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MEDIDA DE COAÇÃO
CAUÇÃO
FRAUDE NA OBTENÇÃO DE SUBSÍDIO OU SUBVENÇÃO
PERIGO DE FUGA
PERTURBAÇÃO DA ORDEM E TRANQUILIDADE PÚBLICAS
Sumário
I - A aplicação de medida de coacção de obrigação de prestação de caução no montante de 100.000,00 euros é da necessidade, adequação e proporcionalidade no caso de se encontrar fortemente indiciada a prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, na forma agravada, previsto pelo artigo 36.º n.º 1 alíneas a), b) e c), n.º 2 e n.º 5 alínea a), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20/01, e com a finalidade de acautelar perigos de grau médio de fuga e de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas. II - A situação económica e financeira dos arguidos, as ligações que mantém com países estrangeiros, são factores que tornam desadequada a substituição da medida de coacção de prestação de caução pela a medida de coacção de obrigação de apresentações periódica perante o OPC competente para prevenir o perigo de fuga. Essa medida não permitir uma reacção tempestiva a uma manifestação de fuga dos arguidos.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório:
No processo de inquérito com n.º 269/20.4KRLSB, foi proferido despacho a 16/12/2024 pelo Juiz 1 do Tribunal Central de Instrução Criminal que determinou que, cada um dos arguidos, AA e BB, aguarde os ulteriores termos do processo em liberdade, sujeito à aplicação cumulativa das seguintes medidas de coacção:
- termo de identidade e residência, já prestado;
- prestação de caução, por depósito autónomo à ordem dos presentes autos, no valor de € 100.000,00 (cem mil euros), no prazo de 30 (trinta dias) dias a contar da presente data;
- proibição de, por qualquer meio, seja directamente ou por interposta pessoa, contactarem entre si e/ou com os arguidos CC e DD e/ou com a suspeita EE;
- proibição se ausentar para o estrangeiro sem autorização, devendo o arguido BB, no prazo máximo de 2 dias úteis, proceder à entrega, neste tribunal, do seu passaporte.
Inconformado o arguido AA apresentou as seguintes conclusões:
"1ª- As medidas de coacção são medidas que restringem direitos fundamentais do Arguido, e consequentemente, estão sujeitas a uma série de princípios gerais de aplicação, cfr. disposto nos artigos 191º e 193º, nºs 1 e 4 todos do CPP. 2ª- A aplicação e escolha das medidas de coacção deve ter sempre em consideração o facto que estas sejam comunitariamente suportáveis face à possibilidade de estarem a ser aplicadas a um inocente. 3ª- A prestação de caução, por depósito autónomo à ordem dos presentes autos, no valor de € 100.000,00 (cem mil euros), por via de depósito autónomo, aplicada ao Arguido, viola os princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade. 4ª- Não se encontram reunidos os pressupostos de aplicação das medidas de coacção, nos termos do disposto no artigo artigo 204º do CPP, pois, no preciso momento da sua aplicação não existe Fuga ou perigo de fuga; Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas. 5ª- A aplicação da medida de coacção de prestação de caução, deve ser revogada, na medida em que se mostra manifestamente excessiva e onerosa, sem qualquer proporcionalidade, adequação e tempestividade de ser aplicada ao Arguido. 6ª- Não subsiste qualquer perigo de fuga, na medida em que ao mesmo foram apreendidos os passaportes e proibido de se ausentar do território nacional sem autorização prévia. 7ª- As buscas e apreensões ocorridas nos Autos, nomeadamente todo o acervo documental presente na habitação do Arguido, todos os computadores e suporte digital apreendido, telemóveis, acesso dossiers empresariais e tudo o quanto consta no Auto de Buscas e Apreensão, não há qualquer elemento, que possa concorrer para o perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova. 8ª- Não há perigo de continuação da actividade criminosa, pois balizou o JIC que os factos pelos quais vem indiciado o Arguido, se compreendem entre ...de 2018 a ... de 2020, decorridos que já estão cerca de mais de 4 anos. 9ª- Não há qualquer perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, pois já foi aprovado e homologado por Sentença transitada em julgado o plano de insolvência respeitante à sociedade ..., prevendo o pagamento do crédito privilegiado do IAPMEI na sua globalidade de investimento feito e crédito reclamado, mais ainda não contemplando o pagamento de qualquer crédito subordinado, que totalizam 10.290.002,57 € e dos quais 10.289.997,26€ correspondem a créditos dos sócios da empresa. 10ª- A recuperação da ... reúne, consenso entre todos os credores, na sua maioria, pretendendo que a fábrica volte a laborar, pois na região em que se integra é um investimento de responsabilidade, de enorme peso social e financeiro, para além da inerente mais-valia para o tecido empresarial local, regional e nacional. 11ª- As exigências cautelares já se encontram devidamente acauteladas de forma a impedir que o Arguido se frustre à acção da Justiça e à sua comparência em todos os actos processuais e de seu interesse e de necessidade da sua intervenção. 12ª- Não estão preenchidos os pressupostos de aplicação prescritos no artigo 204º do CPP, não podendo ser aplicada ao Arguido a medida de coacção de prestação de caução, mormente e no valor de €100.000,00 (cem mil euros) por via de depósito autónomo, violando a decisão o disposto nos artigos 193º, nºs1 e 4 e 204, nº1 alíneas a), b) e c) todos do CPP, e nessa consequência deve ser REVOGADA. 13ª- Sem prescindir, caso assim se não entenda, deve ser a mesma substituída pela obrigação de apresentação periódica quinzenal, em dia e hora a definir, por forma a permitir ao Arguido cumprir com as suas obrigações perante as Autoridades Judiciárias, manter a sua vida profissional e pessoal direitos pessoais e constitucionalmente consagrados e poder levar a bom porto a recuperação da empresa .... 14ª- Face ao disposto nos artigos 191º, 193º, nºs1 e 4, 198º, nºs 1 e 2 e 200º do CPP, reitera-se serem adequadas as medidas de coacção já aplicadas ao Arguido nesta fase inicial e cautelar, aplicando, caso assim se entenda e não proceda a total eliminação de caução, sem mais, a substituição da prestação de caução pela obrigação de apresentação periódica quinzenal, em dia e hora a definir. 15ª- O despacho recorrido fez uma exígua e manifestamente incorrecta apreciação dos factos indiciários, tendo violado o disposto nos arts. 193º, 197º, 198º e 204º, nºs 1 alíneas a) e c) todos do CPP e ainda o 28º, nº 2 da CRP, nesta consequência deverá a medida de coacção da prestação de caução no montante de € 100.000,00 por via de depósito autónomo aplicada ao arguido/recorrente ser REVOGADA e substituída por outra que respeite os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e menor intervenção, designadamente, a obrigação de apresentação periódica, cumulada com a proibição de se ausentar para o estrangeiro sem autorização e ainda proibição de contactos com os demais arguidos, estas já determinadas".
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso do arguido AA, tendo concluído pela improcedência do recurso e para tal formulou as seguintes conclusões:
"1. São condições gerais de aplicação das medidas de coacção: - A existência de um processo criminal, comum ou especial, já instaurado, no decurso do qual a pessoa que vai ser sujeita a uma medida de coacção foi constituída arguida (artigo 192.º, n.º 1, do Código de Processo Penal); - A inexistência de causas de isenção da responsabilidade ou da extinção do procedimento criminal (artigo 192.º, n.º 2, do Código de Processo Penal); - O fumus comissi delicti (artigos 192.º, n.º 2, e 202.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal); - A verificação de indícios fortes da prática de um crime por parte do arguido; - O pericula libertatis – artigo 204.º do Código de Processo Penal. 2. Verificando-se tais condições gerais e pressupostos para aplicar ao arguido uma medida de coacção, deve em concreto ser-lhe aplicada, de entre as previstas na lei, aquela que se revelar mais adequada a salvaguardar e realizar naquele caso as finalidades da sua aplicação (acautelar determinada exigência processual) e se mostrar proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (artigo 193.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). 3. No caso concreto, indiciam os autos a prática pelo arguido ora recorrente da prática de crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, na forma agravada, previstos e punidos pelo artigo 36.º, n.ºs 1, alíneas a), b) e c), 2 e 5, alínea a), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, e eventuais crimes de branqueamento, previstos e punidos pelo 368.º-A do Código Penal, e de fraude fiscal, eventualmente qualificada, previstos e punidos pelos artigo 103.º e 104.º do Regime Geral das Infracções Tributárias. 4. Em resumo, lograram os arguidos BB e AA, no seguimento do plano por si delineado, prestar falsas informações, quer respeitantes à própria natureza da candidatura e valor do investimento a realizar e a co-financiar, quer na ocultação de situações de conflito de interesses, e, bem assim, no fabrico e utilização de documentos falsos (contratos, facturas e transferências bancárias), provocando um prejuízo ao Estado Português no valor de € 6.732.650,00, que terá que devolver à Comunidade Europeia. 5. Considera o arguido que "não há efectivo perigo de fuga, na medida em que não é por ter residência fiscal no ..., que o Arguido iria em virtude dos presentes Autos para lá retirar-se na medida em que é em Portugal que tem o seu agregado familiar, vida pessoal e profissional. Não existem nos Autos, nenhum outro elemento capaz de enformar este perigo de fuga, cujo blindado estaria pela apreensão dos passaportes do Arguido, no dia em que viu a sua habitação ser alvo de buscas e apreensões, no âmbito dos presentes Autos. Sem documentos que lhe permitam sair país, com a comunicação ao SIS e demais medidas tomadas, como se constituirá este perigo de fuga?" 6. Discordamos desta conclusão do arguido recorrente, atenta a realidade que nos rodeia. Além da possibilidade de o arguido se ausentar do país por outro meio que não através de transporte aéreo, designadamente mediante transporte terrestre, a circunstância de lhe ter sido aprendido, no âmbito das buscas realizadas, o seu passaporte, tal não o impediria de solicitar a emissão de um outro passaporte. 7. Estamos perante um indivíduo que dispõe de título que lhe permite residir no ..., onde tem registado o seu domicílio fiscal, com contas bancárias por si tituladas em instituições bancárias de tal país, com todos os instrumentos e capacidade financeira que lhes permite garantir ali a sua mobilidade e subsistência, e logo num país não cooperante, como o ..., receando-se, assim, que se furte à acção da justiça, optando por se deslocar para tal país. 8. Acresce que a aplicação das outras medidas de coacção não são suficientes para garantir que o arguido não se ausente de território nacional, pelas razões acima enunciadas. Basta ao arguido deslocar-se para ... de carro. 9. Não é, ao contrário do que o recorrente invoca, "manifestamente impossível ao Arguido, pretender frustrar-se à acção da justiça e logo e assim a medida de coacção de prestação de caução, encontra-se manifestamente desadequada, desproporcional e excessiva, por não haver qualquer causa justificativa para a sua aplicação, na medida em que outras medidas de coacção aplicadas ao arguido acautelam a sua permanência no país e a sua presença nos actos judiciais e que seja tida por oportuna e necessária." 10. Atento o exposto, entendemos que se revela adequada e eficaz a aplicação da caução, de forma a que os arguidos se sintam inibidos de prosseguir na descrita actividade, sabendo que se assim suceder, perdem o valor da caução. 11. Quanto ao valor da caução, apesar de o arguido recorrente considerar que o mesmo se revela desfasado de qualquer realidade, entendemos que se mostra adequado ao montante do fundo obtido e aqui em causa – quase 7 milhões de euros – e aos rendimentos do arguido e ao seu património (a título de exemplo, a moradia onde o arguido reside com a sua família foi avaliada, em avaliação junta pelo próprio, em cerca de três milhões e quinhentos mil euros). 12. Assim, a medida de coacção em causa não deve ser revogada nem tão pouco substituída por outra, nomeadamente a obrigação de apresentação periódica, uma vez que tal medida não permite garantir que o arguido não se frustre à acção da Justiça. 13. Por outro lado, considera o arguido que não se verifica perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, face às buscas e apreensões realizadas no inquérito, nomeadamente todo o acervo documental presente na habitação do arguido, todos os computadores e suporte digital apreendido, telemóveis, acesso dossiers empresariais e tudo o quanto consta no auto de busca e a apreensão. 14. E que não se verifica qualquer perigo de continuação da actividade criminosa uma vez que o crime se mostra já executado, consumado e sem qualquer possibilidade de ser praticado pelo arguido recorrente qualquer outro acto de execução. Nesta perspectiva, considera que será manifestamente esbatido, para não dizer inexistente, qualquer possibilidade de continuação da actividade criminosa, porque, supostamente já consumada, logo inexiste qualquer perigosidade de continuação da prática de actos. 15. A extensão dos factos protagonizados pelos arguidos, quer no que se reporta ao período em que protagonizaram os factos ilícitos, quer pelos montantes pecuniários públicos que conseguiram que lhes viessem a ser atribuídos de forma fraudulenta, provenientes da UE e do Orçamento de Estado, bem como a complexidade e sofisticação das suas acções fraudulentas, constituem factos demonstrativos de personalidades que apontam para uma evidente persistência no prosseguimento da actividade criminosa, manifestam grande dano social, impõem uma especial censurabilidade e, sobretudo, não deixam quaisquer dúvidas de que, tal como até aqui, prosseguirão agindo pela mesma forma a não ser que interiorizem o grande desvalor das suas acções. 16. Por outro lado, os autores dos factos ora em causa não evidenciam qualquer autocensura para o seu comportamento, ademais porque os mesmos lhes permitem auferir avultadas vantagens patrimoniais, o que denota um forte perigo de continuação da actividade criminosa. 17. Conhecedores da factualidade que lhes é imputada e das diligências de investigação já realizadas, ficaram os arguidos cientes do estado da investigação e das consequências que dela previsivelmente lhes advirão. 18. Esta circunstância, analisada à luz das precauções e cautelas de que os arguidos BB e AA se rodeiam na sua actuação, designadamente, recorrendo ao registo de bens e utilização de contas bancárias em nome de terceiros, de modo a evitar deixar traços dos seus actos, faz surgir um forte perigo de perturbação do inquérito, designadamente no que respeita à aquisição da prova ainda não recolhida, sendo expectável que os arguidos procurem fazer desaparecer as provas da sua conduta e manipular depoimentos/declarações daqueles que devam vir a ser ouvidos como testemunhas e/ou arguidos no processo. 19. Assim, existe o fundado receio que os arguidos BB e AA, ficando a saber, aquando da realização das buscas, que se encontram a ser investigados e tendo consciência da gravidade dos factos que lhes são imputados, possam perturbar o decurso do inquérito, informando outros elementos da existência da investigação, combinando com os mesmos a versão dos factos que deva ser apresentada, bem como a destruição de elementos de prova que possam estar na sua posse, impedindo desse modo a aquisição de prova essencial à demonstração dos factos em investigação. 20. Esta realidade faz-nos concluir pela fortíssima presença dos perigos de perturbação do inquérito como ainda de continuação de actividade criminosa, de actuações destinadas a ocultar, a viciar e também a impossibilitar a recolha de prova. 21. Os perigos de continuação da actividade criminosa, de perturbação do inquérito e de fuga que se fazem sentir carecem de ser acautelados, o que apenas poderá ser feito mantendo as medidas de coacção aplicadas ao arguido AA em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido".
