IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
IN DUBIO PRO REO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Sumário

I – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto: Não pode proceder tal impugnação, quando o Tribunal a quo entendeu ser possível concluir, da análise da toda a prova produzida, estar suficientemente demonstrada sem qualquer dúvida, a factualidade que se encontra descrita na acusação, relativamente à agressão de que foi vítima o ofendido e considerou assim cada um dos arguidos recorrentes, responsáveis pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p.p no art.º 143º n º 1 e 145º n º 1 a) e nº 2 por referência ao art.º artº 132º nº 2 alínea h) todos do C.Penal. A decisão da matéria de facto, tem de resultar da análise conjunta e avaliação crítica de toda a prova produzida em audiência e não apenas de segmentos fragmentados dessa mesma prova. Por outro lado, de acordo com o referido princípio da livre apreciação da prova que domina o nosso sistema (por oposição ao regime da prova legal) não existem normas que determinam o valor ou a eficácia probatória a atribuir a cada meio probatório. Nessa medida, a atribuição de maior ou menor força a um meio de prova depende apenas da convicção do julgador, desde que se mostre de acordo com a experiência comum. E quando a valoração da prova é feita pelo Tribunal a quo de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, a convicção assim formada pelo Tribunal a quo, não pode ser censurada, sob pena de se aniquilar a livre apreciação da prova do julgado, construída na base da imediação e da oralidade.
II – Violação do princípio In dubio pro reo: Não existe violação deste princípio, quando resulta da decisão recorrida designadamente da fundamentação de facto, a indicação e exame crítico das provas em que se baseou a convicção do Tribunal, quanto ao crime de ofensa à integridade física qualificada imputado aos dois arguidos, não se vislumbrando que o Tribunal a quo, tivesse dado como provado, qualquer um dos factos que como tal enumerou, tendo dúvidas sobre a sua verificação, nem se afigurando, que tais dúvidas devessem ter existido.
III – Impugnação da decisão que fixou o quantum da pena: esta pretensão dos arguidos recorrentes é julgada improcedente, quando da fundamentação da sentença na 1ª instância, quanto à escolha e graduação da medida da pena, resulta que o Tribunal recorrido teve em atenção todos os factores, que legalmente devem ser valorados nesta sede. Isto é, quando foi devidamente ponderado, as elevadas exigências de prevenção geral, que se revelam acentuadas no caso em apreço – considerou-se ser significativa a frequência da prática deste tipo legal de crime, exigindo-se por isso, que o Tribunal através do sancionamento adequado das condutas ilícitas dos arguidos, contrarie o elevado sentimento de insegurança que a ocorrência de factos como os dos autos gera na comunidade – bem como as pouco significativas as exigências de prevenção especial, dado a ausência de antecedentes criminais dos arguidos recorrentes. Foi ainda ponderado, o conjunto de factos praticados pelos agentes e o context em que os mesmos tiveram lugar, o grau de intensidade do dolo e as consequências resultantes da sua actuação (para o ofendido que ficou com cicatrizes e afectado na sua capacidade de trabalho em consequência da agressão de que foi vítima), bem como a idade e personalidade dos arguidos, que sobressai da sua actuação, descrita na sentença e claro, a sua ausência de antecedentes criminais e inserção sociofamiliar dos mesmos. Deste modo, não releva a discordância dos arguidos, feita em termos genéricos, quanto ao quantum da pena que lhes foi aplicada, por não estar essa discordância assente em qualquer substrato factual relevante e e a sua convicção não se poder substituir à convicção do julgador – sendo certo que da factualidade apurada, resultou haver razão para distinguir as intervenções dos dois arguidos, em função da culpa de cada um e daí a determinação de uma pena concreta de prisão com alguma diferença de meses, tendo essa opção ficado bem explicada no texto da sentença.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
1 - No processo nº 623/19.4PDAMD, do Juízo Local Criminal da Amadora - Juiz 3, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, os arguidos AA, filho de BB e de CC, natural da ..., nascido a .../.../1964, solteiro, desempregado, residente na ..., DD, filho de EE e FF, natural de ..., nascido a .../.../1983, solteiro, ..., residente na ..., GG, filho de HH e de II, natural de ..., nascido a .../.../1973, divorciado, desempregado, residente na ..., e JJ, filho de KK e de LL, natural da ..., nascido a .../.../1975, solteiro, desempregado, residente no ..., Imputando-lhes o MP, factos suscetíveis de integrar a prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, números 1, alínea a) e 2, por referência ao art.º 132º, n. 1, alínea h), todos do Código Penal.
O arguido GG apresentou contestação, nos termos da qual negou os factos constantes da acusação, e arrolou 2 testemunhas.
Admitiu que existiu uma altercação entre o mesmo e o ofendido, na sequência da qual trocaram impropérios, em virtude dos fumos emanados de um churrasco que se encontrava a fazer no local onde tem um ferro velho. E que, ato contínuo, o ofendido, após se ter deslocado a casa, voltou com um pau na mão, razão pela qual se muniu de um ferro. Não obstante, sustentou que não chegou a haver qualquer confronto entre si e o ofendido.
Ademais, sustentou que a acusação padece de vários vícios, designadamente, troca de apelidos, porquanto o mesmo é referido como MM e o coarguido DD como NN.
Concluiu, requerendo a absolvição do crime pelo qual vem acusado.
Também o arguido JJ, apresentou contestação, oferecendo o merecimento dos autos, e arrolou testemunhas.
Mediante requerimento, datado de 16/08/2023, OO, deduziu pedido de indemnização cível contra os arguidos, peticionando a condenação destes no pagamento de uma indemnização de € 5.074,96, para reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais.
Por despacho, datado de 30/10/2023, e em virtude de o valor peticionado ser superior a € 5.000,00, foi o demandante cível notificado para, em 10 dias, constituir advogado que o representasse, ratificando o processado, sob pena do estatuído no art.º 41.º do CPC.
Regularmente notificado, OO não constituiu advogado, razão pela qual, por despacho, datado de 12/02/2024, se absolveram os demandados cíveis da instância, no que respeita ao pedido de indemnização cível formulado por aquele.
Por requerimento, datado de 28/08/2023, o Hospital PP, formulou pedido de indemnização civil contra os arguidos, com fundamento nos cuidados de saúde prestados ao ofendido, no valor de € 25,84, acrescido de juros de mora legais desde a data da notificação para contestar e até efetivo e integral cumprimento.
Notificados os demandados cíveis nos termos do disposto no art.º 78º do CPP, apenas GG aduziu contestação, negando a prática dos factos alegados no PIC e pugnando pela sua absolvição.
Tribunal comunicou uma alteração não substancial dos factos e uma alteração da qualificação jurídica às defesas, ao abrigo do art.º 358º, nºs 1 e 3 do CPP, nada tendo sido requerido.
2 - Realizado o julgamento, por sentença proferida em 14-06-2024, foram os arguidos absolvidos e condenados nos seguintes (transcritos) termos:
IVDispositivo
IV-a) – Quanto à parte penal
Em face do exposto, julga-se a acusação pública parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, decide-se:
1. Absolver o arguido DD pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1 e 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2, por referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. h), todos do CP.
2. Declarar extinta a medida de coação de TIR a que o arguido DD se encontra sujeito, nos termos do art.º 214.º, n.º 1, alínea d), do CPP.
3. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos art.ºs 26.º, 143.º, n.º 1 e 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2, por referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. h), todos do CP, na pena de 1 (ano) e 2 (dois) meses de prisão, substituída pela prestação de 420 horas de trabalho a favor da comunidade.
4. Condenar o arguido GG pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos art.ºs 26.º, 143.º, n.º 1 e 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2, por referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. h), todos do CP, na pena de 1 (ano) e 5 (cinco) meses de prisão, substituída pela prestação de 480 horas de trabalho a favor da comunidade.
5. Condenar o arguido JJ pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos art.ºs 26.º, 143.º, n.º 1 e 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2, por referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. h), todos do CP, na pena de 1 (ano) e 7 (sete) meses de prisão, substituída pela prestação de 480 horas de trabalho a favor da comunidade.
6. Condenar os arguidos AA, GG e JJ no pagamento das custas do processo, fixando-se, para cada um, a taxa de justiça em 3 UC, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III anexa ao Regulamento, e artigos 513.º e 514.º, todos do Código de Processo Penal, sem prejuízo do apoio judiciário a que haja lugar.
IV-b) – Quanto à parte cível
Em face do exposto, julga-se o pedido de indemnização cível parcialmente procedente e, em
consequência, decide-se:
1. Absolver o demandado DD do pedido;
2. Condenar os demandados AA, GG e JJ no pagamento ao demandante PP, da quantia de € 25,84 (vinte e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4 %, desde a notificação para contestar (12-11­2023) e até efetivo e integral pagamento;
Sem custas, nos termos do art.º 4º, nº 1, al. n) do RCP.
*
Adverte-se expressamente os arguidos AA, GG e JJ de que o incumprimento do plano de trabalho que vier a ser homologado poderá determinar o cumprimento da pena de prisão que lhes foi aplicada.
Após trânsito:
- Oficie e solicite à DGRSP, com cópia da presente decisão, a elaboração de plano de trabalho aos arguidos AA, GG e JJ.
- Remeta boletins ao registo criminal – artigos 374º, nº 3, alínea d), do CPP, e 6º, 7º, 11º, e 12º do Decreto-Lei nº 171/2015, de 25 de agosto, e 6º, alínea a), da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio.
Notifique e deposite a presente sentença, de acordo com o art.º 372º, nº 5, do CPP.
3 – Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido AA, sendo que a motivação apresentada termina com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:
1. O arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 26º, 143º nº1 e 145º nºs 1 alínea a) e 2, por referência ao artigo 132º nº 2 alínea h), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, substituída pela prestação de 420 horas de trabalho a favor da comunidade.
2. Os pontos de facto considerados incorrectamente julgados são os constantes dos itens nº 1, 2 e 10 - todos dos “Factos Provados”.
3. Em relação aos pontos nº 1 e 2 dos “Factos Provados” não foi apresentada qualquer prova durante a audiência que confirmasse que os arguidos tenham "acordado entre si", agido "em execução do referido plano" ou em "comunhão de esforços". O tribunal baseou a sua convicção nas declarações do ofendido e de testemunhas que não apresentaram evidências concretas sobre a coordenação entre os arguidos.
4. No que respeita ao ponto nº 10 dos “Factos Provados”, as testemunhas QQ e RR apresentaram declarações contraditórias e não conclusivas sobre o arguido AA ter atingido o corpo do ofendido.
5. A testemunha QQ inicialmente afirmou não ter visto AA bater no ofendido, mas mudou sua declaração após várias perguntas do tribunal, o que gera dúvida razoável sobre a veracidade de sua afirmação. A testemunha apresentou declarações confusas e contraditórias, inicialmente afirmando que não viu AA bater no ofendido, mas depois, sob repetidas perguntas, disse que AA bateu. Esta oscilação nas declarações da testemunha QQ sugere falta de clareza e consistência, insuficientes para uma condenação segura.
6. As contradições geram dúvidas razoáveis sobre a culpabilidade do arguido. Assim, o arguido deveria ser beneficiado com a presunção de inocência devido à falta de provas conclusivas e consistentes contra ele, com base no princípio do in dubio pro reo.
7. A testemunha RR foi incapaz de especificar quem estava a agredir o ofendido, indicando incerteza quanto aos papéis individuais nas agressões. A testemunha afirmou que não conseguia lembrar-se exatamente quem estava a agredir o ofendido, indicando incerteza sobre os atos específicos de cada indivíduo. A falta de clareza nas declarações de RR impede a atribuição precisa das agressões ao arguido AA, gerando dúvidas razoáveis sobre a sua participação.
8. A testemunha refere ainda várias pessoas a separar a briga, não sendo conclusiva sobre o papel de cada pessoa nas agressões, dizendo que "não sei" e mencionando que outras pessoas estavam envolvidas na separação.
9. Existe dúvida razoável quanto à participação do ora recorrente, AA, nas agressões, face aos depoimentos contraditórios e a falta de especificidade nos atos que lhe são atribuídos.
10. O próprio ofendido reitera não ter certezas que o ora recorrente o tenha agredido.
6. Na presença de dúvidas razoáveis e objetivas sobre a ocorrência dos factos imputados a um arguido, deve prevalecer a absolvição.
11. O princípio in dubio pro reo identifica-se com a presunção de inocência do arguido a que alude o art.º 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa e o art.º 11º, nº 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e impõe que o julgador valore sempre em favor daquele.
13. Com base nas evidências apresentadas, há INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA (al. a)) do nº 2 do artigo 410º do CPP) para sustentar a condenação do arguido AA, devendo prevalecer a sua absolvição.
14. A pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, substituída pela prestação de 420 (quatrocentas e vinte) horas de trabalho a favor da comunidade, é excessiva e desproporcional face às circunstâncias do caso.
15. A determinação da medida concreta da pena deve considerar a culpa do agente e as exigências de prevenção, conforme o artigo 71º, nº 1, do Código Penal.
16. As circunstâncias atenuantes referidas na douta sentença são a ausência de antecedentes criminais dos arguidos AA, com idade de 54 anos e a inserção sociofamiliar positiva do mesmo.
17. A falta de precisão sobre a extensão da participação do arguido nos atos lesivos implica um juízo de censura consideravelmente inferior.
18. A aplicação de uma pena situada nos limites mínimos legais é mais ajustada às finalidades da punição, considerando as circunstâncias atenuantes e a falta de clareza sobre a participação do arguido.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve revogar-se a sentença recorrida e substituí-la por outra que, fazendo correta apreciação e valoração da prova produzida, absolva o recorrente da prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º nº1 e 145º nºs 1 alínea a) e 2, por referência ao artigo 132º nº 2 alínea h), todos do CP, ou, caso assim não se entenda, que condene o recorrente em pena situada nos limites mínimos legais
Assim é de J U S T I Ç A!
4 – Igualmente inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, GG, sendo que a motivação apresentada termina com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:
I. O arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 26º, 143º n.º1 e 145º nºs 1 alínea a) e 2, por referência ao artigo 132º n.º 2 alínea h), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão, substituída pela prestação de 480 horas de trabalho a favor da comunidade.
II. Os pontos de facto considerados incorrectamente julgados são os constantes dos PONTOS nº 1, 8 e 9 - todos dos “Factos Provados”.
III. Ora, em relação aos itens 1, não foi apresentada qualquer prova durante a audiência que confirmasse que os arguidos tenham “acordado entre si”, para “acertarem contas”.
IV. Quanto aos pontos 8 e 9, apenas a versão do ofendido sustenta a acusação que, s.m.o. e contrariando a tese do tribunal a quo, foram tudo menos assertivas e coerentes, demonstrando o ofendido uma animosidade geral para com a comunidade do bairro e uma personalidade vincadamente conflituosa.
V. Tirando a testemunha QQ mãe do ofendido, que também cabe referir, verbalizou ser tudo como o filho dizia, aumentado no entanto a versão dos factos ocorridos, nenhuma outra testemunha corroborou os factos pelo que não foram apresentadas provas concretas dos factos dados como provados, não se alcançando em que medida pode o tribunal formar a sua convicção.
VI. Entendemos que os depoimentos das testemunhas QQ e RR não constituem prova suficiente de um ataque ao corpo ou à saúde do ofendido por parte do ora recorrente, havendo lugar à aplicação do princípio do IN DUBIO PRO REO.
VII. A testemunha RR foi incapaz de especificar quem estava a agredir o ofendido, indicando incerteza quanto aos papéis individuais nas agressões. A testemunha afirmou que não conseguia lembrar-se exatamente quem estava a agredir o ofendido, indicando incerteza sobre os atos específicos de cada indivíduo. A falta de clareza nas declarações de RR impede a atribuição precisa das agressões ao arguido GG, gerando dúvidas razoáveis sobre a sua participação.
VIII. A testemunha refere ainda várias pessoas a separar a briga, não sendo conclusiva sobre o papel de cada pessoa nas agressões, dizendo que "não sei" e mencionando que outras pessoas estavam envolvidas na separação.
IX. Existe dúvida razoável quanto à participação do ora recorrente, GG, nas agressões, face aos depoimentos contraditórios e a falta de especificidade nos atos que lhe são atribuídos.
X. Na presença de dúvidas razoáveis e objetivas sobre a ocorrência dos factos imputados a um arguido, deve prevalecer a absolvição.
XI. O princípio in dubio pro reo identifica-se com a presunção de inocência do arguido a que alude o art.º 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa e o art.º 11º, nº 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e impõe que o julgador valore sempre em favor daquele.
XII. Com base nas evidências apresentadas, há INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA (al. a)) do nº 2 do artigo 410º do CPP) para sustentar a condenação do arguido GG, devendo prevalecer a sua absolvição.
XIII. A pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão, substituída pela prestação de 480 (quatrocentas e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade, é excessiva e desproporcional face às circunstâncias do caso.
