IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário

I - Tendo sempre presente que no artigo 412º do CPP se revela que quando alguém põe em causa a matéria de facto deve indicar concretamente os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, cumpre, desde já, dizer que as provas mencionadas devem impor uma decisão diversa da que foi tomada, não se trata de permitir uma outra decisão, mas sim de ela ser imposta pela existência de provas que se mencionam.
II - Isto é, as provas de que o arguido se socorre para impugnar a decisão da matéria de facto têm que ser tão inequívocas como inabaláveis no sentido de imporem uma decisão diversa da que foi tomada.
III - Não se trata de existirem duas interpretações possíveis da prova produzida, tem que haver uma só, a do arguido, que se impõe pela sua evidência, pela sua certeza, pelo seu carácter inequívoco, e que obriga o Tribunal da Relação a revogar a decisão tomada pelo tribunal de primeira instância.
IV - No caso, as provas a que o arguido alude foram tidas em consideração pelo tribunal, que as valorou no sentido descrito, não se detectando qualquer dúvida ou hesitação do tribunal, que de forma muito esclarecedora e escorreita esclareceu e revelou a sua convicção.
V -A livre convicção é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade, portanto, uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores (Cavaleiro de Ferreira, ob cit. P 11 e 27).

Texto Integral

Acordam em Conferência os Juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório:
Nos autos de foi proferido acórdão no qual foi decidido julgar a acusação pública parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e, em concurso real, de: i) 3 (três) crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, nas penas de 3 (três) anos de prisão, cada um; ii) 1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; Absolvendo o arguido dos demais crimes que lhe vinham imputados;
b) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos de prisão;
c) Suspender na sua execução a pena de prisão aplicada pelo período de 5 (cinco) anos, acompanhada de regime de prova, de acordo com plano individual a definir pelos serviços de reinserção social, nos termos dos artigos 50.º, n.ºs 1, 2 e 3, 51.º, n.º 1 e 4, 52.º, n.º 1, alínea b), 3 e 4, 53.º, n.º 1 e 54.º, n.º 1 e 3, todos do Código Penal, o qual deverá incluir o acompanhamento técnico do arguido através da frequência de programas de reabilitação para agressores sexuais de crianças e uma avaliação do foro da psiquiatria/sexologia pelos serviços de saúde competentes e subsequente acompanhamento psicoterapêutico e/ou psiquiátrico estruturado, caso se mostre necessário;
d) Condenar o arguido AA a pagar à ofendida BB o montante de 10.000 € (dez mil euros), a título de reparação pelos danos não patrimoniais sofridos, ao abrigo do disposto nos artigos 82.º-A, n.º 1 e 67.º-A, nº 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal e no artigo 16.º, n.º 2, da Lei n.º 130/2015 de 04/09; e) Condenar ainda o arguido no pagamento da taxa de justiça, que se fixa em 3 UC’s, nos termos dos artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e do artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02 e da Tabela III anexa ao mesmo diploma legal.
Não conformado com tal acórdão, veio o arguido acima melhor identificado, interpor recurso para este Tribunal, juntando para tanto as motivações que constam dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, concluindo nos seguintes termos, que se transcrevem:
O Tribunal errou no julgamento dos pontos 8., 9., 10. e 11. porque o arguido negou os factos afirmando-se vítima de “falsa acusação de abusos” e o único meio de prova direta dos referidos pontos são as declarações para memória futura da ofendida (de ...-...-20 das 12:30 às 13:03) que no (segmento de gravação de 6:23 a 33:10) relata os episódios de forma diferente da inscrita na acusação, omite eventos que relatou às técnicas que elaboraram o relatório de avaliação psicológica, não sendo as suas declarações circunstanciadas, nem suficientemente precisas como é necessário e exigido para assegurar as garantias de defesa do arguido, e porque o arguido fez prova do contrário.
O Tribunal também errou ao julgar provados os pontos 8., 9., 10. e 11., porque o arguido provou o seu contrário como resulta do depoimento da testemunha CC, (dia 28-02­2024 da 16:04 as 16:18) que no (segmento de gravação 1:36 a 13:22) refere “ajudava a ama da ofendida sua sogra (que atualmente se encontra acamada) a tratar dos meninos”, “a D. CC ia levar a menina à ama o arguido ficava no carro”, “era sempre a avó que a ia levar à sua sogra, a qual depois levava a BB à escola”; “a BB começou a ir para a ama com 4 anos até ao 4º ano”, “a escola começava às 8:00” depoimento que conjugado com o depoimento da testemunha DD (de ...-...-2024 das 16:18 às 16:43) no (segmento de gravação 2:07 a 25:07) diz “os horários eram das 7 da manhã até as 19:00, 19:30 horas, de segunda a sexta feira, as folgas eram ao sábado e domingo”, “o arguido tinha o mesmo horário que ele”, “eram ambos motoristas” e depoimentos que conjugados com a prova documental de fls... 545 Declaração do ... de ...-...-2022, invalidam de forma direta a prova dos pontos 12. e 13. e por consequência os pontos 8., 9., 10. e 11. dos factos provados, impondo os mencionados meios de prova decisão contrária à proferida pelo Tribunal.
Como também errou o Tribunal no julgamento da matéria dos pontos 8., 9., 10., e 11., pois recorreu a uma presunção judicial não prevalecente sobre o princípio da presunção de inocência, violando as normas previstas no artigo 32º nº 2 da CRP e nos artigos 125º e 127º do CPP, ao inverter o raciocínio lógico da presunção, presumindo provados os factos essenciais (8. a 11.) sem que essa presunção tenha sido inferida da pluralidade de factos base ou periféricos (que careciam de ter sido provados antes por prova direta e não o foram), não existido relação de inferência entre essa pluralidade de factos base “ em pelo menos três dias distintos, quando a avó paterna se ausentava de casa, durante a semana, cerca das seis horas da manhã, o arguido assumiu a função de levar a ofendida à escola” e os factos principais constantes dos pontos 8., 9., 10. e 11. a provar por presunção, visto que o Tribunal os deu como não provados nos pontos a). a f.) dos factos não provados, nas circunstâncias temporais inscritas na acusação que foram as relatadas pela ofendida, nas declarações para memória futura da ofendida que como referido na conclusão 1., são único meio de prova direta
O Tribunal errou o julgamento do ponto 7. porque valorou positivamente as declarações da testemunha EE (de ...-...-2024 das 14:17 às 14:55) que diz no (segmento de gravação de 8:37 a 10:09): “eu ia trabalhar e ele ficava em casa” e no (segmento de gravação 10:09 a 38:17) “enquanto a minha filha esteve em casa era a minha filha e era eu”, “ e depois ela foi-se embora e fiquei eu com ela, e depois ia levá-la a dona FF que era quem tomou conta dela e a dona FF ia levá-la à escolinha”, mas após momento de silêncio corrigiu de forma a colocar o arguido a sós com a neta afirmando que “quando ele estava melhor, quando ele começou a coiso já ela ficava em casa e ele ia lá levá-la muitas vezes” depoimento que deveria ter sido desmerecido pelo Tribunal que refere na fundamentação do Acórdão que a testemunha “deixou transparecer ainda alguma animosidade em relação ao arguido” para além de ser notório que o depoimento da testemunha não é espontâneo, é descontinuo, não circunstanciado, permeável e dirigido para a condenação do arguido, apresentando num mesmo momento várias versões diferentes do mesmo ponto 7.
Impunham decisão diversa da recorrida dando como não provado o ponto 7. as (Declarações da testemunha GG (de ...-...-2024 de 14:45 às 15:00), que tal como mencionando no Acórdão, “à data se relacionava com o casal” e referindo-se ao período de baixa do arguido no (segmento de gravação 5:06 a 15:00) diz, claramente, que quando foi visitar o arguido “estava em casa a mulher, que ficou em casa para tomar conta dele” que “Ela ligava muitas vezes a contar do marido e foi uma pessoa muito empenhada a tratar dele” e que “ sabe que a CC ficou a dar-lhe apoio porque durante esse período a rotina que ambas tinham (de passar a hora de almoço juntas facto já mencionado na sessão de julgamento do dia ...-...-2024) foi interrompida” que ”o arguido nunca foi levar a neta à escola de manha, ela é que levava a miúda a ama” e que “Ia lá a casa, de visita, ia quase todos os fins de semana, falavam ao telefone e ela punha-a a par da situação”.
O tribunal errou no julgamento do facto 19. que considerou provado devendo ser não provado, porque a ofendida nas declarações para memória futura (de ...-...-2021 das 12:30 às 13:03 no (segmento de gravação 17:16 a 18:42) refere que “o avô não sabia que ela sabia que havia uma arma na gaveta” e que “nunca a ameaçou” e no (segmento de gravação 27:43 a 30:32) refere que não havia discussões entre o avô e a avó” e “ele sempre foi calmo” não sendo conforme à normalidade do acontecer que o mero conhecimento de que avô foi militar da … (antes da assistente nascer) e da existência de uma arma num determinado local fosse suficiente para gerar temor a ponto de justificar o silencio até à idade de 15 anos da ofendida raciocínio erróneo que também é contrariado pela prova documental - de fls. 550 verso a 552 desenhos de autoria da ofendida com pedidos insistentes para que o avô volte para casa pois voltaria com a arma de …, da qual a ofendida tinha tanto receio.
O tribunal errou no julgamento do ponto 18), porque nas declarações para memória futura (de ...-...-2021 das 12:20 às 13:03) a ofendida, ao contrário do que refere a avó EE no dia ...-...-2024 no (segmento de gravação 14:32 a15:48) que declara, “ele praticamente ia sempre dormir a cima ele quando ia para cima também a chamava para ir com ele” e “quando ele se ia deitar em cima ele chamava-a para cima” e a ofendida diz no (segmento de gravação de 12:04 a 13:40) que “durante a noite ele ia lá para cima para onde eu dormia” “abordava-se a mim” “ beijava-me” sem nunca mencionar a forma como o arguido a beijava não sendo, mais uma vez, legítimo ao Tribunal presumir que o arguido o fazia de forma lasciva por total ausência de prova direta sobre a característica lasciva do beijo e ainda porque, os factos periféricos com os quais o Tribunal justifica a presunção “a avó uma vez deu conta” “porém ele disse para eu ficar calada, disse baixo” “ele disse que estava a dar os beijinhos de boa noite.” E “a minha avó acreditou e acabou por adormecer”, nunca foram corroborados pela avó EE nas declarações que prestou, violando mais uma vez o Tribunal o princípio da presunção de inocência previsto no artigo 32 nº 2 da CRP e o princípio da livre apreciação da prova (cfr. 127º do CPP)
O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto (7. a 19) porque atribui valor de prova pericial objetiva ao Relatório de avaliação psicológica da ofendida, elaborado em .../.../2021 constante de fls. 126 a 149, subtraindo-o ao princípio da livre apreciação da prova e demitindo-se da sua função de apreciação das declarações da ofendida à luz das regras da experiência comum, atribuindo-lhe força de prova tarifada e assim violou os princípios da presunção de inocência e da livre apreciação da prova previstos dos artigos 127.º do CPP e 32º nº 2 da CRP e ainda as normas previstas no artigo 131º nº 2 e nº 3 e 163º nº 1 do Código de Processo Penal e 371º do Código Civil, sendo, tais normas, inconstitucionais na interpretação que o Tribunal delas fez o que aqui também se argui.
Conforme se refere no Acórdão da Relação do Porto de ...-...-2024 https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/fb21bb1cc2c7a9bc80258b 7e004dc1cf?OpenDocument, a concreta observação psicológica, sendo um instrumento válido em avaliação psicológica, com uma entrevista onde a menor forneceu um depoimento, não pode ascender à categoria de exame pericial, pois não deixa de ser baseada no relato da ofendida o que também lhe confere uma componente testemunhal e, por isso, não pode colmatar a ausência de outras provas objetivas ou servir de prova testemunhal (relatando o que foi relatado pela avaliada) o que constitui um erro de julgamento que atenta de forma intolerável contra os direitos de defesa do arguido, porque, exatamente, parte de um juízo de culpabilidade do arguido de tal forma robusto que impediu uma situação de “non liquet”, trazida, nomeadamente pela prova do contrário dos factos produzida pelo arguido, em flagrante violação do princípio da livre apreciação da prova previso no 127º do CPP que interpretado no sentido arbitrário que o Tribunal o fez é inconstitucional.
Os quesitos da avaliação psicológica, “apurar da existência de sinais (quais?) de ocorrência de abuso sexual por parte do seu avô paterno” e “da propensão da jovem para relatar factos inverídicos (com vista a determinar o grau de credibilidade do seu depoimento) extravasam a finalidade da avaliação psicológica prevista no artigo 131º nº 3 do CPP que é apurar se a ofendida tem aptidão mental para prestar depoimento e a isso se deveria ter limitado;
Tendo decorrido 11 anos entre a avaliação psicológica realizada a ...-...-2021 e os alegados abusos entre 2005 e 2011, tal não permite identificar “sinais” objetivos específicos de abusos sexuais sendo a sintomatologia relatada comum a qualquer experiência abusiva ou vivência traumática e da informação clínica referente à ofendida constante de fls. 46, 47 e 66, extrai-se que não há evidência clínica da sintomatologia descrita suportada num seguimento médico psiquiátrico ou psicológico da ofendida anterior a ... de 2018, que permita afirmar o nexo de causalidade entre a sintomatologia relatada pela ofendida e os alegados abusos sexuais.
Embora o Relatório de Avaliação Psicológica da ofendida seja um documento técnico e científico, o parecer psicológico dele constante quanto à certificação de credibilidade das declarações deve ser questionado pelo Tribunal e não pode subverter os princípios da presunção de inocência da imediação e da oralidade nem colmatar a ausência de outras provas objetivas nem serve de prova testemunhal o que constitui um erro de julgamento que atenta de forma intolerável contra os direitos de defesa do arguido.
O Tribunal também errou no julgamento dos factos 7. a 19. porque desmereceu o valor probatório dos desenhos de fls. 550 verso a 552 de autoria da ofendida e entregues ao avô em diversas ocasiões depois deste ter saído de casa para ir viver com a sua atual mulher no ano 2011, nos quais a ofendida então com oito anos de idade escreveu “De: BB para avozinho.” “O meu coração está em ti. Avô tenho muitas “soudades””, “tu és a pessoa mais importante para mim. Beijinhos. Vem para casa;” Avô e avó, muitos beijinhos.” “Amo-te. Adoro-te. Vens para casa avô.” “Avô vem passar o Natal concosco e então vem para casa dia .... Beijinhos” o que impunha ao Tribunal que valorasse os mesmos no sentido de dar como não provada a factualidade dos pontos 7. a 19., só não o tendo feito porque se escudou mais uma vez na mera opinião da pedopsiquiatra HH que nos esclarecimentos prestados (de ...-...-2024 das 12:08 ás 12:40) (segmento de gravação 18: 50 a 21:16) que sem fundamentar a sua opinião e sem prévia análise técnica dos desenhos (o que reconheceu) justificou os mesmos na “normalidade de um comportamento ambivalente da ofendida adequado às circunstâncias”
O Tribunal errou no julgamento dos factos inscritos nos pontos 7. a 19 porque não valorou nem positiva, nem negativamente, o Relatório de avaliação psicológica do arguido de ...-...-2023 realizado no ..., de fls. 566 a 579 nem se pronunciou quanto ao teor do mesmo o qual com recurso aos testes descritos de Avaliação Psicopatológica e exames de avaliação psicométrico, Escala de sintomas (SCL-90; Inventário clinico Multiaxial de Millon e a Prova Projectiva do Rorschach” conclui “não conseguimos apurar juízos ou produção psicótica”; na Escala de sintomas (SCL-90 está assintomático e nas conclusões refere “na sequência dos conflitos com a ex-mulher e filha desenvolveu sintomatologia ango-depressiva e em 2018 foi acompanhado em Consultas de Psicologia e de Psiquiatria e foi medicado”, bem como, “atualmente não faz qualquer medicação do foro psiquiátrico” e refere-se ainda que “não apurámos a existência de psicopatologia significativa”, relatório que conjugado com a globalidade da prova produzida em audiência deveria levar ao Tribunal a dar os pontos 7. a 19. como não provados.
O Tribunal por despacho constante da ata de audiência de discussão e julgamento de 04-11­2024 (rfª:162760336) indeferiu meios de prova requeridos pelo arguido na sequencia da comunicação da alteração não substancial de factos de 16-10-2024, e com isso violou os artigos 340º, 358 nº º 1 do CPP e 32 nº 5 da CRP ao não observar requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada (cfr. artigo 410º nº 3 do CPP) arguida no acto (audiência de julgamento de 04-02-2024 das 14:41 às 15:05, no segmento de gravação 7:20 a 12:50) (cfr. 120 nº 2 al. d) e artigo 120 nº 3 a), indeferimento com o qual o arguido não se conforma e do qual igualmente recorre.
Uma vez que o arguido negou os factos e alega falsas acusações de abusos, era essencial aferir a coerência interna e externa das declarações da ofendida e sua avó EE, analisando-as como um todo, de molde a superar as contradições e dúvidas que daí necessariamente resultam, não cindindo-as, como o faz o Tribunal através de - salvo o devido respeito- um “corta” nas declarações o que é impreciso e inconsistente e “cola” o que faz falta para lhes dar precisão e consistência, assim afastando a natural consequência das contradições e inconsistências, o “non liquet” probatório, em vez de acionar os princípios que regem nesta sede, sendo que não existe qualquer contexto ou meio de prova, ainda que indireto, que coadjuve a versão do Tribunal de que os abusos ocorreram quando o arguido esteve em casa de baixa, tudo a demandar dúvida insuperável a resolver por intermédio dos princípios da presunção de inocência do arguido e o in dúbio pro réu, o que o Tribunal não fez!
As inconsistências e imprecisões das declarações da ofendida e o contexto familiar em que viveu antes e depois da saída do avô de casa não pode deixar de suscitar a dúvida sobre a realidade dos factos que mencionou, ainda que a mesma deles se possa ter convencido, tudo a convocar a existência de dúvida razoável e inultrapassável e a dirimir em sentido favorável ao arguido atento o aludido princípio.
Na verdade, no contexto referenciado, com patente conflitualidade entre a avó e tia da ofendida e o avô, detetadas as contradições e imprecisões no tocante a muitos dos factos que a ofendida descreveu e inexistência de qualquer elemento objetivo fidedigno de suporte, entendemos que a responsabilização criminal do arguido por tais factos extravasa os limites impostos pelas regras de experiência à livre convicção do julgador e viola a presunção de inocência de que o mesmo beneficia.
Também não podemos deixar de referir que a espontaneidade da prova produzida nos autos foi, bastas vezes, prejudicada por perguntas com introduções em que o Tribunal faculta informações à ofendida como o foi caso quando a Mª Juiz Presidente perguntou à ofendida em sede de esclarecimentos se os abusos não poderiam ter acontecido quando o arguido esteve de baixa como resulta do (segmento da gravação de 7:50 a 9:12) tratando-se de uma violação clara aos princípios da imparcialidade e do direito de defesa do arguido nos termos do artigo 355º do Código de processo penal o juiz está obrigado a garantir um julgamento justo e equilibrado. As perguntas sugestivas realizadas no caso consubstanciam a violação do princípio da presunção de inocência e nisto consistiu o erro de julgamento da matéria de facto.
