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VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
DEVER DE AGIR
OMISSÃO
COMISSÃO
COMITENTE
Sumário
I. O dever de agir cujo incumprimento consubstancia a conduta omissiva penalmente relevante, tem de ter nos factos provados e na prova produzida o respectivo suporte. II. No caso concreto, não chega o dever de agir alicerçado em considerações gerais e abstractas sem a consideração concreta das circunstâncias que envolveram a actuação profissional dos arguidos. III. A entidade patronal do trabalhador pode não ser aquela onde as condições de trabalho e as condições de segurança se verificam. IV. A posição de “domínio” impendia sobre a recorrente (e não sobre a entidade patronal da vítima, que sobre o local do acidente não tinha qualquer relação), por ser quem tinha a obrigação de garantir a segurança onde a vítima se encontrava no exercício das suas funções. V. A relação de comissão pressuposta pelo art.º 500.º do Código Civil deve ser encarada de forma mais ampla do que aquela que surge definida no art.º 266.º do Código Comercial. VI. A responsabilidade do comitente traduz uma situação em que a responsabilidade é imputada a quem, aparentemente, nada teve que ver com a prática do facto danoso.
Texto Integral
Acordam os juízes que compõem a 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
Processo comum colectivo n.º 2105/15.4T9PDL
Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada – Juiz 3
I – Relatório
Em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, foram pronunciados (por remissão para os factos e enquadramento jurídico constantes da acusação) os arguidos:
AA (filho de BB e de CC, natural de... ..., nascido a .../.../1972, casado, ... e ..., residente no ...) em autoria material, na forma consumada e por omissão, pela prática de um crime de homicídio com negligência grosseira, previsto e punível pelos nºs 1 e 2 do artigo 10º e nº 2 do artigo 137º do Código Penal;
DD (filho de EE e de FF, natural de ..., nascido a .../.../1956, casado, aposentado, residente na ...), em autoria material, na forma consumada e por omissão, pela prática de um crime de homicídio negligente, previsto e punível pelos nºs 1 e 2 do artigo 10º e pelo nº 1 do artigo 137º do Código Penal;
GG (filho de HH e de II, natural de ..., nascido a .../.../1964, casado, ..., residente na ...), JJ (filha de KK e de LL, natural de ..., nascida a .../.../1976, casada, ..., residente na ...), MM (filho de NN e de OO, natural de ..., nascido a .../.../1976, solteiro, ... no trabalho, residente na ...) e PP (filho de QQ e de RR, natural de ..., nascido a .../.../1950, divorciado, ..., residente na ... 56, ...) pela prática, por parte de cada um destes quatro arguidos, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte, previsto e punível pelos nºs 1, 2 e 4, al. b) do artigo 152º-B do Código Penal, por referência ao artigo 16º, nº 2, alínea c), da Lei nº 102/2009, de ..., alterada pela Lei nº 2/..., de ...;
SS (pessoa coletiva com o NIPC ..., com sede na ..., legalmente representada por JJ), TT – (pessoa coletiva com o NIPC ..., com sede na ..., legalmente representada por JJ) e UU (pessoa coletiva com o NIPC ..., com sede na ..., legalmente representada por PP) pela prática, por parte de cada uma destas três arguidas, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte, previsto e punível pelo nº 1, alíneas a) e b) do nº 2 e nº 4 do artigo 11º e nºs 1, 2 e 4, alínea b) do artigo 152º-B do Código Penal, por referência ao artigo 16º, nº 2, alínea c) da Lei nº 102/2009, de 10 de setembro, alterada pela Lei nº 2/2014, de 28 de janeiro;
VV (filho de VV e de WW, natural de ..., nascido a .../.../1965, casado, ..., residente na ... Roque) em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte, previsto e punível pelos nºs 1, 2 e 4, alínea b) do artigo 152º-B do Código Penal, por referência ao artigo 73º-B, nº 1, alínea b) da Lei nº 102/2009, de ...; e
XX (pessoa coletiva com o NIPC ..., com sede na ..., legalmente representada por YY, filho de ZZ e de AAA, natural de ..., nascido a .../.../1977, casado, residente na ... ), em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte, previsto e punível pelo nº 1, alíneas a) e b) do nº 2 e nº 4 do artigo 11º e nºs 1, 2 e 4, alínea b) do artigo 152º-B do Código Penal, por referência ao artigo 73º-B, nº 1, alínea b) da Lei nº 102/2009, de 10 de setembro.