XIV. A determinação da medida concreta da pena deve considerar a culpa do agente e as exigências de prevenção, conforme o artigo 71º, nº 1, do Código Penal.
XV. As circunstâncias atenuantes referidas na douta sentença são a ausência de antecedentes criminais dos arguidos GG, com idade de 46 anos e a inserção sociofamiliar positiva do mesmo.
XVI. A falta de precisão sobre a extensão da participação do arguido nos atos lesivos implica um juízo de censura consideravelmente inferior.
XVII. A aplicação de uma pena situada nos limites mínimos legais é mais ajustada às finalidades da punição, considerando as circunstâncias atenuantes e a falta de clareza sobre a participação do arguido.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve revogar-se a sentença recorrida e substituí-la por outra que, fazendo correta apreciação e valoração da prova produzida, absolva o recorrente da prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º nº1 e 145º nºs 1 alínea a) e 2, por referência ao artigo 132º nº 2 alínea h), todos do Código Penal, ou, caso assim não se entenda, que condene o recorrente em pena situada nos limites mínimos legais.
Assim se fará J U S T I Ç A!
É o que expõe e Requer,
5 - Ambos os recursos foram admitidos na 1ª instância, por despacho proferido em 17-09-2024.
6 - O Ministério Público apresentou resposta, mas apenas relativamente ao recurso interposto pelo arguido AA, o qual finaliza com as seguintes (transcritas) conclusões:
I. Considera o arguido, aqui recorrente, que da audiência de julgamento resultou uma factualidade diversa da que foi dada como provada nos pontos 1, 2 e 10 da sentença recorrida;
II. Contudo, a matéria de facto dada como provada na sentença reproduz, com fidelidade, o teor da prova produzida em sede de audiência de julgamento – prova testemunhal, documental e pericial- estando devidamente fundamentada a convicção do julgador, em termos que subscrevemos inteiramente;
III. O Mmº Juíz a quo, na Motivação da Decisão de Facto, efectuou alusão ao depoimento do ofendido, das testemunhas QQ e RR, às declarações do arguido AA de forma crítica e bem fundamentada, sustentando a razão da sua valoração dos pontos da matéria de facto colocada em causa pelo recorrente, bem como relativamente à não valoração, cumprindo integralmente o dever de fundamentação que se impõe;
IV. Andou bem o Mmº Juiz a quo, “lendo” a prova de forma perspicaz e atenta, explicitando de forma bem clara as razões de ter atribuído maior credibilidade à versão dos factos apresentada pelo ofendido e pelas testemunhas QQ e RR em detrimento da versão dos factos apresentada pelo arguido, o qual, no essencial, negou a prática dos mesmos e aqueles que admitiu conferiu-lhe um contexto diverso;
V. Conforme bem refere o tribunal “a quo” na motivação da decisão”, “No que concerne concretamente aos factos n.ºs 2 a 7 considerado provadas,o ofendido referiu que, enquanto se encontrava no terraço da sua residência, ouviu uma voz a perguntar “onde é que ele está”, vendo depois os arguidos JJ e AA, bem como o SS e um indivíduo conhecido por “DD ...”, a aproximarem-se da sua residência, tendo os mesmos parado junto ao portão que dá acesso ao terraço adjacente à mesma”;
VI. Acresce que, conforme ainda refere na sentença recorrida, “a sucessão temporal próxima dos acontecimentos; ii) o facto de o SS e o indivíduo conhecido por “DD ...”, bem como os arguidos JJ e AA, terem aparecido, em grupo e no mesmo momento, junto ao portão que dá acesso ao terraço do ofendido; iii) bem como o facto de, uma vez aí chegados, um deles ter perguntado “onde é que ele está”, outra coisa não se pode concluir senão a de que as agressões levadas aos factos provados são resultado da execução de um plano previamente elaborado, conducente ao acerto de contas com o ofendido, em virtude das situações que tinham ocorrido previamente nesse mesmo dia;
VII. Ao contrário do alegado pelo recorrente, dúvidas não existem, face à prova produzida em audiência de julgamento, que os arguidos agiram de comum acordo e em comunhão de esforços, cada um ciente e aceitando o resultado da conduta do outro, mediante um plano previamente gizado por eles, ao qual todos aderiram, ainda que não se ter logrado apurar de que forma o arguido AA atingiu o ofendido, sendo certo que as testemunhas QQ e RR, afirmaram, de forma peremptória, que viram o arguido AA a bater no ofendido, sem, contudo, lograrem recordar de que forma tal sucedeu, o que é compreensível face ao hiato de tempo decorrido desde a prática dos factos e ao nº de agressores em apreço;
VIII. A este propósito importa realçar que quando uma pluralidade de agentes comparticipa num facto - e é só nesse caso que assume relevo prático-normativo a distinção dos papéis de cada um perante a execução - nem sempre é fácil definir e autonomizar com exatidão, mesmo considerando apenas os chamados "delitos de domínio”, o contributo de cada um para a realização típica. O facto aparece, assim, como obra de uma vontade que se dirige para a produção de um resultado. Porém, não só é determinante para a autoria a vontade de direcção, mas também a importância objetiva da parte do facto assumida por cada interveniente. Daí resulta que só pode ser autor quem, segundo a importância da sua contribuição objectiva, comparte o domínio do curso do facto. Assim se encontra estatuído no artigo 26º do Código Penal;
IX. Em certas condições, o tipo pode ser realizado também por aqueles que embora não executem uma acção típica em sentido formal, detenham o domínio do facto porque nele comparticipam. Daí que possa ser punido como co-autor aquele que embora não tendo praticado qualquer acção típica tenha o domínio do facto, desde que essa sua participação seja necessária à execução com sucesso do plano pretendido. Dito de outra forma, a co-autoria consiste assim numa "divisão de trabalho", que torna possível a realização do tipo;
X. São pressupostos para a verificação da co-autoria: a consciência da colaboração a partir do acordo prévio para a realização do facto; a realização conjunta, onde o co-autor preservará, ainda, o domínio funcional da atividade que realiza, sabendo-se e querendo-se participante no conjunto da ação para a qual deu o seu acordo e que se dispôs a levar a cabo;
XI. Conforme referiu o S.T.J, em acórdão de 06.10.2004 (Processo nº 04P1875. Relator: Henrique Gaspar), disponível em www.dgsi.pt «A co-autoria fundamenta-se também no domínio do facto; o domínio do facto deve ser, então, conjunto, devendo cada coautor dominar o facto global em colaboração com outro ou outros. A coautoria supõe sempre uma ‘divisão de trabalho’ que torne possível o crime, o facilite ou diminua essencialmente o risco da ação». «Exige uma vinculação recíproca por meio de uma resolução conjunta, devendo cada coautor assumir uma função parcial de carácter essencial que o faça aparecer como coportador da responsabilidade para a execução em conjunto do facto. Por outro lado, a contribuição de cada co-autor deve revelar uma determinada medida e significado funcional, de modo que a realização por cada um do papel que lhe corresponde se apresente como uma peça essencial da realização do facto»;
XII. Assim, o acordo entre os agentes pode ser expresso ou tácito, prévio ou não à execução do facto. Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça tem, de há muito, consagrado a tese segundo a qual, para a co-autoria, não é indispensável que cada um dos intervenientes participe em todos os actos para obtenção do resultado pretendido, já que basta que a actuação de cada um, embora parcial, seja um elemento componente do todo indispensável à sua produção;
XIII. A decisão conjunta pressupondo um acordo, que, sendo necessariamente prévio pode ser tácito, pode bastar-se com a existência da consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado tipo legal de crime. Pelo que, as circunstâncias em que os arguidos actuaram nos momentos que antecederam a prática do crime podem ser indício suficiente, segundo as regras da experiência comum, dum acordo tácito. No que diz respeito à execução, não é indispensável que cada um dos comparticipantes intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes ao resultado final, basta que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do resultado;
XIV. É o que se refere no Ac. STJ de 19.3.09, disponível para consulta em www.dgsi.pt: «Essencial à coautoria é um acordo, expresso ou tácito, este assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum, bem como a intervenção, maior ou menor, dos coautores na fase executiva do facto, em realização de um plano comum, não sendo senão esse o sentido da locução «tomar parte na sua execução, por acordo ou conjuntamente com outros», como consta do já referido artigo 26.º do Código Penal. Acordo de execução que tanto pode ser extremamente simples como complexo mas comportando sempre uma divisão de tarefas; através desse acordo os coautores atribuem-se e aceitam prestar, reciprocamente, as tarefas que lhes estão confiadas, destinadas ao plano comum a concretizar; trata-se de um encontro de vontades dos coautores acerca do plano de execução e repartição de funções a ele inerente (cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal, 1953, pág. 253);
XV. Ora, as circunstâncias apuradas nos autos, demonstram, segundo as regras da experiência comum, a existência de um acordo entre todos os arguidos (e mais de uma pessoa na altura os acompanhavam, mas cuja identidade não se logrou determinar);
XVI. Não é pelo facto de o ofendido não recordar de ter sido agredido pelo arguido AA e ainda o facto de as testemunhas QQ e RR não terem logrado concretizar de que forma aquele foi atingido pelo arguido, apesar de terem afirmado, de forma peremptória, que o ofendido também foi atingido pelo aqui recorrente, que impede o arguido de ser punido como co-autor;
XVII. Mesmo que se tivesse apurado que o arguido AA não tivesse agredido o ofendido, tal não afastaria a sua responsabilidade criminal na medida que o mesmo deslocou-se à residência do ofendido mediante um plano previamente delineado por todos os arguidos, cada um ciente e aceitando o resultado da conduta do outro;
XVIII. Acresce que, que cada comparticipante deve ser punido de acordo com a sua culpa, tal como o estatuí o artigo 29º do Código Penal. Na verdade, muitas das vezes, os ofendidos ainda que não sejam capazes de concretizar, individualizando, a actuação de cada um dos comparticipantes, o certo é que a não prova dessa concreta actuação não pode deixar de ser considerada, desde logo distinguindo a punição devida a cada um dos comparticipante, sendo maior para aqueles que tiveram um papel mais interventivo, menor para os que se limitaram a fazer número, facilitando o êxito da acção dos primeiros;
XIX. Em suma e de acordo com aquilo que acima se deixa dito, está perfeitamente justificada a formação da convicção do julgador sobre os elementos da prova em apreço, em termos lógicos e de razoabilidade, em plena consagração do Princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127º do Código de Processo Penal, bem como do princípio da imediação, que encontram a sua plena aplicação aquando da apreciação da prova testemunhal;
XX. Não obstante, alega o Recorrente que o tribunal a quo deveria ter aplicado o princípio da inocência e in dubio pro reo. Este princípio implica que o julgador deve decidir a favor do arguido se, face ao material probatório produzido tiver dúvidas sobre qualquer facto. Um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. O princípio in dubio pro reo situa-se no centro da livre apreciação da prova;
XXI. Não se pode afirmar que o tribunal a quo tenha tido dúvidas aquando da valoração da prova produzida em sede de julgamento. Deste modo, não se encontrando o tribunal recorrido num estado de dúvida, face à prova produzida que é mais do que suficiente para afastar a versão do recorrente, não haverá que chamar à colação o princípio in dubio pro reo, devendo, assim, a pretensão do recorrente naufragar;
XXII. Sustenta ainda a recorrente que caso venha a ser mantida a decisão do Tribunal de primeira instância “a aplicação ao ora recorrente da pena de prisão 1 ano e 2 meses de prisão, substituída pela prestação de 420 horas a trabalho a favor da comunidade, afigura-se excessiva, desproporcional e desajustada às finalidades da punição”;
XXIII. Da análise da decisão recorrida só podemos concluir que o Tribunal de primeira instância fez uma correcta aplicação dos critérios legais de escolha e determinação da medida da pena, plasmados nos artigos 40.2 702 e 712 do Código Penal;
XXIV. Pelo que, todo o processo de escolha e determinação da pena não merece qualquer reparo, quer pelo estrito cumprimento do preceituado na nossa lei penal, quer pela rigorosa análise do factualismo a que aplicou esses mesmos critérios legais, pelo que o recorrente não tem qualquer motivo para a reputar excessiva, desproporcionada ou inadequada.
Termos em que, decidindo pela manutenção da douta sentença recorrida, nos seus exactos termos e fundamentos, farão V. Exas., como sempre, JUSTIÇA!
7- Nesta Relação, o Sr. Procurador Geral Adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, nos termos e para os efeitos do art.º 416º do C.P.P, emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos, nos termos que se transcrevem em resumo: “(…) A Magistrada do Ministério Público junto da 1 ª instância, em 23/10/2024, respondeu ao recurso interposto pelo arguido AA, defendendo a improcedência do mesmo, nada dizendo quanto ao recurso do arguido GG.
Vejamos os fundamentos dos recursos.
O recorrente AA, no essencial, invoca que a sentença apreciou incorretamente os pontos nºs 1, 2 e 10 dos factos considerados provados.
Por seu turno, o recorrente GG alega que a mesma sentença apreciou incorretamente os pontos nºs 1, 8 e 9 dos factos considerados provados.
Ambos os recorrentes entendem que o tribunal “a quo” violou os Arts. 127º do C. P. Penal, 32º, n.º 2, da CRP e, em consequência, devem ser absolvidos, sendo que, caso assim não se entenda, respetivamente, as penas de 1 ano e 2 meses de prisão, substituída pela prestação de 420 horas de trabalho a favor da comunidade (AA) e 1 ano e 5 meses de prisão, substituída pela prestação de 480 horas de trabalho a favor da comunidade (GG) impostas, porque excessivas, devem ser reduzidas para os seus limites mínimos.
Analisando os fundamentos dos recursos e a sentença recorrida forçoso é concluir que não se vislumbra, da motivação/fundamentação desta, qualquer vício ou violação de lei, mormente dos normativos invocados pelos recorrentes, falta de fundamentação, erro de apreciação, obscuridade ou ambiguidade.
Acresce que tudo aponta que os recorrentes, por via dos seus recursos, ao invocarem a apreciação incorreta da prova, que não se verifica, no fundo, pretendem pôr em causa, sim, é a forma como o tribunal valorou os elementos de prova e fixou os factos.
Porém, nesse domínio vigora o princípio da livre apreciação da prova – Cfr. Art.º 127º do C. P. Penal – sendo certo que a valoração racional e crítica, da prova foi feita, “in casu”, de acordo com a experiência, a razão e as regras comuns da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Chegados aqui nenhum sentido faz invocar a violação do princípio in dubio pro reo.
Perante a inexistência de qualquer ilogismo, postergação de regras ou princípios e violação da lei e ainda quanto as penas de prisão fixadas e sua dosimetria, a decisão recorrida não merece censura.
Face ao exposto, emite-se o parecer no sentido de que:
• Serão de improceder os recursos em análise, mantendo-se a decisão recorrida.”
8- Foi oportunamente cumprido o art.º 417º/2 do C.P.P, não tendo sido apresentadas respostas.
9- Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
II - Questões a decidir
Delimitação do objecto do recurso
Do art.º 412º/1 do C.P.P resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente definem as questões a decidir em cada caso (cf. Germano Marques da Silva em “Curso de Processo Penal” III edição 2º edição, 2000 pág. 335 e Ac. do S.T.J de 13.5.1998 em B.M.J 477º 263), exceptuando aquelas que sejam do conhecimento oficioso (cf. art.º 402º, 403º/1, 410º e 412º todos do C.P.P e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J de 19.10.1995 in D.R I – A série, de 28.12.1995).
As questões colocadas pelos dois arguidos recorrentes, AA e GG, a apreciar por este Tribunal ad quem, são as seguintes:
A) - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
B) - Violação do princípio in dubio pro reo
C) – A medida da pena
III- Fundamentação de Facto
A decisão recorrida
Na sentença recorrida o Tribunal a quo considerou provado o seguinte:
III – FUNDAMENTAÇÃO
III-a) Dos factos
A - Quanto à parte penal
A.1. – Factos provados
1. No dia 28.08.2019, os arguidos AA, GG e JJ, bem como SS (já falecido) e outro indivíduo não concretamente identificado (conhecido por “DD …”), acordaram, entre si, dirigirem-se à residência do ofendido OO, sita na ..., para “acertarem contas” em relação a desentendimentos ocorridos, nesse dia, com o ofendido.
2. Em execução do referido plano, nesse dia (28.08.2019), entre as 20h00 e as 21h00, em comunhão de esforços, o SS e os arguidos JJ e AA, bem como o indivíduo conhecido por “DD ...”, dirigiram-se à referida residência.
3. Após o SS e o arguido JJ saltaram o muro da mesma, acedendo deste modo ao terraço, onde se encontrava OO.
4. Ato contínuo, SS aproximou-se de OO e envolveu com os seus braços o pescoço deste, puxou-o para trás (golpe vulgarmente denominado de “Mata Leão”) e projetou-o ao chão.
