “Clínica Medicina Estética” e “Medicina Estética Avançada " (realce aditado, alíneas a) e e) e l) dos factos provados) e no interior do estabelecimento tinha publicidade em cartaz da "campanha Botox - a partir de 60 €" (alínea h) dos factos provados) O. Não podem restar dúvidas que a Recorrente se assumia como um estabelecimento prestador de cuidados de saúde, na medida em que praticava atos de saúde no seu estabelecimento e publicitava os mesmos. P. E também não restam dúvidas que a Recorrente não cumpria com os requisitos da atividade, porquanto, entre o mais, não se encontre devidamente registado na Entidade Reguladora da Saúde e não seja detentor da respetiva licença de funcionamento. Q. o critério para a aferição de um concurso efetivo não é a unidade naturalística da ação, mas, tratando-se do mesmo ilícito, o “número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”, conforme estipula artigo 30.º, n.º 1, do CP, ex vi artigo 32.º, do RGCO. R. No caso, a infração pressupõe um ato de conceção e/ou difusão de publicidade, pelo que cada ato preenche os elementos do tipo. S. Conforme alerta a sentença, a “Arguida violou duas vezes a norma referida. Uma ao divulgar as mensagens “Clínica Medicina Estética” e “Medicina Estética Avançada ",que são de âmbito geral e dizem respeito a todos os serviços de saúde prestados, sem especial realce a nenhum tratamento em especial. E a outra ao publicitar uma campanha de botox, na medida em que incide sobre um tratamento específico e sobre condições de prestação desse serviço promocionais. Por conseguinte, há dois sentidos autónomos de ilicitude nos termos e para os efeitos do artigo 30.º n.º 1, do Código Penal, ex vi artigo 32.º do Regime Geral das Contraordenações.”. T. Dispõe o n.º 1 do artigo 51.º do RGCO que “quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”. U. Cumpre começar por salientar que a gravidade das contraordenações em causa não é baixa, mas antes muito grave, já que a obrigação de registo e licenciamento tem como propósito assegurar níveis mínimos de qualidade e segurança na prestação de cuidados de saúde. V. Por outro lado, a obrigação de cumprir os requisitos de publicidade em saúde visa garantir o direito dos utentes a uma informação fidedigna e legítima quanto aos cuidados de saúde que pretendem obter. W. A atividade desenvolvida pela Recorrente – prestação de cuidados de saúde – insere-se num setor particularmente sensível e delicado que, pela sua natureza e cariz intrínsecos, exige especial atenção e uma responsabilização acrescida por parte dos agentes económicos (entidades prestadoras de cuidados de saúde) que aí atuam, sendo-lhes exigível o cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, mormente as que regulam o exercício da respetiva atividade. X. Acresce que, da própria moldura sancionatória que o legislador fixou para cada contraordenação, a gravidade da infração não se mostra baixa, atento o substancialmente elevado patamar mínimo e máximo das molduras contra ordenacionais em causa, especialmente o máximo. Y. Tem sido entendimento generalizado quer na jurisprudência, quer na doutrina, que a admoestação apenas se pode aplicar a contraordenações ligeiras, sendo certo que a gravidade da infração também é determinada pela gravidade da ilicitude pressuposta pelo legislador. Termos em que, com o sempre mui Douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida nos seus exatos termos.
Também o Ministério Público respondeu ao recurso lançando, a final, a seguinte afirmação conclusiva: Destarte, e EM CONCLUSÃO, verifica-se que falha qualquer razão à recorrente nas questões por si levantadas, uma vez que a douta sentença soube de forma expressa, clara e fundamentada desmistificar os apontados vícios invocados pela recorrente; não padecendo, por outro lado, de qualquer vício ou erro de julgamento quer na fundamentação da matéria de facto, quer na fundamentação de direito. Face ao exposto, deve o recurso a que por ora se responde ser julgado improcedente, por não provado, e a douta sentença recorrida ser mantida na sua íntegra.
Foi colhido o visto do Ministério Público junto deste Tribunal que não deu qualquer contributo para a análise das questões que se impõe avaliar mas sustentou a improcedência do recurso.