Inconformado o arguido BB apresentou as seguintes conclusões:
"1ª - O artigo 193º, nº 1 do CPP consagra que as medidas de coacção devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas. 2ª - A medida de coacção aplicada da prestação de caução no montante de € 100.000,00 (cem mil euros) por via de depósito autónomo, viola os princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação. 3ª - A decisão de aplicação da referida medida de coacção deve ser revogada, uma vez que não se encontram preenchidos os pressupostos da sua aplicação previstos no art.º 204º do CPP, sendo a mesma manifestamente desadequada, desproporcional, excessiva e onerosa para o Arguido, em face das demais medidas de coacção cumulativamente aplicadas. 4ª - Não existe perigo de fuga (204º, al. a) do CPP), ou pelo menos o mesmo está bastante mitigado atento a que, por um lado, foi aplicado cumulativamente ao Arguido as medidas de proibição de se ausentar para o estrangeiro e de entrega do passaporte e, por outro lado, tendo o Arguido já sido alvo de busca e apreensão domiciliária a .../.../2022 e, possuindo nessa data já residência fiscal no ..., jamais decidiu por residir no local, apenas se deslocando ao exterior por necessidades inerentes às suas responsabilidades profissionais, pelo que não se verifica em concreto, qualquer perigo de fuga, que resulta assim afastado; 5º - Quanto ao perigo de continuação de actividade criminosa previsto na al. c) do art.º 204º do CPP, entendemos igualmente não se verificar, pois, em concreto, não existem quaisquer elementos probatórios que o sustentem; 6ª - Não existe qualquer indício de que o arguido Recorrente se continue a dedicar à actividade ilícita indiciada que fundamentou a aplicação das medidas de coacção, sendo certo que os factos/indícios que fundamentam a imputação ao Arguido do crime de fraude na obtenção de subsídio na forma agravada, estão perfeitamente balizados e circunscritos ao período temporal de ... de 2018 a ... de 2020, tendo já decorrido mais de 4 anos após a prática dos alegados factos ilícitos imputados ao Arguido; 7ª – De igual modo, ficou demonstrado qualquer perigo d perturbação da ordem e tranquilidade públicas, porquanto, por um lado, foi aprovado e homologado por sentença o plano de insolvência de recuperação da sociedade ... contemplando o pagamento na íntegra do valor co-financiado pelo IAPMEI, inexistindo assim ao presente qualquer prejuízo para o erário público, uma vez que o plano está em curso e em vigor e, por outro lado, não se verificou qualquer alarme social ou sentimento de revolta popular, como ficou amplamente demonstrado pela circunstância do mesmo ter sido aprovado pela maioria dos credores sociais e ainda do reconhecimento no plano de insolvência do crédito subordinado dos sócios em valor superior a € 10.000.000,00, cuja restituição não foi prevista no plano aprovado, o que contraria qualquer argumentação no sentido da apropriação em proveito próprio dos arguidos dos fundos comunitários obtidos; 8ª – As exigências cautelares visadas com a medida de coacção aplicada da prestação de caução no valor de € 100.000,00 por via de depósito autónomo, por forma a impedir que o arguido se frustre à acção da justiça e a garantir a sua comparência aos actos processuais, encontram-se já plenamente asseguradas com as demais medidas de coacção aplicadas cumulativamente. 9º - Não obstante, ainda que assim se não entenda, a substituição da prestação de caução pela obrigação de apresentação periódica quinzenal ou semanal prevista no artigo 198º do CPP, conjugadas com as demais medidas aplicadas cumulativamente, como a apreensão do passaporte e proibição de ausentar para o estrangeiro, de resto já determinadas, acautelam plenamente as finalidades cautelares, compatibilizando-se de forma mais proporcional e adequada ao exercício dos direitos fundamentais do Arguido como o direito ao trabalho, no caso ao exercício da sua profissão de ... que constitui o seu único meio de sustento e, bem assim, o direito de assistência familiar aos seus Pais e filhos. 10ª - O despacho recorrido fez uma incorrecta apreciação dos factos e violou, entre outros, os arts. 193º, 197º, 198º e 204º, nºs 1 alíneas a) e c) todos do CPP e ainda o 28º, nº2 da CRP, e em face, deverá a medida de coacção da prestação de caução no montante de € 100.000,00 por via de depósito autónomo aplicada ao arguido/recorrente ser REVOGADA e substituída por outra que respeite os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e menor intervenção, designadamente, a obrigação de apresentação periódica, cumulada com a proibição de se ausentar para o estrangeiro sem autorização e a entrega do respectivo passaporte e ainda proibição de contactos com os demais arguidos, estas já concretamente determinadas".
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso do arguido BB, tendo concluído pela improcedência do recurso e para tal formulou as seguintes conclusões:
"1. São condições gerais de aplicação das medidas de coacção: - A existência de um processo criminal, comum ou especial, já instaurado, no decurso do qual a pessoa que vai ser sujeita a uma medida de coacção foi constituída arguida (artigo 192.º, n.º 1, do Código de Processo Penal); - A inexistência de causas de isenção da responsabilidade ou da extinção do procedimento criminal (artigo 192.º, n.º 2, do Código de Processo Penal); - O fumus comissi delicti (artigos 192.º, n.º 2, e 202.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal); - A verificação de indícios fortes da prática de um crime por parte do arguido; - O pericula libertatis – artigo 204.º do Código de Processo Penal. 2. Verificando-se tais condições gerais e pressupostos para aplicar ao arguido uma medida de coacção, deve em concreto ser-lhe aplicada, de entre as previstas na lei, aquela que se revelar mais adequada a salvaguardar e realizar naquele caso as finalidades da sua aplicação (acautelar determinada exigência processual) e se mostrar proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (artigo 193.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). 3. No caso concreto, indiciam os autos a prática pelo arguido ora recorrente da prática de crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, na forma agravada, previstos e punidos pelo artigo 36.º, n.ºs 1, alíneas a), b) e c), 2 e 5, alínea a), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, e eventuais crimes de branqueamento, previstos e punidos pelo 368.º-A do Código Penal, e de fraude fiscal, eventualmente qualificada, previstos e punidos pelos artigo 103.º e 104.º do Regime Geral das Infracções Tributárias. 4. Em resumo, lograram os arguidos BB e AA, no seguimento do plano por si delineado, prestar falsas informações, quer respeitantes à própria natureza da candidatura e valor do investimento a realizar e a co-financiar, quer na ocultação de situações de conflito de interesses, e, bem assim, no fabrico e utilização de documentos falsos (contratos, facturas e transferências bancárias), provocando um prejuízo ao Estado Português no valor de € 6.732.650,00, que terá que devolver à Comunidade Europeia. 5. Refere o arguido que "tem a firme intenção de demonstrar no presente processo que os factos-indícios que lhe são concretamente imputados e que determinaram a aplicação das medidas de coacção, são perfeitamente infundados e descontextualizados da sua dinâmica negocial e, consequentemente, a final, não merecerão qualquer juízo de censurabilidade, razão pela qual falece o argumento vertido no douto despacho ora em crise quanto ao alegado perigo de fuga. Não se olvide que o perigo de fuga foi já significativamente mitigado com a apreensão do passaporte do Arguido e a proibição de se ausentar para o estrangeiro sem autorização do tribunal, pelo que a possibilidade de se frustrar à acção da justiça é inexistente, mostrando-se tal medida objectivamente suficiente, idónea, necessária e adequada à finalidade de assegurar que o Arguido não se furte aos compromissos da justiça e compareça nos actos processuais para os quais seja notificado." 6. Ora, discordamos desta conclusão do arguido recorrente, atenta a realidade que nos rodeia, tendo sido, por essa razão, requerida pelo Ministério Público a aplicação das várias medidas de coacção ora em causa. 7. Além da possibilidade de o arguido se ausentar do país por outro meio que não através de transporte aéreo, designadamente mediante transporte terrestre, a circunstância de lhe ter sido aprendido o seu passaporte mitiga, mas não tem a virtualidade de invalida, a possibilidade de fuga. 8. Estamos perante um indivíduo que dispõe de título que lhe permite residir no ..., onde tem registado o seu domicílio fiscal, com contas bancárias por si tituladas em instituições bancárias de tal país, com todos os instrumentos e capacidade financeira que lhes permite garantir ali a sua mobilidade e subsistência, e logo num país não cooperante, como o ..., receando-se, assim, que se furte à acção da justiça, optando por se deslocar para tal país. 9. Acresce que a aplicação das outras medidas de coacção não são suficientes para garantir que o arguido não se ausente de território nacional, pelas razões acima enunciadas. Basta ao arguido deslocar-se para ... de carro. 10. Atento o exposto, entendemos que se revela adequada e eficaz a aplicação da caução, de forma a que o arguido se sinta inibido de prosseguir na descrita actividade, sabendo que se assim suceder, perde o valor da caução. 11. Por outro lado, considera o arguido que não se verifica perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova e, bem assim, que não se verifica qualquer perigo de continuação da actividade criminosa. 12. Assenta a sua fundamentação na existência de um plano de insolvência, no âmbito do processo especial de insolvência que correu termos sob o nº 6740/23.9T8LSB, que foi aprovado e no que ali se prevê relativamente ao plano de pagamentos. 13. Mais conclui o recorrente que "não se pode afirmar nesta fase um prejuízo efectivo para o erário público, dada a aprovação e homologação do plano de pagamentos no âmbito do processo especial de insolvência". 14. Ora, a circunstância de ter existido um plano de pagamentos não significa que o mesmo esteja a ser cumprido, nada referindo o recorrente a este respeito. 15. Por outro lado, tal não implica que não se verifique um prejuízo para o Estado Português, que existe, uma vez que o subsídio ora em causa foi fraudulentamente obtido e terá de ser devolvido às instâncias europeias. E terá, igualmente, de ser devolvido pelos arguidos, porque indevidamente concedido, nos termos da factualidade imputada aos arguidos, que não é posta em crise nos recursos apresentados. 16. Acresce que, quando o recorrente se refere às prestações suplementares, o facto de tal ter sido declarado não significa que tenha efectivamente tido lugar. 17. A extensão dos factos protagonizados pelos arguidos, quer no que se reporta ao período em que protagonizaram os factos ilícitos, quer pelos montantes pecuniários públicos que conseguiram que lhes viessem a ser atribuídos de forma fraudulenta, provenientes da UE e do Orçamento de Estado, bem como a complexidade e sofisticação das suas acções fraudulentas, constituem factos demonstrativos de personalidades que apontam para uma evidente persistência no prosseguimento da actividade criminosa, manifestam grande dano social, impõem uma especial censurabilidade e, sobretudo, não deixam quaisquer dúvidas de que, tal como até aqui, prosseguirão agindo pela mesma forma a não ser que interiorizem o grande desvalor das suas acções. 18. Por outro lado, os autores dos factos ora em causa não evidenciam qualquer autocensura para o seu comportamento, ademais porque os mesmos lhes permitem auferir avultadas vantagens patrimoniais, o que denota um forte perigo de continuação da actividade criminosa. 19. Conhecedores da factualidade que lhes é imputada e das diligências de investigação já realizadas, ficaram os arguidos cientes do estado da investigação e das consequências que dela previsivelmente lhes advirão. 20. Esta circunstância, analisada à luz das precauções e cautelas de que os arguidos BB e AA se rodeiam na sua actuação, designadamente, recorrendo ao registo de bens e utilização de contas bancárias em nome de terceiros, de modo a evitar deixar traços dos seus actos, faz surgir um forte perigo de perturbação do inquérito, designadamente no que respeita à aquisição da prova ainda não recolhida, sendo expectável que os arguidos procurem fazer desaparecer as provas da sua conduta e manipular depoimentos/declarações daqueles que devam vir a ser ouvidos como testemunhas e/ou arguidos no processo. 21. Assim, existe o fundado receio que os arguidos BB e AA, ficando a saber, aquando da realização das buscas, que se encontram a ser investigados e tendo consciência da gravidade dos factos que lhes são imputados, possam perturbar o decurso do inquérito, informando outros elementos da existência da investigação, combinando com os mesmos a versão dos factos que deva ser apresentada, bem como a destruição de elementos de prova que possam estar na sua posse, impedindo desse modo a aquisição de prova essencial à demonstração dos factos em investigação. 22. Esta realidade faz-nos concluir pela fortíssima presença dos perigos de perturbação do inquérito como ainda de continuação de actividade criminosa, de actuações destinadas a ocultar, a viciar e também a impossibilitar a recolha de prova. 23. Os perigos de continuação da actividade criminosa, de perturbação do inquérito e de fuga que se fazem sentir carecem de ser acautelados, o que apenas poderá ser feito mantendo as medidas de coacção aplicadas ao arguido AA em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido".
Os autos subiram a este Tribunal e nos mesmos o Ministério Público elaborou parecer em que conclui pela improcedência do recurso.
Tendo alegado que:
"Subscrevemos na íntegra a posição do Ministério Público em 1ª. Instância, atenta a completude, pertinência, correcção jurídica e clareza da sua fundamentação, a realçar, com total acerto, os fundamentos de facto e de direito determinantes do entendimento de que não devem ser procedentes os recursos, aqui sopesando não só as circunstâncias de cometimento dos ilícitos, também ponderadas na decisão sob recurso – que se apresenta correctamente fundamentada- como a verificação dos perigos previstos no artº. 204º nº-1 a) e c) do CPP que, fundada, proporcional e adequadamente alicerçam a aplicação da medida de coacção de prestação de caução aplicada a cada recorrente Em seu reforço, e não deixando de ter presente que às medidas de coacção correspondem a finalidades estritamente cautelares, socorremo-nos ainda da jurisprudência expressa no Acórdão da Relação de Lisboa de 11-1-2024, proferido no processo 123/23.8GGSNT-A.L1-9 que, debruçando-se sobre os pressupostos do artº. 204º do CPP, refere: "Conforme pertinentemente salientado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19/06/2019, (Processo nº 207/18.4PDBRR.L1-3, relator João Lee Ferreira, in www.dgsi.pt) «A medida de coacção escolhida deverá manter uma relação directa com a gravidade dos crimes e da sanção previsível, cabendo ponderar elementos como o juízo de censurabilidade da conduta, o modo de execução, e a importância dos bens jurídicos atingidos.» E ainda, da mesma Relação, acórdão de 7-02-2023, Processo nº 600/22.8XLSB, da relatora Carla Francisca (in www.dgsi.pt) «Assim, no que respeita ao princípio da proporcionalidade, exige-se que, em cada fase do processo exista uma relação de idoneidade entre a medida de privação da liberdade individual aplicada, a gravidade do crime praticado e a natureza e medida da pena em que, previsivelmente, o arguido virá a ser condenado. Tal gravidade deverá ser ponderada em função do modo de execução do crime, dos bens jurídicos violados, da culpabilidade do agente e, em geral, de todas as circunstâncias que devam ser consideradas em sede de determinação da medida concreta da pena.» Em consonância com o exposto e os fundamentes expressos nas respostas a recurso apresentadas pelo Ministério Público em 1ª. Instância, emitimos assim parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos".