5. No momento em que OO se conseguiu levantar, o arguido JJ desferiu-lhe três golpes com um martelo para carne, atingindo-o duas vezes no lado direito da cabeça e uma vez no ombro esquerdo.
6. Em seguida, SS empurrou o ofendido, que caiu no chão, e desferiu-lhe vários socos e pontapés, em número não concretamente apurado, que o atingiram em várias zonas do corpo.
7. Enquanto isso, o arguido JJ muniu-se de um pau de figueira e desferiu várias pancadas, em número não concretamente apurado, na zona do tronco do ofendido.
8. Entretanto, também acederam ao terraço os arguidos DD, AA e GG, bem como outro indivíduo cuja identidade não se apurou.
9. O arguido MM aproximou-se do ofendido, que continuava caído no chão, e, munido de um objeto metálico, de características não apuradas, que colocou entre os dedos das mãos, desferiu pelo menos dois socos no corpo de OO, um dos quais na testa.
10. O arguido AA, após aceder ao terraço, também atingiu, de forma não concretamente apurada, o corpo do ofendido.
11. Quando o ofendido se conseguiu levantar, o indivíduo conhecido como “DD ...” desferiu-lhe duas palmadas em cada um dos ombros.
12. Como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos, o ofendido recebeu tratamento médico, nos serviços de urgência do ..., apresentando traumatismo craniano, ferida incisa sangrante na região frontal e dores no ombro esquerdo.
13. Como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos AA, MM e JJ, bem como do SS e do indivíduo conhecido por “DD ...”, o ofendido sentiu dores e sofreu a seguinte lesão:
- Crânio: Complexo cicatricial nacarado arredondado, na zona interparietal com cicatrizes com 5cm de diâmetro;
14. As lesões referidas determinaram um período não concretamente apurado, mas seguramente inferior a 16 dias, de afetação da capacidade de trabalho profissional do ofendido.
15. Os arguidos AA, GG e JJ, bem como o SS e o individuo conhecido como “DD”, com os comportamentos supra descritos, atuaram de comum acordo e em comunhão de esforços entre si, em execução do plano previamente acordado entre todos, com repartição de tarefas, cada um aceitando a conduta do outro, com o propósito concretizado de ofender o corpo e a saúde de OO, bem sabendo que tais condutas eram adequadas a causar dores e lesões, resultados que quiseram e lograram conseguir.
16. Os arguidos AA, GG e JJ, bem como o SS e o indivíduo conhecido como “DD ...”, sabiam que, ao desferir pancadas na cabeça e em diversas partes do corpo do ofendido, com um martelo para carne, estavam a utilizar um meio particularmente perigoso, que encerra excecional poder e adequabilidade ao acentuado aumento das lesões, diminuindo consideravelmente a capacidade de defesa do ofendido, e ainda assim, não se coibiram de o fazer.
17. Mais sabiam os arguidos AA, GG e JJ, bem como o SS e o indivíduo conhecido como “DD ...”, que estavam em superioridade numérica, pois atuavam conjuntamente e em comunhão de esforços, e tinham conhecimento de que essa superioridade numérica não permitia a OO possibilidade de defesa.
18. Os arguidos AA, GG e JJ agiram de forma voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram todas proibidas e punidas pela lei penal.
Mais se provou:
19. Os arguidos não têm averbado qualquer antecedente criminal.
20. Os arguidos consentiram na prestação de trabalho a favor da comunidade.
Especialmente, quanto ao arguido AA:
21. Vive em casa própria com dois irmãos.
22. Encontra-se desempregado, fazendo alguns biscates quando surge a oportunidade.
Especialmente, quanto ao arguido DD:
23. Vive com a companheira e com os seus 4 filhos (de 22, 20, 5 e 4 anos), em casa própria.
24. No período da manhã trabalha como … e no período da tarde vai buscar os filhos dos patrões.
25. Pelo trabalho referido em 20. aufere mensalmente cerca de € 900.00.
Especialmente, quanto ao arguido GG
26. Tem 2 filhos, um deles com 17 anos.
27. Vive em casa própria com a mãe, que se encontra aposentada, e com o filho de 17 anos.
28. Despende o montante mensal de € 500,00 na amortização do crédito para habitação que contraiu.
29. Encontra-se desempregado desde 2016, tendo exercido a sua última ocupação profissional estável no setor da ….
30. Socorre-se do apoio familiar, designadamente, da mãe, para pagar as suas despesas correntes mensais.
31. Faz alguns biscates na área das …, quando surge a oportunidade.
Especialmente, quanto ao arguido JJ:
32. Vive com a irmã e com a mãe, em casa pertencente a esta.
33. A mãe encontra-se reformada e a irmã tee uma ocupação profissional.
34. Para fazer face às suas despesas correntes mensais, socorre-se do apoio da mãe e da irmã.
35. Desde o ano de 2020/2021 que não tem uma ocupação profissional estável, exercendo na altura a função de ....
36. Não aufere qualquer subsídio social.
Na sentença recorrida, quanto aos factos não provados, o Tribunal a quo, considerou o seguinte:
A.2. - Factos não provados
1. Que o arguido DD e outro indivíduo cuja identidade não se apurou tenham atuado de comum acordo e em comunhão de esforços com os arguidos AA, GG e JJ, bem como com o SS (já falecido) e com outro indivíduo conhecido por “DD ...”, com o propósito concretizado de ofender o corpo e a saúde de OO.
2. Após acederem ao terraço, o arguido GG perfurou os dedos da mão direita do ofendido, utilizando para o efeito um objeto em metal, não concretamente apurado.
3. Como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos, o ofendido apresentava, no momento em que deu entrada nos serviços de urgência do Hospital PP, feridas incisas no 4º e 5º dedos da mão direita.
4. Como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos, o ofendido ficou com uma cicatriz no 4º dedo na falange medial, linear, hipocrómica com 1cm de comprimento; cicatriz no 5º dedo na falange medial, linear, hipocrómica, com 1cm de comprimento. Anquilose da IFD por antecedente pessoal.
5. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 12.09.2019.
6. As lesões sofridas pelo ofendido determinaram um período de 15 (quinze) dias para a consolidação; sem afetação da capacidade de trabalho geral e com 15 (quinze) dias de afetação da capacidade de trabalho profissional.
B - Quanto à parte cível (para além dos factos da acusação dados como provados)
1. Como consequência das lesões sofridas pelo ofendido, o demandante prestou ao mesmo os seguintes cuidados de saúde:
- Tórax, uma incidência;
- Coxa, duas incidências;
- Coxa, duas incidências;
- ombro, duas incidências.
2. O custo dos cuidados de saúde referidos em 1 cifrou-se nos € 25,84.
3. Os demandados foram notificados para contestar no dia 12 de novembro de 2023.
B.2. - Factos não provados
Os mesmos que resultaram não provados do libelo acusatório.
O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de facto nos seguintes termos:
C – Motivação
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica e articulada dos diversos elementos de prova constantes dos autos, à luz do art.º 127.º do CPP, nomeadamente, da prova documental, da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como das declarações dos arguidos.
No que respeita às circunstâncias de tempo, o Tribunal atendeu ao auto de notícia junto a fls. 5, bem como às declarações dos agentes da PSP TT e UU, tendo aquele referido que no dia 28/08/2019, pelas 20:50h, foi informado via central rádio que estavam a ocorrer agressões na ..., razão pela qual se deslocaram ao local e que, aí chegados, contactaram com a mãe do ofendido, tendo a mesma referido que o mesmo já tinha ido para o Hospital.
E ainda ao episódio clínico de urgência junto a fls. 61, no qual é referido que o ofendido deu entrada no ... pelas 21:14h.
AA foi o único arguido que prestou declarações quanto aos factos inscritos na acusação. Contudo, as mesmas não mereceram a credibilidade do Tribunal.
Em primeiro lugar, mostrou-se visivelmente nervoso ao longo do seu depoimento, sendo evidente a existência de falhas na sua voz quando questionado sobre matérias que poderiam ser desfavoráveis ao mesmo ou aos restantes arguidos (a título de exemplo, quando lhe foi questionado: i) se os confrontos físicos foram iniciados pelo ofendido ou pelo arguido JJ e pelo SS; ii) se viu o arguido GG a desferir um soco ao ofendido).
Em segundo lugar, a sua versão, de que em momento algum “tocou no OO”, mostra-se manifestamente contrária às regras da experiência comum. Segundo o mesmo, apesar de o ofendido lhe ter dado um soco na face com uma pedra, o mesmo não esboçou qualquer reação, tendo afirmado que, no seguimento dessa situação, se veio embora.
Acresce que, se, conforme referiu, acedeu ao terraço do ofendido com o propósito logrado de terminar as agressões que estavam a ocorrer entre, por um lado, o SS e o arguido JJ e, por outro, o ofendido, não se compreende a razão pela qual este o agrediria.
Confrontado com a inverosimilhança da sua versão, o arguido limitou-se a afirmar que o ofendido é uma pessoa demasiado nervosa.
Em terceiro lugar, a versão do arguido mostra-se contrária à demais prova constante dos autos.
A este respeito, saliente-se que, apesar de ter referido que não viu o ofendido «ferido ou a sangrar», as lesões vertidas no processo clínico de urgência do mesmo, junto a fls. 61 (do qual consta que deu entrada na urgência às 21:14h e, por isso, em momento próximo do dos factos), bem como os fotogramas juntos a fls. 46 e 47, contrariam tal versão.
De outra banda, as declarações do ofendido mostraram-se assertivas, coerentes, circunstanciadas e pormenorizadas, razão pela qual assumiram um papel central na convicção do Tribunal.
Refira-se, desde já, que do depoimento do mesmo ressaltou um evidente sentimento de revolta em relação aos arguidos, motivado não só pela situação em causa nos autos, mas também pela ocorrência de desavenças anteriores (designadamente, com os arguidos GG e JJ).
Não obstante, o Tribunal ficou plenamente convencido de que tal não influenciou, no que interessa aos presentes autos, a objetividade e imparcialidade do seu depoimento, tendo o mesmo relatado aquilo que se recordava, de forma pormenorizada e descritiva, o que contribuiu, em larga medida, para reforçar a credibilidade do seu testemunho.
Tanto assim foi que não teve reservas em afirmar de que não se recordava de os arguidos DD e AA lhe terem batido, apesar de não poder desconhecer que tal poderia beneficiar os mesmos.
Ora, no que concerne concretamente ao factos n.ºs 2 a 7, o ofendido referiu que, enquanto se encontrava no terraço da sua residência, ouviu uma voz a perguntar “onde é que ele está”, vendo depois os arguidos JJ e AA, bem como o SS e um indivíduo conhecido por “DD ...”, a aproximarem-se da sua residência, tendo os mesmos parado junto ao portão que dá acesso ao terraço adjacente à mesma.
Após ter pegado em pedras que tinha no seu terraço, em virtude de ter pensado que o iam apedrejar, o SS e o arguido JJ escalaram o muro (com cerca de 1,20m de altura) que dá acesso ao terraço adjacente à residência do ofendido, tendo este reparado que o último trazia enfiado nas calças um martelo para picar carne.
Já no interior do terraço, o SS lançou-se sobre o ofendido, tendo envolvido os seus braços no pescoço deste e puxado o mesmo para trás. De seguida, projetou-o ao solo (de cimento), tendo o ofendido embatido no mesmo com a anca direita.
Após o ofendido conseguiu levantar-se, tendo o arguido JJ utilizado o martelo para picar carne que trazia consigo para atingir aquele, duas vezes no lado direito da cabeça e uma vez no ombro esquerdo. Ato contínuo, o ofendido caiu ao chão.
De seguida, enquanto o SS atingia o corpo do ofendido com socos e pontapés, o arguido JJ pegou num pau de figueira existente no terraço e atingiu várias vezes o ofendido na zona do tronco.
Tal versão é, nas partes que lhe são comuns, corroborada pelo depoimento da testemunha QQ, mãe do ofendido, que reside com este e que se encontrava no interior do terraço à data da ocorrência dos factos.
Não obstante a relação que intercede entre si e o ofendido, bem como a circunstância de, ao longo do seu depoimento, ter resultado claro que sofreu muito e continua a sofrer com a situação em causa nos autos, o Tribunal reputou, em termos gerais, as suas declarações por credíveis e isentas (por exemplo, não mostrou qualquer relutância em asseverar que não viu o arguido DD a bater no ofendido).
Apesar de não conseguir especificar quais os concretos atos praticados por cada um dos sujeitos (o que se compreende, considerando o período de tempo já decorrido), afirmou perentoriamente que o arguido JJ e outro senhor que já faleceu (referindo-se a SS, cujo assento de óbito se encontra junto a fls. 252) acederam ao terraço e bateram no ofendido, corroborando, assim, a versão deste.
Também a testemunha RR, cujo depoimento mereceu a credibilidade do Tribunal, por se mostrar objetivo e isento, referiu que viu o arguido JJ e o SS no terraço da residência do ofendido e que, apesar de não conseguir concretizar as concretas agressões cometidas por cada um deles, os viu a agredir este último.
Saliente-se que a testemunha RR não demonstrou qualquer reserva em admitir que já não se lembrava da totalidade dos factos, fazendo questão de realçar quando não sabia responder ao que lhe era perguntado, o que reforçou, em grande medida, a credibilidade da versão que apresentou.
No que respeita aos factos n.ºs 8, 9 e 11, o ofendido referiu que, no momento em que se encontrava no chão a ser agredido pelo SS e pelo arguido JJ, os arguidos GG, DD e AA, bem como o indivíduo conhecido por “DD ...” e outro cuja identidade desconhece (referindo apenas que é de etnia negra), acederam também ao seu terraço.
Já no interior do mesmo, o arguido GG dirigiu-se ao ofendido, enquanto estava no chão, e, munido de um objeto metálico colocado entre os dedos (de características não concretamente apuradas, porquanto nem o ofendido conseguiu identificar com segurança o mesmo, nem tal objeto foi apreendido), desferiu golpes no corpo do ofendido, um dos quais na testa.
Por sua vez, o arguido DD proferiu a seguinte expressão: “tudo embora daqui antes que apareça a polícia”, após o que alguns dos sujeitos que acederam ao terraço do ofendido começaram a sair, tendo o SS e o arguido GG saído abraçados.
Neste momento, o “DD ...” deu 4 chapadas ao ofendido, 2 em cada ombro, e proferiu a seguinte expressão: “o gajo já não se segura em pé”.
A versão do ofendido, na parte em que refere que os arguidos GG e AA, bem como o indivíduo conhecido por “DD ...”, acederam ao terraço e que o primeiro lhe bateu, foi corroborada pela testemunha QQ, apesar de esta não conseguir especificar os concretos atos praticados pelo arguido GG.
Também a testemunha RR referiu que viu os arguidos AA e GG, bem como o indivíduo conhecido por “DD ...” no interior do terraço.
Contudo, referiu que não se recorda de ver o arguido GG a bater no ofendido. Ora, tal versão é contraditória com aquela avançada pelo ofendido e pela testemunha QQ.
Neste conspecto, o Tribunal atribuiu maior credibilidade à versão destes, porquanto afirmaram de forma perentória que o arguido GG tinha batido no ofendido.
Acresce que a testemunha RR se encontrava, no momento da ocorrência dos factos, na rua, junto ao portão que dá acesso ao terraço, razão pela qual o seu campo de visão não era tão privilegiado como o do ofendido e da testemunha QQ (sendo que, conforme se referiu, esta se encontrava, no momento dos factos, no interior do terraço).
No que concerne ao facto nº 10, o Tribunal deu-o como provado com base nas declarações das testemunhas QQ e RR, as quais afirmaram, de forma perentória, que viram o arguido AA a bater no ofendido.
Contudo, não lograram especificar os concretos atos que o mesmo praticou, razão pela qual apenas se deu como provado que o arguido atingiu, de forma não concretamente apurada, o ofendido.
Saliente-se, a este respeito, que a testemunha QQ, num primeiro momento, referiu que não viu o arguido AA a bater no ofendido.
Contudo, em virtude de a mesma mostrar algumas dificuldades em se expressar, o Tribunal, num segundo momento, pediu-lhe que olhasse diretamente para cada um dos arguidos e dissesse se viu algum deles a bater no ofendido, tendo a mesma referido, de forma convicta, que o arguido AA lhe tinha batido.
Também a testemunha RR afirmou de forma convicta que vislumbrou o arguido AA a bater no ofendido, corroborando, assim, a versão avançada pela testemunha QQ.
Por sua vez, o ofendido referiu que não podia afirmar com segurança que o arguido AA lhe tinha batido, porquanto não se recordava. Não obstante, tal não se mostrou suficiente para abalar a convicção do Tribunal de que tal ocorreu, com fundamento nas declarações das testemunhas supra referidas.