Lançados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. o n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal aplicável ex vi do disposto no n.º 1 do art. 41.º do RGCO) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – são as seguintes as questões a avaliar: 1. A sentença recorrida violou o art. 48.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.A. e o princípio da presunção de inocência e do direito à defesa previsto no art. 32.º, n.º2 e 10, da C.R.P., devendo ser revogada? 2. A sentença recorrida, porque condenou por factos diversos dos descritos na decisão administrativa impugnada fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º, ex vi do art. 41.º, n.º 1, do RGCO, é nula? 3. Os factos dados como provados no texto da sentença recorrida são insuficientes para a decisão, pelo que a sentença é nula, nos termos do disposto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do Código Processo Penal, ex vi art. 41.º, n.º 1, do RGCO sendo ainda, por essa via, violado o disposto nos n.ºs 1 e 10 do art. 32.º da C.R.P? 4. A sentença recorrida, ao negar o facto de o auto/participação não descrever os concretos atos médicos que foram praticados e por quem, nem sequer que os Técnicos da ERS tivessem assistido a atos médicos, violou o disposto no artigo 50.º do Regime Geral das Contraordenações, em concretização do artigo 32.º, n.º 10, da Constituição? 5. Tendo a arguida suscitado, em sede de impugnação judicial, a falta de notificação nos termos e para os efeitos previsto no art. 50.º, do RGCO e tendo o Tribunal, na ausência de presunção legal, considerado que a notificação foi recebida pelo legal representante da arguida ou qualquer empregado desta violou a mesma o disposto no artigo 223.º do Código de Processo Civil, art. 50.º do RGCO e art. 32.º, n.º 2, da C.R.P.? 6. Porque a sentença recorrida, no que diz respeito à infração n.º 2, não define as normas aplicáveis, padece a mesma de vício? 7. A sentença recorrida violou o disposto no art. 63.º, alínea f), dos Estatutos da ERS, os art.s 18.º, n.º 1 e 50.º do RGCO, os artigos 374.º e 375.º do C.P.P. e o art.32.º, n.º 1 e 10 da C.R.P., por não ter declarado ser a decisão administrativa impugnada nula por falta de fundamento da fixação das coimas e não se ter pronunciado sobre todos os elementos legalmente que deveria ponderar na escolha da sanção aplicável? 8. Concretiza-se, na sentença impugnada, violação do princípio do «ne bis in idem» ou indevida não consideração da existência de litispendência, nos termos invocados no recurso? 9. A sentença fez errada interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 238/2015, pois que a conduta provada não é subsumível ao tipo de ilícito ali previsto? 10. A Arguida apenas podia ter sido condenada pela prática de uma só contraordenação, prevista no art. 4.º, n.ºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de outubro, pelo que foi violado o disposto no art. 30.º, n.º 1, do Código Penal, aplicável ex vi do art. 32.º do RGCO? 11. Mantendo-se o juízo de censura proferido pelo Tribunal a quo em relação a alguma das contraordenações visadas, sempre deveria este, face à factualidade provada, ter procedido a uma atenuação especial da coima e a mera admoestação, nos termos do disposto no artigo 72.º do Código Penal, aplicável ex vi art. 32.º do RGCO?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Vem provado que: a. No dia 26 de abril de 2022 estava em funcionamento o estabelecimento sito na Rua de Pedrouços, 64-A 1400-270 Lisboa, cuja exploração é responsável a Arguida. b. Na data indicada eram prestados nesses estabelecimento, entre o mais, os seguintes serviços: preenchimento de ácido hialurónico; aplicação do botox; laser podológico; e podologia. c. O serviço de "Podologia" e "Laser Podólogo" representam cuidados de saúde, que se distinguem de outros serviços de beleza, nomeadamente, serviços de pedicure, também prestados naquele estabelecimento. d. No referido estabelecimento existiam, pelo menos, produtos utilizados para a prestação dos serviços de preenchimento de ácido hialurónico e aplicação do botox. e . Na montra do exterior do estabelecimento constava a designação comercial de "C … Clínica Medicina Estética Avançada & Cabelo". f. Na porta do estabelecimento encontrava-se um documento designado por "Mapa de horário de funcionamento” com a identificação de "Saúde e beleza". g. Na tabela de preços disponibilizada no interior do estabelecimento constava a divulgação dos serviços da "Clínica C …”, com as referências a " 1 ampola de ácido hialurónico” e "1 ampola de botox", com indicação de 250 € e de € 280,00 €, respetivamente. h. Mais existia no referido estabelecimento publicidade em cartaz da "campanha Botox - a partir de 60 €". i. Mais existia no referido estabelecimento uma tabela de preços denominada "estética", com apresentação do serviço de "podologia" no valor de 50 € e de "laser podológico" no valor de 25 €/35 €. j. Mais existia no interior do estabelecimento uma agenda de marcações na qual constavam marcações de podologia para o dia 01/02/2022 e registos do serviço prestados aos utentes, evidenciando, título exemplificativo, o serviço de aplicação de Botox (isto é, a abreviatura para tratamentos com toxina do botulínica) para os dia 7/12/2021 e 29/03/2022. k. Existiam ainda no referido estabelecimento faturas/recibos dos serviços prestados naquele estabelecimento, evidenciando-se, a título exemplificativo: i) a fatura n.° FT …/… emitida a 20/01/2022, relativa ao serviço "Botox", no valor de 280,00€, em consonância com a informação da tabela de preços; ii) a fatura n.° FT …/… emitida a 24/02/2022 relativa aos serviços de "Podologia" e "Laser Podólogo", no valor de 50,00€ e 25,00€, respetivamente, em consonância com a informação apresentada pela tabela de preços. l. Na montra exterior do estabelecimento constavam expressões como "Clínica Medicina Estética” e "Clínica Estética Avançada”. m. No interior do estabelecimento constava a referência a “Dr.ª C …” em placas de sinalética e identificação. n. Na data indicada na alínea a), a Arguida não se encontrava registada no SRER da ERS, nem dispunha de licenciamento do referido estabelecimento para a tipologia de clínicas/consultórios médicos e clínicas/consultórios dentários. o. A Arguida não possuía à data profissionais com habilitações para a prestação dos serviços referidos na alínea b). p. À data da prolação da decisão impugnada, em 27 de abril de 2023, a Arguida ainda não havia procedido ao registo no SRER na ERS, nem solicitado o licenciamento do referido estabelecimento. q. A Arguida representou e quis não proceder ao registo no SRER e à obtenção de licença de funcionamento do estabelecimento em causa e bem assim à conceção e difusão das mensagens descritas nas alíneas e), h) e l) sem ter profissionais com as habilitações necessárias e à conceção e divulgação das mensagens descritas nas alíneas e), f), g), i) e m) sem estar registada no SRER da ERS e sem ter licença de funcionamento do estabelecimento, tendo agido de forma livre e consciente, sabendo que a sua conduta é punida. r. Não são conhecidos antecedentes contraordenacionais da Arguida no que respeita à atividade sancionatória da ERS. s. No ano de 2021 a Arguida declarou, para efeitos fiscais, um volume de negócios no montante de € 5.622,78, um resultado líquido negativo no valor de 30.540,25 e um capital próprio no valor de € 5687,68. t. A Arguida não revela sentido crítico da sua conduta ou arrependimento.
Fundamentação de Direito 1. A sentença recorrida violou o art. 48.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.A. e o princípio da presunção de inocência e do direito à defesa previsto no art. 32.º, n.º 2 e 10, da C.R.P., devendo ser revogada?