Impunham decisão diversa da recorrida a de considerar NÃO PROVADOS os factos 7. a 19., a globalidade da prova produzida em audiência em grande parte carreada para os autos pelo arguido, nomeadamente, a prova documental: - de fl. 545(declaração emitida em .../.../2022 pelo “...”); -de fl.546 (cálculo da pensão de aposentação até 31/07/2003; - de fls. 547 a 548 ( comunicação do enquadramento na segurança social e extrato de remunerações desde outubro de 2003 a março de 2007 e março de 2010 a setembro de 2011); - de fl. 549 ( registo fotográfico do interior de autocaravana); -de fl. 550 (proposta de compra de autocaravana de .../.../2009);- de fls. 550 verso a 552 (desenhos); -de fl.565 verso (declaração ... de .../.../2024; -de fls. 566 a 567 (relatório psicológico do arguido elaborado em ...); de fls. 594 a 595 ( extrato de remunerações da segurança social entre março de 2007 a março de 2010; -de fls. 601 a 302 (nota de alta clínica); -de fl. 608 certificado de registo criminal, cujo conteúdo não foi impugnado, tendo o seu valor probatório saído incólume da audiência de julgamento e a prova testemunhal (Declarações da testemunha CC prestadas em audiência de julgamento, no dia ...-...-2024, (gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 16 horas e 04 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 18 minutos); Declarações da testemunha DD prestadas em audiência de julgamento, no dia ...-...-2024, (gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 16 horas e 18 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 43 minutos); Declarações da testemunha GG prestadas em audiência de julgamento, no dia ...-...-2024, (gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 16 horas e 43 minutos e o seu termo pelas 17 horas e 08 minutos) e no dia ...-...-2024, (gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 14 horas e 45 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 00 minutos); Declarações da testemunha II prestadas em audiência de julgamento, no dia 10-04-2024, (gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 11 horas e 47 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 25 minutos)e no dia ...-...-2024, (gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 15 horas e 00 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 06 minutos);
Impõe-se, pois, a modificação da matéria de facto de forma a harmonizá-la com a prova produzida e conclusões que dela podem ser retiradas sem que ocorra violação dos limites impostos pelas regras de experiência, ao abrigo do estatuído no art.º 431º, al. b), do Cód. Proc. Penal, transitando para os factos não provados os pontos 7 a 19, antes inscritos na matéria provada, caindo com eles todos os demais relativos à responsabilização criminal e cível do arguido (pontos 20 a 23) por falta de objeto.
***
Respondeu o MºPº, pugnando pela manutenção da decisão, concluindo nos seguintes termos:
1. O tribunal a quo explicou de forma clara e exaustiva qual o processo que conduziu à sua tomada de decisão, fazendo-o sem deficiências, contradições e obscuridades, compreendendo-se por que motivo o arguido foi condenado nos moldes em que o foi.
2. E fê-lo norteando-se pelo princípio da livre convicção do julgador, inserto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal e sem, naturalmente, chegar a qualquer estado de dúvida que justificasse o funcionamento do princípio in dubio pro reo.
3. Aliás, o tribunal a quo, não deixou de assinalar incongruências, omissões e contradições existentes nos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, nas declarações prestadas pela assistente (em dois momentos) e nas declarações prestadas pelo arguido, extraindo da análise das mesmas, as conclusões que tão bem explicou, permitindo a condenação do arguido sem que qualquer hesitação.
4. Como igualmente interpretou o relatório pericial realizado à assistente, conjugando-o com o teor das declarações desta e com os esclarecimentos prestados pela Perita, como bem explanou no acórdão recorrido.
A Assistente BB acompanhou a resposta do Ministério Público.
Neste Tribunal a Ilustre Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer pugnando pela manutenção da decisão recorrida, aderindo as alegações redigidas pela colega de primeira instância, nos seguintes termos:
Concordamos com os termos da resposta apresentada pela nossa Colega na 1.ª Instância, sendo certo que o Recorrente não logrou demonstrar as concretas deficiências da decisão ora impugnada, limitando-se a dar conta da sua leitura da prova produzida, em detrimento do critério de valoração seguido pelo tribunal, ignorando o princípio da livre apreciação, previsto no art.º 127.º, do Código de Processo Penal, cujos pressupostos foram, neste caso, devidamente observados. Com efeito, do texto do acórdão, conjugado com as regras da experiência comum, da lógica e da normalidade do acontecer, não resulta que o Tribunal a quo tenha dado como provados ou como não provados factos que notoriamente se mostrem errados, ou que, usando um processo racional e lógico, tenha retirado de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, contraditória ou claramente violadora das regras da experiência comum, ou que determinado facto provado se recurso Penal revele incompatível ou em contradição com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão, ou ainda que a prova de um facto assente na inobservância de regras sobre o valor da prova vinculada. Assim sendo, emitimos parecer no sentido da improcedência do recurso, devendo manter-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos.
Foi cumprido o disposto no artigo art.º 417º nº 2 do CPP.
Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se á conferência.
2. Fundamentação:
Cumpre assim apreciar e decidir.
É a seguinte a decisão recorrida (fundamentação de facto):
1.1) Matéria de facto provada
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos, com relevância para a decisão de mérito:
1. A ofendida/assistente BB, nasceu em .../.../2003 e é filha de JJ e de KK.
2. O arguido AA, nascido em .../.../1953, no ano de 2005 era casado com EE e, com esta residente na ..., em ..., área desta comarca.
3. O arguido é avó paterno da ofendida/assistente BB.
4. Quando BB tinha dois anos de idade os seus pais acordaram que passaria a residir, exclusivamente, em casa dos avós paternos, supra identificados, passando, desde então, a serem estes quem garantia todos os cuidados, assistência e bens essenciais à neta, cuidando desta e de tudo o que lhe dissesse respeito, decidindo igualmente do seu quotidiano.
1. Neste contexto, a assistente/ofendida BB viveu em casa dos avós, ininterruptamente, desde os seus dois anos de idade até aos catorze anos, data em que foi viver com a mãe para casa desta sita na ....
5. Durante esse período de tempo a assistente viveu conjuntamente com a avó e com o avô, ora arguido, até ao mês de ... de 2018, quando tinha 8 anos de idade, altura emque os avós paternos se separaram passando a mesma a residir apenas com a avó,aos cuidados exclusivos desta, até aos catorze anos de idade.
7. Em datas não concretamente apuradas, mas em pelo menos três dias distintos, no período compreendido entre os meses de ... e ... de 2010, quando BB tinha seis anos de idade e a avó paterna se ausentava de casa, durante a semana, cerca das 6 horas da manhã, o arguido assumiu a função de levar a mesma à escola.
8. Nesse período, aproveitando a circunstância de ficar sozinho em casa com a neta BB, o arguido conduzia-a para o interior do seu quarto, onde dormia com a avó e colocava-a na sua cama.
9. Ai, despia o que BB trazia vestido, após o que também ele despia as calças e as cuecas, deitando-se ao lado da neta.
7. Ato contínuo, o arguido acariciava o corpo da neta BB, tocando-a com as mãos na zona da vagina, das nádegas, dos peitos e determinava à ofendida que lhe tocasse e acariciasse o pénis, bem como que aquela lhe desse beijos nessa parte do corpo.
8. Durante os atos sexuais supra descritos, pelo menos em duas ocasiões, o arguido veio a ejacular.
9. Depois destes factos, o arguido e a BB vestiam-se, esta tomava o pequeno almoço e o arguido ia levá-la à escola.
10. Os atos sexuais supra descritos ocorreram antes de BB ir para a escola, sendo que neste horário não havia o risco de ser surpreendido por ninguém, por ali ficar sozinho com a neta.
11. Também quando a ofendida tinha 6 e 7 anos de idade, na altura próxima do verão, o arguido fazia o transporte de crianças do ... para a praia.
12. Nessa circunstância, o arguido levava a sua neta, ora ofendida consigo com o pretexto de a mesma fazer praia com as demais crianças e brincar com aquelas.
13. Durante o período que decorreu entre os quatro e os oito anos de idade da ofendida, pelo menos no mês de ..., a ofendida ia com os avós paternos para o ..., sito na ..., onde, no verão de 2010, o arguido tinha uma autocaravana parqueada.
14. Nesse verão, por vezes a ofendida dormia na cama que se encontrava ao nível superior da viatura, onde também dormia o arguido.
15. Em, pelo menos, uma dessas ocasiões, o arguido agarrou a ofendida e beijou-a de forma lasciva.
16. BB, à data menor, sentiu-se incomodada com os atos sexuais a que o arguido, seu avô, a sujeitou e sem capacidade de reação, nada tendo contado à sua mãe e avó por medo, quer porque temia a reação destas, quer porque sabia que o avô, ora arguido, tinha sido … da … e tinha uma arma no interior da mesa de cabeceira, temendo que aquele viesse a matar alguém com aquela, caso se viesse a saber o que o mesmo lhe fazia.
17. Em todas as descritas situações acima elencadas, o arguido sujeitou a sua neta, de tenra idade, a diversos atos sexuais, querendo agir como o fez, com intuito único de se excitar sexualmente, sujeitando BB, à data menor, a atos de cariz sexual, designadamente, beijos na boca, caricias no corpo e na suas zonas intimas, agindo movido unicamente pelo desejo de satisfazer os seus instintos sexuais e libidinosos, bem sabendo que ofendida era uma criança, que tinha apenas 6 e 7 anos e que em razão da sua idade e infantilidade não tinha capacidade e discernimento necessário para entender a conduta do arguido, nem de se autodeterminar, ciente que os atos a que submetia BB prejudicavam o normal desenvolvimento da sua personalidade, assim, como causava na mesma graves deturpações no seu desenvolvimento sexual, emocional e psíquico.
21. Não obstante tal conhecimento, o arguido, avô da ofendida/assistente, não se coibiu de praticar tais atos de cariz sexual, indiferente à relação de especial cuidado que sobre si recaia, à relação familiar que os unia, à dependência emocional que a neta nutria por si, à sua tenra idade e às consequências da sua atuação sobre a mesma, aproveitando-se da sua meninice e ingenuidade, bem como, incapacidade para avaliação do sentido dos atos sexuais a que era submetida, para melhor satisfazer a sua lascívia, ofendendo dessa forma o sentimento da neta, uma criança, a sua inocência, bem como a sua integridade física e psicológica, causando-lhe com as precoces experiências a que a sujeitou traumas difíceis de ultrapassar.
22. O arguido agiu da forma supra, com o propósito exclusivo de saciar os seus instintos sexuais, tirando partido do silêncio da neta e da figura de autoridade que sobre a mesma exercia, bem como da especial relação familiar que tinha, e da confiança que sobre o mesmo foi depositada pelos pais da menor e pela avó paterna desta, que julgaram ser o mesmo digno para cuidar da neta, confiando aquela aos seus cuidados.
23. Agiu o arguido em tudo de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Das condições pessoais do arguido
24. AA é o mais novo de dois filhos de um casal de modesta condição sócio cultural, ambos agricultores.
25. Cresceu num ambiente familiar afetivo ainda que num quadro económico precário.
26. Teve um percurso escolar pouco investido, habilitando-se com o 2º ciclo em idade adulta.
27. Iniciou atividade profissional aos 13 anos de idade, como ....
28. Posteriormente, trabalhou na ... até ingressar na ..., em 1975.
29. Nos últimos 20 anos de trabalho, com a ..., desempenhou funções como ....
30. Reformou-se aos 50 anos de idade.
31. Após a reforma, entre os anos de 2004 e 2011 exerceu funções como ...) no ...”, localizado em ....
32. No plano afetivo, casou aos 18 anos de idade com EE, com quem refere ter iniciado a sua vida sexual, descrita pelo próprio como gratificante e dentro de padrões que considera normais, não identificando práticas sexuais inapropriadas.
33. Desta relação resultou o nascimento de dois filhos, sendo que o mais velho, o pai da vítima nos autos, faleceu em 2018.
34. Segundo o arguido este casamento acabou em divórcio, uma vez que AA iniciou uma relação afetiva extraconjugal.
35. No período temporal atribuído aos factos pelos quais se encontra acusado (2005 a 2011) o arguido vivia com o cônjuge e com a neta/vítima nos autos, na decorrência da incapacidade dos pais desta assumirem as responsabilidades parentais.
36. Na decorrência de uma relação extramarital, separou-se em ..., ficando a neta aos cuidados da avó /ex-cônjuge.
37. A separação não foi aceite pelo então cônjuge e filhos, com quem se incompatibilizou e a quem atribui um conjunto de comportamentos que perceciona como lesivos para si nos quais incluiu a formalização da queixa que deu origem ao presente processo criminal.
38. Naquela época o arguido tinha uma situação financeira confortável porque acumulava o valor da reforma ao montante auferido como motorista.
39. Na atualidade o arguido AA vive com o cônjuge atual, II, 50 anos de idade, desempregada, com quem iniciou relacionamento amoroso em 2011.
40. Casou em 2018, após o processo de divórcio litigioso do arguido.
41. O arguido e cônjuge têm um relacionamento afetuoso, compreensivo e cooperante.
42. A vida afetiva e sexual é descrita por ambos como ajustada e gratificante.
43. O arguido cessou os contactos há vários anos com o ex-cônjuge e filha.
44. O orçamento doméstico é assegurado pelo valor da pensão de reforma do arguido, no montante de €1.228.
45. O cônjuge encontra-se desempregado, dependente financeiramente do arguido.
46. O arguido tem como principais despesas fixas o crédito para aquisição de casa própria (€320); eletricidade, gás, água e telecomunicações (€120) e pensão de sobrevivência do ex cônjuge (€100).
47. Tem uma situação financeira controlada, compatível com os encargos assumidos.
48. Na comunidade de residência atual o arguido é pouco conhecido.
49. Os órgãos de polícia criminal, GNR de ... não têm registo de novas ocorrências referentes ao arguido.
50. O arguido revela preocupação face à sua situação jurídico-processual, sendo este o seu primeiro contacto com o sistema de justiça penal.
51. A presente situação processual não teve impacto ao nível social porque o arguido é uma pessoa pouco conhecida no atual local de residência.
52. O cônjuge, II, afirma estar a par do contacto do arguido com o sistema judicial e da atual acusação e disponibiliza-lhe todo o apoio, verbalizando sentimentos de afeto.
53. O arguido não regista antecedentes criminais.
*
1.2) Matéria de facto não provada
Da audiência de discussão e julgamento não resultou provado que:
a. Quando BB tinha quatro anos de idade passou a ser o arguido quem, com regularidade diária, assumiu a função de a acordar, vestir, dar-lhe o pequeno almoço e levá-la à ama.
b. Desde que a ofendida tinha quatro anos de idade, aproveitando a circunstância de ficar sozinho em casa com BB, o arguido passou, com uma regularidade diária, a acordá-la e a conduzi-la para o interior do seu quarto e a colocá-la na sua cama.
c. Quando a ofendida tinha seis anos de idade o arguido assumiu a função de, com regularidade diária, a acordar, vestir, dar-lhe o pequeno almoço e levá-la à escola.
d. O arguido praticava os factos descritos em 10), 9) e 10) diariamente, logo que BB acordava e durante um período temporal que durava cerca de 20 a 30 minutos, apertava-lhe a zona das pernas e coxas, sendo que por diversas vezes beijava a ofendida na boca e, friccionava o seu corpo e o seu pénis no corpo e na zona da vagina daquela.
e. Após praticar atos sexuais com BB, o arguido ajudava a neta a vestir-se, após o que a ia levar à ama.
f. Os atos sexuais supra descritos sucederam desde os quatro anos de idade, mantendo os mesmos da mesma forma e ininterruptamente até aos oito anos de idade da ofendida, com uma regularidade quase diária, ocorrendo sempre que a avó da menor não se encontrava presente em casa e no mínimo de três vezes por semana.
g. Tais actos sucederam também, e da mesma forma, por vezes na sala da residência do arguido, quando a avó de BB saia de casa para ir às compras e no interior da arrecadação da residência e no interior de um autocarro escolar conduzido pelo arguido.
h. Um número indeterminado de vezes, CC, avó de BB, pediu a esta que se deslocasse à arrecadação a fim de ali ir buscar algo de que a mesma necessitava, momentos em que o arguido acompanhava a neta.
i. Nesses momentos, o arguido aproveitava o facto de ali se encontrar a sós com a neta para de imediato lhe colocar as mãos na zona das coxas, da vagina e das nádegas, acariciando e apalpando aquela zona do corpo de BB.
j. Em data não concretamente apurada, mas quando BB tinha 6 ou 7 anos de idade, numa dessas ocasiões, em que a avó pediu à ofendida para ir à arrecadação buscar o presépio, que ali se encontrava arrumado, a mesma teve que subir um escadote para aceder à prateleira onde o mesmo se encontrava acondicionado.
k. Ao descer do referido escadote, o avô, ora arguido que se encontrava junto de si, de imediato aproveitou o momento para lhe colocar, mais uma vez, as mãos na zona das nádegas, acariciando-a nessa parte do corpo, e apalpando-lhe nessa zona do corpo.
l. Nas circunstâncias referidas em 14) e 15), à hora de almoço, a ofendida regressava para junto do avô, ora arguido, a fim de tomar a refeição com este no interior do autocarro.
m. Nestes momentos, o arguido levava a neta para o interior do autocarro, para os brancos traseiros, e ali despia BB, tocando-lhe com as mãos na zona da vagina, das nádegas, dos peitos, e ordenava àquela que lhe tocasse no seu pénis e lhe desse beijos no mesmo, dizendo-lhe “mexe aqui”, “toca aqui” (apontando para o pénis), o que aquela obedecia, fazendo o que o avô lhe determinava.
n. Durante todo o período que decorreu entre os quatro e os oito anos de idade da ofendida no mês de ... esta ia com os avós paternos para o ..., sito na ..., onde o arguido tinha uma autocaravana parqueada.
o. Nesses períodos, a ofendida dormia sempre na cama que se encontrava ao nível superior da viatura, enquanto os avós dormiam na cama de casal que se encontrava na parte inferior daquele veículo.
p. Em todas essas ocasiões, à noite, quando a menor se ia deitar, o arguido ia também para junto desta, dizendo à avó da menor que ia ver se BB estava devidamente deitada e “aconchegada”.
q. Ali, deitava-se ao lado da neta, aproveitando essas ocasiões para colocar as mãos na zona da vagina, das nádegas e dos peitos de BB, apalpando-a nessa zona do corpo, beijando-a nos lábios, e friccionando o seu corpo contra o daquela.
r. Quando CC, avó da ofendida, questionava o arguido do motivo de se estar a demorar, o mesmo respondia-lhe que “tinha ido dar um beijo de boa noite à neta”, descendo de seguida.
s. Também nestes períodos de férias de verão, por vezes, aproveitando momentos em que a avó não estava presente, o arguido dirigia-se à neta, quando esta se encontrava a brincar com outras crianças, dizendo-lhe “o avô quer falar contigo”, após o que a conduzia para o interior da autocaravana, despia a roupa que a ofendida trazia vestida, e após, tocando-a com as mãos sobre os peitos, nádegas, coxas e vagina, apalpava-a nestas suas zonas intimas, ao mesmo tempo que lhe pedia que aquela lhe tocasse e acariciasse o pénis, que exibia fora da roupa que trajava.
t. Também nas ocasiões supra descritas, por diversas vezes o arguido friccionava o seu corpo contra o da neta, enquanto a acariciava nas zonas íntimas, tocando e friccionando com o seu pénis contra o corpo daquela.
u. O arguido procurou durante quatro anos a neta para satisfazer o seu prazer sexual, fazendo-o no mínimo de três vezes por semana, e sempre que havia momentos em que estava sozinho com aquela e sem a presença de terceiros, durante os quais, aproveitou sempre para agarrar BB com as suas mãos pelos braços, pernas, coxas, colocar-lhe as mão na zona da vagina, das mamas e das nádegas, para friccionar o seu corpo e o seu pénis conta o corpo da neta, e para pedir àquela para lhe tocar neste órgão do seu corpo e para o beijar.
v. Os atos sexuais supra descritos ocorreram a diversas horas do dia.
w. O arguido sujeitou a ofendida a atos sexuais aos 4, 5 e 8 anos de idade.
x. Durante os atos sexuais com a ofendida o arguido ejaculou em pelo menos três ocasiões.