Com efeito, não se pode olvidar que, no momento em que o arguido AA acedeu ao terraço, o ofendido já tinha levado três pancadas com um martelo para picar carne, duas das quais na cabeça, e já tinha sofrido um golpe vulgarmente denominado de mata-leão.
Essas agressões deixaram, necessariamente, o ofendido desorientado e combalido (conforme referido pelo mesmo e corroborado pelas regras da experiência comum), mostrando-se perfeitamente plausível que não tenha reparado ou que não se recorde se o arguido AA lhe bateu.
Contudo, isto não significa que tal não tenha ocorrido, tanto mais que o Tribunal formou uma convicção segura que ocorreu, com fundamento nos depoimentos das testemunhas supra referidas.
No que respeita aos factos nºs 12 e 13, o Tribunal atendeu ao relatório do episódio de urgência junto a fls. 61 (do qual consta que o arguido deu entrada no serviço de urgência às 21:14h do dia 28/08/2019) e ao relatório da perícia de avaliação do dano em direito penal junto a fls. 326.
No que concerne ao facto nº 14, o Tribunal atendeu ao relatório da perícia de avaliação do dano em direito penal junto a fls. 326.
Não obstante, no que concerne ao juízo aí vertido quanto ao período de afetação para a capacidade de trabalho profissional, o perito teve em consideração não só as lesões levadas aos factos provados, mas também as lesões nos 4º e 5º dedos da mão direita do ofendido. Ora, quanto a estas, o Tribunal levou-as aos factos não provados, com fundamento nas razões infra elencadas.
Dúvidas inexistem de que as lesões levadas aos factos provados determinaram uma afetação da capacidade de trabalho profissional do ofendido, tendo em conta que no relatório se refere «pelo repouso necessário à boa consolidação das feridas» (sublinhado do Tribunal).
Não obstante, entende-se que inexistem elementos seguros que permitam determinar o concreto período, tendo apenas por referência as lesões dadas como provadas, em que a capacidade para o trabalho profissional do ofendido esteve afetada.
Apenas se pode afirmar com a certeza necessária de que o mesmo foi certamente inferior a 16 dias, porquanto o relatório, em relação a todas as lesões, refere um período de 15 dias.
Relativamente aos factos n.ºs 1 e 15 a 18 o Tribunal atendeu às declarações do ofendido.
Ora, o ofendido começou por relatar que, no mesmo dia e em momento temporalmente anterior à situação em causa nos autos, passou em frente ao ferro velho explorado pelo arguido GG (situado a cerca de 5m da habitação daquele) e este apelidou-o de “paneleiro”.
Apesar de ter ficado muito chateado com o epíteto que o arguido GG lhe dirigiu, o ofendido seguiu caminho para a sua residência.
Em virtude de continuar incomodado com a atitude do arguido GG (que não constituiu um ato isolado), voltou a sair da sua residência. Quando chegou à rua, viu o mesmo a brandir, sucessivamente para a esquerda e para a direta, um objeto que tinha atrás das costas, que na altura achou que era um ferro.
Por se sentir receoso, em virtude de estar numa posição de desvantagem, voltou para a sua residência e, após se munir de um pau de figueira, voltou a sair à rua.
Neste momento, aproximou-se do arguido GG, tendo os mesmos ficado a uma distância de cerca de 3/5m. Não obstante, não se envolveram em qualquer confronto físico, tendo o ofendido regressado a casa e pousado o pau de figueira.
Posteriormente, voltou a sair da sua residência e vislumbrou o arguido JJ a circular na rua onde reside. Aproximou-se deste e disse-lhe que não voltava a chamá-lo “filho da puta”, tendo aquele retorquido “Met não tens cara para levar um estalo, o que queres oh filho da puta”.
Ato contínuo, envolveram-se os dois em confronto físico, o qual terminou com o arguido DD e o outro indivíduo de etnia negra a separarem os mesmos, tendo aquele agarrado no ofendido e este no arguido JJ.
Após o ofendido sentiu um braço a enrolar-se no dele, tendo sido cortado nos dedos mindinho e anelar da sua mão direita.
Nesse interregno, o arguido JJ ausentou-se do local.
Salientou o ofendido que, no momento, não se apercebeu do desferimento dos golpes nos dedos da sua mão, mas que logo depois começou a sentir dor, bem como o sangue a escorrer, razão pela qual voltou à sua residência para estancar a hemorragia.
Mais afirmou que não se conseguiu aperceber da identidade da pessoa que lhe desferiu os golpes nos dedos. Ainda que tenha avançado de que poderá ter sido o individuo de etnia negra, que acompanhava o arguido DD, trata-se de um mero palpite/suspeição do mesmo.
Regressado à sua residência, o arguido DD e o indivíduo de etnia negra colocaram-se, um de cada lado, em frente ao portão que dá acesso ao quintal do ofendido.
Este, que se encontrava no seu terraço, aproximou-se junto do portão, perguntando ao indivíduo de etnia negra a razão pela qual estava a intervir na situação, ao que o mesmo lhe respondeu algo em crioulo, que o ofendido não percebeu, e lhe exibiu uma navalha.
Neste momento, o arguido DD disse ao ofendido “não te metas com este que não é como o outro” (referindo-se ao arguido JJ) e disse três vezes ao indivíduo de etnia negra para guardar a navalha. Após os mesmos ausentaram-se do local.
De seguida, enquanto o ofendido tratava dos ferimentos sofridos nos dedos da mão direita, ouviu uma voz a perguntar “onde é que ele está”, vendo depois os arguidos JJ e AA, bem como o SS e o indivíduo conhecido por “DD ...” a aproximarem-se da sua residência.
Após o arguido foi alvo das agressões levadas aos factos provados.
Ora, considerando: i) a sucessão temporal próxima dos acontecimentos; ii) o facto de o SS e o indivíduo conhecido por “DD ...”, bem como os arguidos JJ e AA, terem aparecido, em grupo e no mesmo momento, junto ao portão que dá acesso ao terraço do ofendido; iii) bem como o facto de, uma vez aí chegados, um deles ter perguntado “onde é que ele está”, outra coisa não se pode concluir senão a de que as agressões levadas aos factos provados são resultado da execução de um plano previamente elaborado, conducente ao acerto de contas com o ofendido, em virtude das situações que tinham ocorrido previamente nesse mesmo dia.
Também o comportamento do arguido GG não pode ser entendido senão como execução do plano conjunto que tinha elaborado previamente com os demais (identificados no parágrafo anterior).
Com efeito, não só se muniu de um objeto metálico, revelador da sua intenção de agredir a integridade física do ofendido, como também se juntou ao arguido AA e ao indivíduo conhecido por “DD ...”, que se encontravam junto ao portão de acesso ao terraço do ofendido.
Sendo que, após acederem em conjunto ao terraço do ofendido, continuaram a agredir o mesmo.
Tal conclusão sai reforçada pelo facto de, conforme referido pelo ofendido, o mesmo não ter no seu terraço, à data dos factos, os objetos que foram utilizados para o agredir (salvo no que respeita ao pau de figueira), razão pela qual os elementos do grupo se muniram previamente dos mesmos.
E, se assim foi, outra coisa não se pode concluir a não ser que integrava o plano previamente elaborado a utilização de tais objetos com vista a atingir o corpo do ofendido.
Aliás, mesmo que assim não se considerasse, da circunstância de o grupo continuar as agressões, após cada um dos elementos utilizar os objetos que trazia consigo, outra conclusão não se pode retirar a não ser de que pelo menos aceitaram a atuação uns dos outros, reivindicando as condutas de uns dos outros também como suas.
Os arguidos AA, JJ e GG, bem como o SS e outro individuo conhecido por “DD ...”, não podiam ignorar, por tal ser do conhecimento comum, que o uso de um martelo para picar carne, pelas suas inerentes características, é dotado de especial poder lesivo da integridade física.
Ademais, tal instrumento, atendendo ao potencial lesivo que encerra, diminui de forma considerável a capacidade de defesa daquele em que é utilizado (o que, de resto, sucedeu no caso dos autos, considerando que, após ser atingido pelo mesmo, o ofendido ficou desorientado e combalido, tendo caído ao solo).
Acresce que os arguidos AA, JJ e GG, bem como o SS e o individuo conhecido por “DD ...”, sabiam perfeitamente que estavam em superioridade numérica relativamente ao ofendido, aproveitando-se disso mesmo, bem como dos instrumentos que utilizaram, para coartar ao mesmo a possibilidade de defesa.
Inexistia qualquer circunstância que impedisse os arguidos AA, JJ e GG de adotar o comportamento conforme ao direito, apenas não o tendo feito porque tal era contrário aos seus desideratos.
Ademais, bem sabiam, por tal ser do conhecimento de qualquer cidadão medianamente formado, que o seu comportamento era proibido pela lei penal.
Quanto ao mais que se provou, o Tribunal atendeu às declarações dos arguidos, bem como aos CRC´s juntos aos autos.
No que respeita aos factos respeitantes ao pedido de indemnização cível formulado, o Tribunal atendeu, para a prova de que os serviços foram prestados na sequência e por causa do evento referido supra, ao relatório do episódio de urgência junto a fls. 61 (designadamente, as horas a que o ofendido deu entrada no ..., bem como as lesões que foram tratadas), e, para a prova dos montantes dependidos no tratamento médico, à fatura junta a fls. 375 v..
Saliente-se, a este respeito, que os exames descritos neste documento são compatíveis com as lesões sofridas pelo ofendido que se deram como provadas (considerando, designadamente, que o ofendido foi projetado ao chão).
*
No que respeita aos factos não provados (tanto no que respeita à parte cível, como à parte penal), o juízo probatório negativo quanto aos mesmos resultou da circunstância de os meios de prova constantes dos autos não permitirem formar uma convicção segura quanto à sua ocorrência ou à identidade dos seus autores.
No que concerne aos factos não provados n.ºs 2 a 4, de nenhum elemento probatório, designadamente, das declarações do ofendido, resulta que o arguido GG, após ter acedido ao terraço, perfurou os dedos da mão direita daquele.
Também a testemunha QQ, apesar de referir que o ofendido sofreu um corte nos dedos, afirmou que não sabia se tal agressão ocorreu no interior da sua residência.
É verdade que o ofendido refere uma situação, ocorrida em momento anterior à dos autos, em que alguém lhe desferiu um corte em dois dedos da sua mão direita. Não obstante, referiu que tal ocorreu enquanto se encontrava na rua, no momento em que o arguido DD e o outro indivíduo de etnia negra o separaram do arguido JJ.
Contudo, tal factualidade foi objeto de despacho de arquivamento (cf. p. 331 v.), razão pela qual o Tribunal se encontra impedido de a conhecer e, consequentemente, de a levar aos factos provados ou não provados.
No que respeita aos factos não provados n.ºs 5 e 6, o juízo probatório negativo assentou na circunstância de, nas conclusões vertidas no relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, junto a fls. 326, se ter considerado as lesões sofridas pelo ofendido em 2 dedos da mão direita, as quais foram levadas ao elenco dos factos não provados.
Assim, o Tribunal não possui nem elementos suficientes para concluir pela data da consolidação médica das lesões levadas aos factos provados, nem para fixar em concreto o período de afetação da capacidade de trabalho profissional, apenas se podendo afirmar com segurança de que tal período foi inferior a 16 dias.
No que concerne ao facto não provado nº 1, o Tribunal ficou num estado de dúvida inultrapassável quanto à participação por parte do arguido DD, bem como do indivíduo de etnia negra, na elaboração do plano conjunto, bem como na execução ou adesão ao mesmo.
Com efeito, cumpre desde logo referir que nenhuma das testemunhas, no que concerne à situação ocorrida no terraço do ofendido, referiu que viu o arguido DD ou o indivíduo de etnia negra a agredir aquele.
Acresce que a testemunha RR referiu que o arguido DD, bem como o indivíduo de etnia negra, acederam ao terraço numa tentativa de terminar as agressões, tendo-os visto a tentar separar o ofendido dos restantes arguidos, bem como do “DD ...”.
Tais declarações são, em certa medida, corroboradas pelo ofendido (apesar de, conforme se referiu supra, não se poder olvidar que o mesmo, neste momento, já estava combalido), o qual referiu que, no momento em que o arguido DD acedeu ao quintal, se embrulhou com os restantes, acrescentando que poderia ser numa tentativa de parar com a agressão.
É verdade, por outro lado, que o ofendido referiu que o arguido DD, no momento em que acedeu ao terraço, gritou “tudo embora daqui antes que apareça a polícia”. Contudo, a prolação de tal expressão não significa, necessariamente, que o mesmo estivesse a atuar de forma concertada com os restantes elementos do grupo.
Com efeito, tal poderá ter sido uma tentativa de fazer com que as agressões parassem e os elementos que estavam no interior do terraço abandonassem o mesmo, assustando-os com a possibilidade de aparecimento da polícia.
De outra banda, poderá também ter proferido tais expressões com o objetivo de alertar os restantes arguidos, bem como o indivíduo conhecido como “DD ...”, de que a polícia poderia chegar a qualquer momento, o que não implica necessariamente a participação ou a adesão posterior ao plano elaborado e executado por aqueles.
Acresce que, a situação relatada pelo ofendido, ocorrida em momento anterior à dos autos e junto ao portão de acesso ao seu terraço, em que o indivíduo de etnia negra lhe exibiu uma navalha e o arguido disse a este por três vezes para a guardar, pode ser interpretada de variadas formas.
Sendo uma delas a de que o arguido DD não pretendia que o conflito em causa atingisse as proporções que atingiu (designadamente, o limiar da agressão física, tanto mais que, em momento anterior, havia separado o ofendido do arguido JJ), razão pela qual insistiu que aquele guardasse a navalha.
Não deixa de ser estranho o comportamento, adotado pelo arguido DD e pelo indivíduo de etnia negra, de se colocarem em frente ao portão de acesso ao terraço do ofendido, enquanto este estava no seu interior, e de o segundo ter exibido uma navalha.
Contudo, à mingua de outros elementos de cariz objetivo, o Tribunal ficou num estado de dúvida inultrapassável, considerando globalmente:
i) o facto de todas as testemunhas, inclusive o ofendido, terem dito que não viram qualquer um deles agredir o mesmo; ii) a circunstância de não terem aparecido, junto ao portão, ao mesmo tempo que o SS, o “DD ...” e os arguidos JJ e AA; iii) o facto de nenhuma testemunha ter referido que os mesmos tinham consigo qualquer instrumento que pudesse ser utilizado para agredir o ofendido; iv) bem como o relato da testemunha RR no sentido de se recordar ter visto o arguido DD, bem como o indivíduo de etnia negra, a separarem os agressores do ofendido, o que é, em certa medida, corroborado por este.
Ora, ficando o Tribunal num estado de dúvida, a mesma teve de ser resolvida a favor dos arguidos, em obediência ao princípio in dubio pro reu.”
Analisando
A. Da impugnação da matéria de facto – questão comum a ambos os recorrentes pelo que será aqui apreciada em conjunto
Vieram os arguidos AA e GG em sede de recurso, nas suas conclusões, impugnar a decisão sobre a matéria de facto, alegando que a sentença recorrida padece de insuficiência da matéria de facto para a decisão, vício previsto no art.º 410º nº2 al a) do CPP, impugnando especificadamente os factos descritos sob os pontos n.º 1, 2 e 10 - todos nos “Factos Provados” quanto ao arguido AA - e os factos descritos sob os pontos nº 1, 8 e 9 – todos nos “Factos Provados” quanto ao arguido GG.
Requerem assim, que esses factos descritos como provados, sejam julgados não provados e seja proferida decisão jurídica em conformidade, absolvendo os dois arguidos da prática em co-autoria do crime de de ofensa à integridade física qualificada p.p pelas disposições conjugadas dos artigos 26º, 143º nº1 e 145º nºs 1 alínea a) e 2, por referência ao artigo 132.º n.º 2 alínea h), todos do Código Penal, que lhes foi imputado na acusação pública.
Sustentam com efeito, ambos os arguidos, que relativamente aos factos provados em 1) e 2) “não foi apresentada qualquer prova durante a audiência que confirmasse que os arguidos tenham "acordado entre si", agido "em execução do referido plano" ou em "comunhão de esforços".
O tribunal baseou a sua convicção nas declarações do ofendido e de testemunhas que não apresentaram evidências concretas sobre a coordenação entre os arguidos.”
Acrescentam ainda para sustentar a sua pretensão, críticas aos depoimentos prestados em juízo pelas testemunhas QQ e RR cuja valoração entendem ter sido erroneamente feita pelo Tribunal de julgamento “(...) A testemunha QQ apresentou declarações confusas e contraditórias, inicialmente afirmando que não viu AA bater no ofendido, mas depois, sob repetidas perguntas, disse que AA bateu. Esta oscilação nas declarações da testemunha QQ sugere falta de clareza e consistência, insuficientes para uma condenação segura.