Esta questão refere-se à alegada nulidade do auto de notícia com fundamento em «ausência de indicação do tipo de habilitação que legitima a intervenção, por delegação de poderes ou suplência» e ao facto de a sentença recorrida não ter reconhecido tal nulidade.
Na análise desta questão, deve-se começar por consignar que, quanto à mesma e a todas as que aqui questionam o auto de notícia, não cumpre a este Tribunal Superior reavaliar tal auto.
O que está em causa neste e em todos os recursos deste jaez é a decisão judicial posta em crise e não qualquer outra decisão. Aliás, a sentença de primeira instância conhece sempre, em situações como a apreciada, com plena jurisdição e convocando todos os poderes de avaliação, da plenitude do objecto relevante para a ponderação dos elementos objectivos e subjectivos do ilícito – veja-se, neste sentido, o definido no Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2019 que consignou: Em sede de 1.ª instância, o Tribunal conhece de toda questão em discussão - "o objecto da sua apreciação não é a decisão administrativa, mas a questão sobre a qual incidiu a decisão administrativa" (...). O âmbito de cognição deste tribunal é bastante amplo: não se limita a um controlo da legalidade do ato, mas procede a uma apreciação de todo o ato administrativo, uma "apreciação da veracidade e exactidão dos factos (e da sua qualificação)", e também uma apreciação da medida da coima aplicada, considerando-se que o Tribunal tem "poderes de jurisdição plena" (...). Isto é, "são admissíveis, na fase judicial do processo contraordenacional, todos os tipos de pronúncia que incidem sobre o mérito da causa, designadamente a manutenção da decisão administrativa, a sua revogação in totum, por via da absolvição, e a sua modificação, quer da qualificação jurídica quer da sanção" (...). Não se trata, pois, de um mero controlo da legalidade, mas de um pleno poder de conhecimento do mérito da questão, de uma plena jurisdição à semelhança do que ocorre atualmente nos tribunais administrativos (...).
Segundo a Recorrente, como se vê da formulação da questão acima lançada, teria ocorrido violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do Artigo 48.º do Código do Procedimento Administrativo que estatui, sob a epígrafe «Menção da qualidade de delegado ou subdelegado»: 1 - O órgão delegado ou subdelegado deve mencionar essa qualidade no uso da delegação ou subdelegação. 2 - A falta de menção da delegação ou subdelegação no ato praticado ao seu abrigo, ou a menção incorreta da sua existência e do seu conteúdo, não afeta a validade do ato, mas os interessados não podem ser prejudicados no exercício dos seus direitos pelo desconhecimento da existência da delegação ou subdelegação.
Relativamente a esta vertente de alegação, o que há a dizer é que, salvo o muito devido e sempre garantido respeito, nenhum sentido tem a invocação desta norma já que a mesma não tem qualquer relação com o que o Tribunal apreciou no âmbito do tratamento da problemática da nulidade invocada. Com efeito, o que lhe cumpria avaliar antes se integra num quadro de exercício de poderes funcionais específicos emergente de mandato genérico de enunciação normativa, conforme definido em norma focada, a saber, o art. 21.º do Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de Agosto que aprovou os Estatutos da Entidade Reguladora da Saúde (diploma doravante também designado por EERS). Neste âmbito, estatui-se no n.º 2 desse artigo que: 2 - Os trabalhadores mandatados pela ERS para efetuar uma fiscalização, inspeção ou auditoria são equiparados a agentes da autoridade, podendo: a) Aceder a todas as instalações, terrenos e meios de transporte das empresas e outras entidades destinatárias da atividade da ERS e a quem colabore com aquelas; b) Inspecionar os livros e outros registos relativos às empresas e outras entidades destinatárias da atividade da ERS e a quem colabore com aquelas, independentemente do seu suporte, com exceção do acesso aos registos clínicos individuais dos utentes;c) Obter, por qualquer forma, cópias ou extratos dos documentos controlados; d) Solicitar a qualquer representante legal, trabalhador ou colaborador da empresa ou de outras entidades destinatárias da atividade da ERS e a quem colabore com aquelas, esclarecimentos sobre factos ou documentos relacionados com o objeto e a finalidade da fiscalização, inspeção ou auditoria e registar as suas respostas; e) Identificar, para posterior atuação, as entidades e pessoas que infrinjam as leis e regulamentos sujeitos à fiscalização da ERS; f) Reclamar o auxílio de autoridades policiais e administrativas quando o julguem necessário para o cabal desempenho das suas funções.
A impugnação judicial assentou em alegações tendo como objecto o texto intitulado «auto de notícia», constante do processo administrativo, elaborado por técnicos da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) – mais propriamente elaborado por «Técnica Superior de Regulação Especialista» e referenciando percepções suas e de um seu colega investido em idênticas funções, «ao serviço da Entidade Reguladora da Saúde».
Não sofre o apontado texto, à luz do enunciado, de vícios relativos aos poderes dos intervenientes para narrar as suas percepções relativas às práticas ilícitas. É aquele preceito a devida e necessária referência normativa legitimadora da intervenção.
O documento posto em crise é subsumível à noção de participação enunciada no n.º 1 do art. 54.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo (RGCO), não lhe faltando, à luz dessa norma, qualquer requisito formal (aliás não exigido) nem emergindo dos autos a violação do disposto nos artigos 243.º, n.º 1, e 246.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO (funcionando como referente normativo descompressor a referência «na medida possível» lançada no apontado n.º 3). Podia, pois, o mesmo, gerar o despoletamento oficioso do processo de contra-ordenação nos termos do estabelecido no n.º 2 do apontado artigo.