*
1.3) Justificação da convicção do tribunal
Em obediência ao disposto no artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, cumpre expor, de forma tanto quanto possível, completa, ainda que concisa, os motivos que fundamentam a antecedente decisão fática, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.
O Tribunal formou a sua convicção positiva com base na análise crítica e conjugada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento globalmente considerada, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica dos meios de prova, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Assim, fundamentaram a antecedente decisão fáctica e contribuíram para formar a convicção do Tribunal, os seguintes elementos de prova produzidos e examinados em audiência de discussão e julgamento:
- O teor da prova pericial de fls. 127 a 149 (exame médico legal a BB, de .../.../2021);
- O teor da prova documental de fls. 3 (auto de denúncia de .../.../2019), 11/12 (certidão
de assento de nascimento de BB); 337 a 339 (relatório social); 545 (declaração emitida em .../.../2022 pelo “...”); 546 (cálculo da pensão de aposentação até 31/07/2003); 547 a 548 (comunicação do enquadramento na segurança social e extrato de remunerações desde outubro de 2003 a março de 2007 e março de 2010 a setembro de 2011); 549 (registo fotográfico do interior de autocaravana); 550 (proposta de compra de autocaravana de .../.../2009); 550 verso a 552 (desenhos); 554 (nota de alta de enfermagem de .../.../2021); 565 verso (declaração ... de .../.../2024); 566 a 567 (relatório psicológico do arguido elaborado em .../.../2023); 594 a 595 (extrato de remunerações da segurança social entre março de 2007 a março de 2010); 601 a 302 (nota de alta clínica); 608 (Certificado de Registo Criminal); 620 (imagem); 292 (Resumo da informação clínica e relatório dos registos de enfermagem do arguido constante do ...) - cujo conteúdo não foi impugnado, tendo o seu valor probatório saído incólume da audiência de julgamento;
- As declarações para memória futura prestadas pela BB em .../.../2021 (disponíveis no “citius media Studio” e transcritas a fls. 257 a 285), a qual referiu em síntese que, neste momento vive com a mãe e com o padrasto. Foi viver com os avós paternos quando tinha 2 anos e meio, porque os horários de trabalho dos pais não lhes permitiam estar muito tempo consigo. Vivia com os dois avós até que aos 8 anos o seu avô saiu de casa e ela ficou a viver só com a avó até aos 14 anos, altura em que foi viver com a sua mãe. Dava-se melhor com a avó. O seu avô fazia-lhe abusos, que começaram com 3, 4 anos. Os abusos eram toques, tocava as partes íntimas em si, tocava-a na vagina, nos peitos, no pescoço, na zona da barriga, no rabo, por cima e por baixo da roupa também. Quando isso acontecia a avó não estava em casa. Ela saia da manhã para ir trabalhar as 6 horas da manhã, o seu avô acordava-a de manhã e punha-a na cama dele e ocorriam os abusos, tocava-lhe, tirava-lhe a roupa, a roupa dele, pedia-lhe para lhe tocar nas partes íntimas dele, na zona da pilinha, no pénis e ela tocava-lhe. Esfregava, fazia o que ele pedia, muitas vezes ele pedia para beijar. Era raro ejacular, aconteceu duas ou três vezes, sempre na cama dele. Aconteceu em vários sítios, por exemplo quando iam para o campismo, iam muitos em família, também aconteceu na autocaravana, em que iam ela e os avós nada. Quando iam em família, quando só estava ela e os avós, à noite, acontecia. A autocaravana tinha uma cama em cima e os avós ficavam na cama de casal em baixo. Ele ia lá para cima para onde ela dormia e abordava-se a ela, agarrava-a e beijava-a. A avó uma vez deu conta, mas ele disse baixo para ficar calada e que estava a dar beijinhos de boa noite e a sua avó acreditou e acabou por adormecer. Isso foi logo no início da noite. O avô trabalhava no ... e muitas vezes ele era o motorista, acompanhava os alunos no autocarro para a praia. Ela ia no verão para ir para a praia, os meninos iam para a praia, ele pedia para ficar para ficar lá, até para almoçar com ele. Ela ia para a praia com os meninos quando ele deixava, muitas vezes ele tinha uma autocaravana com uma minitelevisão e ela ficava lá a ver filmes e quando os meninos saiam ele pedia para tocar nas partes íntimas dele. Isso acontecia dentro do autocarro. Ela mexia, esfregava a sua mão como se estivesse a masturbar. Nessas ocasiões que se lembre nunca ejaculou. Não se recorda de mais nenhuma situação. Era sempre a sua avó que lhe dava banho. Passava dias com a sua mãe, não se recorda de ter ficado a chorar quando ela se ia embora. Sempre teve medo devido a ele ser ..., ele tinha uma arma na gaveta, chegou a vê-la, era pequena, estava ao lado da cama de casal, na mesinha de cabeceira. Perguntou à avó porque é que o avô tinha uma arma na gaveta e ela disse que era porque ele tinha sido .... Contou à sua mãe porque sempre falava porque é que não ia ter com o avô, se tinha medo de alguma coisa porque é que estava sempre a chorar no quarto e ela acabou por contar indiretamente, não contou diretamente, ela foi dizendo nomes, e acabou por descobrir que era o seu avô. Como o pai estava no hospital com um cancro não queria contar, tinha medo. Depois de contar à sua mãe, não voltou a falar com o seu avô. Voltou a vê-lo no hospital e ele perguntou porque é que não ia de férias com ele e ela respondeu que ele sabia perfeitamente o que tinha feito e à sua tia LL. Tem mais memória de quando tinha 6 ou 5 anos, as três vezes em que o avô ejaculou. Lembra-se de ir com mais frequência para a cama dele entre os 6 e os 7 anos. Fora isso foram imensas as situações, entre os 6 e os 7 anos era uma frequência diária, quase todos os dias. Era sempre da mesma forma, chamava-a para a cama, despia-a, pedia para a tocar. A parte da autocaravana foi com 5,6 anos. A da cama já acontecia antes. Na autocaravana foi entre os 6 e os 8 anos, dois verões, durante três meses. No autocarro era no princípio do verão antes de entrar de ferias e depois na autocaravana era no meio das ferias do verão, eram coisas diferentes no parque de campismo da ... e ele levar os meninos para a praia da …. Lembra-se dele a tocar no corpo, no pescoço, na parte vaginal antes dos seis anos.
- As declarações prestadas pelo arguido AA, em audiência de discussão e julgamento, o qual afirmou, em síntese, quanto aos factos a que se reportam os pontos 7) e 10) da acusação que quem entregava a BB era a sua mulher CC, iam os três no carro, saiam pelas 6:15 horas, deixava a avó no trabalho, porque entrava as 7:00 horas. Começou a trabalhar em 2004 no Colégio como condutor do autocarro. O seu horário era das 7 às 19:30/20:00 horas. Nunca levou a sua neta para a sua cama. A ama é que a levava a escola. Ficava sempre na ama. A sua neta não era uma criança afetuosa. Nem sempre a cumprimentava com beijo. A sua mulher CC não conseguia ir às compras e por isso iam ao Continente de carro os três. A mulher nunca saia sozinha. Tinha uma arrecadação que ficava na cave. O prédio onde morava tinha três andares, morava no 3.º andar, não mandava a neta sozinha à arrecadação. Nunca foi à arrecadação com a neta para ela não se aleijar. Talvez houvesse um presépio na arrecadação, era ele que ia buscar, era uma caixa grande. No que se refere aos pontos 20) e seguintes da acusação declarou que, nas férias de verão, quando a sua neta entrava no colégio era entregue a uma educadora que acompanhava os outros meninos à praia. As crianças almoçavam no colégio, no refeitório. A sua neta almoçava com as outras crianças e vinham embora ao final do dia consigo, no seu carro. Quanto aos pontos 23) e seguintes da acusação, afirmou que a autocaravana tinha uma cama por cima no beliche, uma cama de casal e outra pequena. A BB queria ir dormir lá em cima no beliche, de vez em quando. Normalmente ela dormia com a avó, na cama de casal e ele dormia em cima. Às vezes ela ia para cima para dormir consigo, ele já lá estava deitado e deixava-a. Comprou-a em ..., ia para o ... levava-a no início, ficava um mês de férias. As vezes também estava a tia, NN e o filho da NN, mais velho que a BB, num mês duas ou três vezes. A sua mulher dizia para não ir. Toda a gente dormia com pijama. Pensa que as acusações se devem a ódio, raiva e vingança por se ter separado da ex-mulher. A acusação da BB, tem a mão por trás da tia NN. A sua filha emprestou-lhe dinheiro em 2004 para comprar um carro e ainda não pagou a dívida. Separou-se da mãe dela em 2011. A sua filha ameaçou-o por mensagem de telemóvel, que o ia meter na cadeia. Casou em 2018 com a mulher que esta agora. Foi militar da .... Tinha uma arma no roupeiro, uma pistola 6,35 mm. Nunca mostrou a pistola à assistente. O seu filho sabia. Eles tinham uma tenda e ficavam na tenda. O alvéolo para a autocaravana era requerido com antecedência. Depois da época balnear ficava à porta de casa. Na época balnear as crianças à tarde iam para o Colégio, não iam para a mata. O seu filho faleceu em 2011 e alertou-o quando estava no hospital. Só soube da denuncia, desde que saiu de casa nunca mais tiveram conversas nenhumas. Só a viu a neta quando foi visitar o pai. A CC nunca mais falou com ela nem a voltou a encontrar. Saiu de casa em 2011 e o divorcio foi só em 2018. Não voltou a casa nesse período. Durante 2 anos ajudou com 500 euros e deixou de dar, entregava o dinheiro a avó, ia a casa entregar o dinheiro e vinha embora. Quando encontrava a BB cumprimentava-a, ela dizia-lhe para ele voltar para casa, ele não dizia nada ficava calado. Os desenhos de fls. 550 a 552 tinha guardados, tendo-lhe sido entregues pela sua neta. Até tentou voltar para casa. A mulher aceitava-o de volta e queria que ele voltasse. Casou com 18 anos. No ano 2010 passou férias com a sua mulher e a sua neta. Continuou a passar férias na autocaravana mas com a sua atual mulher II. Saiu de casa em ..., tinha a sua neta 8 anos. O Colégio tinha 2 autocarros, havia 6/7 adjudicados. O Colégio tinha cerca de 500 crianças. No verão iam para a praia da ... e para a praia da …. Os motoristas juntavam-se la ate as crianças regressarem da praia, esperavam cerca de 2 horas, ficavam por ali a conversar uns com os outros. Só saia as 19:30 se corresse bem o treino das crianças. A sua mulher CC não conduzia, nem tem carta nem sabe ler, tem um problema nas pernas, varizes, usava meias elásticas. Comprou a autocaravana em outubro, teve-a parqueada a porta de casa. Está inocente, está muito chocado. Continua a gostar da sua neta, se ele a quiser visitar.
Confrontado, na sessão de julgamento do dia .../.../2024, com a ausência de registo de remunerações durante os meses de ... e ... de 2010 (de acordo com os extratos de remuneração remetidos pela Segurança Social juntos a fls. 594 e segs), o arguido declarou que esteve internado no ..., no período em que ainda vivia com a mulher CC, esteve poucos dias em casa, até tirar os agrafos, sendo que nesse período, em casa, não teve nenhuma limitação na sua mobilidade. Só saiu da casa onde morava com a D. CC em 2011.
- O depoimento prestado pela testemunha KK, a qual referiu conhecer o arguido por ser seu sogro, tendo vivido em união de facto com o filho do mesmo. Ela e o seu marido, mãe da assistente, trabalhavam na hotelaria, ela saia cerca da meia noite, uma hora da manhã, sendo complicado gerir as obrigações escolares da filha, por isso, por uma questão de estabilidade, decidiram que ela ficaria em casa dos avós. Mantiveram contactos com a filha, quando estavam de folga, sempre que conseguiam estavam presentes, quando tinham tempos livres, o que perdurou durante alguns anos (8 anos), tendo ela passado a viver consigo aos 13/14 anos. Quando a sua filha completou 15 anos, o avô convidou-a para passar uns dias de férias com eles e ela, revoltada, começou a chorar a dizer que não queria. Perante esta reação, disse-lhe que o avô a tinha ajudado, que tinha sido um pai para si e questionou-a porque motivo é que ela não queria ir tendo sido nessa altura que ela lhe contou o que se tinha passado. Contou-lhe que ele lhe tocava, que a mandava tocar-lhe, desde os 3 aos 8 anos de idade, quando o avô saiu de casa. Acreditou na sua filha porque ela não tinha porque estar a contar uma mentira daquelas. Achou estranho porque ela quando era miúda foi vezes ao medico porque tinha as partes íntimas irritadas, na parte da vagina, muito vermelha, não era uma assadura, viu duas ou três, o medico disse que podia ser algo que ela comia. Foi pelo menos duas ou três vezes ao ... e a ..., SAC, até aos 5 anos por ter a parte íntima muito vermelha. A avó acompanhou-a nas consultas, o avô sabia porque era falado a mesa. A sua filha vivia trancada no quarto, no mundo dela, ouvia música e chorava, na escola, na rua. Nunca desconfiou de nada que se estivesse a passar dentro de casa. Questionava-a muitas vezes, ela dizia que estava tudo bem, que não era nada, ficava muito triste e trancava-se no quarto. Na escola foi muito complicado, não estava atenta, era chamada à escola muitas vezes, dos 11/12 anos para a frente, devido ao comportamento da filha, muito fechada, não tomava atenção e não tinha amigos. Começou a ser acompanhada por uma psicóloga aos 14 anos. Depois foi chamada à CPCJ, porque ela precisava de um acompanhamento psicológico e começou a ser seguida por uma psicóloga. Depois conseguiram acompanhamento para ela em ..., procurou ajuda. O acompanhamento começou aos 15 anos quando ela relatou o que se tinha passado. Chegou a vê-la interagir com o avô e com a avó. O avô era carinhoso com ela, ela sentava-se no colo dele, dava-lhe beijinhos, abracinhos, o que ela achava normal entre um avô e uma neta, nunca tendo reparado que ela tivesse demonstrado desconforto. O seu marido reagiu mal, não queria que ela denunciasse, só fez a denuncia depois do falecimento dele. Chegou a ter discussões porque ele dizia que ia resolver a situação. Pensa que ele acreditou na sua filha. Ele falou com o pai no Hospital, mas não assistiu à conversa. A avó e a tia NN já sabiam e quando fez a denuncia elas ficaram muito tristes, na altura ninguém queria acreditar, porque achavam que seria impossível, a única pessoa que acreditou na BB foi ela, só quando ela foi acompanhada por psicólogos é que eles passaram a acreditar. A tia também acreditou porque passou o mesmo que a sua filha, o que lhe relatou. O arguido e a avó estavam casados há 40 anos e o arguido saiu para viver com outra senhora, foi muito triste porque tinham uma união muito grande, foi uma surpresa muito grande. Houve pressão para ele regressar, ninguém aceitava a separação, ainda tentaram fazer com que eles se reconciliassem, apoiaram a sua sogra porque ela precisou muito de apoio. Até ao falecimento do seu marido em .../.../2018 tinham esperança que o pai, o arguido, voltasse para casa. Só perderam a esperança quando ele se divorciou. A BB sentiu, mas ao mesmo tempo o sentimento dela foi de alívio, na altura não foi isso que repararam nela. A BB não se expressava, vivia trancada no quarto, não tinha reação. Contou-lhe que, quando criança havia estes toques e sempre teve conversas com a sua filha em miúda, para lhe contar se alguém lhe mexesse. Ela disse-lhe que tinha medo, porque o arguido dizia para não contar nada a ninguém. Contou-lhe que se passava quando estavam os dois em casa, quando a avó estava a trabalhar, quando a avó estava presente não acontecia nada. A assistente não lhe contou acerca do parque de campismo. A ideia com que ficou é que isto teria acontecido na residência dos avós. A avó trabalhava nas limpezas, apanhava a camioneta pelas seis e pouco da manhã e regressava pelas 2/3 da tarde e isto durou até ela se reformar. A sua sogra era uma pessoa forte, com problemas nas pernas, mas conseguia deslocar-se, às vezes ia sozinha às compras, outras vezes ia com o marido. Todos os dias ela comprava qualquer coisa para trazer para casa. A BB esteve primeiro numa ama e as mais das vezes era o avô que a levava porque entrava um pouco mais tarde no trabalho. Na pré-escola entrava às 8 horas. A sua sogra trabalhava em casas particulares. A escola era perto de onde ela residia e quem entregava era a avó ou o avô. Quando a sua filha entrou na escola deixou de ter a ama. O avô também levava a mulher ao trabalho. Não sabia quem levava a sua filha à escola. O seu marido comentou que tinha falado com o pai acerca do que se tinha passado com a filha. Casou com o seu marido no hospital, no ... de ... de 2018 e ele faleceu um mês depois, dois meses depois de terem descoberto a doença. Perguntou à sua filha se alguém lhe tinha mexido com três anos. Essa temática esteve sempre presente porque não achava normal a postura da BB que era postura muito fechada. A partir dos 5/6 anos ela vivia trancada no quarto. Achava que podiam ser abusos ou bullying na escola. Ela passava tempo com eles, nas férias estava sempre com eles, vinha sempre para sua casa. Depois regressava a casa do avô. Aos 5 anos ela chorava, quando foi para a escola, dizia que queria ir com a mãe e com o pai. Mais tarde ela disse que havia uma amiga de infância que sabia da situação toda. O sogro trabalhava no quartel de ..., quando a filha foi viver com os avós. Sabe que depois ele foi trabalhar como condutor de autocarro, não sabe quando. Ela trancava-se no quarto quando vivia com os avós. Nunca contou à sua filha a sua própria experiência.