Relativamente ao facto 10) afirmou ainda o arguido AA “as testemunhas QQ e RR apresentaram declarações contraditórias e não conclusivas sobre o arguido AA ter atingido o corpo do ofendido. A testemunha RR foi incapaz de especificar quem estava a agredir o ofendido, indicando incerteza quanto aos papéis individuais nas agressões. A testemunha afirmou que não conseguia lembrar-se exatamente quem estava a agredir o ofendido, indicando incerteza sobre os atos específicos de cada indivíduo. A falta de clareza nas declarações de RR impede a atribuição precisa das agressões ao arguido AA, gerando dúvidas razoáveis sobre a sua participação
Conclui assim, em síntese o arguido AA, relativamente ao facto provado descrito em 10): “Existe dúvida razoável quanto à participação do ora recorrente, AA, nas agressões, face aos depoimentos contraditórios e a falta de especificidade nos atos que lhe são atribuídos”.
Também o arguido GG, veio alegar quanto aos factos provados descritos em 8) e 9), que os mesmos devem ser julgados não provados, porquanto “Tirando a testemunha QQ mãe do ofendido, que também cabe referir, verbalizou ser tudo como o filho dizia, aumentado no entanto a versão dos factos ocorridos, nenhuma outra testemunha corroborou os factos pelo que não foram apresentadas provas concretas dos factos dados como provados, não se alcançando em que medida pode o tribunal formar a sua convicção.
Entendemos que os depoimentos das testemunhas QQ e RR não constituem prova suficiente de um ataque ao corpo ou à saúde do ofendido por parte do ora recorrente, havendo lugar à aplicação do princípio do IN DUBIO PRO REO.
A testemunha RR foi incapaz de especificar quem estava a agredir o ofendido, indicando incerteza quanto aos papéis individuais nas agressões. A testemunha afirmou que não conseguia lembrar-se exatamente quem estava a agredir o ofendido, indicando incerteza sobre os atos específicos de cada indivíduo. A falta de clareza nas declarações de RR impede a atribuição precisa das agressões ao arguido GG, gerando dúvidas razoáveis sobre a sua participação.”
O MP na sua resposta, veio contrariar esta concreta pretensão dos aguidos, sustentando que uma mera discordância subjetiva quanto a factualidade dada como provada (como aquela que se verifica aqui, quanto a ambos os recorentes), com base numa diferente análise e valoração da prova, face àquela que foi efetuada pelo Tribunal “a quo”, para daí partindo, se chegar inexoravelmente a uma conclusão diferente, não basta para colocar em crise o fundadamente decidido no caso em apreço.
Conclui assim, que no caso em apreço, o Tribunal “a quo” explicou fundamentadamente a razão pela qual julgou provados e não provados os factos que enquanto tal descreve na sentença recorrida, conjugando toda a prova produzida, designadamente a testemunhal e demais prova documental, tendo motivado a sua convicção, através de uma ponderação crítica racional e razoável de todos os elementos probatórios, concluindo assim que a decisão do senhor Juiz na 1ª instância, não merece, quanto a esta parte qualquer censura.
Quid júris?
Como se sabe, o apelidado “erro de julgamento” pode suscitar dois tipos de recurso:
- um, que visa a reapreciação da prova produzida em julgamento, ao abrigo do art.º 412º/3 do C.P.P (impugnação em sentido lato);
- e outro com fundamento no próprio texto da decisão, por ocorrência dos vícios a que alude o art.º 410º/2 do C.P.P (impugnação em sentido estrito).
Resulta expressa na motivação dos dois recursos, a pretensão dos arguidos de impugnarem a decisão proferida sobre a matéria de facto, mas nessa impugnação não procederam de acordo com o disposto no art.º 412º nºs 3 e 4 do C.P.Penal, sendo evidente do corpo da motivação, que não se mostram cumpridos os ónus formais de que depende a reapreciação da prova.
Ao longo da motivação, os recorrentes limitam-se a impugnar a matéria de facto, indicando especificadamente, os factos que no seu entender foram incorrectamente julgados, mas expressando apenas a sua própria valoração e apreciação da prova testemunhal que foi produzida em julgamento.
Ora um pedido de impugnação da matéria de facto nos termos do art.º 412º/3 do C.P.P, tem de obedecer a determinados pressupostos legais para poder proceder.
Ou seja, no caso de impugnação alargada, a reapreciação da matéria de facto por este Tribunal da Relação, depende do cumprimento de requisitos de forma e conhece condicionantes e limites nos termos do nº 3 e 4 do art.º 412º do C.P.P.
No que respeita a requisitos formais, o recorrente que queira ver reapreciados determinados pontos da matéria de facto, tem que dar cumprimento a um duplo ónus a saber:
- indicar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados – o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência;
- indicar as provas, que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação – o que determina que se identifique qual o meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa, que decisão se impõe face a esse meio de prova e porque se impõe.
Caso o meio de prova tenha sido gravado, a norma exige a indicação do início e termo da gravação e a indicação do ponto preciso, onde se encontra o fundamento da impugnação (as concretas passagens a que se refere o nº 4 do art.º 412º do C.P.P).
O que se pretende, pois, é a delimitação objectiva do recurso, com a fundamentação da pretensão e o esclarecimento dos objectivos que o recorrente se propõe.
Isto é, impõe-se-lhe o dever de tomar posição clara, nas conclusões sobre o objecto do recurso, especificando o que no âmbito factual, pretende ver reponderado, assim como na hipótese de renovação, especificando as provas que devem ser renovadas (art.º 412º/3/c) do C.P.P).
E tal sucede assim, porque o recurso da matéria de facto vem concebido pela lei como remédio jurídico e não como instrumento de refinamento jurisprudencial.
Por outras palavras, não foi concebido como instrumento ao serviço da realização de novo julgamento, com reapreciação de toda a prova que fundamenta a decisão recorrida, como se o julgamento na primeira instância não tivesse existido.
É antes um instrumento concebido para a correcção de erros de julgamento e de procedimentos, devidamente descriminados pelas partes.
Ou seja, a intromissão da Relação no domínio factual cingir-se-á a uma intervenção “cirúrgica” no sentido de delimitada, restrita à indagação ponto por ponto da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.
Não basta, pois, que se diga que determinado facto está mal julgado, sendo necessário constatar-se esse mal julgado, face às provas que são especificadas e concluir-se que às mesmas, o julgador injustificadamente retirou credibilidade.
Atente-se que o art.º 412º nº 3, al. b), do C.P.P. menciona “provas que imponham decisão diversa” e nessa medida tal como o acima referido, a decisão recorrida só é de alterar, quando for evidente que as provas não conduzem àquela, não devendo ser alterada quando, perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente.
Ora no caso presente, os dois arguidos recorrentes embora venham impugnar de forma especificada na sua motivação, os pontos de facto que consideram incorrectamente julgados (os factos julgados provados descritos sob os pontos 1,2, 8,9 e 10, considerando deverem os mesmos serem julgados não provados), não indicam quaisquer provas que imponham decisão diversa da recorrida – limitam-se a dar a sua diferente valoração das declarações proferidas em juízo pelas testemunhas QQ e RR, sendo certo também, que as próprias declarações do arguido AA (o único que se pronunciou quanto aos factos da acusação), pela especificidade própria do seu estatuto processual (não está sujeito a juramento e se decidir falar, não está sujeito ao dever de falar com verdade, sobre os factos objecto do processo), não podem neste caso ser encaradas como meio de prova, que imponha uma decisão diversa.
Foi ainda expresso na decisão recorrida, que a versão apresentada pelo arguido AA em audiência, não foi considerada credível pelo Tribunal, quer pelo facto de o arguido se mostrar nervoso ao longo do seu depoimento, quer porque a sua versão se mostrou contrária às regras da experiência comum e a mesma se mostrou contrária à restante prova constante dos autos.
Deste modo, apreciadas pelo Tribunal de julgamento, as declarações do arguido AA, o depoimento do ofendido OO e todos os outros meios de prova em conjunto (demais testemunhas ouvidas em juízo e prova documental), segundo as regras da experiência comum (cfr o que ficou claramente expresso na motivação da sentença), é evidente que deles não resulta corroborada a versão dos dois arguidos recorrentes, quanto aos factos que lhe foram concretamente imputados pelo MP, no que respeita à agressão física de que foi vítima OO, no circunstancialismo de tempo e de lugar descrito na acusação e que se mostra descrito na factualidade provada na sentença.
Por outro lado, os dois arguidos, nas suas respectivas motivações de recurso, não fazem qualquer referência às provas que devem ser renovadas, nem expressam formalmente um pedido de renovação da prova ao abrigo do art.º 412º do C.P.P.
Assim sendo, impõe-se a conclusão que, não obstante a sua pretensão de quererem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, os recorrentes não deram integral cumprimento ao art.º 412º/3 e 4 do C.P.P.
Limitaram-se os arguidos na realidade, a requerer de forma abrangente e generalizada a renovação de toda a prova produzida, no que respeita à agressão física sofrida pelo OO e analisada pelo Tribunal a quo no julgamento realizado na 1ª instância, que constitui o objecto destes autos, o que no fundo equivale a requerer um segundo julgamento.
Ora tal pretensão, não só não cai fora da previsão do citado preceito, como o pedido de realização de um segundo julgamento, não é como se sabe, permitido no nosso sistema de recursos.
Embora os recorrentes possam com base na sua própria visão/convicção probatória, discutir a convicção que o Tribunal de julgamento formou quanto à prova, há que evidenciar desde logo, que por ausência de imediação e de oralidade, o Tribunal de 2ª instância não tem, quanto ao recurso da matéria de facto, os mesmos poderes que possui a 1ª instância.
Este Tribunal da Relação, só pode alterar o ali decidido, se as provas indicadas pelo recorrente, impuserem decisão diversa da proferida (alínea b) do nº 3 do artigo 412º do C.P.P).
E no caso em apreço, ainda que a prova produzida e examinada na audiência da 1ª instância, nos pontos indicados pelos recorrentes, pudesse permitir - pelo menos na opinião daqueles - uma decisão em sentido diferente, claramente ela não impunha decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo como acima já ficou dito.
Nestes termos, não tendo os arguidos dado integral cumprimento aos ónus resultantes do preceituado no art.º 412º nºs 3 e 4 do C. P. Penal, está este Tribunal de Relação impossibilitado de proceder à modificação da decisão proferida em sede de matéria de facto pelo Tribunal a quo (art.º 431º do CPP).
Ou seja, não tendo os arguidos, dado cumprimento aos ónus resultantes do preceituado no art.º 412º nºs 3 e 4 do C. P. P, improcede a impugnação de facto nos termos do art.º 412º do C.P.P e consequentemente, a alteração da matéria de facto (art.º 431º do C.P.P), só seria possível, caso a sentença padecesse de algum dos vícios do art.º 410º/2 do C.P.P, o que também se constata não ocorrer, como de seguida se passa a demonstrar.
Com efeito, numa averiguação oficiosa acerca da existência dos vícios que se encontram previstos no art.º 410º/2 do C.P.P, constata-se a partir da leitura atenta do texto do sentença recorrida, que a mesma não padece de qualquer dos vícios aí enunciados, nomeadamente do invocado vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão (conclusão 13 do arguido AA e conclusão XII do arguido GG).
Vejamos então em concreto, como a sentença recorrida, ao contrário do que vieram invocar os dois recorrentes, não padece do alegado vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão (vício previsto no art.º 410º nº 2 a) do C.P.P.).
A insuficiência para a decisão da matéria de facto a que se reporta a alínea a) do nº 2 do art.º 410º do C.P.P é um vício que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.
Veio cada um dos recorrentes invocar, que a prova produzida quanto à respectiva participação na agressão que vitimou o OO, não foi conclusiva nem suficiente (criticando a valoração que foi dada pelo Tribunal a quo ao depoimento das testemunhas QQ e RR), pelo que nessa sequência defendem que na presença de dúvidas razoáveis e objectivas sobre a ocorrência dos factos ilícitos imputados pelo MP a cada um deles, deve prevalecer a sua absolvição, por ter maior valor a presunção da inocência do arguido a que alude o art.º 32º/2 da CRP e nessa medida, sustentam que a decisão condenatória padece de insuficiência da matéria de facto para a decisão provada, vício previsto no art.º 410º/2 a) do CPP.
Assim se vê, pela sua argumentação, que a invocação deste vício não tem qualquer fundamento.
Segundo Simas Santos e Leal-Henriques (in Recursos em Processo Penal, 7ª Edição, Editora Rei dos Livros, 2008, pág. 72) este vício existirá quando ocorrer uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo um hiato nessa matéria que é preciso preencher”.
Ora tal circunstância não acontece nos presentes autos, uma vez que a decisão recorrida apurou a matéria de facto suficiente para fornular a decisão de direito, nomeadamente no que respeita ao preenchimento pela conduta dos arguidos, dos elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime de ofensa à integridade física qualificada pelo qual foram condenados e para a escolha da natureza da pena e determinação da sua medida concreta.
Foi, pois, a matéria de facto dada como provada, que conduziu à decisão sobre a matéria de direito e consequentemente à condenação dos dois arguidos aqui recorrentes e à determinação da escolha e medida da pena aplicada a cada um deles.
Importa na verdade sublinhar, que o art.º 410º/2/a) do C.P.P estabelece uma conexão entre a matéria de facto provada e a decisão jurídica que nela assenta e não entre a prova produzida e os factos provados e não provados.
Nestes termos, não tem qualquer sentido a invocação deste vício, nos termos em que é feita pelos arguidos, quando não se aponta em concreto, qualquer omissão da matéria de facto que pudesse impedir a decisão jurídica tal como ela foi proferida, ou a escolha e determinação da medida da pena aplicada aos dois arguidos ora recorrentes.
Tal como resulta da simples leitura da sentença, os factos aí descritos respeitantes à actuação destes dois arguidos, além de integrarem o objecto do processo, são suficientes para decisão de direito, sendo a decisão tomada uma solução perfeitamente plausível, face à factualidade que foi apurada.
Por outras palavras, tudo aquilo que segundo a lei pode e deve ser valorado pelo juiz de julgamento (para efeitos de determinar se os dois arguidos incorreram em responsabilidade penal, isto é, se a sua conduta preencheu todos os elementos subjectivos e objectivos do crime de ofensa à integridade física qualificada imputado pelo MP e para escolher a pena a aplicar ao agente do crime e determinar o seu quantum), foi oportunamente considerado e apreciado pelo Tribunal a quo no caso presente.
Não padece assim a sentença recorrida, de qualquer insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Igualmente, numa apreciação oficiosa não se encontra na decisão recorrida qualquer outro vício, em especial qualquer errada e notória apreciação da prova (vício previsto no art.º 410º/2 c) do CPP).
Extrai-se da motivação de recurso apresentada pelos dois recorrentes, que o cerne da sua discordância, assenta na valoração da prova efetuada pelo Tribunal a quo, valoração essa, livremente formada e fundamentada, a qual é a convicção lógica em face da prova produzida, pelo que deve ser acolhida a opção do julgador, que beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova.
No caso em apreço, a prova foi efectivamente apreciada segundo a regra do artigo 127º do Código de Processo Penal, com respeito pelos limites ali impostos à livre convicção, não vislumbrando este Tribunal a existência de qualquer erro nessa apreciação, muito menos notório.
Examinados os factos provados e não provados descritos na sentença e a respectiva fundamentação, entendemos que não assiste pois qualquer razão aos arguidos e a sua argumentação, além de não ser relevante juridicamente, em termos de poder integrar o vício que invoca, insuficiência da matéria de facto provada para a decisão (porquanto é evidente que os recorrentes se estão a socorrer de elementos de prova externos ao próprio texto da decisão recorrida), tal alegação também não possui qualquer consistência.
Com efeito, os arguidos recorrentes, discordaram da valoração que o Tribunal a quo efetuou das declarações das testemunhas QQ e RR e do depoimento do ofendido OO, contrapondo que desses depoimentos (que defendem ser contraditórios e sem especificação dos concretos actos atribuídos a cada um deles), resulta haver uma dúvida razoável quanto à participação de ambos na agressão que vitimou OO, mas a verdade é que não apresentaram nenhum elemento de prova examinado em juízo, que comprovasse esta sua versão.
De tudo o acima exposto se vê, que o seu recurso na parte respeitante à impugnação da matéria de facto, assenta pois essencialmente numa discordância entre aquilo que o Tribunal a quo julgou como provado e não provado e aquilo que os recorrentes entendem ter resultado das próprias declarações do arguido AA, do ofendido OO e do depoimento das testemunhas QQ e RR.
Tal como bem foi sublinhado pelo MP na sua resposta, também nós entendemos que a apreciação que o Tribunal a quo efetuou, quer das declarações do arguido AA e do ofendido OO, quer do depoimento das testemunhas e ainda da prova documental, produzida em julgamento, não nos merece qualquer reparo.