Os autos foram a vistos e a conferência.
2. Âmbito do recurso e identificação das questões a decidir
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º n.º 2 do Código Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr., Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, Diário da República, Série I-A, de 28/12/1995 e artigos 403.º n.º 1 e 412.º n.º 1 e n.º 2, ambos do Código Processo Penal).
Inexistindo questões de conhecimento oficioso que importe decidir e face ao teor das conclusões da motivação apresentadas, nos presentes autos as questões a apreciar respeitam: à verificação dos pressupostos da aplicação da medida de coacção de prestação de caução e à substituição da medida de coacção de prestação de caução pela medida de coacção de obrigação de apresentações periódica perante o OPC competente.
3. Fundamentação
1. O despacho recorrido tem o seguinte teor:
"A detenção dos arguidos AA e BB foi legal, porquanto efectuada fora de flagrante delito, ao abrigo de mandados de detenção emitidos pelo Ministério Público (fls. 4335 e 4335v. e fls. 4447 e 4447v.), nos termos dos arts. 257.º, n.º 1, als. a) e b) e 258.º, ambos do Cód. Processo Penal. Foi respeitado o prazo de apresentação a que se referem os artigos 141.º, n.º 1 e 254.º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma. * Tendo em conta a globalidade dos elementos probatórios já carreados para os autos, concretamente os elencados na promoção do Ministério Público de apresentação dos arguidos, a fls. 4522 e 4522v. dos autos, e a certidão electrónica e respectivo código de acesso "OJQJ-YGE2-JSXM-5AX7", junta aos autos, pela Defesa do arguido AA no decurso da diligência de 1.º interrogatório judicial, considero fortemente indiciada a seguinte factualidade: - factos constantes dos arts. 1.º a 77.º da promoção do Ministério Público de apresentação dos arguidos; - contudo, não consta nenhuma ordem de transferência bancária da conta da sociedade ... para a ..., precisamente por se tratar de um contrato simulado; - factos constantes dos arts. 79.º a 135.º da promoção do Ministério Público de apresentação dos arguidos. ** Mais ficou indiciado, relativamente à sociedade "..., declarada insolvente por sentença de .../.../2023, transitada em julgado, e à condição pessoal de cada um dos arguidos, o seguinte: - por sentença proferida em .../.../2024, transitada em julgado em .../.../2024, no âmbito do processo de Insolvência de pessoa colectiva n.º … a correr termos no Juízo de …, Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca …, foi aprovado e homologado o plano de insolvência da devedora "..., onde, de entre as medidas aprovadas, temos a de, ao longo de um prazo de 10 anos, a insolvente proceder ao pagamento do crédito, no valor de € 6.747.633,99, reconhecido ao IAPMEI. * - o arguido AA possui, como habilitações literárias, a licenciatura em …; - integrou, durante dezasseis anos, e até ao ano de 1998, o ..., após o que se dedicou, durante alguns anos, à actividade de ... designadamente ...; - actualmente, exerce a actividade profissional de ..., auferindo um rendimento médio mensal de cerca de € 2.500,00; - vive na companhia da esposa, ... na ..., e das duas filhas comuns do casal; - o agregado familiar vive em casa própria, pagando uma prestação mensal de € 3.000,00, relativa ao crédito contraído para compra de casa; - não lhe são conhecidos antecedentes criminais. * – o arguido BB possui, como habilitações literárias, a licenciatura em ..., na especialidade de …, que concluiu na ..., tendo, durante o período da licenciatura, trabalhado nos ...; - após o cumprimento do serviço militar obrigatório, de um ano e seis meses, que cumpriu no …, iniciou a actividade profissional de ..., em regime de profissional liberal, que mantém até hoje, sendo também membro da ...; - divorciou-se há cerca de dois anos, tendo dois filhos, com as idades de 19 anos e de 25 anos, respectivamente; - no decurso da sua actividade profissional auferiu, no decurso do ano de 2023, um rendimento médio mensal de cerca de € 5.000,00 a € 10.000,00, e, no decurso do corrente ano de 2024, um rendimento médio mensal de cerca de € 5.000,00; - não lhe são conhecidos antecedentes criminais. * Os arguidos AA e BB remeteram-se ao silêncio, relativamente à factualidade enunciada no requerimento do Ministério Público de apresentação dos arguidos, direito que processualmente lhes é conferido, de maneira que não contribuíram, em nada, para o apuramento dos factos. Os factos indiciados resultam, assim, da apreciação global de todos os elementos probatórios, de natureza pericial, documental e testemunhal, carreados para os autos, elencados na promoção do Ministério Público de apresentação dos arguidos, a fls. 4522 e 4522v. dos autos, bem como no documento junto aos autos, no decurso da diligência de 1.º interrogatório judicial, pela Defesa do arguido AA, com especial enfoque para os seguintes: - certidão permanente da sociedade "...", junta a fls. 61 a 64 dos autos principais (arts. 2., 3., 7., 8. e 9.); - candidatura apresentada pela sociedade "..." ao Programa Operacional Competitividade e Internacionalização, apoiada pelo FEDER, visando a obtenção de uma comparticipação financeira para execução de um projecto de investimento industrial, traduzido na criação de uma ..., no concelho da ..., que integra fls. 2 a 22 do Apenso A ("Informações remetidas pelo IAPMEI") e Termo de Aceitação, que integra fls. 5 a 11, e informação do IAPMEI, que integra fls. 1193 e 1194, dos autos principais (arts. 4. a 6., 10. a 12., 50., 73., 120. e 121.); - contrato de mútuo, junto, por cópia, a fls. 23 a 25 dos autos principais (arts. 13. a 18.); - extracto bancário, de fls. 25v. a 26v., e documento comprovativo da transferência a crédito de fls. 27 dos autos principais (art. 19.); - contratos de mútuo, juntos a fls. 90 a 94, 213 a 217 e 221 a 225, e comunicações do ..., de fls. 86 e 89 dos autos principais (arts. 20. a 23.); - comunicação de operações suspeitas de fls. 226 a 229 e extractos bancários de fls. 230 a 239 dos autos principais (arts. 24. e 25.); - certidão permanente da sociedade "...", junta a fls. 65 a 67, documentos de fls. 22v., 30 a 36 e auto de diligência de fls. 260 a 265 dos autos principais (arts. 26. a 31.); - documentação bancária que integra fls. 91, 109, 98, 113 e 117 do Apenso 2 – Informações Bancárias (2.14 – Interveniente/Suspeito ...) e Informação/Cota da Polícia Judiciária de fls. 996 e 997 dos autos principais (arts. 32. a 34. e 37. a 40.); - documentos de fls. 998 a 1019 (arts. 35. e 36.); - documentação bancária de fls. 4, 34, 34v. e 35 do Apenso 2 – Informações Bancárias (2.14 – Interveniente/Suspeito ...), de fls. 51 do Apenso 2 – Informações Bancárias (2.7 – Interveniente/Suspeito ...) e de fls. 27 dos autos principais (arts. 41. a 47.); - certidão permanente da sociedade "...", junta a fls. 6 e 6v. do Apenso 2 – Informações Bancárias (2.22 – Interveniente/Suspeito ...) - (arts. 48. e 49.); - documento intitulado "Processo de Aquisição da Linha de Produção – Unidade Industrial de produção de Pellets", que integra fls. 93 a 140 do Apenso A ("Informações remetidas pelo IAPMEI"), contrato de compra e venda outorgado entre as empresas "..." e "...", junto, por cópia, a fls. 3911 a 3914 dos autos principais, facturas juntas a fls. 148, 181, 230 e 234 do referido Apenso A, extractos bancários juntos a fls. 43 do Apenso 2 – Informações Bancárias (2.7.1.1. – Interveniente/Suspeito ...) e a fls. 83, 109 e 246 do Apenso 2 – Informações Bancárias (2.7.9. – Interveniente/Suspeito ...) e informação que integra a última folha do Apenso 2 – Informações Bancárias (2.7.1.1. – Interveniente/Suspeito ...), folha esta que se segue à fls. 54 e que não se encontra numerada (arts. 51. a 60.); - contrato de compra e venda outorgado entre as empresas "..." e "...", junto, por cópia, a fls. 3907 a 3910 dos autos principais (tradução a fls. 3919 a 3923) – (arts. 61. a 79. e 82. a 87); - Relatório Técnico de Visita, junto a fls. 3191 a 3202 dos autos principais, realizado pela Agência para o Desenvolvimento e Coesão, e anexos de fls. 3203 a 3208 (arts. 88. a 90. e 122.), cujo teor foi corroborado e complementado pelo depoimento testemunhal de FF, …do IAPMEI, a quem incumbiu elaborar o referido Relatório Técnico de Visita, que confirmou o respectivo teor, tendo, ainda, salientado que por decisão definitiva da Autoridade de Gestão (COMPETE), de .../.../2024, com base nas irregularidades detectadas, o contrato de concessão de incentivos, outorgado com a ..., foi revogado, tendo o depoimento desta testemunha sido determinante para considerarmos como fortemente indiciada a factualidade enunciada nos arts. 91., 92. e 123.; - no que respeita aos factos enunciados nos arts. 93. a 116. e 124., o tribunal sedimentou a sua convicção na análise conjugada do Relatório Intercalar elaborado pelo Gabinete de Recuperação de Ativos, que integra fls. 191 a 233 do Apenso I (Apenso de Investigação Patrimonial e Financeira), no Relatório Adicional de fls. 4 a 12 e no Relatório IRN de fls. 23 a 25 do Apenso GRA – NAI 3905859, no Relatório Preliminar, que integra fls. 1 a 29 do Apenso Relatório Preliminar Exame Pericial n.º 612/2022-EP, elaborado pela Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária e na documentação bancária que integra os Apensos de Informações Bancárias a que acima se fez menção; - cota de fls. 2024, certidão permanente da sociedade "...", de fls. 2025 e 2026 e fichas de registo automóvel de fls. 2027 a 2032 (arts. 117. e 118.); - do auto de busca e apreensão, que integra fls. 4316 a 4329 dos autos principais, resulta que, no dia 10/12/2024, na sequência da busca domiciliária efectuada à residência sita na ..., residência do arguido AA, fora apreendida, designadamente, documentação bancária diversa, de entidades nacionais e estrangeiras, endereçadas a GG, HH e AA, e documentação relativa ás sociedades "...", "..." e "..." (art. 126.); - autos de busca e apreensão de fls. 4347 a 4349 e de fls. 4402 e 4403 (arts. 127. e 128.). Atendeu-se, igualmente, à análise do Auto de Leitura de Análise de Conteúdo de Telemóvel de fls. 4035 a 4047, que incidiu sobre o conteúdo do telemóvel da marca Apple, modelo iPhone 13 Pro Max, utilizado pelo arguido BB, e que, entre outras, documenta inúmeras conversações telefónicas e envio de mensagens de voz e mensagens escritas, entre o arguido BB e EE, sócia da "...", no período compreendido entre o mês de ... de 2021 e o mês de ... de 2022. O tribunal socorreu-se de uma presunção natural para considerar como fortemente indiciados os factos subjectivos, designadamente os constantes dos artigos 129. a 135., porquanto os factos objectivos provados, de acordo com as regras da experiência comum, permitem inferir estes factos subjectivos. Que cada um dos arguidos, AA e BB, agiu com vontade livre e consciente corresponde ao normal do agir humano, nada tendo sido alegado que ponha em causa essa liberdade de decisão. No que respeita à factualidade atinente às condições pessoais de cada um dos arguidos, considerada como indiciada, atendeu-se às declarações dos próprios, não tendo o Ministério Público indicado o certificado de registo criminal de cada um dos arguidos no acervo probatório de fls. 4522 e 4522v.. Atendeu-se, ainda, à certidão electrónica e respectivo código de acesso "…", junta aos autos, pela Defesa do arguido AA, no que respeita à factualidade atinente à declaração de insolvência da sociedade "... e à subsequente aprovação e homologação do plano de insolvência. * Atentos os factos fortemente indiciados supra referidos, consideramos indiciarem fortemente os autos a prática pelos arguidos BB e AA, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, na forma agravada, p.p. pelo art.º 36.º, n.ºs 1, alíneas a), b) e c), 2 e 5, alínea a), com referência ao art.º 21.º, ambos do D.L. 28/84, de 20 de Janeiro, e ao art.º 202.º, al. b) do Cód. Penal, a que corresponde a moldura abstracta de 2 a 8 anos de prisão. Atentos os elementos probatórios supra referidos, indiciam fortemente os autos a verificação, por parte dos arguidos BB e AA, de um plano criminoso, congregador de esforços e de vontades, no sentido de, mediante a prestação de falsas informações, quer respeitantes à própria natureza da candidatura e valor do investimento a realizar e a co-financiar, quer na ocultação de situações de conflito de interesses, e, bem assim, no fabrico e utilização de documentos falsos (contratos, facturas e transferências bancárias), ludibriarem a Autoridade de Gestão do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (Agência para o Desenvolvimento e Coesão), apoiado pelo FEDER, tendo, em consequência desta actuação dos arguidos, a "..., no âmbito da candidatura/projecto de investimento em causa, obtido subsídios a que não tinha direito, no montante global de € 6.732.650,00, por se fundarem no fornecimento à entidade competente de informações inexactas e documentos falsos relativos a factos importantes para a respectiva concessão, e que, por isso, a "... não podia obter validamente. Com a referida prestação de falsas informações, respeitantes à própria natureza da candidatura e valor do investimento a realizar e a co-financiar, a ocultação de situações de conflito de interesses, e o fabrico, utilização e entrega de documentos falsos ao Programa Operacional Competitividade e Internacionalização, sabendo que dos mesmos dependia a concessão do montante do subsídio, os arguidos demonstraram querer obter, para a sociedade "..., capital em condições privilegiadas, prejudicando a economia nacional e a correcta aplicação dos dinheiros públicos nas actividades produtivas e no campo económico. O facto de se tratar de fundos comunitários em nada altera esta situação: os fundos em causa foram concedidos pela EU (União Europeia) ao Estado Português, e, a haver fraude na obtenção dos subsídios, óbvia é que por essa via se defrauda o erário público, sendo também certo que se prejudica a economia nacional. Tais montantes, indevidamente recebidos pela "..., configuram-se como subsídios, de acordo com a noção do art.º 21.º, n.º 1 do D.L. n.