Os assistentes BBB, CC e CCC deduziram pedido de indemnização civil relativo aos factos constantes da acusação, no montante global de 230.000,00€, acrescido de juros de mora desde a notificação do pedido, tendo arrolado testemunhas.
DDD, deduziu acusação particular (rejeitada) e pedido de indemnização civil, peticionando a condenação solidária dos arguidos no pagamento de 88 279,97€, bem como das quantias pagas a título de pensões até à prolação da sentença e bem assim as que se vierem a vencer no futuro, a serem liquidadas em sede de execução de sentença, tudo acrescido de juros de mora.
Foi alterada a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação relativamente ao arguido DD para, em vez do crime de homicídio por negligência que lhe estava imputado, para um crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte, previsto e punível pelos nºs 1, 2 e 4, alínea b) do artigo 152.º-B do Código Penal, por referência ao artigo 16.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, alterada pela Lei n.º 2/2014, de 28 de janeiro.
Na sequência da audiência de discussão e julgamento, foi a seguinte a decisão proferida, que se transcreve: “Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo:
1. Absolver GG, JJ, MM e PP da prática de um crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte, previsto e punível pelos nºs 1, 2 e 4, al. b) do artigo 152º-B do Código Penal, por referência ao artigo 16º, nº 2, alínea c), da Lei nº 102/2009, de 10 de setembro, alterada pela Lei nº 2/2014, de 28 de janeiro;
2. Absolver TT, e UU, da prática um crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte, previsto e punível pelo nº 1, alíneas a) e b) do nº 2 e nº 4 do artigo 11º e nºs 1, 2 e 4, alínea b) do artigo 152º-B do Código Penal, por referência ao artigo 16º, nº 2, alínea c) da Lei nº 102/2009, de 10 de setembro, alterada pela Lei nº 2/2014, de 28 de janeiro;
3. Absolver VV da prática de um crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte, previsto e punível pelos nºs 1, 2 e 4, alínea b) do artigo 152º-B do Código Penal, por referência ao artigo 73º-B, nº 1, alínea b) da Lei nº 102/2009, de 10 de setembro;
4. Absolver a XX., da prática de um crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte, previsto e punível pelo nº 1, alíneas a) e b) do nº 2 e nº 4 do artigo 11º e nºs 1, 2 e 4, alínea b) do artigo 152º-B do Código Penal, por referência ao artigo 73º-B, nº 1, alínea b) da Lei nº 102/2009, de 10 de setembro;
5. Condenar AA pela prática de um crime de homicídio com negligência grosseira, por omissão, previsto e punido pelos artigos 10º e 137º, nº2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão,suspensa na sua execução por igual período de tempo;
6. Condenar DD pela prática de um crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte, previsto e punível pelos nºs 1, 2 e 4, alínea b) do artigo 152º-B do Código Penal, por referência ao artigo 16º, nº2, alínea c) da Lei nº 102/2009, de 10 de setembro, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo;
7. Condenar SS, pela prática de um crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte, previsto e punível pelo nº 1, alíneas a) e b) do nº 2 e nº 4 do artigo 11º e nºs 1, 2 e 4, alínea b) do artigo 152º-B do Código Penal, por referência ao artigo 16º, nº 2, alínea c) da Lei nº 102/2009, de 10 de setembro, alterada pela Lei nº 2/2014, de 28 de janeiro, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros), perfazendo o total de 75 000,00€ (setenta e cinco mil euros);
8. Condenar os arguidos AA, DD e SS no pagamento das custas processuais, que se fixam em 3 UCS para cada um dos arguidos (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal e 8º, nº5 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III Anexa) e honorários nos termos legais;
9. Julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado por BBB, CC e CCC e, em consequência, condenar os demandados AA, DD, SS e TT (absolvendo os restantes), a pagar:
a. A quantia de 100 000,00€ (cem mil euros) pela lesão do direito à vida de EEE;
b. A quantia de 60 000,00€ (sessenta mil euros), a título de danos não patrimoniais de BBB;
c. A quantia de 35 000,00€ (trinta e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais de CC;
d. A quantia de 35 000,00€ (trinta e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais de CCC;
e. Sendo todas as quantias acrescidas de juros de mora à taxa de 4% desde a data de notificação do pedido de indemnização civil:
10. Julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado por DDD, e, em consequência, condenar os demandados AA, DD, SS e TT (absolvendo os restantes), a pagar:
a. A quantia de 89.279,97€ (oitenta e nove mil duzentos e setenta e nove euros e noventa e sete cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a notificação do pedido de indemnização civil;
b. A pagar as quantias pagas, a título de pensões, na pendência do presente processo e bem assim as que se vierem a vencer no futuro, a serem liquidadas em sede de execução se sentença, acrescida dos juros de mora;
11. Custas cíveis de ambos os pedidos a cargo dos demandados AA, DD, SS e TT (artigo 527º do Código de Processo Civil). * Após trânsito em julgado:
• Boletins ao registo criminal.
• Emitam-se guias para pagamento da multa. * Notifique e proceda ao depósito (artigo 372º, nº5 do Código de Processo Penal). * Extraia cópia do presente acórdão e arquive em pasta própria. * ..., 5 de dezembro de 2024 […]”
II- Fundamentação de facto
Na decisão recorrida foram considerados provados e não provados os seguintes os factos:
1. “Factos Provados Em sede de audiência de julgamento, e com interesse para a causam, provou-se que:
1. O arguido AA trabalha para a empresa “SS” desde .../.../2005, exercendo funções de técnico de manutenção no “...”, sito na ..., cabendo-lhe a manutenção dos vários aparelhos existentes no referido hotel, nomeadamente os aparelhos de climatização e ar condicionado.
2. O arguido DD trabalha para a sociedade “SS” desde ... como responsável direto pela manutenção dos equipamentos e seus acessórios no “...”, tendo como funções fiscalizar e coordenar os serviços de manutenção.
3. O arguido GG trabalha para a sociedade “SS” desde ..., tendo a seu cargo a direção técnica da empresa e o departamento da manutenção e da segurança, higiene e saúde no trabalho da sociedade “TT”, cabendo-lhe implementar e fiscalizar os serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho no hotel referido.
4. A sociedade TT é proprietária do “...”.
5. Antes da celebração do contrato de manutenção entre a empresa “XX” e a “TT”, era o arguido AA, juntamente com outros funcionários da “SS”, quem realizava as tarefas de manutenção preventiva e corretiva dos aparelhos de climatização e ar condicionado no “...”, sob a direção do arguido DD.
6. Desde que AA exerce funções no “...” deslocou-se algumas vezes ao compartimento situado no 6.º piso do hotel onde se encontra a máquina UAP-Q (unidade extratora de ar dos quartos de banho do hotel), bem como uma courette técnica onde estão montadas condutas de climatização, courette técnica que se encontrava, à data dos factos, tapada, na parte não utilizada pelas referidas condutas de ar, por uma tábua de aglomerado de madeira prensada, pintada da mesma cor do pavimento (cinzento), sendo que a área não ocupada pelas condutas de ar permitia a passagem de um corpo humano.