- O depoimento prestado pela testemunha EE a qual referiu que foi casada 40 anos com o arguido até aos 57/58 anos e divorciou-se. A sua neta, a ofendida BB viveu consigo desde os 2 anos até aos 14 anos de idade e com o arguido até aos 8 anos de idade, altura em que eles se separaram. A sua neta foi viver consigo porque os pais não tinham grandes condições e o seu filho, pai dela, pediu-lhe para ficar com a sua neta, o que foi aceite pelo arguido e pela sua filha. Durante o período entre os 2 e os 8 anos da sua neta o seu quotidiano era o seguinte. Como trabalhava a dias, levantava-se as cinco e tal, saiam os três por volta das 6 horas da manhã e deixavam a sua neta numa ama em ..., depois seguiam os dois e o arguido deixava-a no seu local de trabalho e ia para o seu trabalho. À noite dava-lhe o jantar, pelas sete e meia e deitava-a as oito e tal e estava cansada e ele dizia que se fosse deitar e que ele pelas 23:30 horas ou meia noite ele ia pô-la a fazer xixi e depois ia-se deitar. Quando o arguido estava de folga, ela deixava a neta arranjada (com o biberão) em casa, o arguido levava-a a ela a ..., deixando a neta sozinha em casa deitada, voltava e depois deixava a neta na ama. Teve esta rotina durante dois anos e aos quatro anos foi para a pré-primária que também ficava em .... Entre os 4 e os 6 anos da ofendida, quer o arguido, quer ela (de camioneta) iam levar a BB à escola. Às sextas feiras ela nunca trabalhava. Acontecia muitos dias ela sair mais cedo para o trabalho e ir de camioneta e o arguido levar a neta à escola. O arguido reformou-se da ... com 50 anos, ainda a sua neta não vivia em sua casa. Depois passou a trabalhar como motorista em dois colégios: primeiro num colégio para crianças deficientes no ... e depois num colégio em ..., o .... No primeiro Colégio onde trabalhou o arguido entrava mais tarde, não estando certa a que horas e no ... entrava às 7 horas. Ele tinha muitas folgas e esteve de baixa quase um mês porque foi operado aos intestinos, há 16/17 anos atras, quando ainda estava a trabalhar na …. Nesse período o arguido levava a neta à escola, mais para o fim. Até aos oito anos de idade quer ela quer ele levavam a neta à escola, dependia. Ela ia sempre com o arguido para o trabalho, o que acontecia na maioria das vezes, mas quando ele ficava em casa ela ia de camioneta, o que acontecia, em média cinco ou seis dias por mês. Nessas ocasiões, era o arguido que a ia levar a escola, deixando ela a neta arranjada, já com o pequeno almoço e o almoço (mesmo para a ama) e depois ele ia la levá-la. Ela apanhava a camioneta pelas 6 horas. Acordava a sua neta antes dessa hora, arranjava-a, deixava-a toda preparada, já com o pequeno almoço tomado. O arguido não estava de folga todos as semanas. Quando ele saiu de casa voltou para casa durante treze dias e foi leva-la a escola, respondeu mal a menina porque ela se ia embora sem lhe dar um beijo. Depois a BB foi para a escola de ..., umas vezes levava-a ela e outras vezes levava-a ele. Quando a neta estava na ama era sempre ela a leva-la. Quando era no outro sítio, também era ela a leva-la, só quando o arguido estava de folga é que era ele a leva-la. Ainda na pré-primária ela ia para a escola ao lado da sua casa com um amigo que morava perto da sua casa e a mãe dele levava-a. O arguido só levava a neta a escola quando estava de folga, o que aconteceu até o arguido sair de casa. Nessas ocasiões mesmo quando ela era mais velha, era sempre ela que a acordava, lavava e dava o pequeno almoço. O arguido sempre a tratou bem, dava-lhe tudo o que ela queria, mesmo que ela recusasse dar. Era afetuoso para a neta, gostava de lhe dar beijinhos e abraços e andava sempre com ela ao colo. A sua neta tinha um quarto só para ela, o qual era perto do deles, a uns dois metros. Quando a sua neta tinha 6 e 8 anos fechava-se no quarto. Quando o arguido ainda estava em casa ela ia para o quarto sentava-se a beira da cama do quarto dela e começava a chorar e perguntava o que tinha e ela respondia que não tinha nada. A primeira vez que a viu a chorar ela ainda tinha 6 ou 7 anos. Quando o arguido já não estava em casa, mas ia la a casa quase todos os meses, durante quase um ano. Quando o arguido saiu de casa ia la várias vezes a casa e queria que ela fosse com ele para a caravana e ela tinha autorização do seu filho para não a deixar ir e ela não a deixava e explicava-lhe que não era por ele era por causa da mulher que está com ele. Primeiro tiveram uma roulotte e depois é que passaram para a autocaravana. Antes da caravana o arguido teve uma roulotte, iam passar férias na ..., no parque de campismo na .... A ofendida sempre andou com eles, mesmo antes de ir morar com eles aos dois anos quando iam para a roulotte. Montavam a roulotte e estavam lá quase três meses. Houve uma vez que estiveram lá quase dois anos, quando a sua neta ainda era pequenina e iam para lá ao fim-de-semana. Na roulotte havia uma cama pequenina e uma grande e a ofendida dormia muitas vezes ao seu lado, na cama grande, porque queria ir dormir ao pé de si. Mas muitas vezes ela acordava de manha para ao tanque ir lavar roupa para os tanques e eles ficavam la os dois na cama da roulotte. A cama pequenina era usada pela sua neta e outras vezes ficava sozinha porque ela queria dormir com eles. Quando ainda usavam a roulotte, no verão aos fim-de-semana iam la pessoas amigas e os pais da sua neta quando estavam de folga. A sua filha NN vivia na ... ia lá no mês de .... A autocaravana só tinha uma cama em cima que era baixinha, tinha umas escadas estreitinhas. O arguido resolveu fazer uma cama onde era sala e ele ia sempre dormir em cima. Ela não conseguia ir la dormir porque era muito baixinho e tinha-se de deitar para dormir, quase que sufocava, mas o arguido conseguia lá dormir. Quando o arguido se ia deitar e subia chamava a BB para ir dormir com ele lá para cima. Ela só dormiu uma vez ou duas em cima e depois passou a dormir na cama de baixo. Ela dormia sozinha quase sempre porque sempre que o arguido ia para cima chamava-a logo. A sua neta ainda era muito pequenina, tinha de lhe dar a mão para ela ir para cima. Passaram muitos verões na autocaravana. Também iam passar fins-de-semana na autocaravana e iam só os três. A autocaravana tem uns 15 ou 16 anos, O arguido saiu de casa a ... depois dela fazer 8 anos. Quando o arguido saiu de casa a BB parecia um pouco triste e depois passou. A determinada altura perguntou pela pistola e ela disse que ele a tinha levado porque era dele e ela não disse mais nada. Quando o avô vinha a casa ela ficava muito agitada não percebia porquê. Não está certa de que a ofendida tenha feito algum desenho ao arguido depois dele sair de casa. Soube esta situação em 2018 através do seu filho quando ele fez 42 anos, dia ..., tendo falecido 3 meses depois. Ficou completamente bloqueada nunca desconfiou de nada. Tinha uma arrecadação onde havia uma bicicleta e outros objetos. Muitas vezes ao domingo ele dizia-lhe para ficar ali na cozinha e que ele ia a arrecadação com a neta para ela descansar. Na autocaravana ele dormia sempre em cima. Havia três camas, ela dormia em baixo. O arguido e a neta dormia em cima porque ele a chamava. A sua neta não ia deitar-se sozinha para a cama de cima porque era muito pequenina. Quando tinha ferias da escola e do colégio a ofendida ia para a colonia de férias do colégio onde o arguido trabalhava, o arguido levava-a com ele. Iam de manha para a praia com as crianças e vinham a hora de almoço. A sua neta almoçava no colégio, não sabe com quem. Ela nunca levava o almoço, às vezes podia levar um sumo ou qualquer coisa para comer se tivesse fome. Ao sábado à tarde às compras. As vezes ao sábado de manha, levantava-se de manha, ia comprar fruta e hortaliça em ... e o arguido ficava com a neta em casa e muitas vezes ficavam na cama. Era frequente o arguido ficar sozinho com a neta. Depois de arranjar a sua neta e deixar o saco preparado para o avô a levar. Houve uma altura em que ela ainda usava fralda estava doente e porque ela ficava com o pipi vermelho pediu para a ver e o arguido disse vais agora falar nisso para que e a médica não viu nada. A sua neta ficava acordada, quando a deixava em casa de manha. O arguido trabalhou nos colégios como motorista do autocarro e esses colégios não estavam abertos ao fim-de-semana. Ele tinha folgas, podia ter um dia por mês ou horas em conta e ficava em casa, faltava ao trabalho. Depois da separação o arguido ainda as visitava e foi durante um ano levar-lhe 300 euros. Nessas alturas ele saia de la chateado porque queria levar a neta e ela não a deixava ir porque o filho não queria que ela fosse porque o arguido não estava sozinho. Mesmo antes do arguido sair de casa a sua neta ia para o quarto e chorava muitas vezes. Os pais iam lá a casa visita-la, mas podiam ficar 15 dias sem ir. Os pais não tinham praticamente ferias, podiam leva-la um fim-de-semana à praia se tivessem de folga os dois. Era ela que levava a neta ao medico, só até aos dois anos é que eram os pais. Tem outros três netos, o mais velho tem atualmente 27 anos e os outros dois netos, de 22, 20 anos são filhos do seu filho, os quais nasceram durante o relacionamento dos pais da ofendida BB. Estes netos não viviam consigo e visitavam-na, mas não muito, não conviviam muito consigo. Tem outra neta com 7 meses de diferença da ofendida. Ela não conduz. Tem dificuldades em andar, já esteve mal, já esteve melhor e agora esta pior outra vez. Na altura em que vivia com o arguido, houve uma fase em que esteve mal das pernas e depois melhorou um bocadinho. Quando ia levar a neta ao medico com o arguido e muitas vezes ia sozinha. A maior parte das vezes iam de carro as compras para as transportar. Iam juntos quando iam as compras e trabalhar. A partir da idade do pré-escolar a sua neta também ficava na ama e ela ia la leva-la. A partir de certa altura ela ia com um amigo, MM, com a mãe dele, que vivem na mesma rua. Quem pagava a ama era ela, não se recorda até que idade pagou. A sua neta começou a andar e a falar muito cedo ainda em casa dos pais e usou fralda até aos 2 ou 3 anos, o arguido é que lhe tirou a fralda, porque ela se ia deitar e ele punha-a a fazer xixi a noite. Na autocaravana o arguido dava-lhe a mão para a ofendida ir para a cama de cima. O choro não podia ser da escola porque ela procurava junto da professora.
A testemunha EE voltou a ser inquirida - na sequência de requerimento do arguido após comunicação de alteração não substancial de factos pelo Tribunal – tendo referido, em síntese, que se lembrava, que, aquando da vivência em comum com o arguido, o mesmo foi operado aos intestinos (na sequência de queixas de perda de sangue e após insistência sua para ir ao Hospital) na .... Foi sujeito a uma cirurgia de barriga aberta, a cicatriz era grande, embora não abrangesse toda a extensão da barriga, levou vários pontos, agrafos. O arguido esteve no hospital 6 ou 7 dias. Quem o visitou nessa altura foi ela, o filho e a sua filha NN que tirou 15 dias de férias e veio da .... No dia em que ele foi ao hospital foi ao aeroporto buscar a sua filha, para ela a ajudar a tomar conta da neta e estar em casa quando ela trabalhava. Depois da intervenção no hospital, o arguido veio para casa, onde esteve cerca de três semanas a um mês. Durante esse período, o arguido ficou em casa e ela ia trabalhar. Durante esse período nunca deixou de ir trabalhar (saía se fosse preciso sem almoço e ia à ... para ver o arguido durante a tarde até a mandarem embora). Quando a sua filha esteve em casa era ela que ia levar a neta à ama que a ia levar à creche. Quando o arguido ficou melhor, era ele que ia levar a neta à escola. O arguido levantou-se da cama e a sentou-se praticamente logo a seguir a regressar a casa, inclusive passados dois ou três dias quando foi ao ... para tirar os pontos, ela acompanhou-o e ele foi a conduzir. Mora no terceiro andar e ele descia as escadas. Naquela primeira semana quando o arguido regressou a casa, ela ia trabalhar de manhã e a sua filha levava a neta à D. FF. Quando a sua filha se foi embora, era o arguido que a levava a sua neta BB à creche, não ia ao colo, ia pela mão. Ela deixava a comida feita. Pensa que o arguido levou cerca de quarenta pontos que ia retirando gradualmente, ia à ... de oito em oito dias. O arguido conduzia e levava a BB a escola ainda com pontos. Não tem a certeza, mas acha que não lhe foi receitado analgésico. Todos os dias de manhã, antes de sair para trabalhar ela acordava a neta, vestia-a, tomava o pequeno almoço e ela ia embora, mesmo nos dias em que tinha de apanhar a camioneta às 6 horas da manhã. O arguido também acordava logo, mas não se levantava, quando saia ele ainda estava deitado e depois ia levar a neta diretamente à escola. Quando saia a sua neta ficava a fazer desenhos. O arguido folgava mais vezes quando estava na ....
- O depoimento prestado pela testemunha NN, filha do
arguido, a qual referiu, em síntese que soube da situação em ..., quando o seu imão telefonou-lhe e perguntou-lhe se sabia que o pai abusou da minha filha e ela respondeu “a mim também”, ela disse que acreditava porque a si tinha feito a mesma coisa, a si foi mais ao nível dos peitos. Ele não disse mais nada, porque ficou surpreendido com a sua revelação. Nesse momento ao telefone não chegaram a falar acerca de onde é que ele tinha tocado a si ou a filha do seu irmão. Cinco minutos depois ele voltou a ligar e disse para se encontrarem, nesse mesmo dia, por volta das duas horas da tarde. Ele veio ter consigo, foram beber um café em ... e ele pediu-lhe para lhe contar o que se tinha passado, tendo-lhe dito que iam deixar a ofendida tomar a decisão. O seu pai era ... e a sua mãe era doméstica e muito dependente do seu pai, a sua mãe refilava, mas não mandava nada, não sabe ler nem escrever, tudo o que o pai dizia era “Deus no céu e ele na terra”. Quando ele recebia os louvores da ... era uma estrela, uma pessoa séria, nunca teve coragem de dizer la em casa, levou muita porrada, não contou ao seu irmão antes, nem à sua mãe antes. Quando tomou conhecimento desta situação a BB tinha 14/15 anos, em .... Ela foi seguida por um psicólogo e a mãe aconselhou a seguir com a queixa. O seu irmão não queria seguir com o processo para a frente, porque não acreditava que fosse feita justiça. Todos os anos que ela vinha a ..., estava na ... em 1991 e veio para ... em .... O seu irmão falou consigo e faleceu em 2018. Sempre passou férias com os seus pais na ..., no parque de campismo da .... Todos os anos eles mudavam de sitio porque tinham de alugar o terreno. Primeiro tiveram uma roulotte e depois camping car. Ela ficava sempre com eles. Ao princípio eles tinham uma tenda canadiana onde ela e o seu filho. Ao princípio passava um mês e depois passou a ser três semanas. Vinha passar férias porque nunca disse nada a sua mãe. Abraçava o pai, mas nunca encostou o peito, não tinha o sentimento de pai e filha, ele não o tinha. A BB e os seus pais partilhavam o mesmo espaço. Viviam muito mal, quando vinha a ... discutia com o seu irmão, dizia sempre, alguém já te tocou no pipi nas maminhas e ela respondia sempre que não. Perguntou-lhe sempre. O que a descansava mais era que ela não só dizia não e ela dizia para não deixar ninguém a tocar (no pipi, no cuzinho e nas maminhas) e ela dizia que não, e também a descansava ela não ter peitos (sendo que ela começou a ter peito por volta dos 9 anos de idade). Começou a ter essas conversas com ela quando ela tinha por volta dos 4 anos. Quando ela fez 5 anos queria levá-la para o pé de si, mas o seu irmão não deixou. O seu pai enganou a mãe algumas vezes e ela deixou. Ficou mais descansada porque o seu pai saiu de casa quando ela tinha 8 anos. Havia sempre aqueles momentos na ..., dançava com o seu pai, mas afastada, nunca mostrou esse sentimento a sua mãe, fazia de conta que estava tudo bem. Quando o arguido saiu de casa ela queria contar, mas a sua mãe estava num sofrimento enorme e ela não percebia porque ele saiu de casa e não deu satisfações a ninguém. Depois a sua mãe tomou conhecimento quando soube de uma sobrinha é que a sua mãe acreditou. A BB era muito ativa, brincava muito, a sua mãe dizia que na escola nunca estava atenta, só queria brincar. Ela tinha um comportamento diferente, ficava de parte, não tinha amigos, pedia sempre à avó para ir dormir ao pé dela para não ficar ao pé dele. A sua sobrinha era diferente brincava muito. Ela vinha a ... sempre no mês de .... Na Costa parecia que estava tudo bem. O seu pai nunca teve afeto consigo, com o seu irmão e podia brincar com ela, mas não era muito afetuoso, mantinha sempre uma posição mais dura. Conseguia ter mais afeto com o seu tio do que com o seu pai. O seu irmão tentou dar apoio a sua mãe e tentou estar em contacto com ela para saber mais coisas, queria saber com quem ele mora, com quem ele esta, foi ele que contou a sua mãe que o arguido tinha uma amante. O seu irmão não é de guardar rancores a ninguém. Emprestou 50 mil euros ao seu pai. Comprou um apartamento que na altura do divorcio vendeu. Ele pediu dinheiro emprestado para comprar o .... Em seguida quando ele acabou de pagar o ... pediu-lhe 25.000 euros para comprar a autocaravana e ainda lhe deve 14.000 euros. A primeira vez que o encontrou aqui no Tribunal pediu-lhe o dinheiro e disse que tinha alzheimer e não a conhece. E hoje em dia precisa do dinheiro, esta desempregada e não teve nenhuma resposta. Falou com a BB, quando vieram ao Tribunal no primeiro dia foi a primeira vez que lhe perguntou se tinha havido penetração e ela disse que não. Não conseguiu falar antes com ela, veem-se muito pouco. Só soube através do seu irmão que o pai abusava da sua sobrinha. Soube que abusou, mas nunca soube o que aconteceu em concreto. Perguntou-lhe porque é que ela não lhe tinha dito antes e ela respondeu para proteger a avó e também porque tinha medo do avô. Para si o ato sexual ou o toque é a mesma coisa. O seu irmão perguntou-lhe porque é que ela não tinha dito antes e ela perguntou-lhe onde é que ele estava. O seu irmão não queria falar sobre o assunto. Sente-se responsável de uma certa maneira, sente remorsos por não ter feito mais. Ainda tinha 16 anos quando se aconselhou. E normal que tenha dito que estaria pronta para ajudar, para apoiar e para ela não passar por isto sozinha. A BB era reservada em casa, fechava-se muito no quarto, na escola era distraída e brincava nas aulas. Quando a sua sobrinha foi para o pé dos seus pais, aos 2 anos, quando ela fez os cinco anos pensou que ela fosse consigo para a ... e nessa idade o seu irmão não concordou. Foi consultada pela sua mãe acerca de ficar com a sua sobrinha, a sua criança estaria melhor em casa dos seus pais porque o seu irmão e a sua cunhada não tinham condições para tratar da menina e a sua mãe era muito presente, tinha confiança na sua mãe. Nessa altura ficou de acordo que a menina fosse para casa dos seus pais e pensou que ela fosse para si aos 4/5 anos. Emprestou dinheiro para o seu pai comprar a autocaravana. O seu irmão queria dar desprezo ao seu pai e queria vingança. Quando o arguido saiu de casa em .../.../2012, com um saco, não deu satisfação a ninguém, mulher, filhos, netos. Ligou para o seu pai para saber o que se tinha passado. Ele desapareceu com o carro e com a autocaravana e elas tiveram de passar férias numa tenda no terreno que já estava alugado. Só quando tinha 16 anos, contou a sua ex patroa. A partir dos 14 anos disse a sua mãe para se divorciar, a sua mãe veio a saber de um caso na escola e disse a sua mãe para se divorciar. Levou várias vezes com o cinto da .... Ele não queria que namorasse com um rapaz. Não tinha confiança nem no seu irmão nem na sua cunhada, consumiam álcool e drogas. Foram alguns anos que passaram férias na autocaravana e antes na roulotte, que era um atrelado ao carro, não se recorda como era a roulotte, não se lembra onde dormia. A sua mãe trabalhava como empregada de limpeza, em ..., 6, sab, dom ao longo dos anos. Antes de sair de casa o seu pai estava reformado e trabalhava num colégio.