º 28/84, de 20/01, já que concedidos através de dinheiros públicos e desacompanhados de qualquer prestação segundo os termos normais do mercado. Em suma, encontra-se fortemente indiciado o nexo de causalidade entre a prestação de falsas informações, respeitantes à própria natureza da candidatura e valor do investimento a realizar e a co-financiar, a ocultação de situações de conflito de interesses, e o fabrico, utilização e entrega de documentos falsos junto do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização, e a posterior concessão dos subsídios, bem como o preenchimento, pelos arguidos BB e AA dos elementos constitutivos do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, na forma agravada, p.p. pelo art.º 36.º, n.ºs 1, alíneas a), b) e c), 2 e 5, alínea a), com referência ao art.º 21.º, ambos do D.L. 28/84, de 20 de Janeiro, e ao art.º 202.º, al. b) do Cód. Penal, uma vez que estes, ao agirem como descrito, fizeram-no consciente e voluntariamente, com o propósito de obter para a "... vantagem patrimonial que não era devida à sociedade, sabendo proibida tal conduta. No que respeita a qualquer um dos dois arguidos, BB e AA, atentas as circunstâncias em que os arguidos cometeram o ilícito criminal indiciado, o tipo de actos/acções praticados, o grau de violação dos interesses protegidos, postos em causa pela actuação dos arguidos, suas consequências e eficácia dos meios utilizados, bem patente na forma como, ao longo de um período de cerca de dois anos, compreendido entre o mês de ... de 2018 e o mês de ... de 2020, foi planeada e executada a acção criminosa, e o valor, consideravelmente elevado, dos subsídios que, dessa forma, a "... logrou obter, faz-se sentir um manifesto perigo de continuação da actividade criminosa, com a inerente perturbação da tranquilidade pública, porquanto condutas como aquelas que se mostram fortemente indiciadas nos autos, são geradoras de grande reprovação comunitária e correspondente intranquilidade pública, pelo que significam enquanto forma de obter vantagens e benefícios individuais, em prejuízo do erário público e da economia nacional. No entanto, sopesando que tanto ao arguido BB, como ao arguido AA, que contam as idades de 58 anos e de 60 anos, respectivamente, e se encontram familiar, profissional e socialmente inseridos, não são conhecidos antecedentes criminais, não havendo notícia de, desde o momento em que cessaram a actividade criminosa, objecto dos presentes autos, e decorrido que se encontra um período de cerca de quatro anos, terem voltado a incorrer na prática de qualquer outro crime, consideramos que tanto o perigo de continuação da actividade criminosa, como também o perigo de perturbação da tranquilidade pública se encontram ligeiramente esbatidos. Uma vez que qualquer um dos arguidos tem fortes ligações a países estrangeiros, designadamente no ..., com residência aí declarada, dispondo, por isso, de facilidades para se ausentar para o estrangeiro, atento possuírem capacidade financeira para tal, e sendo o arguido AA titular de passaporte emitido pela ..., válido até .../.../2037 (que se encontra apreendido à ordem dos presentes autos), consideramos fazer-se, igualmente, sentir, relativamente a cada um dos arguidos, um concreto perigo de fuga, uma vez que sabendo-se os arguidos indiciados da prática de um crime desta gravidade e da previsibilidade de, em audiência de julgamento, provando-se os factos pelos quais se encontram, por ora, fortemente indiciados, virem a ser condenados em pena de prisão efectiva, existe um forte perigo de qualquer um dos arguidos fugir do país, na tentativa de se eximir à acção da justiça. Pelo que, por a aplicação cumulativa destas medidas de coacção se mostrar necessária, adequada e proporcional às exigências cautelares que se fazem sentir no caso em apreço e ás sanções que previsivelmente serão aplicadas a cada um dos arguidos, sopesando, igualmente, a gravidade do crime indiciado, o dano por este causado e a condição sócio-económica de cada um dos arguidos, determino que, cada um dos arguidos, AA e BB, aguarde os ulteriores termos do processo em liberdade, sujeito à aplicação cumulativa das seguintes medidas de coacção: - termo de identidade e residência, já prestado; - prestação de caução, por depósito autónomo à ordem dos presentes autos, no valor de € 100.000,00 (cem mil euros), no prazo de 30 (trinta dias) dias a contar da presente data; - proibição de, por qualquer meio, seja directamente ou por interposta pessoa, contactarem entre si e/ou com os arguidos CC e DD e/ou com a suspeita EE; - proibição se ausentar para o estrangeiro sem autorização, devendo o arguido BB, no prazo máximo de 2 dias úteis, proceder à entrega, neste tribunal, do seu passaporte. O que se determina em conformidade com os princípios constantes dos arts. 191.º, 192.º, 193.º, 195.º, 196.º, 197.º, n.ºs 1 e 3 e 206.º, n.º 1, 200.º, ns.º 1, als. b) e d) e 3 e 204.º, n.º 1, als. a) e c), todos do Cód. Processo Penal. Comunique ao SIS (sistema de informação Shengen) e ao OPC competente a medida de coacção aplicada aos arguidos AA e BB – art. 200.º, n.º 3 do Cód. Processo Penal".
2. O despacho de apresentação tem o seguinte teor:
"Dos motivos da detenção e das provas que a fundamentam: Das diligências de investigação realizadas até ao presente momento mostra-se fortemente indiciada a seguinte factualidade: A. Da candidatura/projecto de investimento e do fundo europeu concedido 1. A Autoridade de Gestão do Programa Operacional COMPETE 2020 publicou, em 24/11/2017 e no âmbito do Sistema de Incentivos Inovação Produtiva, o Aviso n.º 26/SI/2017, que visava a apresentação de candidaturas a um incentivo de natureza reembolsável, que pretendia atrair novo investimento empresarial e emprego para os territórios afectados pelos incêndios que deflagraram a 15/10/2017, nas regiões ... e ...2. 2. Os suspeitos BB (doravante BB) e AA (doravante AA) constituíram, em .../.../2018, a sociedade ... (doravante ...), com o capital de € 5.000,00, dividido em duas quotas de € 2.500,00, ficando cada uma a pertencer a cada um e assumindo AA as funções de gerente3. 3. O objecto social da ... era …, e a sociedade tinha o CAE Principal … e o CAE Secundário …. 4. A ... apresentou, em .../.../2018, candidatura no âmbito do referido Aviso, visando uma comparticipação financeira para a execução de um projecto de investimento industrial na cidade da …4. 5. O projecto de investimento, a que foi atribuído o n.º 039657, tinha como objectivo a criação de uma unidade de …, no concelho da ..., com um investimento total de € 14.311.500,00, e início a .../.../2018 e data de fim a .../.../20195. 6. E teve por objecto a concessão de um incentivo financeiro da União Europeia, no montante de € 7.087.00,00, com a designação "..." e o código ...6. 7. Em .../.../2018, AA e BB cederam as suas quotas às suspeitas GG (doravante GG) e a HH (doravante HH), filhas de AA. 8. Mais renunciou AA à gerência, tendo BB assumido as funções de gerente da .... 9. Assim, a partir de .../.../2018, o capital social da ... passou a ser integralmente detido pelas filhas do primeiro gerente, AA - GG e HH7. 10. Após a aprovação da candidatura, foi celebrado, em .../.../2018, o respectivo contrato de concessão de incentivos, designado por "Termo de Aceitação", assinado por BB8. 11. A decisão de aprovação do incentivo encontrava-se condicionada: a) À apresentação, até ao primeiro pedido de pagamento, da comprovação da realização mínima de 25% dos capitais próprios do projecto, b) À identificação da localização exacta do estabelecimento industrial da empresa e apresentação de título que legitimasse a instalação da empresa no local, e c) À demonstração de que tinha sido dado início ao processo de licenciamento do estabelecimento junto da entidade licenciadora. 12. A primeira condição foi validada aquando a apresentação do primeiro pedido de pagamento, e as segunda e terceira condições foram comprovadas em sede de avaliação do termo de aceitação. 13. Com o objectivo de cumprir a primeira condição, foi celebrado, em .../.../2019, um contrato de mútuo entre a sociedade ... (...), como mutuante, e GG e HH, como beneficiárias e considerando serem sócias da ..., na qual aquela sociedade emprestou às segundas o valor de € 2.414.452,36 "destinado a apoio financeiro das beneficiárias, para que o possam investir na sociedade supra referida"9. 14. O referido contrato de mútuo foi outorgado por AA, enquanto gerente da ..., e GG e HH, enquanto sócias da .... 15. Ao abrigo deste contrato, a ... comprometeu-se a conceder um empréstimo a GG e a HH no valor de € 2.414.452,36, em três parcelas, nos seguintes valores: € 260.000,00, € 310.000,00 e € 1.844.452,36. 16. Mútuo foi celebrado por 20 anos, tendo sido estipulado que nos primeiros cinco anos não se verificaria amortização de capital, que seria efectuado nos restantes 15 anos de vigência o contrato em prestações mensais (180) ou semestrais (30). 17. Mais ficou estipulado que o pagamento de juros só ocorreria a partir do 6º ano, vencendo-se à taxa anual de 0,3%. 18. Não obstante o contrato ter sido celebrado com GG e HH, as partes acordaram que as prestações seriam creditadas directamente em contas da sociedade ..., nomeadamente, em contas bancárias por esta tituladas junto do ... e do .... 19. Nos termos contratados, a ... transferiu os referidos montantes para as contas bancárias tituladas pela ... nos moldes que seguem: a) Para a conta junto do ..., com o ..., nas seguintes montantes e datas10: - € 310.000,00 em .../.../2019, - € 1.844.452,36 em .../.../2019. b) Para a conta junto do ..., com o ..., no montante de € 260.000,00, em .../.../2019. 20. Embora não tenham sido datados, foram ainda celebrados três contratos de mútuo entre as duas sociedades, ... e .... Num destes contratos, a ... comprometeu-se a conceder um empréstimo no valor de € 310.000,00€, noutro contrato o valor de € 1.844.452,36 e noutro contrato o valor de € 260.000,00. 21. Estes três contratos de mútuo foram sendo disponibilizados pela ... ao ..., no âmbito de cada transferência, para efeitos de obtenção de enquadramento das referidas operações, nunca tendo sido apresentado o contrato de mútuo celebrado em .../.../2019 entre a ... e GG e HH. 22. Assim, foi apresentada ao ..., para justificar as transferências bancárias efectuadas, respectivamente em .../.../2019 e em .../.../2019, nos valores de € 310.000,00 e de € 1.844,452,36, da conta bancária da ... para a conta bancária da ... junto do ..., supra referida, e da transferência bancária da referida conta da ... junto do ..., para conta bancária da ... , junto do ..., no valor de € 2.050,000,00, contrato de mútuo entre a ... (representada por AA) e a ... (representada por BB), no qual aquela sociedade emprestou à segunda os valores de € 1.844.452,36 e de 310.000,00 (e não já contrato entre a ... e GG e HH), movimento bancário que originou o PAP …12. 23. E foi apresentada ao ..., para justificar a transferência bancária solicitada em .../.../2019, no valor de € 260.000,00, da conta bancária da ... para a conta bancária da ... junto do …, supra referida, contrato de mútuo entre a ... (representada por AA) e a ... (representada por BB), no qual aquela sociedade emprestou à segunda o valor referido de € 260.000,00 (e não já contrato entre a ... e GG e HH), movimento bancário que originou o ...13. 24. Mais foram comunicadas operações bancárias suspeitas, que deram origem ao ..., que tiveram por base os seguintes movimentos na conta bancária de BB, junto do ... com o n.º ...: recebeu seis transferências a crédito, no montante total de € 1.125.490,00, a partir de conta do próprio junto do ..., e efectuou cinco transferências, no montante de € 562.790,00, para conta titulada por GG (com o n.º ....) e cinco transferências, de igual montante, para conta titulada por HH (com o n.º ....); estas transferiram os referidos montantes para conta bancária titulada pela ... (com o n.º ....)14. 25. O valor global das transferências, desajustado do perfil transacional da conta, a ausência de justificação contratual que comprovasse os créditos recebidos e a rápida rotação dos fundos, levou à comunicação das operações. 26. A sociedade ... foi constituída em .../.../2013, com sede na ..., e tinha como única sócia EE, filha de II, ...15. 27. A partir de .../.../2019, AA assumiu as funções de gerente da .... 28. A ... só teve actividade nos anos de 2014 e 2015 e em 2015 apresentava um activo total de € 9.190.440,6316. 29. Na morada indicada como sede da ... – ..., não se encontrava qualquer referência a esta sociedade, apenas um corredor vazio e uma porta sem qualquer informação ou indicação, sendo que na caixa de correio correspondente encontrava-se afixada a designação da empresa "…"17. 30. A sociedade que efectuou o empréstimo que permitiu às sócias da ... realizar as prestações suplementares era detida por cidadã oriunda da ..., e não possuía actividade permanente que justificasse os elevados montantes de dinheiro que foram objecto de mútuo. 31. Este esquema, utilizado pelos suspeitos BB, AA, GG e HH permitiu que, através de montantes provenientes de uma sociedade que não tinha actividade permanente, sita na ... e cuja sócia era filha do … da ..., EE, a ... conseguisse ser beneficiária de cerca de sete milhões de euros proveniente de fundos europeus. 32. Da análise ao extracto bancário da conta titulada pela ..., no ..., foram apuradas cinco transferências, provenientes de três contas estrangeiras, nas datas e valores de: 1. € 800.357,34, em .../.../2014 (da conta ordenante ......), 2. € 166.631,00, em .../.../2014 (da conta ordenante ... ...), 3. € 499.913,00, em .../.../2014 (da conta ordenante ... ...), 4. € 499.963,00, em .../.../2014 (da conta ordenante ... ...), e 5. € 544.954,39, em .../.../2015 (da conta ordenante ......). 33. De entre estes movimentos a crédito, resulta que a ... recebeu, na conta em apreço, em .../.../2014 e em .../.../2015, o montante global de € 1.345.311,73, repartido em duas transferências, nos valores de € 800.357,34 e de € 544.954,39, ambas provenientes da sociedade ...., através da conta ordenante ..., cujo código país pertence à .... 34. A sociedade ... era uma empresa sediada em ..., com presença no ..., na ..., na ..., no ... e em ..., que se dedicava à construção de obras públicas. Esta empresa actuava na ... desde 2007 e tinha como principal actividade a execução de obras rodoviárias19. 