Não se entende sequer como a descrição dos resultados de uma actividade fiscalizadora e a extração dessa descrição da necessidade oficiosa de instauração de procedimento administrativo poderia afectar o direito de defesa da Recorrente face à validade jurídica do conteúdo e efeitos jurídicos do documento veiculador de conhecimento oficial de infracção, ao conhecimento pela Recorrente do seu conteúdo e à possibilidade de se pronunciar relativamente ao mesmo, que os autos patenteiam ter sido aproveitada.
Haveria ilegalidade, isso sim, se os referidos agentes ocultassem e encobrissem as graves condutas da Arguida, apreciadas nos autos.
É a descrita a base legal da atuação dos funcionários da ERS (entidade à qual se restringe o exercício de competências), não sendo necessária qualquer outra, designadamente delegação de poderes ou duplas assinaturas. Nem se entende, aliás, por que razão porfiaria a Recorrente pela existência de delegação de nível interno quando existe uma norma legal, de grau e relevo superior e por si necessariamente pré-conhecida face à prévia publicação em Diário da República, legitimadora e de conteúdo expresso legitimadora, a menos que a sua intenção fosse entorpecer o processo e obviar à sua condenação a todo o custo.
Aliás, se dúvidas houvesse sobre o preenchimento das estatuições do referido artigo 21.º (e não há, nem foi validamente questionada a qualidade de funcionários da ERS das pessoas indicadas), sempre as mesmas seriam dissipadas e ultrapassadas pela aceitação da proposta dos técnicos intervenientes pelo Conselho de Administração da ERS em 19.01.2023 – proposta PT/2731/2022/DRL e decisão final a fls. 87 – conforme bem referido no ponto 24 da sentença criticada.
Tendo o documento pelo qual se deu notícia da infracção sido lavrado por quem tinha, insofismavelmente, competência para o lavrar, conforme confirmado pela própria autoridade administrativa nos termos sobreditos, tendo a Arguida tido conhecimento do que lhe era imputado e podido defender-se no processo de mera ordenação social (que se pretende de baixa densidade técnica e em que alegações da extensão das apresentadas não são minimamente compatíveis com a «dignidade» técnica deste tipo de processado, que se quer simples e sujeito a menores exigências, até de índole constitucional) não têm qualquer razão de procedência as alegações que geraram a pergunta apreciada e que dispensam, pela sua grande fragilidade jurídica, mais detalhadas considerações.
O direito de defesa nas contra-ordenações enunciado no artigo 50.º do RGCO e no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) nunca poderia ser considerado violado já que a notificação da ERS descreveu os factos relevantes para o conhecimento das imputações, permitindo à Recorrente compreender e contestar tais factos como se vê claramente da sua impugnação judicial dirigida ao Tribunal de Primeira Instância, particularmente do seu respectivo artigo 46.º.
Não há discricionariedade arbitrária quando, como ocorre nos autos, a decisão condenatória deve ser fundamentada com base em provas (nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º 1, do RGCO), não se limitando ao auto/participação/denúncia.
Improcede, pois, de forma muito flagrante, a primeira questão ora apreciada. 2. A sentença recorrida, porque condenou por factos diversos dos descritos na decisão administrativa impugnada fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º, ex vi do art. 41.º, n.º 1, do RGCO, é nula?
Tem pleno acerto, à luz do Direito constituído e do referido no aresto jurisprudencial acima invocado, o dito de forma muito focada e ajustada pelo Ministério Público e secundado pela ERS.
A solução que se impõe assenta na seguinte linha argumentativa que é a que espelha o regime normativo em vigor, a boa técnica e a jurisprudência vigente, incluindo o aresto unificador invocado: A. Era plena a Jurisdição exercida pelo Tribunal de Primeira Instância, face ao disposto no Artigo 67.º, n.º 3, dos Estatutos da ERS que estatui «3 - O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão conhece com plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada pela ERS uma coima ou uma sanção acessória, podendo reduzir ou aumentar a coima ou alterar a sanção acessória»:
O Tribunal que julga o recurso de impugnação judicial está investido em poderes de cognição não estritamente limitados à factualidade descrita na fase administrativa, ainda que sempre com o limite da possibilidade de exercício do direito de defesa.
O Órgão Jurisdicional pode reavaliar integralmente os factos e o acervo probatório, incluindo a prova produzida na fase de instrução administrativa e na audiência de julgamento. B. A reavaliação Integral da Decisão Administrativa:
O Tribunal analisa a decisão administrativa à luz do recurso interposto, ponderando toda a prova disponível (documental, testemunhal, etc.).
Na realização dessa actividade, aquele não está vinculado à narração fáctica inicial apresentada pela entidade reguladora, podendo densificar ou reinterpretar os factos com base nas novas provas.
C. A independência do Tribunal em Relação à Fase Prévia:
A solução proposta pela Recorrente é incompatível com a dinâmica processual e o Direito vigente pois ignora que o Tribunal pode (e deve) reexaminar os factos de forma autónoma [e em termos que contam sempre com a participação e concurso do(a) Arguido(a)].
A existência de audiência de discussão e julgamento (com inquirição de testemunhas) reforça a necessidade de o tribunal formar sua convicção independentemente da versão inicial dos autos. D. A factualidade como recorte da realidade:
Os factos analisados pelo Tribunal correspondem a um recorte objetivo da realidade, devendo ser avaliados de forma naturalística, sem vinculação a interpretações prévias.
O Tribunal recorrido tem liberdade para reinterpretar os factos à luz da totalidade da prova e do contraditório realizado. E. Rejeição da Alegação da Recorrente:
A pretensão da Arguida (de limitar estritamente o tribunal à factualidade inicial) é improcedente pois desconsidera a natureza plena da jurisdição e a obrigação de reavaliação integral, sendo que não se verifica o surgimento de realidade não enquadrável na matéria averiguada em função da acusação consubstanciada na remessa dos autos a juízo. No espaço fáctico objecto dos autos, a decisão judicial pode divergir da administrativa, desde que fundamentada em prova válida e no contraditório.