Isto porque, como já dissemos supra, existindo duas versões opostas, trazidas a juízo, sobre os acontecimentos descritos na acusação, perante as dúvidas suscitadas sobre qual é a versão verdadeira, prevalece aquela que o Tribunal aceitar como válida, desde que devidamente fundamentada a mesma, como efectivamente sucedeu neste caso.
Na realidade, se nos focarmos em concreto, nos factos que foram especificadamente impugnados, claramente se vê, que ao contrário do que defendem os arguidos, o Tribunal a quo não se bastou com as declarações prestadas em juízo pelo ofendido OO, mas foi igualmente ponderada toda a restante prova testemunhal e documental, tendo ficado explicado porque razão a versão do ofendido foi considerada credível e aquela apresentada pelo arguido AA não lhe mereceu credibilidade, cfr passagem a seguir transcrita (com sublinhados nossos):
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica e articulada dos diversos elementos de prova constantes dos autos, à luz do art.º 127º do CPP, nomeadamente, da prova documental, da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como das declarações dos arguidos.
No que respeita às circunstâncias de tempo, o Tribunal atendeu ao auto de notícia junto a fls. 5, bem como às declarações dos agentes da PSP TT e UU, tendo aquele referido que no dia 28/08/2019, pelas 20:50h, foi informado via central rádio que estavam a ocorrer agressões na ..., razão pela qual se deslocaram ao local e que, aí chegados, contactaram com a mãe do ofendido, tendo a mesma referido que o mesmo já tinha ido para o Hospital.
E ainda ao episódio clínico de urgência junto a fls. 61, no qual é referido que o ofendido deu entrada no ... pelas 21:14h.
AA foi o único arguido que prestou declarações quanto aos factos inscritos na acusação. Contudo, as mesmas não mereceram a credibilidade do Tribunal.
Em primeiro lugar, mostrou-se visivelmente nervoso ao longo do seu depoimento, sendo evidente a existência de falhas na sua voz quando questionado sobre matérias que poderiam ser desfavoráveis ao mesmo ou aos restantes arguidos (a título de exemplo, quando lhe foi questionado: i) se os confrontos físicos foram iniciados pelo ofendido ou pelo arguido JJ e pelo SS; ii) se viu o arguido GG a desferir um soco ao ofendido).
Em segundo lugar, a sua versão, de que em momento algum “tocou no OO”, mostra-se manifestamente contrária às regras da experiência comum. Segundo o mesmo, apesar de o ofendido lhe ter dado um soco na face com uma pedra, o mesmo não esboçou qualquer reação, tendo afirmado que, no seguimento dessa situação, se veio embora.
Acresce que, se, conforme referiu, acedeu ao terraço do ofendido com o propósito logrado de terminar as agressões que estavam a ocorrer entre, por um lado, o SS e o arguido JJ e, por outro, o ofendido, não se compreende a razão pela qual este o agrediria.
Confrontado com a inverosimilhança da sua versão, o arguido limitou-se a afirmar que o ofendido é uma pessoa demasiado nervosa.
Em terceiro lugar, a versão do arguido mostra-se contrária à demais prova constante dos autos.
A este respeito, saliente-se que, apesar de ter referido que não viu o ofendido «ferido ou a sangrar», as lesões vertidas no processo clínico de urgência do mesmo, junto a fls. 61 (do qual consta que deu entrada na urgência às 21:14h e, por isso, em momento próximo do dos factos), bem como os fotogramas juntos a fls. 46 e 47, contrariam tal versão.
De outra banda, as declarações do ofendido mostraram-se assertivas, coerentes, circunstanciadas e pormenorizadas, razão pela qual assumiram um papel central na convicção do Tribunal.
Refira-se, desde já, que do depoimento do mesmo ressaltou um evidente sentimento de revolta em relação aos arguidos, motivado não só pela situação em causa nos autos, mas também pela ocorrência de desavenças anteriores (designadamente, com os arguidos GG e JJ).
Não obstante, o Tribunal ficou plenamente convencido de que tal não influenciou, no que interessa aos presentes autos, a objetividade e imparcialidade do seu depoimento, tendo o mesmo relatado aquilo que se recordava, de forma pormenorizada e descritiva, o que contribuiu, em larga medida, para reforçar a credibilidade do seu testemunho.(…).
Tal versão é, nas partes que lhe são comuns, corroborada pelo depoimento da testemunha QQ, mãe do ofendido, que reside com este e que se encontrava no interior do terraço à data da ocorrência dos factos.
Não obstante a relação que intercede entre si e o ofendido, bem como a circunstância de, ao longo do seu depoimento, ter resultado claro que sofreu muito e continua a sofrer com a situação em causa nos autos, o Tribunal reputou, em termos gerais, as suas declarações por credíveis e isentas (por exemplo, não mostrou qualquer relutância em asseverar que não viu o arguido DD a bater no ofendido).
Apesar de não conseguir especificar quais os concretos atos praticados por cada um dos sujeitos (o que se compreende, considerando o período de tempo já decorrido), afirmou perentoriamente que o arguido JJ e outro senhor que já faleceu (referindo-se a SS, cujo assento de óbito se encontra junto a fls. 252) acederam ao terraço e bateram no ofendido, corroborando, assim, a versão deste.
Também a testemunha RR, cujo depoimento mereceu a credibilidade do Tribunal, por se mostrar objetivo e isento, referiu que viu o arguido JJ e o SS no terraço da residência do ofendido e que, apesar de não conseguir concretizar as concretas agressões cometidas por cada um deles, os viu a agredir este último.
Saliente-se que a testemunha RR não demonstrou qualquer reserva em admitir que já não se lembrava da totalidade dos factos, fazendo questão de realçar quando não sabia responder ao que lhe era perguntado, o que reforçou, em grande medida, a credibilidade da versão que apresentou.
No que respeita aos factos n.ºs 8, 9 e 11, o ofendido referiu que, no momento em que se encontrava no chão a ser agredido pelo SS e pelo arguido JJ, os arguidos GG, DD e AA, bem como o indivíduo conhecido por “DD ...” e outro cuja identidade desconhece (referindo apenas que é de etnia negra), acederam também ao seu terraço.
Já no interior do mesmo, o arguido GG dirigiu-se ao ofendido, enquanto estava no chão, e, munido de um objeto metálico colocado entre os dedos (de características não concretamente apuradas, porquanto nem o ofendido conseguiu identificar com segurança o mesmo, nem tal objeto foi apreendido), desferiu golpes no corpo do ofendido, um dos quais na testa. (…)
A versão do ofendido, na parte em que refere que os arguidos GG e AA, bem como o indivíduo conhecido por “DD ...”, acederam ao terraço e que o primeiro lhe bateu, foi corroborada pela testemunha QQ, apesar de esta não conseguir especificar os concretos atos praticados pelo arguido GG.
Também a testemunha RR referiu que viu os arguidos AA e GG, bem como o indivíduo conhecido por “DD ...” no interior do terraço.
Contudo, referiu que não se recorda de ver o arguido GG a bater no ofendido. Ora, tal versão é contraditória com aquela avançada pelo ofendido e pela testemunha QQ.
Neste conspecto, o Tribunal atribuiu maior credibilidade à versão destes, porquanto afirmaram de forma perentória que o arguido GG tinha batido no ofendido.
Acresce que a testemunha RR se encontrava, no momento da ocorrência dos factos, na rua, junto ao portão que dá acesso ao terraço, razão pela qual o seu campo de visão não era tão privilegiado como o do ofendido e da testemunha QQ (sendo que, conforme se referiu, esta se encontrava, no momento dos factos, no interior do terraço).
No que concerne ao facto nº 10, o Tribunal deu-o como provado com base nas declarações das testemunhas QQ e RR, as quais afirmaram, de forma perentória, que viram o arguido AA a bater no ofendido.
Contudo, não lograram especificar os concretos atos que o mesmo praticou, razão pela qual apenas se deu como provado que o arguido atingiu, de forma não concretamente apurada, o ofendido.
Saliente-se, a este respeito, que a testemunha QQ, num primeiro momento, referiu que não viu o arguido AA a bater no ofendido.
Contudo, em virtude de a mesma mostrar algumas dificuldades em se expressar, o Tribunal, num segundo momento, pediu-lhe que olhasse diretamente para cada um dos arguidos e dissesse se viu algum deles a bater no ofendido, tendo a mesma referido, de forma convicta, que o arguido AA lhe tinha batido.
Também a testemunha RR afirmou de forma convicta que vislumbrou o arguido AA a bater no ofendido, corroborando, assim, a versão avançada pela testemunha QQ.
Por sua vez, o ofendido referiu que não podia afirmar com segurança que o arguido AA lhe tinha batido, porquanto não se recordava. Não obstante, tal não se mostrou suficiente para abalar a convicção do Tribunal de que tal ocorreu, com fundamento nas declarações das testemunhas supra referidas.
Com efeito, não se pode olvidar que, no momento em que o arguido AA acedeu ao terraço, o ofendido já tinha levado três pancadas com um martelo para picar carne, duas das quais na cabeça, e já tinha sofrido um golpe vulgarmente denominado de mata-leão.
Essas agressões deixaram, necessariamente, o ofendido desorientado e combalido (conforme referido pelo mesmo e corroborado pelas regras da experiência comum), mostrando-se perfeitamente plausível que não tenha reparado ou que não se recorde se o arguido AA lhe bateu.
Contudo, isto não significa que tal não tenha ocorrido, tanto mais que o Tribunal formou uma convicção segura que ocorreu, com fundamento nos depoimentos das testemunhas supra referidas.
No que respeita aos factos n.ºs 12 e 13, o Tribunal atendeu ao relatório do episódio de urgência junto a fls. 61 (do qual consta que o arguido deu entrada no serviço de urgência às 21:14h do dia 28/08/2019) e ao relatório da perícia de avaliação do dano em direito penal junto a fls. 326.
No que concerne ao facto n.º 14, o Tribunal atendeu ao relatório da perícia de avaliação do dano em direito penal junto a fls. 326. (…)”
Perante esta fundamentação da matéria de facto, podemos constatar que no fundo, o que ocorre aqui, é que os arguidos discordaram da leitura ou apreciação da prova que foi feita pelo Tribunal a quo e como é sabido, essa simples discordância não pode servir de fundamento para motivar a procedência de um recurso.
Na verdade, como é do conhecimento geral, a prova é apreciada de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, consignado no art.º 127º do C.P.P onde claramente se pode ler “…a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Estamos, pois, em sede de um certo poder discricionário do Juiz que “só pode ser atacado em função de vícios típicos endógenos da sentença ou erros de direito, ou claros erros de julgamento”, os quais no caso presente não se verificam notoriamente.
Com efeito, citando a jurisprudência constante do Ac. da Relação de Coimbra de 6.3.2002 in C.J II, 44: “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Desta forma, o Tribunal a quo entendeu ser possível concluir, da análise da toda a prova produzida, estar suficientemente demonstrada sem qualquer dúvida, a factualidade que se encontra descrita na acusação, relativamente à agressão de que foi vítima OO e considerar cada um dos arguidos recorrentes, responsáveis pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p.p no art.º 143º nº 1 e 145º nº 1 a) e nº 2 por referência ao art.º artº 132º nº 2 alínea h) todos do C.Penal.
De resto, como se sabe, a decisão da matéria de facto, tem de resultar da análise conjunta e avaliação crítica de toda a prova produzida em audiência e não apenas de segmentos fragmentados dessa mesma prova.
Por outro lado, de acordo com o referido princípio da livre apreciação da prova que domina o nosso sistema (por oposição ao regime da prova legal) não existem normas que determinam o valor ou a eficácia probatória a atribuir a cada meio probatório.
Nessa medida, a atribuição de maior ou menor força a um meio de prova depende apenas da convicção do julgador, desde que se mostre de acordo com a experiência comum.
A convicção assim formada pelo Tribunal a quo, não pode ser censurada, sob pena de se aniquilar a livre apreciação da prova do julgado, construída na base da imediação e da oralidade.
Neste seguimento e tal como foi sublinhado pelo M.P na 1ª instância e nesta Relação, também nós entendemos, que a convicção do Sr Juíz que presidiu ao julgamento realizado na 1ª instância, se mostra devidamente explicitada, num processo lógico dedutivo, conforme às regras da experiência comum e dos normais acontecimentos da vida e assente numa análise conjugada de provas legítimas, sendo como tal inatacável, porque devidamente enquadrada no art.º 127º do C.P.P.
Resulta claramente que com tais alegações, pretendem os recorrentes é pôr em causa o processo de valoração da prova efectuado pelo Tribunal a quo, querendo na verdade, que a mesma prova seja valorada de acordo com a sua própria apreciação, esquecendo-se, contudo, que a prova é apreciada, salvo quando a lei dispuser diferentemente, segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade que julga – art.º 127º do C. P. Penal e não de acordo com a apreciação que dela fazem os destinatários da decisão.
Livre apreciação essa, todavia, que não significa livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, realizando-se de acordo com critérios lógicos e objectivos, expressos através da motivação.
Sendo assim, não assiste razão aos arguidos neste segmento do recurso e ao impugnar a matéria de facto, da forma supra referida, parecem esquecer a detalhada fundamentação elaborada pelo Tribunal de 1ª Instância, na motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Aí foram expressamente indicados os meios de prova tomados em consideração, deu-se conta da relevância que foi atribuída a cada um deles e explicou-se nomeadamente os motivos pelos quais não foi atribuída credibilidade à versão sobre os factos apresentada em juízo pelo arguido AA, ficando assim devidamente fundamentada a decisão de considerar provados, os factos supra mencionados, aqui especificadamente impugnados por cada um dos arguidos recorrentes.
O Tribunal recorrido não violou assim, as regras da experiência comum, ao valorar os depoimentos supramencionados, nos termos em que o fez.
Ou seja, por outras palavras, entendemos que esta valoração da prova feita pelo Tribunal a quo é perfeitamente legítima, não sendo violadora das regras da experiência comum, nem da lógica.
E em nosso entender, tal sucedeu no caso sub Júdice, face à motivação da decisão de facto, expressa na sentença final condenatória, onde o Tribunal a quo se reportou expressa e detalhadamente à ponderação de toda a prova produzida (prova testemunhal e prova documental – cfr o já acima transcrito) num raciocínio lógico e inteligível, donde resulta terem sido examinadas criticamente, todas as provas que serviram para formar a sua convicção, estando pois a decisão recorrida estruturada de forma respeitadora dos diversos critérios legais e designadamente do art.º 374º/2 e art.º 127º do C.P.P.
Por todas as considerações acima referidas, o Tribunal a quo logrou concluir da análise crítica de toda a prova examinada em audiência, haver sido produzida suficiente e consistente prova, no sentido de permitir de forma fundada e sem quaisquer dúvidas, imputar aos arguidos agora recorrentes, a prática por cada um deles, de um crime de ofensa à integridade física qualificada p.p no art.º 143º nº 1 e 145º nº 1 a) e nº 2 por referência ao art.º artº 132º nº 2 alínea h) todos do C.Penal, tal como o descrito na acusação pública.
Não se vislumbra assim repete-se, da matéria de facto julgada provada e não provada e da respectiva fundamentação acima reproduzidas, qualquer apreciação da prova que resulte ser manifestamente ilógica, arbitrária ou de todo insustentável, denunciando a existência de qualquer insuficiência da matéria de facto para a decisão, ou de um erro notório na apreciação da prova, evidente para um cidadão comum ou um jurista com preparação normal.
Em resumo, nada há a apontar ao processo de valoração da prova feita pelo Tribunal a quo, mais concretamente, no que se refere ao depoimento das testemunhas QQ e RR e às declarações do arguido AA.
Nada a apontar, portanto, quanto aos factos provados e não provados descritos na sentença recorrida, os quais se mostram bem julgados, de acordo com a prova produzida em audiência e como tal, a matéria de facto não pode ser alterada, considerando-se definitivamente fixada.
Improcede, assim, a impugnação feita pelos arguidos recorrentes quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, encontrando-se a sentença bem fundamentada, não padecendo igualmente de nenhuma ilegalidade ou nulidade, tendo sido proferida de acordo com a lei constitucional e processual, sem qualquer violação, nomeadamente do art.º 32º/2 da C.R.P e art.º 374º/2 do C.P.P.
B) Da alegada violação do princípio in dubio pro reo e do princípio da presunção da inocência do arguido consagrado no art.º 32º/2 da C.R.P
Relacionado com a valoração da prova, alegaram ainda os dois recorrentes, ter havido violação do princípio do “in dubio pro reo”, que invocam a seu favor para obter uma absolvição.
Para o efeito, argumentou o arguido AA do seguinte modo: (conclusões 6), 9), 11), e 13) com sublinhados nossos:
“(…) As contradições geram dúvidas razoáveis sobre a culpabilidade do arguido. Assim, o arguido deveria ser beneficiado com a presunção de inocência devido à falta de provas conclusivas e consistentes contra ele, com base no princípio do in dubio pro reo. (…)
Existe dúvida razoável quanto à participação do ora recorrente, AA, nas agressões, face aos depoimentos contraditórios e a falta de especificidade nos atos que lhe são atribuídos. O próprio ofendido reitera não ter certezas que o ora recorrente o tenha agredido.