35. O ... deduziu uma acusação contra o ..., JJ, por branqueamento de capitais e tráfico de influência, por este favorecer negócios da sociedade .... na .... 36. Em causa estava uma doação feita em ... de ... de 2012, por esta sociedade ao ..., no valor de R$ 1.000.000 (um milhão de reais), que teria sido feita após o ... influenciar o ..., KK, a beneficiar a sociedade ....20. 37. No espaço de um ano, uma sociedade sediada no ... - envolvida em processos judiciais ligados ao Presidente da ... por branqueamento de capitais e tráfico de influência - transferiu, através de uma conta bancária equato-guineense, num banco sito em território francês, mais de um milhão de euros para a conta bancária de um banco português, sediado no ..., conta esta que era titulada por uma sociedade portuguesa, sedeada na ..., que tinha como única sócia a filha do .... 38. No que concerne às outras três transferências creditadas na conta da ..., tiveram como proveniência duas contas bancárias alemãs, junto do ...) associadas à empresa .... 39. O ... tinha como empresa subsidiária a empresa de aviação ... que, por sua vez, tinha como subsidiária a empresa ... (...). Esta última assegurava o transporte aéreo entre ... e a .... 40. Como daqui resulta, a empresa ... (...) transferiu para uma conta bancária sediada no ... e titulada por uma sociedade portuguesa (...), o valor global de 1.166.507,00€, no ano de 2014. 41. A ... transferiu, em .../.../2019, todo o dinheiro depositado na conta em causa, através de uma transferência, no valor de € 1.844.487,36, para a conta titulada pela .... 42. Após a ocorrência destes factos, a conta bancária da ... foi encerrada, em .../.../2019, por decisão do banco22. 43. O montante creditado na conta bancária da ..., do ..., teve como origem a ..., através da empresa ...e a sociedade ... (...), 44. Tendo, posteriormente, sido transferido o montante de € 1.844.487,36 para a conta bancária da sociedade .... 45. Através da conta bancária titulada junto no banco ..., a ... transferiu ainda o montante de € 310.000,00 a favor da ..., 46. E através da conta bancária titulada junto do banco ..., transferiu o montante de € 260.000,00 para conta bancária titulada pela .... 47. A ... recebeu, assim e nos termos descritos, nas suas contas bancárias, o montante global de 2.414.452,36€, proveniente de contas tituladas pela ..., com o que conseguiu beneficiar de um incentivo de cerca de 7 milhões de euros proveniente de fundos europeus. * 48. São evidentes as relações negociais entre as pessoas singulares e colectivas aqui em investigação, em concreto: - A ... foi fundada pelos sócios AA e BB, posteriormente substituídos pelas actuais sócias, GG e HH, e tinha como gerente BB, - GG e HH receberam, nas suas contas bancárias, transferências provenientes de BB que serviam, posteriormente, para capitalizar a ..., - A ... tinha como única socia EE e como gerente AA, - A ... celebrou um contrato de mútuo com as sócias da ..., nomeadamente GG e HH, e três contratos de mútuo com a ..., - O ... de EE era BB, entretanto nomeado gerente da sociedade ..., de que foi sócio fundador, - BB e AA constituíram em .../.../2022 uma nova sociedade, ..., assumindo a qualidade de sócios e sendo nomeados gerentes. 49. Relativamente a às coincidências de morada dos sujeitos singulares e colectivos ora em causa constata-se que: - AA e BB declararam, para efeitos fiscais, a mesma morada, sita no ..., - GG e HH declararam ambas residir na ..., bem como a sua mãe e cônjuge de AA, - AA declarou, no acto de constituição da sociedade ..., como sua residência a ..., - A morada registada como sendo a da ... – ... -, encontrava-se também registada como sendo a sede de três outras sociedades das quais AA e BB eram sócios: ... (...), ... (...) e ... (...), - A morada profissional de BB registada na ... era a mesma, a sita no .... * 50. A ... recebeu, no âmbito da candidatura/projecto de investimento ora em causa, na conta por si titulada junto do ... com o n.º ..., o montante global de € 6.732.650,00 de fundos europeus, correspondente a 95% do valor de incentivo reembolsável aprovado, nos seguintes valores e datas: i. Em .../.../2020, € 936.000,00, ii. Em .../.../2020, € 1.886.700,00, iii. Em .../.../2020, € 2.886.700,00, e iv. Em .../.../2020, € 1.023.250,00. B. Da adjudicação do contrato à ... e pedidos de reembolso 51. No âmbito da concessão do incentivo financeiro, a ... apresentou uma análise comparativa das propostas apresentadas para o fornecimento de equipamentos para a unidade industrial de produção de pellets23, onde constavam as propostas das empresas ..., ..., ..., ... e .... 52. Em .../.../2019, a ... elegeu a proposta apresentada pela ..., justificando ser a "mais equilibrada tendo em atenção as soluções técnicas e o preço para as mesmas (proposta com valor global mais baixo das que nos foram apresentadas)"24. 53. Dois dias após a escolha da empresa a ser adjudicada, em .../.../2019, a ... outorgou um contrato de Compra e Venda com a empresa ... (doravante ...), sedeada em ..., onde aquela se comprometia a comprar uma planta de pellets de madeira a esta sociedade, pelo montante de € 14.433.500,00, de acordo com a "... " (cfr. artigo 2.2 do referido contrato), devendo o pagamento ser parcelado nos seguintes montantes: € 2.000.000,00, € 3.773.400,00, € 5.773.400,00 e € 721.675,0025. 54. Para além de o contrato ter sido celebrado em língua inglesa e apresentado ao IAPMEI sem qualquer tradução, o mesmo apresentava várias incongruências, como segue26: i. O canto superior esquerdo da primeira página do contrato indicava que se tratava do contrato n.º …; O seu artigo 1.1 dispunha que o objecto de compra e venda era uma planta/fábrica de pellets de madeira de acordo com a especificação contida na folha de cotação n.º …, que se referia constar anexada ao contrato. No entanto, não se encontrava qualquer folha anexada, não se vislumbrando que folha de cotação seria, ii. O artigo 2 fazia referência a uma folha de cotação n.º … para a planta de pellets de madeira pelo montante de € 14.433.500,00. Ora, a folha de cotação aqui referida era o n.º do contrato, não se alcançando a que folha é que se reportavam. A única folha de cotação que se encontrava junto do projecto de investimento era a n.º …27, que foi junta aquando as propostas das empresas consultadas. 55. Em .../.../2019, a ... procedeu a uma transferência, no valor de € 2.000.000,00, para conta bancária titulada pela ..., junto do banco espanhol ..., tendo como descritivo do movimento "…"28. 56. Esta transferência bancária foi o resultado do pagamento da primeira prestação deste contrato de adjudicação. 57. No que concerne ao pagamento das restantes prestações, acordadas no contrato de adjudicação, foram efectuadas três transferências da conta n.º ..., do ..., titulada pela ..., para uma conta bancária titulada pela ... nas seguintes datas e montantes: a) de € 3.773.436,40 em .../.../2020, b) de € 5.773.436,40 em .../.../2020, e c) de € 2.165.061,40 em .../.../2020. 58. Dos documentos apresentados pela sociedade ... ao IAPMEI, com vista ao pagamento das despesas celebradas ao abrigo do projecto ora em causa, encontravam-se três facturas que visavam comprovar o pagamento das segunda, terceira e quarta prestações do contrato de adjudicação à .... 59. Contudo, surgem incoerências entre estas e os extractos bancários da conta titulada pela ..., junto do ..., uma vez que das facturas constam pagamentos nos montantes de 3.773.400,00€ e de 5.773.400,00€, tendo sido estes os valores previamente acordados no referido contrato.
60. Não obstante, a ... pagou à ... o montante global de € 14.000.640,60, nas seguintes datas e valores:
Data
Titular
Origem
Destino
Valor
…/2019
…
…
…
€ 2.000.000,00
…/2020
…
…
…
€ 3.773.436,40
…/2020
…
…
…
€ 5.773.436,40
…/2020
…
…
…
€ 2.165.061,40
…/2021
…
…
…
€ 288.706,40
€ 14.000.640,60
C. O Contrato da ... com a ... 61. A sociedade ... (doravante ...) é uma sociedade detida pelos suspeitos BB e AA, sediada em ..., com uma conta bancária em ..., em concreto, no .... 62. Estes suspeitos detêm outras contas neste banco, a título pessoal, procedendo a diversas transferências de/para outras contas suas ou de/para empresas detidas por si, como é exemplo da sociedade ..., sediada no .... 63. Na sequência do plano entre si gizado, os suspeitos BB e AA celebraram, em nome da ..., sedeada no ..., um suposto contrato de compra e venda entre esta sociedade e a ..., datado de .../.../2019, no âmbito do qual a ... vendia à ... uma planta/fábrica/maquinaria de pellets de madeira, pelo montante global de € 13.433.500,00, de acordo com a "... " (cfr. artigo 2.2 do referido contrato)29. 64. À semelhança do contrato apresentado ao IAPMEI celebrado entre a ... e a ..., este contrato foi também elaborado em língua inglesa. 65. Os contratos entre a ... e a ... e entre a ... e a ... apresentam significativas semelhanças, não só estruturalmente como também formalmente, estando em causa a compra e venda da mesma planta de pellets de madeira. 66. Neste contrato, a ... surge na qualidade de compradora, comprometendo-se a comprar a planta de pellets pelo montante global de € 13.433.500,00 à .... 67. Este contrato não tinha número, mas remetia para duas folhas de cotação, a n.º … e a …. 68. Todavia, à semelhança do contrato com a ..., não existia qualquer anexo ou folha de cotação no referido contrato. 69. Enquanto que neste contrato as folhas são … e a …, no contrato com a ... as folhas são as … e …, alterando apenas as duas primeiras letras, indiciando-se ser o mesmo documento, na hipótese de este existir, ou que se tratam de contratos artificialmente criados. 70. Perante este contrato, BB e AA, através de uma empresa sediada em ..., declararam vender à ... uma planta de pellets pelo montante de € 13.433.500,00. 71. No entanto, um mês depois, BB e AA, através de uma empresa sediada em Portugal, declararam comprar à ... a mesma planta de pellets por um valor de € 14.433.500,00, ou seja, adquiriram o mesmo produto por um milhão de euros acima do valor pelo qual haviam vendido. 72. Tratou-se de um negócio inexistente, tendo sido simulada a venda de maquinaria à ... e a posterior compra pela ..., para os suspeitos apresentarem facturação em nome da ... e fazerem constar preço superior ao real, não só para a obtenção de fundos, mas ainda para empolarem o respectivo valor. 73. Ora, com base no contrato entre a ... e a ..., a ... candidatou-se a um incentivo de apoio financeiro da União Europeia com um projecto com um investimento global de € 14.311.500,00. 74. Esta inflação de um milhão de euros permitiu aos suspeitos BB e AA apresentarem um projecto com custos acrescidos e, por isso, aumentar a possibilidade de beneficiarem de um incentivo mais elevado. 75. O contrato entre a ... e a ... foi assinado, respectivamente, por BB e AA, e por LL. 76. Já no contrato celebrado entre a ... e a ..., os signatários foram, respectivamente, BB e LL, apenas não tendo sido assinado também por AA por este já ter vendido a sua quota às suas filhas e não ser o gerente, tendo a gerência sido já assumida por BB. 77. Foram efectuadas várias transferências da conta bancária titulada pela ... para contas bancárias pessoais de BB, de AA, de GG e de HH. 78. Contudo, não consta nenhuma ordem de transferência bancária da conta da sociedade ... para a ..., precisamente por se tratar de um contrato simulado. 79. Com este estratagema, estes suspeitos conseguiram adquirir maquinaria proveniente da ..., através de uma sociedade sua, sediada em ..., e vendê-la a uma sociedade espanhola, para assim aparentarem a aquisição de uma linha de produção de pellets a uma empresa europeia e alavancarem um incentivo de cerca de € 7.000.000,00 de fundos europeus ao apresentarem um alegado investimento de € 14.433.500,00. 80. Ora, as despesas elegíveis não podem respeitar a bens adquiridos a empresas sediadas em países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiadas, conforme lista da Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro, actualizada pela Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro30. 81. O ... é um país com regime de tributação privilegiada31. 82. Assim, aquilo que aparentava ser dois contratos de compra e venda (da ... à ... e da ... à ...) traduz-se apenas num contrato, com a ... a agir apenas como intermediária, tendo em vista a ocultação da verdadeira origem da maquinaria/fábrica de pellets. 83. Como a maquinaria foi, na prática, adquirida a uma empresa sedeada num país com tributação privilegiada, as despesas não eram elegíveis e, consequentemente, não podia ter sido atribuído o incentivo financeiro. 84. Considerando ainda que a ... e a ... tinham os mesmos sócios e que foram estes que submeteram a sua candidatura ao incentivo de apoio financeiro da União Europeia, BB e AA obtiveram o referido subsídio fornecendo ao IAPMEI informações inexactas ou incompletas relativas a factos importantes para a respectiva concessão do subsídio. 85. Assim encobriram os suspeitos, de acordo e em execução do plano prévio e comum, junto do IAPMEI, o evidente conflito de interesses existente, já que o suposto fornecedor dos equipamentos dos projectos, BB e AA, através da ... faziam parte do corpo das empresas Promotoras beneficiárias a .... 86. É deste modo o próprio fornecedor que impõe o preço, inflacionando-o em conluio com o promotor, violando todas as regras comunitárias e nacionais sobre concorrência e transparência na formação dos preços; facto essencial à aprovação do projecto e elegibilidade das despesas, facto ocultado ao IAPMEI e conforme ao plano ilícito formulado pelos suspeitos. 87. Este contrato entre a ... e a ... foi, ainda, utilizado por BB para justificar transferências bancárias realizadas da conta bancária titulada por esta sociedade junto do ..., assinadas por BB e/ou AA. D. Das irregularidades detectadas 88. Realizada pela Autoridade da Concorrência inspecção às instalações da fábrica da ..., na ..., foi concluído no dia .../.../2024, o Relatório Técnico de Visita, que identificou as seguintes situações irregulares32: i. "a Entidade Beneficiária disponibilizou uma Informação técnica/Requerimento n.º … de ...-...-2020, emitida(o) pela ... comprovando a instrução do pedido de licenciamento, contudo à data da elaboração do presente relatório, a entidade beneficiária não se encontra licenciada, inviabilizando assim, a aferição do cumprimento das condições legais necessárias ao exercício da actividade, em conformidade com o disposto na alínea e) do n.