Pelo exposto, respondemos negativamente à questão proposta.
3. Os factos dados como provados no texto da sentença recorrida são insuficientes para a decisão, pelo que a sentença é nula, nos termos do disposto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do Código Processo Penal, ex vi art. 41.º, n.º 1, do RGCO sendo ainda, por essa via, violado o disposto nos n.ºs 1 e 10 do art. 32.º da C.R.P?
Quanto ao elemento objectivo do tipo do ilícito, os factos provados inculcam noção muito segura da actividade desenvolvida e dos termos desse exercício (cf. factos «a» a «n» da fundamentação de facto da sentença), caracterizam, com clareza, a ausência de registo na ERS bem como de licenciamento (factos «n» a «q») e, relativamente ao elemento subjectivo, apontam, de forma muito nítida, a actuação com dolo directo e em termos muito censuráveis (cf. a al. «q» da factualidade dada como demonstrada).
Conforme se sumariou no sufragável acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa n.º 664/21.1Y4LSB.L1-5, de 26.04.2022, invocado pelo Ministério Público na sua resposta às alegações, e conforme vem sendo persistentemente afirmado, sem desvios, por esta Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão: Contrariamente ao Código Penal que exige no art.11 um facto individual de conexão entre quem age e a pessoa coletiva (em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança, ou por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem), o art. 7, do Regime Jurídico das contraordenações não faz referência a tal conexão, sendo as pessoas coletivas e as pessoas singulares colocadas em posição de igualdade: ambas são indiferenciadamente destinatárias das normas que tipificam contraordenações e das coimas nelas cominadas. (...) Considerando a complexidade que pode ter uma organização empresarial, em certos casos pode tornar-se ineficaz a procura de identificação do agente concreto, uma vez que um ato poderá passar por mais de um órgão, não sendo por vezes fácil determinar a pessoa concreta que agiu, exigindo-se, apenas, a certeza que a infração foi cometida no seio da instituição (pessoa coletiva). – No regime contraordenacional é admissível a imputação de um facto à pessoa coletiva sem que seja necessária a ocorrência de uma transferência da culpa e da ação dos agentes individuais para a pessoa jurídica pois esta, ao nível das contraordenações, possui culpa própria.
Assim sendo, torna-se manifesto estar completa a prova necessária para revelar a grave conduta contra-ordenacional da Arguida e impor-se a condenação.
Responde-se, pois, negativamente à questão suscitada que, pela sua manifesta inadequação fáctiva e técnica, dispensa mais dilatadas considerações.
4. A sentença recorrida, ao negar o facto de o auto/participação não descrever os concretos atos médicos que foram praticados e por quem, nem sequer que os Técnicos da ERS tivessem assistido a atos médicos, violou o disposto no artigo 50.º do Regime Geral das Contraordenações, em concretização do artigo 32.º, n.º 10, da Constituição?
Quanto à referência a quem praticou os actos, remete-se a Arguida para o dito no quadro da resposta à questão anterior.
Relativamente aos concretos actos médicos, temos nos factos provados uma maciça descrição dos praticados, assumidos na primeira pessoa, ou seja, por quem os anunciava visando atrair clientes para a sua ilícita prestação de serviços.
Representaria uma tentativa de agressão à inteligência do Tribunal e agravo à qualidade do sistema de administração de Justiça pretender convencer Órgãos Jurisdicionais de que tudo o que consta dos factos provados (que até revela preços em tabela e um sistema de marcações de actos médicos) afinal não referiria quaisquer desses actos não tendo, todo ao aparato montado, qualquer relação com a sua prática (seria, eventualmente, uma actividade lúdica e diletante, a de aparentar que existia um negócio de prestação de actos médicos sem realmente os prestar); só que tão não foi nem alegado nem demonstrado).
Aliás, provou-se no âmbito da al. «a» dos factos cristalizados, de forma insofismável, que o estabelecimento estava em funcionamento e exploração sob a responsabilidade da Arguida. E essa exploração e funcionamento tinham que objecto? Servir cafés, vender mercearias, prestar serviços de consultoria ou quaisquer outros? A resposta a esta última questão é flagrantemente negativa. E, quanto à primeira, o resultado é que o objecto era a prestação dos actos abundantemente descritos entre os factos assentes cujos preços até conhecemos parcialmente e cujas datas de prestação agendadas também ficámos a conhecer mediante análise da fixação fáctica.
Não se entende sequer a referência à assistência pelos técnicos da ERS a actos médicos prestados pela Arguida, sendo surpreendente imaginar que uma entidade que prestava os actos da área da medicina apurados pudesse sequer conceber a prática de tais actos de porta aberta, de forma pública, e não em regime de privacidade e em espaço fechado.
Nem se demonstrou que a Arguida tivesse aberto os seus espaços de prestação de serviços ao serviço de inspecção para demonstrar que aí, e.g., vendia cafés, as ditas mercearias ou prestava serviços, para assim contrariar todas as evidências emergentes dos demais factos patenteados.
Quanto ao documento de participação da infracção e seu conteúdo e validade, disse-se já o necessário supra, sendo que o mesmo foi claramente suficiente para fazer activar o mecanismo descrito no n.º 2 do art. 54.º do RGCO e motivar a instrução que conduziu à prolação da decisão administrativa, fazendo a introdução liminar da factualidade que haveria que avaliar em sede do exercício dos poderes de jurisdição plena pelo Tribunal «a quo».
É, pois, negativa a resposta que se impõe dar e ora dá à questão apreciada.
5. Tendo a arguida suscitado, em sede de impugnação judicial, a falta de notificação nos termos e para os efeitos previsto no art. 50.º do RGCO e tendo o Tribunal, na ausência de presunção legal, considerado que a notificação foi recebida pelo legal representante da arguida ou qualquer empregado desta violou a mesma o disposto no artigo 223.º do Código de Processo Civil, art. 50.º do RGCO e art. 32.º, n.º 2, da C.R.P.?