A testemunha NN voltou a ser inquirida – na sequência de requerimento do arguido após comunicação de alteração não substancial de factos pelo Tribunal – tendo afirmado, em síntese, que se recorda da sua mãe a ter contactado para a ..., nervosa, aflita, com a notícia que o seu pai tinha “cancro” no intestino, tendo-se disponibilizado a vir para ... e tendo permanecido em casa dos seus pais, durante duas semanas, a primeira semana enquanto o seu pai esteve no hospital e a semana seguinte para ajudar a sua mãe. Durante os primeiros dois ou três dias quando o seu pai ficou em casa, ficou deitado e tinha um sino para a chamar. Nessa semana, passados dois ou três dias ele começou a levantar-se. Não viu cicatriz nem pensos. Ocupou-se de lhe dar a medicação e as refeições, o pequeno almoço, almoço, sendo que a sua mãe já lhe deixava tudo pronto. Não se lembra se a BB estava la em casa. A sua mãe ia trabalhar (a fazer limpezas, meios dias, tendo folga quinta à tarde, sexta, sábado e domingo) e ela ficava em casa com o pai.
Quando regressou à ..., o arguido já fazia pequenas caminhadas (ia a pé até à escola, cerca de 1 km), não se queixava, ele estava mesmo bem e contente, brincava e as coisas pareciam equilibradas. Não se lembra dele ter ido ao hospital.
- O depoimento prestado pela testemunha CC, a qual referiu em síntese, conhecer o arguido de vista, porque ele ia levar a neta à ama, a qual é sua sogra (e que atualmente se encontra acamada). Na altura em que a sua sogra era ama da ofendida BB ajudava-a, sendo que o seu filho estava com a BB em casa da avó, a sua sogra. Sabe que a D. CC ia levar a menina, o arguido ficava no carro e por isso não tinha praticamente contacto com o arguido, mas era sempre a avó que a ia levar à sua sogra, a qual depois levava a BB à escola e depois a avó da menina, a D. CC ia busca-la à escola. Ia só a avó, a D. CC, que a ia levar lá a casa, normalmente via o arguido sempre dentro do carro. Ia leva-la entre as 6 e as 7 horas, durante a escola primária. O seu tinha a mesma idade que a BB e entrou com seis anos. A BB começou a ir para lá antes de entrar na escola primária, cerca de dois anos antes da escola, quando tinha cerca de 4 anos até ao 4º ano. Ela morava na casa ao lado da sua sogra e ia lá levar o seu filho. Ajudava a sua sogra a tratar dos meninos, com os almoços, porque a sua sogra tinha mais crianças, cerca de cinco crianças. À hora em que a BB chegava normalmente ela já estava em casa da sua sogra porque o seu marido se levantava muito cedo, iam tomar o pequeno almoço ao café em frente às 6 ou 6:30 horas da manhã. Ia levar o seu filho a sua sogra e depois ia tomar o pequeno almoço e todos os dias assistia à chegada da BB. Normalmente ia de manhã ajudar a sua sogra, estava desempregada. Desde o período em que a BB esteve na sua sogra era sempre a avó que a levava, nunca ia diretamente para a escola. A BB nunca foi diretamente para a escola ou sozinha para a escola. Sabe que a D. CC ia buscar a neta porque passava por casa da sua sogra antes de a ir buscar a neta. Houve uma altura em que a BB saia as 15 horas e era a sua sogra que a ia buscar à escola e depois a avó ia busca-la à sua sogra. Além do seu filho, a sua sogra tinha outra criança da mesma idade.
O seu filho nasceu em ..., não sabe precisar se eram da mesma turma, havia duas salas a funcionar no mesmo horário. Houve uma altura em que as aulas eram todas de manhã, pelas 8:00 horas (pensa que no 1.º e 2.º ano do seu filho) e depois passaram para a tarde e saiam as 17 ou as 18 horas. A sua sogra tinha duas crianças pequenas bebés.
- O depoimento prestado pela testemunha DD, o qual referiu, em síntese,
que conhece o arguido, sendo seu amigo, porque depois de reformado foram colegas no ..., entre 2010 até ele ir embora, tendo mantido a relação de amizade. Trabalhou no ... como motorista, desde .../.../2010. Quando iniciou funções o arguido já lá estava a trabalhar e ainda lá está, esteve dois ou três anos com o arguido no Colégio. Os horários eram das 7 da manhã até as 19:00/19:30 horas, de segunda a sexta feira, as folgas eram ao sábado e domingo. O arguido tinha o mesmo horário que ele, tinham ambos as mesmas funções, faziam a mesma coisa, eram ambos motoristas. Esteve ainda dois ou três anos a trabalhar com o arguido. De manhã iam buscar os meninos a casa com uma auxiliar, começavam as 7 horas, acabavam por volta das 9 horas e depois transportavam do ... para as escolas públicas, para as primárias e depois o inverso. Tinham períodos de pausa de meia hora, era raro terem pausas de 1 hora. Ficavam à espera fora do colégio. No período do verão iam para as praias, iam buscar de manhã e por volta das 8:45-9:00 horas saiam e iam para a .... Quando chegavam os meninos e os auxiliares saiam e iam para a praia, ficavam ali até as 12:30-12:45 horas. Os motoristas não têm nada a ver com as crianças, o trabalho deles era só conduzir. Não havia hipótese de ficar algum menino no autocarro, porque vai a professora que os conta a entrada e à saída, na roda, quando regressam, voltam a contar, quando chegam ao colégio voltam a contar. Isto era uma coisa rígida com a Direção, os professores e os auxiliares que vão sabem que têm de fazer aquilo. Ele também levou a sua neta muitas vezes que não andava no ... e era integrada no grupo do ano dela e era entregue a uma determinada professora e auxiliares. Na época balnear em que lá trabalhava o arguido, iam vários motoristas, eram 6/7 autocarros da rodoviária e eles ficavam ali no parque à espera dos meninos, entretinham-se a falar em grupos de três ou quatro. Não se lembra do arguido ter levado a neta, poderia ir com ele, mas nunca a viu no parqueamento dos autocarros. As crianças saem do colégio com a professora e com os auxiliares e regressam na mesma e mesmo que não sejam alunos do colégio, são integrados num grupo do seu ano. As crianças levavam o lanche nas suas mochilas e lanchavam na praia e iam todos almoçar no Colégio. A sua neta nem sempre almoçava porque mora muito perto do Colégio e alguns pais iam buscar os filhos mais tarde. Não era obrigatório as crianças almoçarem no Colégio, se não houvesse atividades da parte da tarde podiam almoçar a casa. O arguido dizia que levava a neta a qual devia estar integrada num grupo. Nos períodos de pausa de férias escolares (páscoa, carnaval), normalmente os ... organizavam passeios. No mês de ... não há transportes. Os motoristas não almoçavam no autocarro, nem nas carrinhas, nunca viu isso a acontecer. Ficou de boa aberta quando o arguido lhe contou acerca deste processo, não acredita nisso. Viu uma criança de vez em quando com o arguido e ele dizia que levava a neta e ela estava integrada num grupo e ia para a praia. Durante o seu horário de trabalho, entre as 7 e as 19 horas, havia períodos de pausa inferiores a uma hora. Tinha serviço até as 9:00 horas e depois tinha serviço as 9:45 por exemplo, nessas alturas ia ao café, sempre fora do Colégio, andam na rua, a ler o jornal. Todos os dias entrava à mesma hora. Desde que lá está não havia atividades da parte da tarde depois da praia. Nos períodos de férias letivas (páscoa, natal, carnaval), os ... organizam passeios, nesses dias “mortos” o Colégio está sempre aberto, só não há transporte no mês de .... Nas férias da páscoa e natal há transportes. As férias eram só no mês de .... Normalmente as crianças têm de estar no Colégio às 8:45 horas. E preciso estar sempre alguém para levar uma criança que precise de alguma urgência, por exemplo de ir ao hospital.
- O depoimento prestado pela testemunha GG, a qual declarou, em síntese, que o seu marido é primo do arguido. É casada há 47 anos e o arguido e a mulher D. CC foram ao seu casamento. Foi sempre amiga do casal. Conviviam aos fim-de-semana, nas férias, nos aniversários, nas festas, na comunhão da BB. Sabe que a BB é uma das netas do arguido, tem mais dois irmãos que não são da mesma mãe e ela veio para casa dos avós muito pequena cerca dos 2/3 anos. Os avós é que a criaram, por impossibilidade do pai e da mãe e eles acharam por bem criar a menina para que não lhe faltasse nada. Foi sempre muito bem tratada, nunca lhe faltou nada, tinha carinho do avô. A avó era muito agarrada à menina, raramente a deixava ir para algum lado sozinha, sem a companhia dela, só um ou outro fim-de-semana é que a deixou ficar consigo porque eram amigos. A menina tinha uma ama. Fez a primeira comunhão e a menina fez questão que ele fosse à comunhão dela, tinha ela 8/9 anos, quando o avô já não estava em casa. As ferias eram normalmente passadas na ..., no parque de campismo da ..., as vezes ia ter com eles, passar um dia e quando a NN vinha da ... passar ferias com os pais e ficavam todos lá. Nesses convívios nunca se apercebeu de nenhum desconforto da neta com o avô, era sempre a avó a dar-lhe a comida mas às vezes era o avô que lhe dava, era sempre a avó que ia com ela aos balneários, mas nunca viu o avô dar banho a neta, era sempre a avó. Acha que se tinha apercebido de alguma coisa com a BB se tivesse acontecido. Ela e a CC falavam de tudo um pouco à sua hora de almoço, no ..., iam conversar, bebiam um café e ela nunca lhe falou de nada. A dinâmica da família era ótima. Quando a NN vinha de férias, fazia-se bailes e festas e ela dançava com o pai, nunca lhe viu qualquer reação que a fizesse suspeitar das coisas de que ela acusa o pai. A BB era uma criança que brincava, era muito traquina, (a avó ralhava muito com ela) ativa, feliz, a quem eram feitas todas as vontades pelos avós. O arguido era um avô normal, carinhoso, quando saiu de casa fez questão de ir levar 300 euros em dinheiro e ela ainda uma vez por outra assistiu. Os irmãos da BB (o OO que é mais velho e a PP com a idade dela) que moravam com a mãe, também costumavam estar com os avós, iam passar o fim-de-semana do pai a casa dos avós a maior parte das vezes. Já não é amiga da D. CC porque na altura da separação ela lhe impos a condição de estar com ela ou com o arguido e ela não aceitou porque o arguido nunca lhe tinha faltado ao respeito e era primo do seu marido. Foi visitar o filho do arguido, QQ, uma vez (quatro ou cinco dias antes dele falecer em .../.../2018) e encontrou na sala de entrada a CC, a NN, o filho da NN e um rapaz com a BB na sala de espera. Enquanto o arguido não chegou cumprimentaram-na, quando ele a cumprimentou todas as pessoas lhe deixaram de lhe falar. A CC lamentou-se da situação do filho e disse-lhe que estava zangada com o marido, mas que se ele voltasse para casa o perdoava. Ficou admirada com a situação que foi o arguido que lhe contou. Acredita no arguido porque não compreende porque motivo a filha NN continuou a conviver com o arguido depois daquilo que ela relatou.
A testemunha GG voltou a ser inquirida – na sequência de requerimento do arguido após comunicação de alteração não substancial de factos pelo Tribunal – tendo afirmado, em síntese, que se lembra do arguido ter tido um problema grave de carcinoma, teve de fazer uma cirurgia, teve a sorte de não ser maligno, acha que foi em fins de ... até ..., teve uma semana no hospital, veio a filha NN da ... para visitar o pai, o filho e a esposa também lá esteve e passava lá o dia.
Quando lá foi a casa estava em casa a mulher, que ficou em casa para tomar conta dele. O filho QQ é que levava o pai ao hospital e ao centro de saúde para tirar os pontos. Sabe que a CC ficou a dar-lhe apoio porque durante esse período a rotina que ambas tinham (de passar a hora de almoço juntas) foi interrompida. Ela ligava muitas vezes a contar do marido e foi uma pessoa muito empenhada a tratar dele. O arguido nunca foi levar a neta à escola de manha, ela é que levava a miúda a ama, segundo o que ela lhe dizia. Ia lá casa, de visita, ia quase todos os fins de semana, falavam ao telefone e ela punha-a a par da situação. O arguido ficou no hospital uma semana e em casa duas ou três semanas, só saia para fazer tratamentos. Quando teve alta do medico passou a fazer o trabalho normal. Quando foi visita-lo, estava na sala sentado, de vez em quando, tinha dificuldade em andar, não fazia nenhuma tarefa. A casa onde eles viviam era um terceiro andar sem elevador. Sabe que ela esteve em casa com ele essas três semanas porque não foi ter consigo à hora de almoço. Não sabe quando é que o arguido regressou ao trabalho.
- O depoimento prestado pela testemunha II, qual referiu ser casada com o arguido desde 2018, vivendo como marido e mulher desde 2011. Conhece o arguido desde 2004 porque eram colegas no ..., ela exercia funções como auxiliar, com horário das 7/8 horas às 20 horas, sendo que as vezes ia só da parte da tarde, conforme precisavam dela (nas atividades extracurriculares). O arguido entrava as 7, tinha a hora de almoço e saia as 19:30/20 horas, a essa ela hora ainda lá estava. Nunca havia folgas durante a semana. O Colégio só fechava aos fim-de-semana e aos feriados por isso não havia folgas para ninguém noutros dias. O arguido ia buscar uma criança as 7 horas da manha a ... por isso chegava ao Colégio antes das 7 horas. Todas as auxiliares tinham de saber os horários das carrinhas para entregarem as crianças. Durante as férias, o horário era o mesmo, as carrinhas trabalhavam às 7 horas da manha à mesma, mas iam para a praia as 9 horas da manha. Regressava ao meio dia, para os meninos tomarem banho e às 13 horas irem almoçar e à tarde ficavam no colégio. Ela ficava sempre a organizar o refeitório e a fazer as camas dos meninos que iam fazer a sesta. As crianças iam acompanhadas pelas auxiliares e pelas professoras. Tem conhecimento que a neta do arguido ia na altura das ferias da escola, mas não era todos os dias e integrava um grupo com uma professora e uma auxiliar. Brincava, almoçava e lanchava com os outros até à hora de ir para casa. A partir de 2011, ela e o arguido foram viver para a autocaravana, durante dois anos. O arguido pagava água, luz, telefone e ainda dava 300 euros para a neta e o dinheiro não dava para tudo. Ele ia visitar a menina quando ia levar o dinheiro, muitas vezes trazia desenhos da menina a dizer “avô volta para casa”. Ouviu a mulher do arguido dizer ao telefone que estava em alta voz que ele era pedófilo e a sua filha a destrata-lo, a dizer que tinha ido arranjar uma rapariga da idade da sua filha. Ela tinha 38 anos e o arguido 58 anos. Os telefonemas eram sempre a destrata-lo, a dizer que ia arranjar maneira de o por na cadeia, nunca mais vais sair dos tribunais. Viveu até .../.../2018 na autocaravana, quando se casou. O seu marido já teve um AIT por causa deste processo e ela também já teve problemas de saúde porque se enervam com isto tudo. Soube desta acusação quanto o arguido foi ao café onde o filho estava a trabalhar e depois quando foi visitar o filho ao Hospital e quando chegou disse que o filho lhe tinha dito que elas “lhe estavam a fazer a cama”, referindo-se à filha NN e à ex-mulher e não sabe se à sua neta BB. Pelo que conhece do arguido, do seu carácter e intimamente o que vive com ele nada a leva a crer que tenha feito aquilo que lhe é imputado, muito menos à neta, e por isso acredita nele plenamente. Esteve umas quatro vezes com a neta do arguido, ia a casa do pai da BB levar correio e iam ao café onde o pai da BB trabalhava. Ela foi lá a casa duas vezes, uma vez foi buscar correio e acabaram por jantar em casa, quando a BB tinha 14 ou 15 anos, com os pais e os irmãos. Tinham uma relação normal, cumprimentava o avô, o arguido nunca foi de agarrar ou beijar é uma pessoa reservada, sentou-se no sofá a conversar e depois foram para a mesa. A BB cumprimentou normalmente o avô, sentou-se a jantar e depois saiu com o pai e a mãe embora. Eles saíram com os outros netos e foram ao shopping comprar agasalhos para eles. Não sabe de nenhum empréstimo da filha ao pai, o arguido disse-lhe que a filha lhe tinha pedido emprestado dinheiro para comprar um carro. A filha chegou a ligar a pedir dinheiro ao pai ao telefone que diz que ele lhe deve, quando ainda estavam na autocaravana. O avô telefonava para menina depois de ter saído de casa, tinha ela 8 anos de idade e a avó deixava-a atender. O arguido gostaria de estar com a neta, mas foi impedido pela mulher, a avó. Só soube das acusações de abusos sexuais a BB depois do seu casamento, em 2018, quando recebeu a notificação do Tribunal.
A testemunha II voltou a ser inquirida – na sequência de requerimento do arguido após comunicação de alteração não substancial de factos pelo Tribunal – tendo referido, em síntese, que em ... de 2010 o arguido esteve doente porque foi operado aos intestinos, esteve ausente do trabalho uns quinze dias ou mais. Nessa altura não tinham relacionamento. Pensa que o arguido não tinha capacidade para ficar sozinho porque em casa não sabe fazer comer, nunca cozinha. Já viu a cicatriz do arguido que é do estomago até a zona genital. Quando regressou ao trabalho ainda lhe custava subir e descer, ainda o sentia debilitado, quando subia e descia, queixava-se.