º 1 do art.º 24.º do Decreto-Lei n.º 159/2014, na sua actual redacção". Questionada sobre esta irregularidade explica que a única licença que a ... tem é a licença para construção. Relativamente à licença de utilização e à licença da actividade não apresenta qualquer documento. Mais explica que uma das condicionantes para atribuição do incentivo (cfr. cláusula segunda, n.º 1, alínea c) do Termo de Aceitação) era demonstrar que tinha sido dado início ao pedido de licenciamento e que foi nesse âmbito que a ... apresentou uma comunicação prévia de licenciamento da actividade, em .../.../2022, nunca tendo sido submetido um pedido oficial. Mais acrescenta que, por via telefónica, foi confirmado pela ... e confirmado por AA que a ... não tem licença industrial. ii. "Tendo em consideração o ano de fabrico dos grupos hidráulicos (2001) conforme foto da chapa, constante nos comprovantes n.ºs 1, 2 e 3 com o n.º de Ordem … (Facturas n.º … de ...-...-2019, no valor de 21.000,00 euros, nº …. de ...-...-2019 no valor de 80.000,00 euros e n.º … de ...-...-2020 no valor de 39.000,00 euros), relativas a "…", num total de despesa elegível de 140.000,00 euros e face à ausência de Certificados de Conformidade e Guias de Transporte com referência do equipamento transportado, consideramos que a escassez de informação inviabiliza a aferição da primeira colocação no mercado e por conseguinte confirmar que não se trata da aquisição de bens em estado de uso, em conformidade com o disposto na alínea i) do n.º 1 do art.º 7º do RECI". Sobre esta irregularidade explica que, apesar de nenhuma máquina ter os Certificados de Conformidade e Guias de Transporte com referência do equipamento transportado (como referido na irregularidade 6), esta era a única máquina que tinha chapa, tendo a Inquirida achado estranho que uma máquina com a chapa de 2001 estar a ser posta no mercado pela primeira vez apenas 20 anos depois. iii. "- Comprovantes n.ºs 1, 2, 3 e 4 – Facturas n.º s Factura n.º … de ...-...-2019, Factura n.º …. de ...-...-2019, Factura n.º … de ...-...-2020 e Factura n.º … de ...-...-2020 com o n.º de Ordem … – relativo a "…" no valor de 90.000,00 euros; - Comprovantes n.ºs 1, 2, 3 e 4 – Facturas n.º s … de ...-...-2019, … de ...-...-2019, … de ...-...-2020 e … de ...-...-2020 com o n.º de Ordem … - relativo a "…)" no valor de 30.000,00 euros. Na verificação no local não foi evidenciada a existência física, das componentes acima referidas. Questionada a Entidade Beneficiária, a mesma informou-nos que o administrador da insolvência as tinha retirado por questões de segurança. De acordo com o disposto no nº 1 do art.º 10º do Decreto-Lei nº 159/2014 consideramos a despesa associada a estes itens de investimento como não elegíveis, totalizando uma correcção financeira de 120.000,00 euros. Cumulativamente, consideramos que a despesa com o nº de ordem … "…" submetida nas listagens dos pedidos de pagamentos não se encontra justificada através de factura, uma vez que a despesa não está incluída no contrato nº … que suportou os comprovantes de investimento apresentados. Perante a ausência de documentos justificativos de despesa, conforme o exigido na alínea c) do n.º 1 da Cláusula décima terceira do Termo de Aceitação, consideramos a despesa não elegível. De referir ainda, que não foi disponibilizado o licenciamento do Software, o que contraria o disposto na Cláusula oitava do Termo de Aceitação, nomeadamente as alíneas k) e i) bem como a alínea i) do n.º 1 do art.º 24.º do Decreto-Lei nº 159/2014 de 27 de Outubro e alínea a) do n.º 1 do art.º 12.º da Portaria n.º 137/2022 de 8 de Abril, 11.ª Alteração ao RECI". Relativamente a esta irregularidade explica que não conseguiram confirmar a existência das duas máquinas de afiar lâminas nem a existência do referido software, uma vez que AA terá dito que o administrador de insolvência teria levado ambos (máquinas e software) por questões de segurança, desconhecendo para que local. Mais refere que AA não conseguiu apresentar qualquer licença relativamente a este software. iv. "- Comprovantes n.ºs 1, 2, 3 e 4 – … de ...-...-2019, FAC 2019-0179 de ...-...-2019, … de ...-...-2020 e … de ...-...-2020 com o n.º de Ordem … – relativas a "…" no valor de 600.000,00 euros. De referir que no contrato de fornecimento nº …, esta rúbrica está classificada com o nº … – "…". Atenta a sua natureza, estas despesas não têm enquadramento no âmbito da elegibilidade normativa tal como definida na alínea a) do n.º 1 do Art.º 32 - Despesas elegíveis do RECI, dando origem a uma correcção Unidade Nacional de Combate à Corrupção financeira à despesa certificada no montante de 600.000,00 euros". Relativamente a esta irregularidade explica que por se tratarem de despesas de manutenção e substituição não podem ser consideradas como despesas elegíveis, de acordo com o artigo 7.º, n.º 1, alínea a), do RECI". v. "Não foi criado um sistema contabilístico separado que individualize os investimentos do projecto, o que contraria o disposto na Cláusula Oitava do Termo de Aceitação, nomeadamente a alínea i) do nº 1 do art.º 24 do Decreto-Lei nº 159/2014 de 27 de Outubro". vi. "Ao abrigo do Decreto-Lei nº 103/2008 de 24 de Junho, foram solicitadas em 9 e 17 de Outubro, por email, as Declarações CE de Conformidade, referentes às máquinas que constam do projecto de investimento. Os dois certificados remetidos pela entidade beneficiária não contêm a informação de acordo com o previsto no nº 1 do Anexo II do Decreto-Lei nº 103/2008 de 24 de Junho, nomeadamente a ausência do número de série do equipamento. Para além desta inconformidade, a informação constante nesses documentos, nomeadamente a referência ao modelo do equipamento, não permite associá-los a nenhum equipamento do investimento. A ausência das Declarações CE de Conformidade bem como a ausência da marcação CE nos equipamentos do investimento, conforme o exigido no ponto 1.7.3 do Anexo I do Decreto-Lei nº 103/2008 de 24 de Junho, inviabiliza a aferição da origem dos equipamentos (fornecedores/mandatários) bem como a primeira colocação no mercado destes equipamentos. A inexistência destes documentos não permite confirmar que não se trata da aquisição de bens em estado de uso, em conformidade com o disposto na alínea i) do n.º 1 do art.º 7.º do RECI." Relativamente esta irregularidade detectada, por se ter suspeitado que a ... não era a fabricante da maquinaria, mas sim uma empresa intermediária, mostrava-se de grande importância confirmar a origem da maquinaria comprada. No entanto, não foi possível verificar as Declarações CE de Conformidade de nenhuma das máquinas objecto do projecto de investimento, não tendo sido possível descobrir qual a sua verdadeira origem. O certificado apresentado por AA foi enviado em .../.../2023, e dizia respeito a uma Certificação de Conformidade datada de .../.../2014, no entanto não foi possível associar a nenhum equipamento adquirido. 89. As irregularidades detectadas respeitavam, assim, à falta de licenciamento desta sociedade candidata, à ausência do número de série de equipamentos, à ausência das Declarações CE de Conformidade, à ausência da marcação CE nos equipamentos do investimento e à ausência da criação de um sistema contabilístico separado, a individualizar os investimentos do projecto. 90. As irregularidades detectadas configuram incumprimentos da legislação aplicável e constituem fundamento para a revogação da decisão de concessão de apoio financeiro deste projecto, estando a ... sujeita à devolução da percentagem devida do incentivo recebido. 91. Com base nas irregularidades detectadas, foi decidida pela Autoridade de Gestão (COMPETE), em .../.../2024, a anulação pós contrato do financiamento em causa, com revogação do incentivo e necessária devolução do financiamento recebido, no montante total de € 6.732.650,00. 92. Não obstante e até à data, não foi devolvido qualquer montante. E. Da movimentação bancária 93. BB recebeu proventos de contas estrangeiras tituladas pelo próprio, no montante global de € 3.473.361,00, nomeadamente, dos ..., de ... e de .... 94. Os valores provenientes de ... (€ 595.000,00) tiveram como principal destino o provisionamento da conta para pagamento de despesas correntes, transferências para a sociedade de advogados MM, para NN (cunhada de BB) e para DD. 95. Os valores provenientes de ... (€ 2.845.361,00) tiveram como primeiro destino outras contas de BB e como segundo destino, entre outros indivíduos, HH, GG e DD e, por fim, como destino final a ... por intermédio destas. 96. Já os fluxos provenientes dos ... (€ 33.000,00) tiveram como destino outras contas de BB. 97. Relativamente à sociedade de advogados MM apurou-se que recebeu proventos de contas estrangeiras tituladas pela ... (...) e por uma conta titulada por BB do ..., no montante total de € 142.250,00 e € 20.000,00, respectivamente. Estes montantes tiveram como destino principal o aprovisionamento da conta, tendo sido efectuadas algumas transferências para DD e outros indivíduos. 98. GG e HH receberam proventos de contas estrangeiras (...) tituladas pelas próprias, no montante de € 55.950,00 cada, através das contas por estas tituladas junto do ..., que transferiam em seguida para a conta do … da sociedade de …MM, tendo como destino final uma conta do ... de AA, pai de GG e HH. (…). 99. BB efectuava, com regularidade, transferências no valor de € 100.000,00 para as contas bancárias de GG e HH que, por sua vez, transferiam tais montantes para as contas da .... 100. No que respeita à conta da ..., constatou-se que recebeu proventos de várias contas estrangeiras, tendo também sido transferidos fluxos para outras contas sediadas no estrangeiro. 101. Para além das transferências a legítimos fornecedores, desta conta constam transferências no valor de € 402.000,00 para a sociedade ..., sedeada no ... e detida pelos suspeitos. 102. Das contas da ... apurou-se que recebeu proventos de contas do estrangeiro, tituladas pela ..., no valor de € 1.345.311,73, e pela ... (...), no montante de € 1.166.507,00, ambas sediadas na ..., tendo posteriormente como destino OO, EE, ... e PP. 103. Em síntese, foram recebidos fluxos de contas sediadas no estrangeiro como ...e ..., que entraram no sistema bancário português e tiveram como destino não só contas sediadas em Portugal como também no estrangeiro. 104. Em concreto, de uma conta de ... titulada por BB foram efectuadas transferências para contas portuguesas de BB que, posteriormente, transferiu para contas de HH e GG que tiveram como destino final a .... 105. Por outro lado, da conta da … das empresas ... e ... foram realizadas transferências para contas da ... em ... e ..., montantes que foram depois transferidos para a conta da ... em Portugal. 106. Foi devido a estes mecanismos que esta sociedade conseguiu cumprir os requisitos impostos e, assim, beneficiar de fundos europeus, nos moldes descritos, no valor de quase € 7.000.0000,00. * 107. A ... recebeu, entre 2019 e 2022, nas suas contas bancárias, os seguintes valores: 108. No ano de 2019 recebeu € 2.254.382,36, assim discriminados: - € 1.844.452,36, no dia .../.../2019, na conta ..., provenientes do ..., conta ..., ordenante ..., - € 260.000,00 na conta ..., provenientes do banco ..., conta …, ordenante .... 109. No ano de 2022, recebeu € 149.930,00 euros na conta ..., assim discriminados: - € 74.965,00 provenientes de ..., swift …, conta …, ordenante GG, e - € 74.965,00 provenientes de ..., swift BMC…, conta …219611, ordenante HH. 110. Da análise a estas contas bancárias da ..., constata-se que a Conta ... teve, entre outras, as entradas: - € 15.456.905,14 entre contas da ... (€ 15.311.905,00 – contas por apurar; conta ... – € 138.000,00; conta n.º ... – € 7.000,00), entre .../.../2019 e .../.../2022, - € 7.500.000,00, entre .../.../2021 e .../.../2021, referentes a utilização do financiamento n.º ...; - € 2.409.140,00, em depósitos em numerário (em montantes que variavam entre € 500,00 euros e € 261.000,00), entre .../.../2019 e .../.../2022, - € 2.154.452,36 euros, provenientes da ... (€ 310.000,00 da conta ..., em .../.../2019; € 1.844 452,36 da conta ..., em .../.../2019), - € 1.207.536,00, provenientes de ..., banco ..., conta …, em cinco transferências, entre .../.../2021 e .../.../2021, - € 103.777,77, provenientes do IGCP, conta n.º ... a título de reembolsos a residentes, IVA., em .../.../2022, - € 74.965,00, provenientes de GG, banco ..., conta …, em transferência de .../.../2022, com o descritivo "prestações suplementares de capital.", - € 74.965,00, provenientes de HH, banco ..., conta ...9611, em transferência de .../.../2022, com o descritivo "prestações suplementares de capital.", - € 50.000,00, provenientes de HH, banco CGD, conta ... em transferência de .../.../2022, e - € 50.000,00, provenientes de GG, banco CGD, conta ... em transferência de .../.../2022. 111. E tem, entre outras, as saídas: - € 12.640.000,00 para ..., banco ... conta/…, entre .../.../2020 e .../.../2021, - € 9.030.207,31, para contas da ... (€ 6.000.000,00, em .../.../2021, conta a apurar; € 979.277,31, em .../.../2021, conta a apurar; € 2.050.930,00, para a conta ... ...), - € 1.340.373,72, para ..., banco ..., …, conta …88843, entre .../.../2021 e .../.../2022, - € 887.277,71, para ..., banco …, conta ... entre .../.../2020 e .../.../2021, - € 722.134,69, para ..., banco ..., entre .../.../2021 e .../.../2021, - € 554.053,50, para ..., banco ..., entre .../.../2021 e .../.../2021, - € 402.000,00, para ..., para o banco ..., nos ..., conta …, em duas transferências, de € 320.000,00 em .../.../2021, e de € 82.000,00, em .../.../2022, com referência a pagamento de factura …, - € 332.660,14, para ..., banco alemão ..., conta …, - € 214.853,79, para ..., contas do banco ... e do banco ..., entre .../.../2021 e .../.../2021, - € 19.055,00, para ..., Banco ..., conta ... entre .../.../2019 e .../.../2019, e - € 3.484,00, para DD, banco …, conta ... em transferência de .../.../2019. 112. Tratava-se de conta bancária utilizada para movimentar fluxos provenientes, entre outros, da ..., de GG e HH, de depósitos em numerário, com saídas para, além de pagamentos presumivelmente relacionados com fornecedores da fábrica de produção de pellets da ..., a entidade designada por ..., com conta bancária nos .... 