Segundo a Arguida, a Recorrente teria violado o disposto no art. 223.º do Código de Processo Civil (CPC), que tem o seguinte conteúdo: Artigo 223.º Citação ou notificação de incapazes e pessoas coletivas 1 - Os incapazes, os incertos, as pessoas coletivas, as sociedades, os patrimónios autónomos e o condomínio são citados ou notificados na pessoa dos seus legais representantes, sem prejuízo do disposto no artigo 19.º. 2 - Quando a representação pertença a mais de uma pessoa, ainda que cumulativamente, basta que seja citada ou notificada uma delas, sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 16.º. 3 - As pessoas coletivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.
Pelos contornos do ocorrido no processo, certamente que a Arguida quis centrar a sua afirmação no disposto no n.º 3 acima transcrito.
A reapreciação que pode ser realizada em sede de ponderação da impugnação nesta instância final é, exclusivamente, a incidente sobre a validade do afirmado e decidido na sentença e não sobre qualquer auto ou acto praticado já que é a decisão judicial final proferida o objecto do recurso – cf. o estabelecido no art. 73.º do RGCO.
Quer isto dizer que o controlo a fazer, nesta sede, é o incidente sobre o afirmado em sede de fundamentação e decisão na dita sentença.
Neste âmbito, importa patentear que a citação ou notificação de pessoas coletivas, quando não seja realizada na pessoa dos seus representantes legais, se concretiza, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 223.º do CPC, quando a comunicação seja recebida por qualquer empregado na sede ou local habitual de administração.
No caso em apreço, a comunicação de notificação foi enviada para o endereço constante da procuração da Recorrente, presumindo-se válida salvo prova em contrário a produzir pela citanda/notificanda (prova essa que não foi feita nos autos).
A Recorrente invocou irregularidade na identificação do signatário do aviso de recepção, mas não teve o cuidado de procurar alegar e comprovar que o subscritor não era seu empregado ou representante legal apesar de encontrar no referido endereço.
A ERS sanou a omissão do aviso de receção enviando cópia dele à Recorrente, sendo que esta optou por não indicar quaisquer factos relativos a uma eventual subscrição por terceiro, designadamente cliente, transeunte, pessoa com doença mental ou perturbação comportamental ou influenciada por outro factor comportamental ou motivação que a levasse a fazer-se passar, ocasionalmente ou de forma persistente, por seu empregado, ou até, como seu representante legal.
O que parece ressaltar das alegações, neste âmbito, é que a Recorrente exige muita iniciativa, acção e e intervenção de todos, até do Tribunal, mas nada de si própria.
Porém, infelizmente para os seus particulares interesses, ao contentar-se com o lançamento de dúvidas difusas e com as arguições de nulidade que se apreciam, essa sua postura revela-se processualmente muito frágil para servir tais interesses.
A Recorrente não solicitou ao Tribunal a identificação do signatário, embora pudesse fazê-lo.
Qualquer ilegibilidade de assinatura ou rubrica não vicia ou invalida a notificação porquanto a referida norma não exige assinatura legível, apenas comprovação de recepção.
Não há normas não cumpridas no âmbito da notificação realizada.
Quanto a pretensa omissão de prova na decisão administrativa, cumpre referir que não consta do n.º 1 do art. 58.º do RGCO, que define o conteúdo da decisão condenatória, qualquer menção à necessidade de incluir meios de prova da notificação, sendo a norma a cumprir apenas a indicada supra, que não se mostra violada, tendo a notificação cumprido os requisitos legais.
É também verdade que, mesmo que houvesse nulidade, não se inserindo o pretenso vício entre os apontadas no art. 119.º do Código de Processo Penal aplicável ex vi do disposto no n.º 1 do art. 41.º do RGCO, a mesma estaria sanada por a Arguida ter exercido ampla defesa de mérito sem preterição de actos e perda de oportunidades de defesa.
As alegações da Recorrente carecem de suporte fático e jurídico.
A notificação é válida e eventuais vícios sempre teriam sido sanados pelo exercício do contraditório e pela defesa de mérito.
Este quadro técnico sufragável e acertado, adequadamente ponderado pelo Tribunal «a quo», revela a correcção do decidido e a sua consequente intangibilidade.
É negativa a resposta que se dá à questão apreciada.
6. Porque a sentença recorrida, no que diz respeito à infração n.º 2, não define as normas aplicáveis, padece a mesma de vício?
Não corresponde à realidade a estrutura de sustentação desta vertente de alegação.
Neste âmbito, assiste inteira razão ao Ministério Público na sua pronúncia quanto a esta matéria.
Com efeito, a sentença impugnada analisou detalhadamente a conduta da recorrente, concluindo que esta se enquadrava em todas as alíneas da infração n.º 2.
Contrariamente à alegação da Recorrente, o tribunal tornou bem patente que cada alínea da infração foi ponderada individualmente, com base nos normativos aplicáveis, confirmando que a conduta da recorrente violava as diversas previsões legais.
O núcleo da infração residia na ausência de licenças específicas para operar clínicas médicas e clínicas dentárias, comprovada pela dupla publicidade da recorrente que mencionava ambas as atividades. A legalidade exigia a posse de ambas as licenças.
Mesmo que houvesse irregularidade na notificação anterior, incidente sobre a matéria, a mesma teria sido sanada porque a recorrente não se limitou a alegar nulidade, mas apresentou defesa de mérito, contestando os factos subjacentes à infração.
Quanto à decisão judicial criticada, a mesma não contém erros a este nível pois baseou-se em análise jurídica lógica, sem aparentes vícios técnicos, alinhada com a legislação aplicável, atendeu ao facto de a Arguida ter exercido plena defesa de mérito e, ao fazê-lo, ter validado o processo, não demonstrando falhas na subsunção jurídica dos factos.