Na presença de dúvidas razoáveis e objetivas sobre a ocorrência dos factos imputados a um arguido, deve prevalecer a absolvição. O princípio in dubio pro reo identifica-se com a presunção de inocência do arguido a que alude o art.º 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa e o art.º 11º, nº 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e impõe que o julgador valore sempre em favor daquele. (…)”
E por sua vez veio sustentar o arguido GG o seguinte: (conclusões VI, IX e X e XI):
“(…) Entendemos que os depoimentos das testemunhas QQ e RR não constituem prova suficiente de um ataque ao corpo ou à saúde do ofendido por parte do ora recorrente, havendo lugar à aplicação do princípio do IN DUBIO PRO REO. A testemunha RR foi incapaz de especificar quem estava a agredir o ofendido, indicando incerteza quanto aos papéis individuais nas agressões (…) Existe dúvida razoável quanto à participação do ora recorrente, GG, nas agressões, face aos depoimentos contraditórios e a falta de especificidade nos atos que lhe são atribuídos.
Na presença de dúvidas razoáveis e objetivas sobre a ocorrência dos factos imputados a um arguido, deve prevalecer a absolvição.
O princípio in dubio pro reo identifica-se com a presunção de inocência do arguido a que alude o art.º 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa e o art.º 11º, nº 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e impõe que o julgador valore sempre em favor daquele.”
Assim, face à prova produzida em audiência, que ambos consideram ter sido bastante insuficiente, concluiram que deveria o douto Tribunal “a quo” ter feito uso do princípio in dúbio pro reo e consequentemente ter absolvido os ora recorrentes do crime de ofensa à integridade física qualificado, por falta de provas inequívocas, com respeito pelo princípio da presunção de inocência do arguido até prova irrefutável em contrário.
Pelo contrário, o M.P na sua resposta ao recurso do arguido AA, veio defender posição contrária, argumentando do seguinte modo:
dúvidas não existem, face à prova produzida em audiência de julgamento, que os arguidos agiram de comum acordo e em comunhão de esforços, cada um ciente e aceitando o resultado da conduta do outro, mediante um plano previamente gizado por eles, ao qual todos aderiram, ainda que não se ter logrado apurar de que forma o arguido AA atingiu o ofendido, sendo certo que as testemunhas QQ e RR, afirmaram, de forma peremptória, que viram o arguido AA a bater no ofendido, sem, contudo, lograrem recordar de que forma tal sucedeu, o que é compreensível face ao hiato de tempo decorrido desde a prática dos factos e ao nº de agressores em apreço;
A este propósito importa realçar que quando uma pluralidade de agentes comparticipa num facto - e é só nesse caso que assume relevo prático-normativo a distinção dos papéis de cada um perante a execução - nem sempre é fácil definir e autonomizar com exatidão, mesmo considerando apenas os chamados "delitos de domínio”, o contributo de cada um para a realização típica. O facto aparece, assim, como obra de uma vontade que se dirige para a produção de um resultado. Porém, não só é determinante para a autoria a vontade de direcção, mas também a importância objetiva da parte do facto assumida por cada interveniente. Daí resulta que só pode ser autor quem, segundo a importância da sua contribuição objectiva, comparte o domínio do curso do facto. Assim se encontra estatuído no artigo 26º do Código Penal;”
Desta forma, concluiu resultar claramente da análise crítica da prova, que o Tribunal a quo não teve qualquer dúvida quanto à prática deste crime de ofensas à integridade física qualificada pelo arguido AA, pelo qual o mesmo foi condenado, não havendo assim lugar para a aplicação do princípio in dubio pro reo, não se mostrando violada qualquer norma ou princípio legal, pelo que a sentença não lhe merece qualquer censura.
Vejamos.
Em face do que já acima referimos aquando da análise da impugnação da matéria de facto, não é minimamente aceitável a tese vertida nos dois recursos, que se revela totalmente inconsistente, dado que a convicção do Tribunal a quo se mostra alicerçada em factos objectivos e concretos, que o julgador não teve dúvidas em dar como provados.
Na verdade, este princípio in dubio pro reo tem aplicação na apreciação da prova, impondo que, em caso de dúvida insuperável e razoável sobre a valoração da prova, se decida sempre a matéria de facto, no sentido que mais favorecer o arguido.
É um princípio probatório que procura solucionar um problema de dúvida em relação à matéria de facto e não ao sentido de uma norma jurídica.
Trata-se de um princípio, que traduz o correspectivo sentido do princípio da culpa em Direito Penal, ao garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos típicos, sendo um corolário lógico do princípio da presunção de inocência do arguido e que não tem quaisquer reflexos ao nível da interpretação das normas penais.
Por isso, não podemos deixar de realçar que a violação de tal princípio só existiria se o Tribunal de julgamento reconhecendo a dúvida, ainda assim, condenasse os arguidos AA e GG pelo crime de ofensa à integridade física qualificada imputado a cada um deles.
O que não foi o caso.
Na verdade, o Tribunal a quo claramente referiu que os depoimentos das testemunhas QQ e RR lhe mereceram inteira credibilidade e corroboraram as declarações do ofendido, solidificando e preenchendo a versão deste, naquilo que alguns lapsos de memória já não permitiram relatar em juizo, tendo por isso o Tribunal a quo, ficado absolutamente convencido da realidade que descreveu na factualidade provada.
Ou seja, as quebras de memória do ofendido OO, foram preenchidas pelos depoimentos das testemunhas ouvidas em juízo, bem como pelas regras da experiência e análise da prova documental.
Daí que, tal como já acima ficou dito, em nosso entender, resulta da simples leitura da decisão recorrida, que foi efectivamente apreciada conjunta e criticamente toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, pelo que nenhum reparo nos merece a sentença aqui em análise, no que concerne à matéria de facto aí descrita, como estando provada e não provada.
O Tribunal a quo, apreciando criticamente todas as provas produzidas, conjugadas entre si e com as regras de experiência comum, conforme consta da respectiva fundamentação de facto, convenceu-se, sem margem para dúvidas, de determinados factos que constam da decisão ora em crise.
Relativamente à discordância factual dos dois recorrentes, quanto à convicção do Tribunal a quo, o que já acima vimos, é que a mesma não tem qualquer base de sustentação, pois a simples leitura da matéria de facto provada e respectiva fundamentação constantes da sentença recorrida, não revelam que a referida convicção do Tribunal a quo seja notoriamente errada, ilógica ou contrária às regras da experiência comum.
Ora resulta da fundamentação da sentença recorrida, não ter a convicção do Tribunal de julgamento assentado em raciocínios ou juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios ou ter sido elaborada a decisão ora impugnada, com desrespeito das regras sobre o valor da prova vinculada e dos princípios gerais sobre a produção da prova (nomeadamente sobre a proibição da valoração da prova indirecta), nem a existência de qualquer dúvida insanável, donde não é possível concluir também pela violação do princípio in dubio pro reo.
A decisão proferida, tendo em conta o seu teor, mostra-se coerente, harmónica, sem antagonismos factuais, não contém factos contrários às regras da experiência comum, nem a existência de erro, que seja patente para qualquer cidadão.
Por outras palavras, face ao que vem de ser exposto, podemos concluir que a decisão recorrida, não permite ter havido da parte do senhor Juíz do Tribunal de julgamento, margem para qualquer dúvida na sua apreciação da prova.
A dúvida dos recorrentes é aqui irrelevante e jamais poderia conduzir à constatação da violação de tal princípio, pois que o mesmo é afinal, uma regra de que apenas o próprio julgador se deve socorrer quando tem dúvidas.
Não basta que exista um depoimento ou um documento que aos recorrentes não mereça credibilidade, para simplesmente se poder concluir que a sua valoração pelo Tribunal a quo redundou na violação do princípio “in dubio pro reo”.
Uma coisa é a dúvida dos recorrentes, outra, a do julgador, e só a dúvida deste pode conduzir a uma decisão de absolvição, com apelo a tal princípio.
Analisar criticamente a prova, significa justamente concluir um facto da conjugação dos vários elementos trazidos à discussão da causa e reputá-lo como verdadeiro ou falso, em face daquilo que for a convicção do julgador, dentro do seu critério de livre apreciação.
Defender no contexto referido, a violação do princípio “in dubio pro reo”, como fizeram os recorrentes, carece, pois, de fundamentos sustentáveis.
Efectivamente, no caso em apreço, lendo a decisão recorrida, designadamente a fundamentação de facto e a indicação e exame crítico das provas em que se baseou a convicção do Tribunal, quanto ao crime de ofensa à integridade física qualificada imputado aos dois arguidos, não se vislumbra que o Tribunal a quo, tivesse dado como provado, qualquer um dos factos que como tal enumerou, tendo dúvidas sobre a sua verificação, nem se nos afigura, que tais dúvidas devessem ter existido.
«A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de quaisquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. De outra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.» - Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional 198/2004 de 24/03/2004, D.R. II Série, de 02/06/2004 in www.tribunalconstitucional.pt/acordaos
Resulta assim claro, que o preceituado no art.º 127º CPP deve ter-se por cumprido, sempre que a convicção a que o Tribunal de julgamento chegou, se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, onde não se vislumbre qualquer assomo de arbítrio na apreciação da prova, considerando que o objecto da prova tanto inclui os factos probandos (prova directa) como factos diversos do tema de prova, mas que permitam, com o auxilio das regras de experiência, uma ilação quanto a estes (prova indirecta ou indiciária).
Face ao que acima ficou dito, torna-se de difícil compreensão a argumentação dos recorrentes no que respeita à alegada incorrecta aplicação deste princípio in dubio pro reo pelo Tribunal a quo, ou quanto à alegada violação do princípio da presunção da inocência do arguido consagrado no art.º 32º/2 da C.R.P, por tal alegação não se encontrar minimamente fundamentada, nem ter qualquer correspondência com a realidade factual apurada.
Sem necessidade de mais considerandos, concluímos que também neste ponto os recursos ora em análise, não serão providos.
C) Do quantum das penas concretas de prisão aplicadas aos dois arguidos
A moldura legal abstracta prevista para o crime de ofensa à integridade física qualificada nos artºs 41º, nº 1, 143º, nº 1 e 145º, nº 1, al. a) do CP, é a de pena de prisão de 1 mês a 4 anos.
No que respeita à escolha da natureza da pena e determinação da sua medida, em relação aos dois arguidos recorrentes, decidiu o Tribunal a quo nos seguintes transcritos termos:
“B. Das consequências jurídicas do crime
B.1. Da medida concreta da pena
Emerge do disposto nos artºs 41º, nº 1, 143º, nº 1 e 145º, nº 1, al. a) do CP, que o crime de ofensa à integridade física qualificado é punido com pena de prisão de 1 mês a 4 anos.
Considerando que os arguidos JJ, AA e GG (doravante, o termo arguido será utilizado apenas por referência a estes) vão condenados pela prática, em coautoria, do crime referido, cumpre, nesta sede, determinar a medida concreta da pena que deve ser aplicada a cada um deles.
Ora, no que concerne às finalidades das penas, o art.º 40º, nº 1, do CP, estabelece que a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Deste normativo decorre que as finalidades das penas são de natureza preventiva, designadamente, de prevenção geral ou integrativa e de prevenção especial positiva, bem como negativa.
A prevenção geral visa a proteção de bens jurídicos (num sentido prospetivo), traduzido na «necessidade de tutela da confiança (...) e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada»1.
A prevenção especial positiva visa «criar as condições necessárias para que [o agente] possa, no futuro, continuar a viver sem cometer crimes»2, e a prevenção especial negativa (relevante, a título principal, quando o arguido está inserido social e profissionalmente), constitui uma intimidação ao agente, com vista a afastá-lo da prática de novos crimes, advertindo-o das consequências dos seus atos caso persista no comportamento antijurídico.
O art.º 71º, nº 1, do CP, estabelece que a «determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção», pelo que a determinação da medida concreta da pena far-se-á atendendo às exigências de prevenção e à culpa do agente.
Na esteira da teoria da moldura da prevenção, a prevenção geral positiva fornecerá a moldura da prevenção, cujo limite mínimo corresponderá à pena abaixo da qual a comunidade jurídica não sente suficiente e eficazmente protegido o bem jurídico que foi violado com a prática do crime correspondente; e cujo limite máximo corresponderá à medida ótima da tutela do bem jurídico.
Por sua vez, as exigências de prevenção especial atuarão dentro da submoldura formada pelo valor máximo e mínimo fornecido pelas exigências de prevenção geral.
A culpa atuará como pressuposto e limite da pena (art.º 40º, nº 2, do CP), com vista a salvaguardar a dignidade da pessoa humana do arguido, constitucionalmente garantida no art.º 1º da CRP.
Apurada a moldura de prevenção, e conforme resulta do art.º 71º, nº 2, do CP, na determinação da medida concreta da pena o Tribunal atenderá a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as enunciadas nas várias alíneas do artigo e número referido.
Cumpre, neste momento, aplicar ao caso concreto os critérios elencados supra.
As necessidades de prevenção geral são elevadas, atendendo à significativa frequência da prática deste tipo legal de crime, que importa contrariar, atendendo ao elevado sentimento de insegurança que a ocorrência de factos como os dos autos gera na comunidade.
Analisadas as necessidades de prevenção geral, balizadoras da pena concreta a aplicar, cumpre analisar as circunstâncias agravantes e atenuantes que militam contra e a favor dos arguidos, respetivamente.
Como circunstâncias agravantes relevam:
i. o grau significativo de ilicitude dos factos, considerando que o ofendido foi atingido várias vezes e de variadas formas na sua integridade física, duas quais na cabeça e outra na testa;
ii. a modalidade de dolo na sua forma mais intensa;
iii. a superioridade numérica dos arguidos, bem como do indivíduo conhecido por “DD ...”, no confronto com o ofendido, o que dificultou, de forma particular, a possibilidade de o mesmo se defender;
iv. a necessidade de, em consequência dos factos em causa nos autos, o ofendido receber tratamento hospitalar;
v. a circunstância de o ofendido ter ficado com cicatrizes na zona interparietal (com 5cm de diâmetro) e afetado na sua capacidade de trabalho;
vi. a desinserção profissional dos arguidos.
Como circunstâncias atenuantes relevam:
i. a ausência de antecedentes criminais dos arguidos AA, GG e JJ, apesar de já contarem, respetivamente, 54, 46 e 43 anos;
ii. a inserção sociofamiliar dos mesmos.
Atendendo à circunstância agravante referida em vi), bem como às circunstâncias atenuantes elencadas em i) e ii), entende-se que as necessidades de prevenção especial, in casu, não se mostram particularmente significativas.
Com efeito, trata-se do primeiro contacto dos arguidos com o sistema de justiça penal, razão pela qual serão, em princípio e de acordo com as regras da experiência comum, mais sensíveis à pena, interiorizando, desta forma, o desvalor da sua conduta.
Quanto à culpa, relevam nesta sede as circunstâncias agravantes referidas em i) a v), que depõem contra todos os arguidos, as quais, por si só consideradas, impõem um juízo de censura elevado.
Com efeito, os arguidos podiam e deveriam ter atuado, em larga medida, de forma distinta, demonstrando com as condutas perpetradas uma total indiferença perante a saúde e bem-estar do ofendido, tanto mais que, face às gravidades das lesões, o mesmo teve de receber tratamento hospitalar e ficou com cicatrizes na cabeça.
Acresce que os arguidos, ao agirem em superioridade numérica (5 para um), aproveitaram-se do desequilíbrio de forças existente para serem bem-sucedidos nos seus intentos, coartando qualquer hipótese de defesa ao ofendido.
Analisadas as circunstâncias respeitantes à culpa que depõem contra e a favor de todos os arguidos, cumpre analisar aquelas que depõem especificamente a favor ou contra cada um dos arguidos, porquanto, nos termos do art.º 29º do CP, cada comparticipante é punido segundo a sua culpa.
A graduação da culpa de cada um dos arguidos pressupõe uma análise dos concretos atos que cada um praticou na execução do plano conjunto. Sendo que, tal análise, por se situar, em termos funcionais e teleológicos, num momento distinto da análise que é efetuada em sede de qualificação jurídica, não colide com esta.
Por outras palavras, a graduação da culpa que se efetuar em relação a cada um dos arguidos nesta sede não interfere com o juízo de especial censurabilidade efetuado supra em relação a todos.
Trata-se somente de, dentro dessa especial censurabilidade que é assacada a todos, em virtude de terem tomados como seus os atos praticados pelos demais, diferenciar para mais ou para menos o mesmo.