- Os esclarecimentos prestados pela perita médica RR, psicóloga, a qual esclareceu, quanto à resposta dada ao primeiro quesito que a perícia fundamenta o impacto psicológico e emocional da possível situação traumática e não se refere a situações físicas, a qual decorreria da avaliação anterior pelo ... a que não tiveram acesso. Quanto à entrevista à mãe da assistente refere que a mesma e o pai conviviam semanalmente com a mesma e o seu testemunho foi recolhido no sentido de aferir da consistência do seu relato. Na primeira infância, até 3 anos não existiam sintomas de depressão major. Na segunda infância, entre os 4 e a adolescência 10 anos existiu uma tentativa de suicídio e de comportamentos autolesivos, que pensa que estão referidos no relatório da pedopsiquiatra e que existe registo clínico. Não se recorda de ter tido acesso ao registo de pedopsiquiatria, mas recorda-se da mãe ter feito menção a uma ida a uma urgência, aos 14 anos. Por outro lado, existem sinais de sofrimento psicológico antes dessa tentativa de suicídio: tratava-se de uma criança que se isolava socialmente, que chorava, pedia desesperadamente aos pais para ir para casa deles, trancava as portas, dores de barriga, dores de cabeça, chumbou, com muitos sintomas de mau estar. As menções que são feitas a propósito das tentativas de suicídio são feitas com base nos relatos de familiares, nomeadamente da mãe e do relatório da médica pedopsiquiatra que corrobora essa informação a que se refere a fls. 141, ponto 13.1. do relatório, não tendo informação que a subscritora, a Dra. SS, desse relatório tenha feito apenas uma única consulta, pensa que existia mais do que uma consulta porque ela fez menção de que se tratava de uma jovem que ela acompanhava. Quando se fazem informações acerca de uma jovem que apenas se viu uma vez fazem essa menção. Existem diversos instrumentos de avaliação psicológica, optaram por um protocolo que é tido como critério mais apropriado para integrar os protocolos de abuso sexual. As outras experiências que poderão ser traumáticas para a ofendida (designadamente o abandono dos pais, abandono do avô, morte do pai) não foram tidos em consideração porque não eram o âmbito do quesito não têm avaliação específica destes pontos. A credibilidade foi avaliada através de um protocolo de avaliação da credibilidade usado internacionalmente não sendo apenas baseado na sua perceção na avaliação deste tipo de situações. Quanto à falta de aplicação de escalas de sugestionabilidade e processos criativos de pautas de memórias, tendo em conta a circunstancia da mãe e da tia terem relatado situações abusivas: não lhes foi dado conta disso, mas esses relatos terão sido posteriores ao relato da BB e esta antes de fazer o seu próprio relato não tinha a história dos relatos de outras pessoas e não podia ter sido influenciado por estes. Foi avaliada no protocolo de credibilidade e foi avaliada em outros instrumentos de avaliação psicológica, nomeadamente na escala de ansiedade. A recordação parcial para eventos precoces é compatível com a forma como emergem as memórias nessa idade, seria menos credível se fosse muito certinho, com muitos pormenores, muito lógico, o facto de serem pouco estruturados, oferecerem pormenores pouco óbvios é compatível com vítimas de abuso sexual em idades muito precoces. Os factos relatados tem se ser valorados em função dos demais pormenores que são dados, por exemplo se forem acompanhados de determinadas rotinas. Os relatos que a ofendida que fez foi a partir dos quatro anos. A sintomatologia apresentada pela BB (depressão, ansiedade, irritabilidade) não é especifica das vítimas de abuso sexual mas é comum nestas situações. É possível, com base na metodologia utilizada, afirmar que alguém é vítima de abuso. Quanto ao quesito da avaliação da propensão para relatar factos inverídicos, foi avaliada a personalidade e a credibilidade de todos os relatos, o que permitiu concluir que todos os relatos são muito provavelmente credíveis. Para a avaliação da personalidade métodos projetivos neste momento não estão preconizados como boas praticas no contexto da avaliação pericial. As entrevistas clínicas foram realizadas por si e pela Dra. HH e esteve em quatro momento: três entrevistas de avaliação em conjunto, duas à menor e uma à progenitora e uma sessão de avaliação psicológica. Os protocolos de entrevista são muito bem estruturados e a abundância de detalhes é um indício de credibilidade da declaração e não o contrário. É natural haver abundância de detalhes nestas circunstâncias. Quando há relatos à criança sobre a temática do abuso antes dos 4 anos (alguém mexeu, não deixes ninguém mexer), pensa que isso não teria influência para que esse facto fosse recordado como verdadeiro pela criança, porque senão não fariam sentido essas práticas no sentido de evitar o abuso. Foi na sequência do seu relato que as outras pessoas lhe contaram das suas experiências e dos abusos que sofreram.
- Os esclarecimentos prestados pela perita médica HH, médica pedopsiquiatra no ..., qual esclareceu que os elementos clínicos tido em consideração para elaboração do estudo e analise são os sintomas que a jovem apresenta e que se detém na forma como os factos são relatados; os sintomas que colhem a jovem naquele momento. No exame do estado mental, objetivamente e clinicamente a ofendida tinha uma expressão emocional muito congruente, demonstrou ansiedade à sua frente, em momentos diferentes e era difícil voltar ao estado emocional basal; a sintomatologia para tras foi relatada pela jovem, em duas entrevistas e na entrevista com a mãe (disse coisas importantes, sempre que estava em casa da avó e do avô fechava-se no quarto), por outro lado trata-se de uma miúda com boas competências cognitivas que chumbou, tiveram acesso ao relatório clinico da pedopsiquiatra, n.º 13. Se falarmos de um sintoma (baixa-autoestima), foi credível serem muitos sintomas relatados desde idades precoces. Quando a comportamentos autolesivos, a ofendida disse que se queimava. As suas conclusões basearam-se nos relatos e em objetivação do exame mental, tinha uma expressão afetiva muito congruente, à sua frente viram alguns sintomas, até sintomatologia física. O facto de ter ficado sem ligação direta aos pais biológicos, caso os avós fossem competentes não implicava esta quantidade de sintomas. Do relato da BB a saída do avô foi um alívio, não sentiram que se tratasse de um trauma, ela negou-se a estar com o avô. E muito comum haver ambivalência numa criança, não a admira que tivesse pedido ao avô para ficar porque a avó ficou perturbada.
- Foram ainda tomados esclarecimentos à assistente BB, a qual, declarou, em síntese, que sabe que foi para casa dos avós paternos, o arguido e a avó CC aos dois anos e meio, embora não se lembre disso. Quando vivia com os seus avós via os pais quase todos aos fim-de-semana e passava férias com pais. Normalmente iam para o parque de campismo e ficava lá a família, era raro ir só com os seus pais e os seus irmãos, mas era raro, embora tenha chegado a acontecer. Confirma que tinha oito anos quando o seu avô saiu de casa. Tem memórias em que a que a avó ia trabalhar e que ela ficava sozinha com ele em casa, tomava o pequeno almoço. Confrontada com as declarações da sua avó de acordo com as quais era ela que a acordava, que a vestia e que a deixava sempre pronta afirma que essa rotina era frequente mas que havia dias em que ela ia trabalhar e o arguido é que ficava em casa, a acordava, levava-a para o quarto. Pode ter acontecido quando o arguido ficava em casa de baixa, tem memória que era nessa altura que ocorriam mais abusos. Tem a certeza que aconteceu alguma coisa antes de ir para a escola primária, aos 4 ou 5 anos. Nesse período, tinha a rotina normal, acordava e quando a sua avó não estava em casa ele tomava a sua posse e acordava-a, levava-a para a cama dele e depois ocorriam os abusos. Neste momento a depoente emocionou-se e questionada se sentia algum constrangimento em falar na presença do arguido, referiu que não. Afirmou que, nesse período, os abusos ocorreram pelo menos 4 ou 5 vezes. Quem a deixava na ama, antes de ir para a escola primária, ambos a levavam para a ama, havia vezes em que só a levava o arguido. Pensa que a sua avó refere que a acordava sempre e tratava de si mesmo quando a deixava com o seu avô, porque essa era a rotina normal e estas situações não eram a sua rotina normal. Não sabe se o arguido entrava mais tarde. Lembra-se que antes de ir para a escola também ocorriam os abusos. Quanto à regularidade com que consegue recordar que estas situações ocorriam, afirma que, durante a semana, duas ou três vezes, a partir do momento em que entrou na primária. Recorda-se perfeitamente que, pelo menos duas vezes por semana era. Aos fim-de-semana não acontecia. Só a parte da arrecadação, mas isso era raro. Na arrecadação foi para ir buscar o presépio e outra uma bicicleta. Quando ia com o avô para o Colégio, chegava a almoçar no colégio com os outros meninos. Havia vezes em que ia com os meninos para a praia (ficava numa rodinha), mas havia vezes em que o arguido a chamava para ficar dentro do autocarro, em que ele lhe pedia para ficar dentro do autocarro, ficava na zona dos bancos do fundo, onde ele tirava a sua pausa, ela tirava
• seu lanche, uma sandes ou uma maçã e tomava o lanche ali. O almoço era na escola. Não sabe durante quanto tempo é que frequentou a colónia de férias, se foi antes ou depois da primária, não sabe quantos anos. O seu avô terá dito para ficar dentro do autocarro umas 3 vezes. Só se recorda de ir para a autocaravana nas férias de verão. Era raro os pais irem visitar ao parque de campismo, se fosse era um fim-de-semana ou dias e ficavam la a dormir, não se recorda se ficavam na autocaravana ou fora. Ela dormia na cama de cima. A cama de casal era em baixo e era onde os avós dormiam os dois. Essa foi aquela situação em que ela estava cá em baixo, ele estava em cima e chamou-a lá para cima. Não era como a avó dizia, ela é que dormia lá em cima. Numa ocasião ele já estava lá em cima e chamou-a lá para cima. O seu avô não ficava lá em cima, descia. No verão terão acontecido umas duas situações de abusos. Confrontada com fls. 550 verso, 551 e 552 declarou ter sido ela a fazer os desenhos, na altura em que o seu avô saiu de casa. Quando ele saiu de casa sentiu alívio, mas por outro lado sentiu bastante pena da sua avó, porque viu como ela ficou. Não foi fácil para ela cuidar de si sozinha, viu-a chorar bastante e nunca a tinha visto chorar até ele sair de casa. Entregou os desenhos pessoalmente ao arguido, mas cada vez que ele a convidava ela dizia que não. As pessoas questionavam porque não ia passar férias com seu avô e a sua desculpa era porque não lhe apetecia e de certa forma fazia os desenhos para passar despercebida, dava a ele para a sua avó se sentir melhor para a sua avó ver. Assentiu quando questionada se tomou as dores da sua avó. Quando contou acerca dos abusos ainda não tinha conhecimento dos abusos a que a sua tia
tinha sido sujeita, só soube quando contou as coisas a sua mãe. Quando o seu pai faleceu já tinha contado a situação à sua mãe. O episódio da arrecadação nunca foi mencionado nas declarações para memória futura. No que respeita ao episódio da autocaravana, tem a certeza que foram duas vezes. A segunda vez foi cá em baixo, tinha o biquíni vestido, estava pronta para ir para a praia e foram apalpões nas nádegas e nas pernas. A outra vez que se recorda foi na cama de cima. Não se recorda que idade tinha. Ficou zangada com o avô quando ele saiu de casa. Atualmente sente nojo do seu avô. Hoje em dia sente-se aliviada com a saída do seu avô, quer para si quer para a sua avó. Ficou zangada com a situação em si. Ficou zangada quanto a sua avó porque ela é uma mulher que não merece. Quando ficava no autocarro porque o avô lhe dizia, se pudesse escolher escolhia ir com o grupo. Era uma ordem do seu avô.
*
Apreciando.
No que se refere à data de nascimento da ofendida e à sua filiação – ponto 1) - o Tribunal teve em consideração o teor da certidão de assento de nascimento de BB constante de fls. 11/12.
Os factos a que se referem os pontos 2), 3), 4), 5) e 6) são genericamente reconhecidos pelo próprio arguido, não sendo controvertidos.
No que se refere à factualidade inscrita nos pontos 7) a 19), a convicção do Tribunal emergiu da análise criteriosa da globalidade da prova produzida e examinada em audiência, tendo como ponto de partida as declarações para memória futura prestadas pela assistente BB em .../.../2021, complementadas pelos esclarecimentos pela mesma prestados em audiência de discussão e julgamento.
Com efeito, BB, num registo caracterizado por um sofrimento ainda hoje patente, descreveu de forma convicta e credível os abusos de que foi vítima por parte do arguido, afirmando, de forma segura, que os mesmos tiveram lugar em casa dos avós, durante a semana, no período da manhã, quando era o arguido a levá-la à escola; na autocaravana onde passou férias com os avós, em pelo menos duas ocasiões e ainda no autocarro que o arguido conduzia para transportar as crianças à praia no Colégio onde trabalhava.
No entender do Tribunal o relato da ofendida apresentou diversos indícios de veracidade, designadamente na descrição do contexto em que se davam os contactos de natureza íntima, explicado com detalhe (na cama dos avós, para onde o arguido a levava, as zonas do corpo onde era tocada pelo arguido e onde ela tocava, as ocasiões em que ejaculou), nos pormenores que apresentou (designadamente quanto às situações de abuso na autocaravana, quanto ao local onde se encontrava a arma do arguido), utilizando afetos apropriados à situação (designadamente quando mencionou os abusos que tinham lugar em casa dos avós, notou-se claramente que choro da ofendida é involuntário); expressando sentimentos de repugnância quando se refere ao arguido e referindo-se também ao receio que anteriormente sentia, pelo facto de ser uma figura de autoridade (tinha exercido funções como militar da ...) e ter uma arma guardada na gaveta.
A credibilidade das declarações da ofendida foi reforçada pelo teor do relatório de avaliação psicológica elaborado por uma psicóloga clínica e uma médica pedopsiquiatra do ..., em .../.../2021 (cfr. fls. 126 a 149), no âmbito do qual foram dadas as seguintes respostas aos quesitos colocados:
“l - “apurar da existência de sinais (quais?) de ocorrência de abuso sexual por parte do seu avô paterno”
Segundo a literatura, as vítimas de abuso sexual apresentam maior risco de evidenciar perturbações psiquiátricas. Está descrita a emergência de sintomatologia depressiva, ansiosa,
alterações no padrão de sono e alimentação, problemas escolares, perturbações do comportamento, consumos de substâncias e dificuldades no relacionamento interpessoal como possíveis efeitos de abuso sexual e estão presentes na BB, desde a segunda infância.
Na adolescência são relatados, em casos de abuso sexual, maior ocorrência de sintomas depressivos e ansiosos, automutilação e ideação e comportamentos suicidas, ativação emocional revelados, também, pela BB, mãe e pedopsiquiatra assistente.
As raparigas abusadas sexualmente apresentam mais tipicamente sintomas de ansiedade, ideação suicida e perturbações alimentares, como neste caso. Além disto, estão reportados em casos de abuso sexual a existência de hiperactivação emocional, baixa auto-estima, culpa e em relação à possibilidade de revelação, medo de não ser acreditadas e medo de serem punidas, sentimentos, segundo a BB, presentes desde idade precoce. '
A longo prazo está descrita nas vítima de abuso sexual uma dificuldade em estabelecer relações de confiança, associadas ao medo face a uma relação de maior intimidade. Na BB este ponto existe na relação com os amigos, embora não esteja presente na relação com a mãe e o namorado. A BB apresentava algumas características, na infância, que constituem factores de risco para a ocorrência de abuso sexual, segundo a literatura, nomeadamente, ser pouco supervisionada por adultos, ter poucos amigos, ter pouco dinheiro (os pais da BB apresentavam alguma dependência económica do avô), não estar inserida em grupos recreativos ou de desporto. No que toca ao alegado agressor, tipicamente é alguém que se introduz de forma consistente na vida da criança e satisfaz as suas necessidades, tem controlo sobre a criança e isola a criança do meio envolvente, factos compatíveis com a relação entre a BB e o avô paterno, que era a par da avó, o cuidador da BB, residindo com a mesma e estando, em momentos diários, a sós com esta. O nexo de causalidade entre estes factores de risco e sintomas e a existência de abuso sexual é, naturalmente, parcial, dado que poderão existir estes dados em criança e adultos não vítimas de abuso. No entanto, no que toca ao caso da BB, estão presentes, desde a segunda infância, ao longo da adolescência e até agora, muitos dos sinais apontados na literatura, como possíveis consequências de abuso sexual.
2- “da propensão da jovem para relatar factos inverídicas (com vista a determinar o grau de credibilidade do seu depoimento), uma vez que o arguido não admitiu os factos”.
O conteúdo do relato da BB foi sujeito a uma análise qualitativa, tendo como base os critérios apontados pela literatura científica como indicadores de maior credibilidade.
Salienta-se que os relatos, em contexto de perícia, foram consistentes com as declarações prestadas pela jovem, no âmbito deste processo.
No que toca às características gerais das declarações, considera-se que as descrições apresentam globalmente uma estrutura lógica, com declarações coerentes e plausíveis, tendo sido relatadas de forma espontânea, com recurso, maioritariamente, a questões abertas, não diretivas. O discurso apresenta momentos de descontinuidade, com digressões temporais e sequências não cronológicas, como é esperado num relato espontâneo. Ao longo do relato, existe uma contextualização do abuso sexual no que toca a locais, horas do dia, idade da jovem e forma como os factos se repercutiram na sua história biográfica. O discurso, contém detalhes que permitem uma maior compreensão da situação de abuso, tais como a existência de uma arma na gaveta, o que inibia a revelação do abuso, por existir receio das consequências negativas para a sua família; o facto de o abuso sexual ocorrer, tipicamente, de manhã, antes do avô a vestir ou a descrição dos vários locais onde decorreu. A abundância de detalhes é um indício de credibilidade numa declaração. Além destes, são ainda encontrados, detalhes periféricos nas declarações da BB, tais como ir tomar pequeno almoço após o abuso ou ir à arrecadação à procura do presépio. Nas falsas declarações é pouco provável encontrar-se detalhes supérfluos, dado não serem centrais para a acusação. Ao longo das declarações, a BB reproduz interacções e conversações entre si e o avô, bem como outras pessoas: “Dizia despacha-te para ires para a escola”; “Dizia beija-me lá em baixo.”; “Não dormem, é muito carinho ai em cima.”; “Gostas tanto dele não queres ir?”. Salienta-se, ainda, uma situação em que existiu interrupção inesperada do abuso pelo facto da avó ter ouvido barulho, na autocaravana. A presença de relatos de interações, verbalizações do próprio ou terceiros, bem como relatos de complicações durante o abuso que levam à sua interrupção, são descritos como critérios que aumentam a credibilidade de uma declaração. A BB descreve, em diversos momentos do relato, de forma espontânea, o seu próprio estado mental, os seus sentimentos e cognições: “Cada vez que me lembro dessa parte tenho nojo, mete-me nervos”, “Sempre com medo da arma”, “Ás vezes fmgia que estava a dormir”, “Sempre tratou & minha mãe como filha e podiam não acreditar em mim”, “Hoje sinto vontade de vomitar”. Estas verbalizações conferem ao seu relato um carácter único e vivido, aumentando a credibilidade do mesmo.