O Tribunal «a quo», ao fazer menção bem clara e explícita à «violação dos n.ºs 1 a 3 e alínea a) e/ou b) do n.º 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22 de agosto, em conjugação com o disposto na Portaria n.º 182/2014, de 12 de setembro», não violou norma jurídica, antes atendeu às distintas vertentes dos factos patenteados, sendo o facto central do ilícito o incumprimento da obrigação de possuir licença de funcionamento e apenas variável – e por isso englobável em alternativa – a dupla tipologia da prestação de cuidados de saúde demonstrada.
Face ao exposto, responde-se de forma negativa a esta questão.
1 7. A sentença recorrida violou o disposto no art. 63.º, alínea f), dos Estatutos da ERS, os art.s 18.º, n.º 1 e 50.º do RGCO, os artigos 374.º e 375.º do C.P.P. e o art.32.º, n.º 1 e 10 da C.R.P., por não ter declarado ser a decisão administrativa impugnada nula por falta de fundamento da fixação das coimas e não se ter pronunciado sobre todos os elementos legalmente que deveria ponderar na escolha da sanção aplicável?
Conforme se vem aqui sublinhando com esteio no Direito constituído, particularmente no disposto na norma acima invocada do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo, que regula os recursos em matéria de Direito de mera ordenação social, e atendendo ao definido pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência acima invocado, não cabe aqui apreciar a decisão administrativa mas a sentença proferida.
No que tange à fundamentação da fixação da moldura concreta das sanções e da sanção única, não se divisam vícios aqui sindicáveis e afirmáveis.
Pelo exposto, não se responde a esta questão.
8. Concretiza-se, na sentença impugnada, violação do princípio do «ne bis in idem» ou indevida não consideração da existência de litispendência, nos termos invocados no recurso?
Sustentou a Recorrente a existência de litispendência e concurso aparente entre as contra-ordenações apreciadas nos autos e o objecto do «Inquérito Crime correspondente ao NUIPC …/…-TALSB» alegadamente incidente sobre os mesmos factos.
Não existem nos autos, demonstrados, elementos fácticos suficientemente caracterizadores do descrito quadro circunstancial. Por isso o Tribunal teve que avaliar a questão «assumindo como exato o pressuposto invocado pela Recorrente, designadamente que os factos que estão a ser investigados no processo crime dizem respeito à mesma realidade histórica descrita pela ERS no "auto de notícia" e objeto dos presentes autos». Essa indefinição feriu logo gravemente as possibilidades de procedência do pretendido. E, por isso mesmo, a tese da Arguida fragilizou-se logo à partida por falta de sustentação e clareza.
Revelam-se muito acertadas as referências de suporte da eleição da construção que, na ponderação da sobreposição do facto para os efeitos do disposto no n.º 5 do art. 29.º da Constituição da República Portuguesa, atende a uma noção construída não sobre um sentido naturalístico mas reportada a uma proibição e a um referente de ilicitude («desvalor plúrimo», na afirmação feita no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 356/2006).
Tal construção provém da própria jurisprudência do referido Tribunal, tendo sido invocado, para o efeito, o acórdão n.º 298/2021 (em que afirmou que «No caso de o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, a razão pela qual o legislador cuidou expressamente de acautelar a autonomia do processo contraordenacional em face do processo penal em determinados sectores de atividade prende-se diretamente com as particulares características e com o especial estatuto da entidade administrativa competente para exercer os poderes de fiscalização, regulação e supervisão a que, por força até do Direito da União, aqueles se encontram sujeitos»).
Continua a claudicar, a este nível, a tese da Arguida. Os factos assinalados na sua aparição de relevo criminal não são coincidentes com os sinalizados à luz do seu desvalor de mera ordenação social.
A própria alegação da Arguida neste âmbito encerra as razões da sua falência já que fala em inquérito crime com plena noção de que este processo não tem tal natureza e os ditos factos carregados de distintos desvalores não são coincidentes para os efeitos visados de afirmação da materialização de litispendência.
Não tem, à luz do afirmado a este nível, qualquer margem de sustentação pretender-se que, encontrando-se pendente um processo crime, os processos relativos à prática de contra-ordenações, ainda que emergentes dos mesmos factos naturalísticos, deveriam ser arquivados. A ser válida esta tese, estaríamos perante um perfeito filão de indevida desresponsabilização ou geração de «crimes» (leia-se «contra-ordenações») sem castigo.
É acertado afirmar, como fez o Ministério Público na sua resposta em primeira instância às alegações de recurso, que, por um lado, as infrações pelas quais a Arguida/Visada foi condenada estão sujeitas a um regime especial, com reserva de jurisdição, conforme emerge do Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de Agosto, o que implica que, caso essas infrações fossem apreciadas em sede de inquérito comum, seria necessária a extração de certidão pois a jurisdição comum não seria competente para as julgar e, por outro, não existe, na Parte Especial do Código Penal, qualquer crime que absorva as condutas da Recorrente que foram provadas e sancionadas no processo.
Flui da conjugação destas inafastáveis considerações ter que ser negativa a resposta a dar à questão aqui avaliada.
9. A sentença fez errada interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 238/2015, pois que a conduta provada não é subsumível ao tipo de ilícito ali previsto?
O n.º 2 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de Outubro, estabelece, sob a epígrafe «Princípios da transparência, da fidedignidade e da licitude da informação, que: 2 - No caso de o interveniente ser prestador de cuidados de saúde, a prática de publicidade em saúde não pode suscitar dúvidas sobre os atos e serviços de saúde que se propõe prestar e sobre as convenções e demais acordos efetivamente detidos, celebrados e em vigor, habilitações dos profissionais de saúde e outros requisitos de funcionamento e de exercício da atividade.