113. A conta ... teve, entre outras, as entradas: - € 260.000,00, provenientes de ..., em transferência de .../.../2019, da conta do banco espanhol ... rural, conta ..., titulada por ..., - € 480.000,00, provenientes do descritivo "tranf GG, entre .../.../2019 e .../.../2021, - € 480.000,00, provenientes do descritivo "tranf HH, entre .../.../2019 e .../.../2021, - € 975.547,64, provenientes de 12 movimentos com a descrição "P Suplementares" ou "P Suplementos", entre .../.../2020 e .../.../2021, - € 9.400,00, em depósitos em numerário, entre .../.../2019 e .../.../2021. 114. E teve, entre outras, as saídas: - € 200.000,00, para a ..., em transferência datada de .../.../2021; - € 141.500,00, com o descritivo "Provisão honorários", entre .../.../2019 e .../.../2019, - € 100.000,00, para ..., em transferência de .../.../2020; - € 20.237,87, em levantamentos em numerário, entre .../.../2019 e .../.../2022; 115. Tratava-se de conta bancária que recebia fluxos provenientes da sociedade ..., de HH e GG. As saídas referiam-se a transferências para outras contas da ..., e pagamentos diversos. 116. Foram efectuados, na conta titulada pela ... junto do ..., com o n.º ..., diversos depósitos em numerário que, entre ... de 2019 e ... de 2022, ascenderam a € 2.409.140,00 euros (dois milhões, quatrocentos e nove, cento e quarenta euros), depositados em agências diferentes do ..., e que não correspondem a pagamentos de clientes pelos serviços prestados pela ..., uma vez que a fábrica de pellets ainda não estava em funcionamento: (…). * F. Da dissipação do património 117. Em .../.../2023, AA, GG e HH, com a colaboração de QQ, constituíram a empresa ... (NIPC ...), com o capital social de € 52.000,00 e cujo objecto social era "Consultoria económica, financeira, contabilidade e serviços de gestão, formação e desenvolvimento de empresas a nível doméstico e internacional, estudos de mercado e publicidade, serviços de publicidade e serviços de marketing. Projectos, estudos e auditorias às empresas. Gestão de patrimónios"33. 118. A criação desta empresa teve como finalidade proteger o património automóvel desta família, tendo sido transferida a propriedade de todas as viaturas para o nome desta sociedade, em concreto, dos seguintes veículos34: i. Da marca ..., com a matrícula RR, ii. Da marca ..., modelo Patrol, com a matrícula ..-..-NE, iii. Da marca ..., com a matrícula ..-LR-.., iv. Da marca ..., com a matrícula ..-..-EF, v. Da marca ..., com a matrícula ..-FI-.., e vi. Da marca ..., com a matrícula ..-TP-... * 119. A ... recebeu um incentivo de natureza reembolsável, que tinha por finalidade apoiar projectos de investimento produtivo localizados em territórios afectados pelos incêndios de ... de ... de 2017, através da tipologia "Inovação Empresarial" (Aviso nº 26/SI/2017). 120. O projecto (...-...53) teve como objecto a criação de uma unidade de produção e comercialização de pellets, produzidas através da biomassa florestal no concelho da ..., tendo um investimento global de € 14.311.500,00, sendo o investimento elegível € 14.174.000,00 e o incentivo de apoio financeiro da União Europeia de € 7.087.000,00. 121. Esta sociedade recebeu o montante global de € 6.732.650,00, correspondente a 95% do valor de incentivo reembolsável aprovado. 122. Apesar da construção da unidade fabril, com maquinaria e outros materiais que cumpre examinar, esta sociedade incorreu em múltiplas irregularidades, quer aquando da candidatura apresentada, quer no âmbito do Relatório Técnico de Visita do IAPMEI e apresentou documentos forjados para obtenção de apoio. 123. As situações identificadas pelo IAPMEI colocaram em causa os objectivos do projecto e, consequentemente, levaram à revogação total do apoio concedido, no valor de € 6.732.650,00, que a ... tem de devolver. 124. Além disso, para fazerem face aos 25% de capitais próprios exigíveis pelo IAPMEI, os suspeitos recorreram ao descrito esquema, através do qual os montantes circularam por vários países e contas bancárias, com a intervenção de uma ..., EE, cujo montante "emprestado" indicia ter sido obtido de forma ilícita, sendo proveniente de uma empresa da ... e de outra empresa de construção brasileira com obras naquele país. 125. Contudo, a sociedade ..., declarada insolvente em .../.../2023, já não tem disponibilidade financeira, ficando assim o Estado Português prejudicado em € 6.732.650,00. 126. No dia ... de ... de 2024, pelas 7h00m, o arguido AA tinha na sua posse, na residência sita na ..., entre outros, o seguinte: - Documentação bancária diversa de entidades nacionais e estrangeiras, endereçadas a GG, HH e a AA, que se encontrava dispersa pela habitação, - Documentação de diversas entidades bancárias relativa a várias das sociedades visadas no presente inquérito, que se encontrava dispersa pela habitação, - Documentação relativa à sociedade ..., que se encontrava dispersa pela habitação, - Documentação relativa às sociedades ... e ..., que se encontrava dispersa pela habitação, - Documentação relativa à entidade/marca ..., que se encontrava dispersa pela habitação, - Demonstração da liquidação de IRC do ano de 2022 da sociedade com o NIPC ... e uma declaração de venda de um relógio …, pelo valor de € 7.000,00, - Conjunto de 10 (dez) cartões de visita, nomeadamente: . 1 (um) cartão de visita de cor verde claro e branco com os dizeres, entre outros, "… - AA (CFO)", . 1 (um) cartão de visita de cores verde escuro e branco com os dizeres, entre outros, "… - AA (CFO)", . 1 (um) cartão de visita de cor preta com os dizeres, entre outros, "AA - …- ... - …- ...", . 1 (um) cartão de visita de cor branca com os dizeres, entre outros, "... - AA", . 1 (um) cartão de visita de cor castanho e bege com os dizeres, entre outros, "... - AA - …- ... - …- ...", . 1 (um) cartão de visita cor branca com os dizeres, entre outros, "…, . 1 (um) cartão de visita de cor branca com os dizeres, entre outros, "…". . 1 (um) cartão de visita de cor branca do ... com os dizeres, entre outros, "SS - ...", . 1 (um) Cartão de visita branco, com os dizeres "..." e inscrição manuscrita "TT", . 1 (um) Cartão de visita branco, com os dizeres "…" e os dados de "UU". - Conjunto de 16 (dezasseis) cartões bancários: . 1 (um) Cartão bancário ..., em nome de AA, com o número ..., . 1 (um) Cartão bancário ADCB, em nome de AA, com o número ..., . 1 (um) Cartão de débito ..., em nome de AA, com o número ..., . 1 (um) Cartão de débito ..., em nome da sociedade ... e DR AA, com o número ..., . 1 (um) Cartão de crédito ..., em nome de VV, com o número ..., . 1 (um) Cartão de crédito ..., em nome de VV, com o número ..., . 1 (um) Cartão de débito WISE de cor branca, em nome de AA, sem número, . 1 (um) Cartão de débito ..., em nome de AA, com o número ..., . 1 (um) Cartão de débito ..., em nome de AA, com o número ..., . 1 (um) Cartão bancário RAKBANK, em nome de AA, com o número ..., . 1 (um) Cartão de débito, em nome da sociedade ... e DR BB, com o número ..., . 1 (um) Cartão de débito, em nome da sociedade ... e DR BB, com o número ..., . 1 (um) Cartão de débito, em nome da sociedade ... e DR BB, com o número ..., . 1 (um) Cartão de débito, em nome da sociedade ... e DR AA, com o número ..., . 1 (um) Cartão de débito ..., em nome de DR BB e da sociedade ..., com o número ..., . 1 (um) Cartão bancário ..., em nome de GG, com o número .... - 1 (uma) Carta de condução dos ..., pertencente a AA, com o número …, - 1 (um) Passaporte, emitido pela ... em .../.../2022, figurando como seu titular AA e válido até ...-...-2037 - 1 (um) Passaporte, emitido pela República Portuguesa em .../.../2023, figurando como seu titular AA e válido até ...-...-2028; - 1 (um) Passaporte, emitido pela República Portuguesa em .../.../2018, figurando como seu titular AA e válido até .../.../2023; - 1 (uma) factura datada de .../.../2023, emitida por "...", sedeada no ... nela constando o nome AA e apresentando como descrição do objecto adquirido "...", no montante total de 2.550,00 AED (dois mil e quinhentos dirhams dos ...), constando assinatura do cliente, - 3 (três) facturas emitidas pela "...", especificamente: . 1 (uma) factura com número 3899 e com data .../.../2020, contendo o nome e assinatura do cliente, nomeadamente, AA, e relativa a um item com a descrição "…", com o valor total de 3.100 (três mil e cem dirhams dos ...), . 1 (uma) factura com número 5074 e com data .../.../2021, relativa a um item com a descrição " ...", a um item com a descrição "…" e a um item com a descrição "…", com o valor total 2.800 (dois mil e oitocentos dirhams dos ...), . 1 (uma) factura com número 5080 e com data .../.../2021, relativa a um item com a descrição "…", e "…", com o valor total 3.000 (três mil dirhams dos ...), - 2 (duas) facturas emitidas pela "...", com a assinatura de cliente, nomeadamente: . 1 (uma) factura com o número …, com data de ... de ... de 2021, com o nome de cliente GG, perfazendo o total de 5,880.00 dirhams dos ... e com a descrição com os seguintes itens: - "22K Ring", peso de 3,90, no montante de 968,00 (novecentos e sessenta e oito dirhams dos ...), - "22k Earring", peso 8,90, no valor de 2.208,00 (dois mil e duzentos e oito dirhams dos ...), - "22K Ring", com peso 20,90, no montante de 2.704,00 (dois mil e setecentos e quatro dirhams dos ...). . 1 (uma) factura com o número …, com data de ... de ... de 2021, com o nome de cliente AA, perfazendo o total de 6.300,00 dirhams dos ... e com a descrição com os seguintes itens: - "22k Bangle", com peso 24,20, no montante de 5.800,00 (cinco mil e oitocentos dirhams dos ...), - "22k Earring", com peso 1,.80, no montante de 500,00 (quinhentos dirhams dos ...). - 2 (dois) certificados de joalharia, cor de rosa, com a descrição “…” ..., datados de ...-...-2020, nomeadamente, um certificado relativo a um “…” e um certificado relativo a "…" e respetiva factura com o número …, datado de .../.../2020, - 1 (um) envelope cinzento com a inscrição "…" "...", contendo um documento com a mesma inscrição e cartão de acesso ao quarto, relacionado com estadia no resort "…" "…", no ..., com data de chegada de ... de ... de 2023 e data de partida em ... de ... de 2023, - Caixa com os dizeres "... ", contendo um colar de diamantes e rubis, o respectivo certificado de autenticidade e qualidade e uma factura em nome de AA, pelo valor de 22.000,00 dirhams dos …, - 1 (uma) caixa preta, com motivo dourado à sua volta, contendo uma pulseira com brilhantes de cor branca, - 1 (uma) caixa, de cor bordeaux, contendo dois brincos com brilhantes de cor branca e dourada, - 1 (uma) caixa, de cor branca, contendo no seu interior uma caixa verde, com símbolo e designação da marca "...", nele se encontrando um cartão atestando a garantia internacional do … com número de série … e com data de compra de .../.../2021, e um relógio da marca "...", modelo "…" "…", de cor dourada e brilhantes de cor branca com mostrador de cor dourada e ponteiros brancos, - 1 (uma) caixa, cor de laranja, com a designação "..." em cor azul, nela contendo uma caixa azul com a designação "...", encontrando-se no seu interior 1 (um) relógio smartwatch da marca "...", com bracelete de cor azul com a inscrição "..." em cor vermelha e caixa em cor prateada, com m modelo de referência … e número de série …. 127. No dia ... de ... de 2024, pelas 7h00m, DD tinha na sua posse, na residência sita na ..., entre outras coisas, o seguinte: - Um talão datado de .../.../2024, relativo à conta bancária da buscada com o n.º ..., com o saldo contabilístico de € 70.162,76 (setenta mil, cento e sessenta e dois euros e setenta e seis cêntimos), - Um conjunto de documentos agrafados relativos a um Auto de Contraordenação datado do ano de 2019, emitida em nome de WW, - Na sua mala, a quantia de € 460,00 (quatrocentos e sessenta euros), - Numa caixa de roupa no seu quarto: . Num envelope de papel sem qualquer inscrição, o montante de € 2,350.00 (dois mil, trezentos e cinquenta euros), . Numa bolsa para óculos da marca ..., o montante de € 1,320.00 (mil, trezentos e vinte euros), . No interior de uma folha quadriculada, sem qualquer inscrição, o montante de € 1,000.00€ (mil euros), . No interior de um envelope fechado, que possui no seu exterior escrito o nome do seu companheiro, "XX" e no seu interior "… – ........2024 10.000€", a quantia monetária de € 5.000,00 (cinco mil euros), e um outro envelope com a seguinte inscrição no seu interior: "Há ........23 5.000€" assim como uma rúbrica, contendo no seu interior o montante de € 5.000,00 (cinco mil euros). 128. No dia ... de ... de 2024, pelas 7h00m, QQ tinha na sua posse, na residência sita na ..., entre outras coisas, o seguinte: - Documentação diversa referente às sociedades ... e ..., - Comprovativo de transferência bancária, datado de .../.../2024, da conta com o n.° ... para o beneficiário DD, com o NIB de destino ..., no valor de € 1.720,00 (mil setecentos e vinte euros), - E-mail, datado de .../.../2022, o qual tem como remetente YY e como destinatários AA e BB, tendo como assunto "Desempenho do ZZ", - No interior da primeira gaveta da mesinha da cabeceira, a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), dividida em quatro notas de valor facial de € 100,00 (cem euros) e vinte e duas notas de valor facial de € 50,00 (cinquenta euros). 129. Agiram os arguidos BB e AA, da forma descrita, em execução de plano previamente traçado por ambos com o propósito, concretizado, de se organizarem no sentido de ludibriar a Autoridade de Gestão deste Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (Agência para o Desenvolvimento e Coesão), apoiado pelo FEDER, com um projecto que tinha como objectivo a criação de uma unidade de produção e comercialização de pellets, produzidas através da biomassa florestal na cidade da ..., no exclusivo propósito de obtenção de proveitos económicos ilegítimos para as empresas que administravam e em proveito próprio. 130. Mais defraudaram os organismos públicos afectos à tomada de decisões, respeitantes quer à aprovação de candidaturas, quer ao acompanhamento dos projectos, nomeadamente, por via da certificação das despesas, quer ao pagamento dos incentivos, com o que lograram obter o pagamento de incentivos comunitários no montante global de € 6.732.650,00. 