Ao longo do discurso da BB existem momentos em que corrige espontaneamente o seu discurso, “existe um ponto que não falei antes”, de forma a tornar mais precisas as suas declarações e admite não se lembrar de alguns aspectos de forma contínua ou ter dúvidas em alguns aspectos “Fui crescendo e fui lembrando”. Nas falsas declarações, procura-se dar uma boa imagem, pelo que estas verbalizações não são tão comuns. A jovem demonstra, nas suas declarações, desaprovação em relação à sua conduta. “Custa—me não ter contado logo, sinto-me mal porque podia ter evitado isto tudo”, “Sentia culpa de não contar a ninguém.” Como descrito na literatura, a existência de pormenores auto-incriminatórios e de culpa aumentam a credibilidade de um relato, sendo menos prováveis num falso testemunho.
Salienta-se que as entrevistas decorrerem com um maior recurso a questões abertas, não diretivas ou sugestivas, tendo o relato dos abusos sexuais, ocorrido de forma maioritariamente espontânea. A BB demonstrou ao longo das entrevistas, um uso adequado da linguagem, compatível com o seu desenvolvimento cognitivo e afetivo e um discurso com pausas, interrupções e hesitações normativas. A expressividade emocional foi apropriada face ao discurso e acontecimentos relatados. Não apurámos, ao longo do seu discurso, sinais de sugestionabilidade, como a suscetibilidade para alterar o seu discurso de acordo com as questões colocadas ou a formulação de questões à procura de obter informações do observador. A jovem realizou a alegação original no contexto de uma discussão com a mãe e revelou, de seguida, ao pai. Ambos ficaram surpreendidos, mas acreditaram nas declarações da BB. Desde esse momento, a família deixou de ter contacto com o alegado agressor. Salienta-se que existiu agravamento da sintomatologia psiquiátrica descrita, após a revelação. Não se encontraram, ao longo do discurso da jovem, motivos para uma falsa declaração ou indicadores que sugiram a existência de influência ou pressão para relatar factos não verídicos. Face ao exposto, conclui-se que as declarações da BB apresentam muitos critérios, descritos pela literatura científica, como indicadores de credibilidade, pelo que se considera tratar-se de um relato muito provavelmente credível.”
Por conseguinte, resulta das conclusões do exame pericial de avaliação psicológica realizado à ofendida que a mesma não só apresenta diversos sintomas que evidenciam tratar-se de possíveis consequências de abuso sexual (sintomatologia depressiva, ansiosa, alterações de sono e alimentação, ideação suicida, problemas escolares, perturbações do comportamento, consumos de substancias e dificuldades de relacionamento interpessoal) como também o conteúdo do seu relato revela indicadores de credibilidade (pela sua espontaneidade, plausibilidade e coerência, abundância de detalhes, assim como momentos de descontinuidade, digressões temporais, sequencias não cronológicas, expetáveis num relato espontâneo).
Acresce que, nos esclarecimentos que prestaram em audiência de discussão e julgamento, as peritas subscritoras do aludido relatório reiteraram as sobreditas conclusões, referindo que a credibilidade do relato da ofendida foi avaliada através de um protocolo de avaliação (usado internacionalmente), não se baseando na sua mera perceção na avaliação deste tipo de situações.
De resto, o teor do relatório pericial de avaliação psicológica da ofendida e bem assim os esclarecimentos prestados pelas peritas médicas subscritoras do mesmo evidenciam que, efetivamente, para além da qualidade dos relatos produzidos pela ofendida, foi realizada uma avaliação, baseada em instrumentos credenciados, que permitiu validar alguns dos sintomas pelas mesmas observados na ofendida (cfr. ponto 12, a fls. 139 a 141), tais como o seu estado frequente de tensão, preocupação e ansiedade; problemas de sono; irrequietude; um estilo de personalidade baseado na introversão e pessimismo, revelando preocupações e pensamentos associados à tristeza, inadequação, culpa, redução de autoeficácia, o que condiciona a sua integração no grupo de pares e o estabelecimento de vínculos com os outros, falta de esperança, visão negativa do futuro, numa tendência claramente depressiva e propensão para a impulsividade e a inclinação para o abuso de substâncias como estratégias para fazer face ao sofrimento emocional.
Do exposto resulta que tais elementos de prova apontam no sentido da veracidade do relato da ofendida, sendo ainda de salientar, atentando no teor da comunicação que deu origem aos presentes autos (cfr. auto de denuncia de fls. 3), que não foi BB a desencadear voluntariamente a investigação, antes esta teve origem na denúncia da sua mãe, KK, a qual teve conhecimento destes factos na sequência da ofendida se ter recusado a aceitar o convite do arguido para passar férias com ele, o que provocou, depois de muita insistência da progenitora, a sua revelação.
Por outro lado, dos depoimentos prestados decorre que a revelação da ofendida à sua mãe não foi precedida por qualquer facto que desencadeasse uma reação de desforço contra o arguido, tudo indicando que, efetivamente, esta confidenciou os factos à progenitora no sentido de justificar o motivo pelo qual não pretendia estar na companhia do arguido.
A credibilidade das declarações da ofendida BB também não foi abalada, no entender do Tribunal, por outros meios de prova que foram juntos aos autos pelo arguido, designadamente os desenhos que a mesma confirmou serem da sua autoria e reproduzidos de fls. 550 verso a 552, na medida em que terão sido elaborados quando o arguido saiu da residência conjugal, quando a ofendida tinha oito anos de idade, pretendendo corresponder ao desejo da sua avó, EE, de que o arguido regressasse a casa, o que a levou a uma posição de ambivalência relativamente à saída do arguido, também sentida com grande alívio, conforme teve ocasião de esclarecer a médica pedopsiquiatra HH que considerou este comportamento ambivalente da ofendida perfeitamente adequado a estas circunstâncias.
Igualmente não resultou abalado pelas declarações prestadas por outras testemunhas (designadamente a testemunha GG, que à data se relacionava com o casal e afirmou convictamente não ter detetado quaisquer sinais de abuso), na medida em que os comportamentos a que se referiu a ofendida não poderiam ser pelas mesmas observados, sendo certo que não o poderiam percecionar pela conduta social da ofendida que, como é manifesto e habitual neste tipo de casos, não apresenta sinais evidentes e percetíveis por um terceiro de uma situação abusiva.
Por outro lado, resultou das declarações prestadas por EE, avó paterna da vítima, que pese embora tenha acompanhado de perto a vivência da ofendida (na medida em que era a sua principal cuidadora) e nunca tenha suspeitado de quaisquer abusos, ter existido uma relação de grande proximidade entre ela e o avô (que, em idade mais precoce, envolvia, por exemplo, a rotina do avô levar a ofendida a urinar antes dele se deitar, pelas 23:30 horas), facilitadora dos contactos a que a ofendida fez menção. Também mencionou, com relevo, a circunstância da ofendida, entre os seis e os oito anos de idade, se fechar no quarto, encontrando-a por vezes à beira da cama a chorar, não lhe revelando o motivo do choro. Na verdade, pese embora o depoimento de EE tenha deixado transparecer ainda alguma animosidade em relação ao arguido - decorrente sobretudo da circunstância do arguido ter abandonado o lar conjugal contra a sua vontade na sequência de uma relação extraconjugal que veio a assumir – certo é que, no que respeita ao relato da vivência em comum com a ofendida, a mesma denotou preocupação em responder da forma o mais fidedigna possível, explicando com detalhe o seu quotidiano e não dando sinais de sugestionabilidade, tanto mais que as suas declarações não são minimamente decalcáveis das declarações da ofendida.
Neste particular há a assinalar que, efetivamente, se observaram algumas incongruências entre os depoimentos da ofendida e de EE, tendo-se entendido que as mesmas se verificaram no âmbito de aspetos que não põem em causa o essencial dos mesmos, sendo absolutamente explicáveis pelo tempo decorrido, que esboroa naturalmente algumas das vivências do quotidiano que apenas muitos anos depois foram reavivadas e recordadas. Por outro lado, é evidente que a ofendida, por ter sido a vítima dos abusos, tem presente outras circunstâncias que a sua avó poderia não valorizar, tal como a alteração de alguma rotina muito frequente.
A este respeito importa salientar que a ofendida declarou, de forma consistente, firme e convicta, terem os abusos ocorrido, pelo menos, quando teria cinco ou seis anos de idade, no período da manhã, quando a sua avó saia mais cedo e o arguido a levava a escola, o que é corroborado por EE, que afirmou que o arguido chegou a ter essa incumbência e a levar a ofendida à escola, quando tinha dias de folga e no período em que o arguido esteve de baixa em casa, indo ela mais cedo para o trabalho de camioneta.
Neste particular desmereceram-se as declarações da testemunha CC no que respeita ao facto de ter afirmado, com grande segurança, que o arguido nunca levou a neta à ama ou à escola, por não ser verosímil que a mesma tivesse um conhecimento tão rigoroso, abrangendo todos os dias úteis em que a menor se deslocou à escola e relativamente a um lapso de tempo tão alargado (entre 2007 e 2011), sendo essas declarações contraditórias quer com as declarações da ofendida quer com as da sua avó EE. Por outro lado, entende-se que esta testemunha não poderia ter conhecimento das ocasiões em que o arguido levou a ofendida diretamente à escola, conforme tudo indica ter sido o caso na ocasião em que o arguido esteve de baixa médica.
Por outro lado, comprovou-se documentalmente (através do teor do extrato de remunerações declaradas à segurança social de fls. 594 e seguintes) e através dos esclarecimentos prestados pelo arguido em audiência que, no período compreendido entre ... e ... de 2010, o mesmo não se encontrava laboralmente ativo, por motivos de saúde, sendo que esteve alguns dias internado e alguns dias em casa, sem limitações de mobilidade. Reforçando ainda o teor desse meio de prova documental, foi junta aos autos, a requerimento do arguido, documentação clínica que atesta que o arguido foi sujeito a intervenção cirúrgica (hemicolectomia direita) no dia .../.../2010, tendo sido internado em cirurgia geral de .../.../2010 a .../.../2010, isto é, durante seis dias. Assim e conjugando tais elementos de prova documental, conclui-se que o arguido se encontrou de baixa médica desde .../.../2010 até .../.../2010, sendo que a partir de .../.../2010 regressou a casa, onde permaneceu até regressar ao trabalho.
Ora, pese embora o Tribunal não olvide que uma intervenção cirúrgica desta natureza implica algum período de convalescença e restrições, designadamente no que se refere à alimentação (mais restritiva), certo é que o arguido - conforme decorre desde logo dos registos clínicos juntos aos autos - não ficou, na decorrência da mesma, com limitações físicas, uma vez que já no dia .../.../2010 “deambulou pelo serviço” (cfr. informação clínica a fls. 631 e 637). O próprio arguido refere não ter ficado com qualquer limitação na sua mobilidade e as testemunhas EE, a então mulher do arguido e NN, filha do arguido, que acompanharam o mesmo no período de convalescença na residência, referiram que o arguido passados dois ou três dias de ter regressado a casa levantava-se, afirmando EE que o mesmo foi a conduzir para o hospital para “tirar os pontos” e NN que chegaram a fazer caminhadas a pé.
Acresce que EE afirmou, a este propósito, de forma inteiramente espontânea e credível, reiterando as declarações que anteriormente havia prestado que, durante este período em que o arguido permaneceu na residência, depois de uma primeira semana em que a filha NN a esteve a auxiliar, passou ele próprio a transportar a neta para a escola, uma vez que ela saia muito cedo de manhã, tendo de apanhar a camioneta pelas 6:00 horas.
Assim, em face desses elementos de prova foi possível ao Tribunal precisar temporalmente um período em que o arguido, efetivamente, permaneceu na residência, tendo oportunidade de transportar a ofendida, que já tinha seis anos de idade, nos dias úteis, ao seu estabelecimento de ensino, o que, perante as declarações da ofendida (que situa temporalmente os abusos com cinco ou seis anos) e da testemunha EE (que refere que o arguido transportava a ofendida à escola quando não ia trabalhar e especificamente nesse período de baixa) permite concluir, para além de toda a dúvida razoável, que os mesmos se verificaram, pelo menos, neste período.
No entanto, o Tribunal restringiu os abusos relatados pela ofendida a esse lapso temporal por não ter sido possível, através dos meios de prova produzidos e examinados em audiência, com a segurança que se impõe, determinar os outros momentos em que os mesmos tiveram lugar, sendo certo que a ofendida também não foi capaz de os delimitar temporalmente de forma precisa.
O Tribunal também não olvida que o arguido, no período em apreço (entre os quatro e os oito anos da ofendida, isto é, entre os anos de 2007 a 2011) exercia funções como motorista no “...”, conforme atesta (além do mais) a declaração constante de fls. 545, da qual igualmente resulta que o mesmo tinha um horário de trabalho entre as 7 e as 19 horas, nos dias úteis. Ora, embora tal não constitua impedimento a que o arguido tivesse outros dias úteis de folga (designadamente atendendo a amplitude do seu horário de trabalho), tal como é afirmado pela ofendida e pela sua então, mulher, EE, certo é que não permitiu ao Tribunal identificar outros momentos em que os abusos descritos pela ofendida tivessem lugar.
Por conseguinte, no que respeita à matéria dos pontos 7) a 11), atendeu o Tribunal aos sobreditos meios de prova, particularmente às declarações para memória futura prestadas pela ofendida BB quanto à natureza dos abusos e ainda quanto à circunstância de, em duas dessas ocasiões, na cama dos seus avós, o arguido ter ejaculado, o que permite concluir que, pelo menos, em três situações distintas o comportamento do arguido se repetiu.
No que respeita aos factos descritos nos pontos 15) e 16), os mesmos, para além de referidos pela ofendida, são reconhecidos pelo arguido.
A materialidade a que se reportam os pontos 17) a 18), reportada ao verão de 2010 decorre da ponderação das declarações para memória futura e dos esclarecimentos prestados pela ofendida em audiência, sendo que a mesma acaba por restringir os contactos de natureza sexual, na autocaravana, a uma situação ocorrida durante a noite, que consegue recordar com maior nitidez. Neste particular as suas declarações coincidem com as de EE a qual refere que o arguido dormia na cama de cima da autocaravana, sendo que, por vezes, chamava a ofendida para ir dormir com ele. O próprio arguido admitiu que dormia na cama de cima da autocaravana e que a ofendida ia dormir com ele, o que ele deixava. Por conseguinte, apesar da ofendida ter restringido o abuso a uma única ocasião, certo é que o arguido teve várias oportunidades para o concretizar, entendendo-se que, efetivamente, a ofendida limitou a sua descrição apenas à situação que pôde atestar, com inteira segurança, o que reforçou a credibilidade do seu depoimento.
Por outro lado, a natureza do contacto a que a ofendida se referiu apenas foi descrito pela mesma nas declarações para memória futura, como tendo sido abordada pelo arguido com um beijo, tendo o Tribunal concluído que se tratou de um beijo dado de forma lasciva, isto é, de índole sensual/sexual porque a mesma também refere nas suas declarações que a sua avó, EE, nessa ocasião, se apercebeu de alguma coisa entre eles e que o arguido disse para ela ficar calada e que “estava a dar beijinhos de boa noite”, no que a sua avó “acreditou” (cfr. fls. 267) assim se deduzindo que, na verdade o beijo dado pelo arguido não se tratou de um mero beijo fraternal.
Face à credibilidade que nos mereceram as declarações prestadas pela ofendida BB, forçoso se mostrou concluir que o arguido faltou à verdade nas declarações que prestou, negando tais factos.
Acresce que, apesar de toda a fé que as testemunhas II e GG afirmaram ter acerca da probidade do comportamento do arguido relativamente à ofendida, que referiram nunca ter demonstrado qualquer indício de ter sofrido abusos, certo é que nenhuma delas pode pôr em causa a veracidade dos factos pela mesma relatados, que não testemunharam, muito pelo contrário, confirmaram que, efetivamente, o arguido mantinha contacto regular com ela, tendo tido oportunidades várias e constantes para praticar os factos pela mesma descritos.
Finalmente, cumpre ainda notar que a ofendida não demonstrou em qualquer momento pretender obter qualquer vantagem económica através da denuncia apresentada, não tendo reclamado qualquer montante a título de indemnização pelos danos imateriais que lhe foram causados.
Assim sendo, avaliando e reputando o relato da ofendida como credível e verdadeiro, tendo presente os demais meios de prova produzidos, emergiu a convicção do Tribunal, para além de toda a dúvida razoável, acerca da positividade dos factos que se consideraram provados.
No que concerne à convicção acerca da atitude interior do arguido no cometimento dos factos – pontos 20) a 23) – é evidente que este não podia desconhecer a censurabilidade destes comportamentos, consciência que corresponde a um conhecimento que qualquer cidadão possui e que o arguido não podia deixar de ter, considerando a natureza dos factos que praticou, a sua forte censura ética e social, bem assim como a sua idade, escolaridade e experiência profissional.
O universo fáctico respeitante às condições pessoais do arguido – pontos 24) a 52) estribou-se no teor do relatório social do arguido, elaborado pela D.G.R.S.P. a solicitação do Tribunal, o qual foi submetido a contraditório em audiência de discussão e julgamento.
A ausência de antecedentes criminais do arguido foi atestada pelo teor do seu Certificado de Registo Criminal.
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Quanto à materialidade negativamente ajuizada, cumpre referir que a resposta do Tribunal se deve a insuficiência dos meios de prova produzidos e examinados em audiência de discussão e julgamento, alguns dos quais permitem, efetivamente, pôr em causa algumas as declarações prestadas pela ofendida. A este propósito cumpre referir que, apesar de não se ter suscitado dúvidas a credibilidade do relato da ofendida, certo é que o mesmo, referindo-se a situações ocorridas aquando da infância da mesma, poderá apresentar algumas descontinuidades, o que, conforme é salientado no exame pericial de avaliação psicológica à mesma, lhe confere credibilidade e espontaneidade, não sendo de esperar que seja exato quanto ao tempo cronológico e, por esse motivo, não sendo possível extrair do mesmo um relato circunstanciado e suficientemente preciso como é necessário e exigido para assegurar as garantias de defesa do arguido.
Destarte, que respeita aos factos a que se reportam as alíneas a) a f), relativos aos abusos ocorridos na residência do arguido, para além de não ter sido descritos pela ofendida da forma inscrita na acusação (designadamente quanto à data precisa em que se iniciaram os abusos, quanto à sua ocorrência diária e quanto à sua natureza), também não resulta do depoimento da sua avó EE, que acompanhava o seu quotidiano, que o arguido tenha assumido a função, regularmente, de a acordar, vestir e levar à escola.