Ora, no que concerne ao arguido JJ, considerando que desferiu três pancadas no corpo do ofendido, duas das quais na cabeça, utilizando para o efeito um martelo para picar carne, o juízo de censura a efetuar ao mesmo é necessariamente maior em relação aos restantes, porquanto podia em larga medida atuar em medida diferente.
Relativamente ao arguido GG, cumpre considerar que, num momento em que o ofendido se encontrava no solo, deu pelo menos 2 socos no ofendido, um dos quais na testa. Acresce que, no momento em que agrediu o ofendido, tinha entre os dedos da mão, que utilizou para desferir os socos no ofendido, um objeto metálico, cujas características não se conseguiram apurar.
A esta luz, a culpa do arguido GG deve ser graduada num patamar inferior relativamente à do arguido JJ, atendendo às diferentes características e perigosidade dos objetos concretamente utilizados por cada um, bem como ao menor número de golpes desferido por aquele.
No que concerne ao arguido AA, considerando que não se logrou apurar de que forma e quantas vezes atingiu o ofendido, o juízo de censura a efetuar-lhe terá necessariamente de ser inferior relativamente aos demais.
Ora, tudo considerado, considera-se justo, necessário, adequado e proporcional aplicar as seguintes penas:
- uma pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão ao arguido AA;
- uma pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão ao arguido GG;
- uma pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão ao arguido JJ.
B.2. Da pena de substituição
Em virtude do mandato político-criminal de preferência das penas não privativas da liberdade em relação às penas privativas da liberdade (previsto no art.º 70º, 2ª parte, do CP), o Tribunal está sujeito a um verdadeiro poder-dever de indagar da possibilidade de aplicar uma pena de substituição3.
Atendendo à pena privativa de liberdade fixada, cumpre indagar pela respetiva substituição por pena não privativa daquela.
Tendo em conta a medida concreta da pena aplicada a cada um dos arguidos, bem como o facto de os crimes não terem sido praticados no exercício de profissão, função ou atividade dos mesmos (art.º 46º do CP), facilmente se percebe que as únicas penas de substituição cuja aplicação cumpre averiguar são a de prestação de trabalho a favor da comunidade e a de suspensão da execução da pena de prisão, previstas nos artºs 58º e ss. do CP e 50º e ss. do CP, respetivamente.
No que concerne à primeira, resulta do disposto no art.º 58º, nº 1 do CP que o tribunal substitui a pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Contudo, a aplicação da mesma depende de aceitação do condenado nesse sentido (nº 5 do art.º 58.º do CP).
Acrescenta o art.º 58º, nº 2 do CP que a pena substitutiva em análise consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade.
No que respeita à medida concreta da pena, dispõe o 58º, nº 3 do CP que cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas.
Na análise a efetuar quanto à substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade, entram apenas considerações de natureza preventiva, isto é, «o tribunal deve apurar se esta pena é adequada à satisfação das necessidades de prevenção especial de socialização ou a prevenção geral que resultem do caso»4.
In casu, os arguidos deram o seu consentimento à aplicação de uma pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade, pelo que resta somente averiguar se a aplicação da mesma se mostra adequada a salvaguardar as finalidades da punição.
Ora, conforme se referiu supra, as necessidades de prevenção especial não são particularmente significativas.
Trata-se do primeiro contacto dos mesmos com o sistema de justiça penal, pelo que a permeabilidade dos mesmos à pena será maior.
Ademais, a prestação de horas de trabalho em favor da comunidade, pelo esforço que lhe está inerente, mostra-se adequado a fazer relembrar aos arguidos o caráter desvalioso da sua conduta, contribuindo, assim, para a interiorização, por parte dos mesmos, do desvalor que a comunidade atribui à mesma.
Acresce que, considerando que os arguidos se encontram desempregados, a prestação de trabalho em favor da comunidade não só representará uma ocupação dos seus tempos livres, afastando-os, neste período, da prática de outros ilícitos criminais, como também lhes incutirá responsabilidade social e consciencialização para as necessidades de terceiros.
A esta luz, entende-se que a substituição da pena de prisão aplicada a cada um dos arguidos pela prestação de trabalho a favor da comunidade terá um efeito positivo na reintegração dos mesmos.
Não obstante, cumpre analisar se tal substituição não compromete, de forma insuportável, as necessidades de prevenção geral, as quais se mostram elevadas no caso dos autos.
A pena de substituição de trabalho a favor da comunidade constitui uma espécie de pena em que a comunidade acompanha, de perto, a respetiva execução.
Tal favorece, em larga medida, o reforço da vigência da norma violada, porquanto os cidadãos veem com os seus próprios olhos não só que o cometimento de crimes não compensa, mas também que a violação dos bens jurídicos, que os mesmos reputam por elementares, são objeto de tutela por parte do Estado.
Aliás, tal pena, não raras vezes, satisfaz de forma mais adequada as necessidades de prevenção geral do que a pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão.
E tal deve-se ao facto de, naquela, a comunidade sentir que o mal cometido pelo arguido está a ser efetivamente reparado, através da realização de trabalho que tem como escopo beneficiar a comunidade.
A esta luz, nos termos dos artºs 58º e ss. do CP e por entender que tal salvaguarda de forma adequada e suficiente a finalidade da punição, entende o Tribunal:
- substituir a pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão aplicada ao arguido AA pela prestação de 420 horas de trabalho a favor da comunidade;
- substituir a pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão aplicada ao arguido GG pela prestação de 480 horas de trabalho a favor da comunidade (considerando o limite máximo previsto no art.º 58º, nº 3 do CP);
- substituir a pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão aplicada ao arguido JJ pela prestação de 480 horas de trabalho a favor da comunidade (considerando o limite máximo previsto no art.º 58º, nº 3 do CP).”
Veio o arguido AA, impugnar a medida da pena de prisão aplicada, invocando que a mesma é excessiva e desproporcional (1 ano e 2 meses de prisão), face às circunstâncias do caso, sublinhando que é delinquente primário, tem 54 anos e se encontra inserido na sociedade e família, sendo também o juízo de censura menor aquele que incide sobre a sua conduta, em virtude da falta de precisão sobre os exactos actos da sua participação na agressão que ficou provada sobre o OO.
Termina assim, pedidindo que lhe seja aplicada uma pena de prisão situada nos limites mínimos legais (conclusões 14 a 18).
Por sua vez, o arguido GG, veio igualmente impugnar a medida da pena de prisão que lhe foi aplicada (1 ano e 5 meses de prisão), considerando-a manifestamente excessiva e desproporcional, face às circunstâncias do caso, sublinhando que é primário, tem 46 anos e se encontra inserido na sociedade e família - conclusões XIII a XVII.
Defende assim que a medida da pena seja adequada ao grau da sua culpa, devendo ser aplicada uma pena de prisão que não ultrapasse o mínimo legal, por ser mais ajustada às finalidades da punição, considerando a falta de clareza sobre a sua concreta actuação.
Por sua vez, o M.P veio defender a manutenção do decidido pelo Tribunal a quo, no que respeita ao regime sancionatório fixado na sentença recorrida, argumentando que inexiste qualquer ilogismo, postergação de regras ou princípios e violação da lei, no que respeita à pena de prisão fixada e sua dosimetria.
Quid juris?
Desde logo se pode constatar, que os arguidos não impugnaram a decisão de subtituição da pena de prisão aplicada a cada um deles, por uma pena de trabalho a favor da comunidade, mas sim e apenas o quantum da pena de prisão principal que foi determinado na 1ª instância.
Nestes termos, será objecto deste recurso aqui apreciado, apenas a questão do quantum da pena de prisão aplicada a cada um deles, considerando-se já transitada em julgado a decisão da 1ª instância, sobre a aplicação a ambos os arguidos, de uma pena alternativa (a pena de trabalho a favor da comunidade), decisão essa que não foi expressa e especificadamente impugnada por nenhum dos recorrentes.
Nesta sequência, importa dizer que neste segmento do recurso dos arguidos, concordarmos inteiramente com a posição manifestada pelo M.P. no sentido de que a decisão recorrida se encontra bem fundamentada no que respeita à escolha das penas e determinação da sua medida concreta, uma vez que aí se fez uma correcta aplicação do direito aos factos, não merecendo a menor censura, por ser a pena de 1 anos e 2 meses (arguido AA) e a pena de 1 ano e 5 meses (arguido GG) justas e adequadas para cada um dos arguidos.
Não obstante o alegado por estes na motivação dos repectivos recursos, a verdade é que como se pode ler na transcrição parcial da fundamentação da sentença na 1ª instância, quanto à escolha e graduação da medida da pena, o Tribunal recorrido teve em atenção todos os factores, que legalmente devem ser valorados nesta sede.
Isto é, foi devidamente ponderado, as elevadas exigências de prevenção geral, que se revelam acentuadas no caso em apreço – foi considerado ser significativa a frequência da prática deste tipo legal de crime, exigindo-se por isso, que o Tribunal através do sancionamento adequado das condutas ilícitas dos arguidos, contrarie o elevado sentimento de insegurança que a ocorrência de factos como os dos autos gera na comunidade.
Não obstante, o Tribunal considerou serem pouco significativas as exigências de prevenção especial, dado a ausência de antecedentes criminais dos arguidos AA e GG, e entendeu que esse factor, em princípio e de acordo com as regras da experiência comum os tornará mais sensíveis à pena, podendo assim interiorizar mais fácilmente o desvalor da sua conduta.
Foi ainda ponderado, o conjunto de factos praticados pelos agentes e o contexto em que os mesmos tiveram lugar, o grau de intensidade do dolo e as consequências resultantes da sua actuação (para o ofendido que ficou com cicatrizes e afectado na sua capacidade de trabalho em consequência da agressão de que foi vítima) bem como a idade e personalidade dos arguidos, que sobressai da sua actuação, descrita na sentença e claro, a sua ausência de antecedentes criminais e inserção sociofamiliar dos mesmos.
Não deixou, pois, de ser relevado, o enquadramento social e familiar dos dois arguidos, arguido AA (factos 21 a 22 dos autos) e arguido GG (factos 26 a 31) e ainda a ausência de antecedentes criminais de ambos os arguidos, indicados na factualidade provada no ponto 19.
Deste modo, não releva a discordância dos arguidos, feita em termos genéricos, quanto ao quantum da pena que lhes foi aplicada, por não estar essa discordância assente em qualquer substrato factual relevante e e a sua convicção não se poder substituir à convicção do julgador – sendo certo que da factualidade apurada, resultou haver razão para distinguir as intervenções dos dois arguidos, em função da culpa de cada um e daí a determinação de uma pena concreta de prisão com alguma diferença de meses, tendo essa opção ficado bem explicada no texto da sentença.
Tendo em conta os assinalados factores e a valoração que deles se fez na 1ª instância, em sede de culpa e prevenção bem como os limites mínimo e máximo da moldura legal abstracta da pena de prisão prevista no C.P para o crime supra assinalado, entende este Tribunal da Relação, que a graduação que o Tribunal a quo fez da pena principal e concreta a aplicar, a cada um dos recorrentes, fixando-a em 1 ano e 2 meses de prisão (AA), e em 1 ano e 5 meses (GG), é justa e adequada - sendo certo que essa medida, se localiza perto do ponto médio da respectiva moldura legal abstracta.
De igual modo, entendemos ser equilibrada e adequada para os fins previstos na lei, a substituição dessas penas de prisão, por uma pena de trabalho a favor da comunidade, nos termos que foram decididos na 1ª instância (e não concretamente impugnados).
Concordamos, pois, inteiramente com as considerações ali feitas na sentença recorrida, por traduzirem uma acertada e fiel leitura da realidade e entendemos assim, que o quantum dessa pena concreta, fixada aos arguidos, não vai além do grau da sua culpa respectiva e é adequado a satisfazer as razões de prevenção geral que são elevadas bem como as razões de prevenção especial pouco signficativas.
Ou seja, foi devidamente ponderado o conjunto dos factos praticados pelos agentes, o dolo directo e as consequências das suas condutas ilícita, o seu comportamento anterior e posterior aos actos ilícitos objecto destes autos, bem como as suas personalidades evidenciadas nas acções praticadas, como claramente foi salientado na sentença recorrida.
Tudo visto, e em resumo, os recorrentes não apresentaram nenhum argumento factual susceptível de demonstrar que a medida concreta da pena de 1 ano e 2 meses de prisão (AA) e 1 ano e 5 meses (GG), aplicada a cada um deles, pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, excede a sua culpa respectiva.
E como se sabe, medir e graduar a pena concreta, constitui uma tarefa assaz complexa para o julgador e releva aqui a sua própria intuição, assessorada pelas regras da experiência comum, face ao caso concreto em análise e o critério de uniformidade seguido pelo próprio Tribunal em situações idênticas, ponderadas as circunstâncias agravantes e atenuantes provadas, sem esquecer que em caso algum, a pena poderá ultrapassar a medida da culpa.
Além do mais, os critérios de determinação da medida concreta das penas, são sempre subjectivos e discutíveis, não obstante as regras definidas pelas normas do Cód. Penal, pelo que subscrevemos o entendimento daqueles que defendem na Jurisprudência das Relações, que os Tribunais de recurso, não devem simplesmente alterar a medida das penas, só porque os julgadores no Tribunal “ad quem” possam ter um critério diferente do julgador recorrido. Devem modificá-las sim, mas quando existam razões objectivas para tal, máxime, a violação dos princípios orientadores da determinação da medida das penas e no caso presente, como resulta da leitura atenta do texto da sentença, foram inteiramente respeitadas as normas aplicáveis nesta matéria.
Em face da factualidade provada - nomeadamente nos pontos indicados em 1) a 18), no que respeita ao objecto do processo; quanto à situação pessoal do arguido AA o descrito sob os pontos 21) a 22), quanto aos seus antecedentes criminais o descrito sob o ponto 19); ; quanto à situação pessoal do arguido GG, o descrito sob os pontos 26) a 31), quanto aos seus antecedentes criminais o descrito sob o ponto 19) - matéria que aqui se dá por reproduzida – resulta claro da fundamentação da sentença, não terem sido violados quaisquer dos preceitos legais aplicáveis na matéria, quanto à escolha e determinação da medida da pena concreta aqui em análise.
Em conclusão, as penas concretas de prisão acima referidas, aplicadas a cada um dos dois arguidos recorrentes (ainda assim, próximo do limite médio da moldura legal abstracta do crime de ofensas à integridade física qualificado, por eles praticado), em nosso entender, reflectem pois adequadamente o grau de ilicitude da conduta dos dois arguidos que é elevado, o que se traduz na sua culpa, assim como dá equilibrada resposta às necessidades de prevenção geral e especial, que o caso sub Júdice suscita.
Desta forma, em nosso entender, reiteramos, o Tribunal a quo, justificou adequadamente, a operação de escolha relativa à natureza da pena e determinação do seu quantum, tendo para o efeito ponderado todos os factores que nos termos legais, se impunham ser considerados.
Os recorrentes manifestam a sua discordância quanto à medida da pena principal e vieram por meio deste recurso, requerer a alteração dessa medida da pena de prisão, defendendo a sua redução, por entenderem que essa redução seria justa e adequada para dar satisfação às necessidades de prevenção geral e especial sentidas no caso em apreço,
Contudo, na realidade, não alegam quaisquer factos sólidos que sustentem tais pretensões, limitando-se a invocar para o efeito considerações genéricas de direito (bem como alguns factores como a idade, ausência de antecedentes e integração social e familiar, esquecendo-se que os mesmos foram devidamente ponderados na 1ª instância), vistando assim expressar a sua visão subjectiva sobre a necessidade das mesmas no caso concreto – ora como é sabido, não é aos arguidos que compete fazer um juízo sobre a necessidade e adequação das penas, mas sim ao Tribunal, depois de produzida a prova e observado o necessário contraditório em julgamento.
Tudo visto, entendemos que não assiste qualquer razão aos arguidos e não podíamos estar mais de acordo com a fundamentação da decisão da 1ª instância, no que respeita à determinação da escolha das penas (principal e substitutiva) e determinação da sua medida concreta.
Por tudo o acima exposto, nada temos, pois, a censurar ao regime sancionatório que que foi fixado na 1ª instância, o qual se mantém por isso inalterado e nesta medida, os recursos dos dois arguidos são julgados não providos na íntegra.
IV – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em:
a) Julgar não providos os recursos interposto pelos arguidos AA e GG e em consequência manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
b) Condenar cada um dos arguidos em taxa de justiça, que se fixa em 4 (quatro) Ucs.

Lisboa, 21 de Maio de 2025
Ana Paula Grandvaux
Carlos Alexandre
Alfredo Costa
_______________________________________________________
1. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte geral, Tomo I, 3.ª Edição, p. 90.
2. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte geral, Tomo I, 3.ª Edição, p. 63.
3. Ac. Do TRC, Proc. 19/18PEFIG.C1, de 03-10-2018, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/39b55f7b9fd1834c8025832e0031be85?Open Document
4. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.º Edição atualizada, 2021, p. 349.