131. Com a descrita conduta, lograram os arguidos BB e AA, no seguimento do plano por si delineado, prestar falsas informações, quer respeitantes à própria natureza da candidatura e valor do investimento a realizar e a co-financiar, quer na ocultação de situações de conflito de interesses, e, bem assim, no fabrico e utilização de documentos falsos (contratos, facturas e transferências bancárias), provocando um prejuízo ao Estado Português no valor de € 6.732.650,00, que terá que devolver à Comunidade Europeia. 132. Os arguidos BB e AA fizeram seu e da sociedade ... o montante de € 6.732.650,00, pago pela Autoridade de Gestão a título de apoio concedido à sociedade, bem sabendo que tal quantia monetária tinha sido atribuída indevidamente, com base em informação e documentação não verdadeira e em elementos que, a serem conhecidos pela Autoridade de Gestão, nunca dariam lugar à atribuição do incentivo ora em causa. 133. A sua actuação teve sempre subjacente esse conhecimento e foi motivada pela vontade de virem a beneficiar de montantes de subsídio, como beneficiaram, que sabiam não lhes ser devido. 134. Agiram, ainda, os arguidos BB e AA com intenção de dissimular a proveniência dos montantes obtidos de forma ilegítima e usados para simular o investimento de capitais próprios, convertendo, assim, tais vantagens, em património de natureza diversa. 135. Os arguidos BB e AA agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em comunhão de esforços, bem sabendo que todas as suas condutas eram punidas e proibidas por lei penal. Tal factualidade integra a prática pelos arguidos BB e AA, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, na forma agravada, previstos e punidos pelo artigo 36.º, n.ºs 1, alíneas a), b) e c), 2 e 5, alínea a), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro. Provas que fundamentam a detenção: - Doc. de fls. 5-11 – Termo de Aceitação / contrato de concessão de incentivos - Docs. de fls. 14verso-16 e 19verso-20 – Contratos de sociedade por quotas – .... - Doc. de fls. 22 verso – Informação económico financeira de empresas NIPC: ... - Doc. de fls. 23-25 – Contrato de mútuo entre ... e GG e HH - Doc. de fls. 25 verso-26 verso – Extracto bancário da conta da ... no ... - Doc. fls. 27 – Comprovativo de transferência a crédito na conta da ... no ..., proveniente de conta da ... - Doc. de fls. 61-64 – Certidão permanente da ... - Doc. de fls. 65-67 – Certidão permanente da ... - Doc. de fls. 73 – Informação do IAPMEI, Agência para a Competitividade e Inovação - Doc. de fls. 85-88, 90-94, 95, 210-239 – Elementos dos PAP’s ---, ---, --- e --- - Doc. de fls. 260-265 – Auto de diligência (sede ...) - Doc. de fls. 285 – Fluxos de movimentação bancária entre contas da ..., ... e ... - Doc. de fls. 541 – cota (depósitos em numerário na conta do ... da ..., feitos por DD) - Doc. de fls. 996-997 – Informação / Cota - Doc. de fls. 998-1019 – Acusação de AAA e BBB, no ..., pelos crimes de tráfico de influência em transacção comercial e lavagem de dinheiro - Doc. de fls. 1193-1194 – Informação do ... - Doc. de fls. 2024-2032 – Cota, certidão permanente da ... - Doc. de fls. 2436-2438 – Informação da Agência para o Desenvolvimento e Coesão - Doc. de fls. 3188-3212 – Informação da Agência para o Desenvolvimento e Coesão e Relatório Técnico de Visita - Doc. de fls. 3907-3910 (com tradução a fls. 3919-3923) – Contrato entre a ... e a ... - Doc. de fls. 3911-3918 (Tradução do contrato a fls. 3924-3930) – Contrato entre a ... e a … - Doc. de fls. 3971-3979 – Aviso n.º …/2017 - Inquirição de FF a fls. 4000-4003 - Inquirição de CCC a fls. 4004-4005 - Auto de leitura e análise de conteúdo de telemóvel de fls. 4035-4047 - Certidão permanente ora junta. - Processo apensado com o n.º 1439/23.9... – Doc. de fls. 7-8, 17-45 e 590-598 e Doc. de fls. 3-13 do Apenso II a este inquérito - Apenso A – Informações remetidas pelo IAPMEI - Apenso de Investigação Patrimonial e Financeira – Relatório Intercalar de fls. 191-234 - Apenso GRA – Relatório Adicional e Relatório IRN - Apenso Relatório Preliminar Exame Pericial n.º 612/2022-EP-UPFC sede – Relatório de fls. 1-29 - Doc. de fls. 51 do Apenso 1-A - Doc. de fls. 2 do Apenso bancário 3 - Doc. de fls. 43 do Apenso Bancário 1-B - Apensos de transcrições de intercepções telefónicas - Alvo ... (AA) - Alvo ... (IMEI AA) - Alvo ... (BB) - Alvo ... (BB) - Alvo ... (DDD) - Alvo EMAIL366 (AA) - Apensos buscas: - Auto de busca e apreensão - Apenso de busca – Busca Domiciliária – Equipa 3 - Auto de busca e apreensão - Apenso de busca – Busca Domiciliária – Equipa 5".
3.1. Do mérito do recurso.
Da verificação dos pressupostos da aplicação da medida de coacção de prestação de caução.
Os factos fortemente indiciados permitem imputar aos recorrentes a prática, em co-autoria material, de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, na forma agravada, previsto pelo artigo 36.º n.º 1 alíneas a), b) e c), n.º 2 e n.º 5 alínea a), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20/01, punível com pena de prisão de 2 a 8 anos.
Deste modo, em concreto, a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva é admissível nos termos do artigo 202.º n.º 1 alínea a) do Código Processo Penal.
Por outro lado, o caso concreto impõe exigências que tenham por finalidade acautelar o perigo de fuga, o perigo de continuação da actividade criminosa e o perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas, os quais foram assinalados no despacho recorrido.
Os recorrentes não têm antecedentes criminais, os factos fortemente indiciados foram praticados ao longo de um período de cerca de dois anos, compreendido entre o mês de ... de 2018 e o mês de ... de 2020, não se encontrando indiciada a prática de qualquer outro ilícito criminal durante o período posterior a esta última data.
Pelo que, como bem assinala o despacho recorrido o perigo de continuação da actividade criminosa se encontra esbatido – pela ausência de comportamento desviante nos últimos quase cinco anos –, assim como, se encontra esbatido o perigo de perturbação da tranquilidade pública, por decurso desse prazo – sabido que a memória colectiva se esfuma com o passar do tempo.
O perigo de fuga é mais exigente em termos cautelares que os anteriores.
Como se afirma correctamente no despacho recorrido "um dos arguidos tem fortes ligações a países estrangeiros, designadamente no ..., com residência aí declarada, dispondo, por isso, de facilidades para se ausentar para o estrangeiro, atento possuírem capacidade financeira para tal, e sendo o arguido AA titular de passaporte emitido pela ..., válido até .../.../2037 (que se encontra apreendido à ordem dos presentes autos), consideramos fazer-se, igualmente, sentir, relativamente a cada um dos arguidos, um concreto perigo de fuga, uma vez que sabendo-se os arguidos indiciados da prática de um crime desta gravidade e da previsibilidade de, em audiência de julgamento, provando-se os factos pelos quais se encontram, por ora, fortemente indiciados, virem a ser condenados em pena de prisão efectiva, existe um forte perigo de qualquer um dos arguidos fugir do país, na tentativa de se eximir à acção da justiça".
Com efeito, o arguido AA tem ligações a países da península arábica (autorização de residência e contas bancárias) e passaporte emitido pela .... Por seu turno, o arguido BB exerce a actividade profissional de ..., em regime de profissional liberal, sendo membro da ....
Desta forma, manifestando-se os perigos acima referidos com as exigência cautelar enunciadas, afigura-se, como bem fundamenta o despacho recorrido, a conjugação de aplicação de medidas de coacção não privadoras da liberdade dos arguidos.
Em suma, encontram-se preenchidos todos os requisitos processual que possibilitam a aplicação, para além de outras, da medida de coacção de obrigação de prestação de caução.
E, em concreto a aplicação desta medida de coacção é necessária, adequada e proporcional às exigências cautelares que o caso requer.
Conforme definição alcança pelo Senhor Juiz Desembargador EEE no acórdão do Tribunal da Relação de 04/05/2022, proferido no processo 68/22.9JAPDL-A.L1:
"Os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade previstos no n.º 1 do artigo 193.º do Código Processo Penal devem considerar-se conceptualizados da seguinte forma: a. Necessidade: "consiste em que o fim visado pela concreta medida de coacção (…) decretada não pode ser obtido por outro meio menos oneroso para os direitos do arguido", estando essas medidas previstas, em consonância, numa escala de crescente gravidade a partir do TIR, passando por outras não privativas da liberdade até às duas mais graves - a obrigação de permanência na residência e a prisão preventiva -, que "só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção" (cfr. nº 2 daquele preceito), devendo, ainda assim, ser dada preferência à primeira sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares" (cfr. nº 3 do mesmo preceito). b. Adequação: "consiste em que as medidas de coacção (…) devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer". c. Proporcionalidade: "consiste em que as medidas de coacção devem ser proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas"35.
Ora, a imposição da medida de coacção de obrigação de prestação de caução é adequada à exigência cautelar que visa minimizar o perigo de fuga.
A medida de coacção de obrigação de prestação de caução é proporcional à gravidade da conduta criminosa dos recorrentes (crime de fraude na obtenção de subsídio agravado) e, igualmente, à sanção que previsivelmente lhe será aplicada dentro das molduras penais de 2 a 8 anos de prisão.
Finalmente, é necessária a aplicação da medida de coacção de obrigação de prestação de caução, por não existe outra medida de coacção não privadora de liberdade que, em concreto, permita alcançar o mesmo nível de cautelas face ao perigo de fuga.
Desta forma, é de confirmar a imposição pelo tribunal a quo da medida de obrigação de prestação de caução e no montante fixado, tendo em consideração a capacidade económica dos arguidos.
Da substituição da medida de coacção de prestação de caução pela medida de coacção de obrigação de apresentações periódica perante o OPC competente.
Os recorrentes pugnaram pela aplicação de medida de coacção menos gravosa que a medida de coacção de obrigação de prestação de caução no montante de € 100.000,00, designadamente, medida de coacção de obrigação de apresentações periódica perante o OPC competente.
Tendo em consideração a intensidade do perigo de fuga manifestado no processo, a medida de coacção de obrigação de apresentações periódica perante o OPC competente é manifestamente insuficiente e desadequada para acautelar a intensidade do perigo em causa.
Com efeito, perante a situação económica e financeira dos arguidos, as ligações que mantém com países estrangeiros, a medida de coacção de obrigação de apresentações periódica perante o OPC competente não é eficaz para prevenir o perigo de fuga, por não permitir uma reacção tempestiva a uma manifestação de fuga dos arguidos. Ou seja, perante a prática de crimes de índole económico-financeira a medida de coacção de obrigação prestação de caução é a medida que melhor serve o propósito de impedir a fuga de agentes de prática dos denominados "crimes de colarinho branco".
Pelo que, não se vislumbra qualquer possibilidade de adequação ou suficiência a substituição pugnada pelos arguidos.
4. Dispositivo
Por todo o exposto, acordam os juízes que compõem a 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o recurso e, consequentemente, manter o despacho proferido.
Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 3 UC, cada um – artigo 513.º do Código Processo Penal.
Notifique.
Lisboa, 21 de Maio de 2025
Francisco Henriques
Rosa Vasconcelos
Cristina Isabel Henriques
_______________________________________________________
1. Cfr. Doc. de fls. 3971-3979.
2. Cfr. Resolução do Conselho de Ministros n.º 167-B/2017, publicada no Diário da República, 2º Suplemento, Série I, de 02/11/2017, que veio determinar a adopção de medidas de apoio à actividade empresarial nos territórios afectados pelos incêndios 15/10/2017, prevendo a alínea c) do n.º 2, a abertura de concursos específicos, no âmbito do Programa Qualifica, de apoios a projectos de investimento produtivo empresarial localizados em territórios afectados pelos incêndios.
3. Cfr. Certidão permanente de fls. 61-64.
4. Cfr. Doc. de fls. 2-22 do Apenso A – Informações remetidas pelo IAPMEI.
5. Cfr. Apenso A – Informações remetidas pelo IAPMEI.
6. Cfr. Doc. de fls. 73 e Apenso A – Informações remetidas pelo IAPMEI.
7. Cfr. Certidão permanente de fls. 61-64 e contrato de sociedade de fls. 14 verso - 20
8. Cfr. Doc. de fls. 5-11.
9. Cfr. Doc. de fls. 23-25.
10. Cfr. Doc. de fls. 25 verso – 26 verso.
11. Cfr. Doc. fls. 27.
12. Cfr. Docs. de fls. 85-88, 213-217 e 221-225
13. Cfr. Docs. de fls. 85 e 90-94.
14. Cfr. Doc. de fls. 226-239.
15. Cfr. certidão permanente de fls. 65-67.
16. Cfr. Doc. de fls. 22 verso.
17. Cfr. Doc. de fls. 260-265.
18. Cfr. Informação de fls. 996-997.
19. Cfr. Informação de fls. 996-997.
20. Cfr. Doc. de fls. 998-1008
21. Cfr. Doc. de fls. 51 do Apenso 1-A.
22. Cfr. Doc. de fls. 2 do Apenso bancário 3.
23. Cfr. Doc. de fls. 93-118 do Apenso Informações Remetidas pelo IAPMEI
24. Cfr. Decisão constante a fls. 96 verso do documento de análise comparativa das propostas apresentadas a fls. 93-140 do Apenso Informações Remetidas pelo IAPMEI.
25. Cfs. Doc. de fls. 174-179 do Apenso Informações Remetidas pelo IAPMEI.
26. Cfr. Tradução do contrato, constante de fls. 3924-3930.
27. Folha elaborada pela ... para o cliente ..., junta a fls. 135-138 do Apenso Informações Remetidas pelo IAPMEI.
28. Cfr. Doc. de fls. 43 do Apenso Bancário 1-B.
29. Cfr. Documento de fls. 3907-3910, com tradução a fls. 3919-3923.
30. Cfr. artigo 32.º, n.º 2, alínea c), do RECI.
31. Cfr. artigo 1.º, ponto 10, da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro.
32. Cfr. Doc. de fls. 3191-3205.
33. Cfr. Doc. de fls. 2025-2026.
34. Cfr. Doc. de fls. 2024-2032.
35. In, https://www.dgsi.pt/Jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/75e299bb16030a688025886e0050256e?OpenDocument.