É adequado à previsão da apontada norma e aos factos provados, o afirmado pelo Tribunal «a quo» sobre a matéria nos seguintes termos: 195. Transpondo estes parâmetros para o caso concreto ficou provado que a Arguida, em 26.04.2022, divulgava no exterior do estabelecimento por si explorado a designação “Clínica Medicina Estética” e “Medicina Estética Avançada " (realce aditado, alíneas a) e e) e l) dos factos provados) e no interior do estabelecimento tinha publicidade em cartaz da "campanha Botox - a partir de 60 €" (alínea h) dos factos provados). Estas expressões sugerem a prestação de cuidados de saúde, que têm de ser prestados por profissionais com as respetivas habilitações, conforme decorre das explicitações tecidas a propósito da primeira contraordenação. O que não era o caso, conforme ficou provado (alínea o) dos factos provados). Por conseguinte, a conduta da Arguida preencheu todos os elementos típicos objetivos da contraordenação supra referida. 196. No plano subjetivo e da culpa ficou provado que a Arguida representou e quis proceder à conceção e difusão das mensagens descritas nas alíneas e), h) e l) sem ter profissionais com as habilitações necessárias, tendo agido de forma livre e consciente, sabendo que a sua conduta é punida – cf. alínea q) dos factos provados. 197. Da conjugação de tais factos com o disposto no artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal, ex vi artigo 32.º, do Regime Geral das Contraordenações, conclui-se que a Arguida agiu com dolo direto e com culpa. 198. Não se verifica qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa. 199. Quanto ao número de infrações praticadas considera-se que a Arguida violou duas vezes a norma referida. Uma ao divulgar as mensagens “Clínica Medicina Estética” e “Medicina Estética Avançada ",que são de âmbito geral e dizem respeito a todos os serviços de saúde prestados, sem especial realce a nenhum tratamento em especial. E a outra ao publicitar uma campanha de botox, na medida em que incide sobre um tratamento específico e sobre condições de prestação desse serviço promocionais. Por conseguinte, há dois sentidos autónomos de ilicitude nos termos e para os efeitos do artigo 30.º n.º 1, do Código Penal, ex vi artigo 32.º do Regime Geral das Contraordenações. 200. Em face de todo o exposto, conclui-se que a Arguida praticou, em concurso efetivo, as duas contraordenações imputadas, a título doloso.
Os factos referenciados na decisão revelam a materialidade da previsão da norma transcrita.
A alínea «q» patenteia a plenitude da verificação do necessário elemento subjectivo.
É não menos verdade que não se provou elemento fáctico que aponte para a materialização de causa de exclusão da ilicitude e da culpa.
Não se suscitam dúvidas, à luz do provado, sobre a prática de duas contra-ordenações definidas naquela norma, em concurso efectivo.
Consequentemente, responde-se negativamente a esta questão agora analisada.
10. A Arguida apenas podia ter sido condenada pela prática de uma só contraordenação, prevista no art. 4.º, n.ºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de outubro, pelo que foi violado o disposto no art. 30.º, n.º 1, do Código Penal, aplicável ex vi do art. 32.º do RGCO?
Nos n.ºs 2 e 3 do art. 4.º do indicado Decreto-Lei n.º 238/2015 prevêm-se distintas contra-ordenações, sendo uma delas incidente sobre publicidade geradora de dúvidas ou duvidosa e a outra sobre publicidade falsa e enganosa.
As invocações do Tribunal «a quo» quanto ao n.º 2 são válidas e demonstram um ilícito autonomizado.
As relativas ao n.º 3 são adequadas aos factos, quer nas suas vertentes objectiva quer subjectiva quer, ainda, no que tange à inexistência de causas de exclusão da ilicitude e da culpa. Os factos invocados sustentam, efectivamente, a conclusão pela prática do ilícito do n.º 2.
Neste contexto não tem, salvo o devido respeito, defender-se que praticar contra-ordenação do n.º 2 é o mesmo que cometer a do n.º 3, por ambas as normas se referirem a um só ilícito.
Não é assim. Nada nos dois preceitos legitima essa leitura de fusão e confusão.
Acresce que são bem nítidas as duas infracções reportadas ao n.º 2 e a emergente do preenchimento do estabelecido no n.º 3.
Improcede esta vertente do recurso.
11. Mantendo-se o juízo de censura proferido pelo Tribunal a «a quo» em relação a alguma das contraordenações visadas, sempre deveria este, face à factualidade provada, ter procedido a uma atenuação especial da coima e a mera admoestação, nos termos do disposto no artigo 72.º do Código Penal, aplicável ex vi art. 32.º do RGCO?
Não se divisam razões para a pretendida atenuação especial da sanção fixada em cúmulo jurídico.
Quanto à norma do Código Penal invocado, nada diminui e menos « por forma acentuada», «a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena».
Antes várias circunstâncias militam em sentido oposto. Desde logo, este próprio recurso é a prova viva de que a Arguida nada interiorizou, não assumiu o grave desvalor da sua conduta, não se arrependeu, não se preparou para passar a cumprir a lei nem terá sido, sequer, devidamente aconselhada a fazê-lo e continuou «agarrada» a incipientes e tecnicamente muito frágeis subterfúgios técnicos para tentar escapar à punição.
Não se preenche a previsão de qualquer das alíneas do n.º 2 do art. 72.º do Código Penal, invocado.
É por demais flagrante o carácter injustificado do pretendido.
Responde-se negativamente a esta derradeira questão o que impõe a declaração de improcedência total do recurso.
III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos improcedente o recurso e, em consequência, negando-lhe provimento, confirmamos a sentença impugnada.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4,5 UCs.
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Lisboa, 14.05.2025
Carlos M. G. de Melo Marinho
Alexandre Au-Yong Oliveira
Armando M. da Luz Cordeiro