Os demais factos a que se reportam as alíneas g) a k) e n) a x) que se consideraram negativamente decorreram da falta de menção aos mesmos pela ofendida, nas declarações por si prestadas, não tendo os mesmos emergido de qualquer outro meio de prova.
A respeito da factualidade a que se reportam as alíneas l) e m) a descrição dos factos feita pela ofendida, nos esclarecimentos e nas declarações para memória futura é diversa daquela que consta do acervo acusatório, quer no que respeita ao momento em que os abusos tiveram lugar, quer quanto à natureza dos abusos (a este propósito, nas declarações para memória futura, a ofendida refere que “Depois os meninos iam para a praia, ele pedia-me para ficar até para almoçar com ele, que ele trazia almoço de casa”. Relativamente a estes factos, a ofendida não consegue circunstanciá-los temporalmente e a sua descrição não é clara, quer referindo-se ao almoço do avô, quer ao seu lanche, ficando por esclarecer, com o rigor necessário, em que período temporal tiveram lugar os abusos, motivo pelo qual forçoso se mostrou dar como não provada a factualidade que vinha imputada ao arguido na acusação a respeito destes factos.
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A questão colocada à consideração deste Tribunal prende-se, essencialmente, com a impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP, embora por reporte a essa mesma impugnação, o arguido coloque questões relativas a valoração da prova pericial, princípio da presunção da inocência e da livre apreciação da prova, invocando a inconstitucionalidade dos artigos 127º, 131º, n.ºs 2 e 3, 163º, n.º 1 do CPP e 371º do CC.
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O arguido insurge-se contra a matéria de facto provada, aludindo aos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, mormente os contidos nos números 7 a 19.
Alega o arguido que o tribunal errou ao dar como provados os factos 8, 9, 10 e 11 porque ele negou os factos e o único meio de prova são as declarações da ofendida.
Ora, tal asserção nem sequer é compatível com o estatuto do arguido, o qual não está obrigado a responder com verdade, ao contrário da ofendida.
O tribunal pode e deve, como fez, valorar o depoimento da ofendida, em detrimento das declarações do arguido. Não se descortina o porquê do arguido invocar a superioridade das suas declarações em confronto com as da vítima.
Mais alega o arguido que o tribunal assentou a sua convicção quanto a estes factos numa presunção judicial, presumindo todos os factos essenciais (????) e que utilizou essa presunção em detrimento do princípio da presunção da inocência.
O Tribunal não assentou a sua convicção em presunções, mas sim nas declarações da vítima, que reputou credíveis, pelos motivos que apontou e descreveu circunstanciadamente como transparecer do excerto que se transcreve: No que se refere à factualidade inscrita nos pontos 7) a 19), a convicção do Tribunal emergiu da análise criteriosa da globalidade da prova produzida e examinada em audiência, tendo como ponto de partida as declarações para memória futura prestadas pela assistente BB em .../.../2021, complementadas pelos esclarecimentos pela mesma prestados em audiência de discussão e julgamento.
Com efeito, BB, num registo caracterizado por um sofrimento ainda hoje patente, descreveu de forma convicta e credível os abusos de que foi vítima por parte do arguido, afirmando, de forma segura, que os mesmos tiveram lugar em casa dos avós, durante a semana, no período da manhã, quando era o arguido a levá-la à escola; na autocaravana onde passou férias com os avós, em pelo menos duas ocasiões e ainda no autocarro que o arguido conduzia para transportar as crianças à praia no Colégio onde trabalhava.
No entender do Tribunal o relato da ofendida apresentou diversos indícios de veracidade, designadamente na descrição do contexto em que se davam os contactos de natureza íntima, explicado com detalhe (na cama dos avós, para onde o arguido a levava, as zonas do corpo onde era tocada pelo arguido e onde ela tocava, as ocasiões em que ejaculou), nos pormenores que apresentou (designadamente quanto às situações de abuso na autocaravana, quanto ao local onde se encontrava a arma do arguido), utilizando afetos apropriados à situação (designadamente quando mencionou os abusos que tinham lugar em casa dos avós, notou-se claramente que choro da ofendida é involuntário); expressando sentimentos de repugnância quando se refere ao arguido e referindo-se também ao receio que anteriormente sentia, pelo facto de ser uma figura de autoridade (tinha exercido funções como militar da ...) e ter uma arma guardada na gaveta.
A credibilidade das declarações da ofendida foi reforçada pelo teor do relatório de avaliação psicológica elaborado por uma psicóloga clínica e uma médica pedopsiquiatra do ..., em .../.../2021 (cfr. fls. 126 a 149), no âmbito do qual foram dadas as seguintes respostas aos quesitos colocados.
Quanto aos artigos 7º, 12º e 13º, pretendia o arguido que os depoimentos das testemunhas GG, CC e DD levassem o tribunal a concluir que o arguido, durante todos os anos em que viveu com a ofendida, nunca a levou a escola, nem nunca ficou com ela em casa sozinho, de tal modo que nunca podia ter praticado os abusos sexuais que ficaram descritos na matéria de facto provada.
O tribunal descreveu os depoimentos das testemunhas e explicitou os motivos pelos quais atribuiu, ou não, credibilidade às suas declarações, numa exposição bastante consistente, pormenorizada, sólida e coerente. Confrontou também o depoimento dessas e doutras testemunhas com as declarações prestadas pela ofendida e pela avó EE, concretizando de forma muito assertiva e contundente as ocasiões em que o arguido praticou os actos sexuais descritos pela ofendida, sendo, aliás, no mínimo insólito que o arguido pretenda fazer prova que não esteve a sós com a neta e que todos os dias, durante anos, nunca a levou a escola e/ou a preparou para isso e que pretende fazer essa prova através de declarações de pessoas que não viviam com a família e eram tão só colegas de trabalho e/ou amigos e conhecidos. As passagens que o arguido invoca e que transcreveu não têm essa virtualidade.
O arguido pretende ainda que o tribunal atribuiu valor de prova pericial objectiva ao relatório de avaliação psicológica da ofendida, subtraindo-o ao princípio da livre apreciação da prova e demitindo-se da sua função de apreciação das declarações da ofendida, atribuindo-lhe valor de prova tarifada e assim violando os princípios da presunção da inocência e da livre apreciação da prova, apelidando de inconstitucionais as normas dos artigos 131º, n.º2, 163, 127, todos do CPP e ainda o artigo 371º do CC.
Na verdade, conforme resulta da transcrição acima efectuada, o tribunal não só não valorou o relatório de avaliação da menor como prova pericial tarifada e desacompanhada de outras provas, como não deixou de atribuir valor às declarações da ofendida, escalpelizando-as e analisando-as ao pormenor, mesmo e até alertando para algumas incongruências e contradições no depoimento da jovem vítima, inclusive em confronto com as declarações da avó.
Conforme afirmou o MP, e bem, o tribunal a quo, não deixou de assinalar incongruências, omissões e contradições existentes nos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, nas declarações prestadas pela assistente (em dois momentos) e nas declarações prestadas pelo arguido, extraindo da análise das mesmas, as conclusões que tão bem explicou, permitindo a condenação do arguido sem que qualquer hesitação.
Como igualmente interpretou o relatório pericial realizado à assistente, conjugando-o com o teor das declarações desta e com os esclarecimentos prestados pela Perita.
Portanto, o tribunal verdadeiramente lançou mão do artigo 127.º, do Código de Processo Penal, de acordo com o qual: salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente e, sem, naturalmente, chegar a qualquer estado de dúvida que justificasse o funcionamento do princípio in dubio pro reo.
Não há qualquer erro na interpretação dos artigos 127º, 163º e 131ºdo CPP, nem tão pouco qualquer interpretação inconstitucional, desde logo, porque o tribunal não procedeu conforme o arguido diz que procedeu.
Mais acrescenta o arguido que o tribunal deveria ter valorado os desenhos da ofendida, os quais entregou ao arguido, e que constam de fls. 550 v a 552.
O tribunal apreciou criticamente essa prova e esclareceu os motivos pelos quais os mesmos não abalaram a credibilidade da ofendida, aludindo à posição ambivalente da mesma, que, por um lado, desejava corresponder ao desejo da avó que queria que o arguido regressasse a casa e, por outro, o seu próprio desejo de que o arguido não mais voltasse, sentindo grande alívio, conforme, aliás, esclareceu a pedopsiquiatra HH, que considerou este comportamento da ofendida, então com 8 anos, como perfeitamente adequado às circunstâncias.
O arguido ainda alude a que o tribunal teria julgado mal os artigos 7º a 19º por via dos relatório psicológico de fls. 566 a 567 realizado no ..., mas, na verdade, tal relatório nada acrescenta a este processo, mormente, no próprio relatório se diz que este tipo de perícias são habitualmente realizadas no INML dado que não têm dados, nem instrumentos que lhes permitam avaliar factos ocorridos há 17 anos, para concluir que o arguido não faz qualquer medicação do foro psiquiátrico e que do ponto de vista psicológico na actualidade (reportado a 2023) o arguido está assintomático não apurando a existência de psicopatologia significativa.
Não vislumbramos bem o que é que este relatório pudesse influenciar a prova ou a ausência dela relativamente aos factos 7 a 19.
Prosseguindo, diz ainda o arguido, a certa altura das suas conclusões que o Tribunal por despacho constante da acta de audiência de discussão e julgamento de 04-11-­2024 (rfª:162760336) indeferiu meios de prova requeridos pelo arguido na sequencia da comunicação da alteração não substancial de factos de 16-10-2024, e com isso violou os artigos 340º, 358 nº º 1 do CPP e 32 nº 5 da CRP ao não observar requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada (cfr. artigo 410º nº 3 do CPP) arguida no acto (audiência de julgamento de 04-02-2024 das 14:41 às 15:05, no segmento de gravação 7:20 a 12:50) (cfr. 120 nº 2 al. d) e artigo 120 nº 3 a), indeferimento com o qual o arguido não se conforma e do qual igualmente recorre.
Ainda que se compreenda mal o que pretende o arguido com a menção da nulidade invocada na sessão de 04.11.2024 e que então foi decidida, despacho do qual o arguido não recorreu, sempre se dirá que no artigo 358º do CPP apenas se exige que se comunique a alteração não substancial dos factos e se conceda à defesa prazo para preparação de defesa.
Efectivamente, o tribunal em 16.10.2024 comunicou a alteração não substancial dos factos ao arguido, que, em 28.10.2024 veio requerer um conjunto de diligências, as quais foram indeferidas por despacho proferido em audiência, concretamente em 04.11.2024.
Na sequência desse indeferimento, o arguido invocou a nulidade desse despacho, em audiência, vindo a Mma Juiz, também em audiência, a proferir o seguinte despacho:
Com respeito à nulidade ora invocada pelo arguido, importa salientar, que conforme flui dos termos e fundamentos do despacho relativamente ao qual a mesma é suscitada, o Tribunal entende que a produção de prova suplementar na decorrência da comunicação da alteração não substancial de factos e no exercício de direito da defesa do arguido, nos termos do art.º 358 do Código Processo Penal, se encontra sujeito à vinculação temática que decorre do objeto, concretizado nos factos que foram comunicados. A esta luz e tendo presente o teor da comunicação efetuada pelo Tribunal, a qual se trata de uma mera concretização fática da matéria que já vinha imputada ao arguido na acusação, não fere minimamente o exercício dos direitos de defesa legalmente previstos, a restrição realizada pelo Tribunal, a qual não exige patentemente a realização de novas perícias, nem a reinquirição da testemunha, que conforme já se aludiu, já veiculou ao Tribunal todo o seu conhecimento acerca da matéria em apreciação. Nestes termos, entende o Tribunal que o despacho proferido se encontra devidamente enquadrado no âmbito do exercício de direito de defesa que assiste ao arguido, não se mostrando verificada qualquer nulidade, designadamente a ora invocada pelo arguido.
Isto é, o tribunal decidiu ser improcedente a nulidade invocada e o arguido não recorreu de tal despacho, motivo pelo qual se esgotou o poder jurisdicional a este respeito.
O arguido faz alusão ao artigo 410º, n.º 3 do CPP mas não lhe assiste qualquer razão, parecendo-nos que interpreta este artigo como se fosse possível invocar qualquer nulidade em qualquer tempo.
Não se trata, neste caso, de uma nulidade da sentença que pudesse agora invocar, porque não está em causa o disposto no artigo 379º, n.º 1 alínea b) do CPP. Efectivamente, o tribunal cumpriu o que dispõe o artigo 358º do CPP no que concerne as formalidades decorrentes da comunicação de uma alteração não substancial de factos, isto é, comunicou-as e concedeu ao arguido prazo para defesa.
A circunstância de ter indeferido as provas que o arguido requereu não gera nulidade, dando origem a um despacho que é recorrível, mas, no caso, o arguido não recorreu dessa decisão e a questão está definitivamente ultrapassada.
Resumindo, o arguido impugnou a matéria de facto, mas sem sucesso e as inconstitucionalidades invocadas não têm qualquer cabimento, limitando-se a invocar sistematicamente a violação do artigo 32º, n.º2 da CRP, respeitante ao princípio da presunção da inocência e parecendo olvidar que se produziu um julgamento no qual foi produzida prova abundante e que a sentença que se lhe seguiu descreve toda a prova produzida e, mais do que isso, analisa criticamente essa prova, ficando o destinatário a conhecer as exactas razões pelas quais o tribunal considerou provados os factos elencados na motivação da decisão de facto.
Tendo sempre presente que no artigo 412º do CPP se revela que quando alguém põe em causa a matéria de facto deve indicar concretamente os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, cumpre, desde já, dizer que as provas mencionadas devem impor uma decisão diversa da que foi tomada, não se trata de permitir uma outra decisão, mas sim de ela ser imposta pela existência de provas que se mencionam.
Isto é, as provas de que o arguido se socorre para impugnar a decisão da matéria de facto têm que ser tão inequívocas como inabaláveis no sentido de imporem uma decisão diversa da que foi tomada.
Não se trata de existirem duas interpretações possíveis da prova produzida, tem que haver uma só, a do arguido, que se impõe pela sua evidência, pela sua certeza, pelo seu carácter inequívoco, e que obriga o Tribunal da Relação a revogar a decisão tomada pelo tribunal de primeira instância.
No caso, as provas a que o arguido alude foram tidas em consideração pelo tribunal, que as valorou no sentido descrito, não se detectando qualquer dúvida ou hesitação do tribunal, que de forma muito esclarecedora e escorreita esclareceu e revelou a sua convicção.
A livre convicção é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade, portanto, uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores (Cavaleiro de Ferreira, ob cit. P 11 e 27).
Neste sentido, o princípio que esse postula, como salienta Teresa Beleza o valor dos meios de prova … não está legalmente pré-estabelecido. Pelo menos tendencialmente, todas as provas valem o mesmo: o tribunal apreciá-las-á segundo a sua livre convicção.
O mesmo é dizer: a liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação dada pelo treino profissional, o saber de experiência feito e honesto estudo misturado ou na expressão feliz de Castanheira Neves, trata-se de uma liberdade para a objectividade. (RMP, ano 19, 40).
Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da Universidade Católica Editora, salienta que o princípio constitucional de livre apreciação da prova é direito constitucional concretizado e não viola a constituição da república, antes a concretiza (ac. TC n.º1165/96, reiterado pelo ac. N.º 464/97): A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão e das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitem ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efectiva motivação da decisão.
A Constituição da República e a Lei estabelecem limites endógenos e exógenos ao exercício do poder de livre apreciação da prova. Estes limites dizem respeito: ao grau de convicção requerido para a decisão, à proibição dos meios de prova, à observância do princípio do in dubio pró reo. Os três primeiros são limites endógenos ao exercício da apreciação da prova no sentido de que condicionam o próprio processo de formação da convicção e da descoberta da verdade material. O último é um limite exógeno, no sentido de que sentido de que condiciona o resultado da apreciação da prova.
O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis. Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
No caso dos autos, aquilo que o recorrente pretendia, era discutir a valoração da prova feita pelo Tribunal a quo, mas, conforme se descreveu acima, não se vislumbra qualquer erro de julgamento, muito pelo contrário, e não foram violados quaisquer preceitos legais e/ou constitucionais na apreciação da prova que foi feita.
O tribunal a quo, em face da inconsistência das declarações do arguido, valorou, além do mais, as declarações da vítima, que, aliás, não tinha qualquer motivo para mentir, nem se lhe vislumbrou qualquer razão para passados tantos anos se querer vingar do próprio avô.
Não se detecta sequer que o Tribunal tenha ficado com alguma dúvida sobre a factualidade que entendeu assente e que justificasse o recurso ao princípio do in dúbio pro reo.
O princípio in dubio pro reo, como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deve ser resolvido a favor deste. Afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal (cfr. Figueiredo Dias Dtº Processual Penal, pág 213).
Também não se verifica nenhum dos vícios a que alude o n.º 2 do artigo 410º do CPP.
Estatui o artigo 410º, n.º 2 do CPP que: mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum:
a. a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b. a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c. erro notório na apreciação da prova.
Através da consagração, no nº2 do artigo 410º do CPP, do recurso de revista alargada, o legislador pretendeu que o recurso de revista visasse, tal como preconizava a melhor doutrina, também a finalidade de obtenção de uma “decisão concretamente justa do caso, sem perder de vista o fim da uniformidade da jurisprudência” – Castanheira Neves, Questão de facto – questão de direito ou o problema metodológico da juridicidade, I Coimbra, 1967,p. 34 e seguintes.
Os vícios elencados no n.º 2 do artigo 410º do CPP têm de resultar do contexto factual inserido na decisão, por si, ou em confronto com as regras da experiência comum, ou seja, tais vícios apenas existirão quando uma pessoa média facilmente deles se dá conta.
Quanto a aquilo que seja o chamado erro notório na apreciação da prova, escreve Maria João Antunes, no seu Conhecimento dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2 do CPP, p. 120, que é de concluir por um erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo Tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no artigo 127º do CPP, quando afirma que a prova é apreciada segundo as regras da experiência.
Percorrida a decisão, não se vislumbram os vícios do artigo 410º do CPP. Na decisão estão explanados os factos que conduziram à decisão e a possibilitaram, não há qualquer contradição na fundamentação, nem tão pouco é notório qualquer erro na apreciação da prova. Nos factos provados e não provados nenhuma insuficiência se detecta.
Por outro lado, não há nenhuma contradição na matéria de facto, entre a matéria de facto e a respectiva motivação ou a qualificação jurídica dada.
Concluindo, não sendo procedente a impugnação da matéria de facto, não estando verificado nenhum dos vícios a que alude o n.º 2 do artigo 410º, do CPP, entendemos terem os Mmos Juízes a quo feito correcta interpretação dos factos e aplicação do direito e consequentemente, julgamos o recurso improcedente, confirmando na íntegra a decisão recorrida.
3. Decisão:
Assim, e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pelo arguido que se fixam em 4 UCS, sem prejuízo da isenção de que beneficie.
Notifique.

Lisboa, 21 de Maio de 2025
Cristina Isabel Henriques
Maria da Graça dos Santos Silva
Rosa Vasconcelos