7. Desde que iniciou as suas funções no hotel, AA sempre viu a referida courette técnica tapada com a referida placa de aglomerado de madeira prensada, tendo sido informado por EEE, antigo trabalhador do hotel, que aquele local era perigoso, com risco de queda.
8. Apesar de a courette técnica ser considerada um local com risco de queda em altura, GG, enquanto responsável na sociedade “TT” pela implementação das regras de higiene, segurança e saúde no trabalho no referido hotel, nunca se deslocou ao compartimento do 6.º piso para verificar e assinalar riscos e adotar medidas que prevenissem o risco detetado.
9. A sociedade UU, tem como objeto, entre outras atividades, a prestação de serviços no âmbito da segurança, higiene e saúde no trabalho.
10. A UU foi contratada pelo ... para prestar serviços externos no âmbito da segurança, higiene e saúde no trabalho, nomeadamente no “...”, sendo a responsável pela elaboração de relatórios sobre a identificação de perigos e avaliação de riscos no referido hotel.
11. O arguido MM, técnico superior de segurança no trabalho a quem incumbe organizar, desenvolver, coordenar e controlar as atividades de prevenção e proteção contra riscos profissionais no contexto dos serviços de segurança e saúde no trabalho, foi o funcionário designado pela “UU” para trabalhar no “...”, tendo este arguido elaborado os Planos de Identificação de Perigos e Avaliação de Riscos ao Processo de Trabalho do referido hotel de ...-...-2014, ...-...-2014, ...-...-2015, ...-...-2015 e ...-...-2015.
12. Do contrato celebrado com a sociedade a sociedade XX., resulta que as vistorias para manutenção dos equipamentos de climatização eram sempre acompanhadas por um técnico de manutenção do hotel.
13. AA foi designado para acompanhar o ofendido EEE, trabalhador e técnico da “XX” que iria proceder à vistoria e manutenção dos aparelhos de climatização e ar condicionado do “...”.
14. Depois de no dia ... de ... de 2015 EEE ter trabalhado nos pisos 2.º, 3.º, 4.º piso e cobertura do edifício do hotel, no dia ... de ... de 2015, pelas 15H00, AA e EEE deslocaram-se para o 6.º piso do edifício.
15. Após AA abrir a porta que dá acesso ao compartimento onde se encontra a máquina UAP-Q,
16. EEE deslocou-se para o lado contrário da máquina passando por cima da referida tábua de aglomerado de madeira prensada que ali tinha sido colocada para tapar a courette técnica utilizada para passar tubos dos aparelhos de climatização,
17. Tábua esta que, devido ao passar do tempo, uma vez que foi ali colocada há vários anos aquando da instalação do sistema de climatização por pessoa cuja identidade não foi possível apurar, não aguentou com o peso de EEE, partindo-se, e fazendo com que este caísse de uma altura de cerca de 22 metros de altura, do 6.º piso para o 2.º piso.
18. Em consequência da queda, EEE sofreu lesões torácico abdominais e outras feridas externas das quais resultou anemia aguda que lhe provocou a morte.
19. Enquanto responsável pela manutenção e consciente do perigo que a tábua de aglomerado de madeira constituía para quem por cima dela passasse, AA tinha o dever de chamar a atenção de DD e dos técnicos de higiene, saúde e segurança no trabalho para o estado da tábua ou prover pela sua substituição por uma tampa de material mais resistente, o que não fez e poderia ter evitado a queda e a morte de EEE.
20. Acresce que, conhecedor do perigo de queda que advinha de se andar por cima da placa de aglomerado de madeira, AA não avisou atempadamente o ofendido EEE de que não deveria andar por cima da referida tábua, o que provocou a queda do ofendido e, em consequência, as lesões de que adveio a sua morte.
21. O arguido AA apercebeu-se do perigo que consistia a placa de aglomerado de madeira e de que o caminhar por cima da mesma poderia levar a que esta se partisse com a consequente queda em altura da qual poderia resultar ferimentos graves ou mesmo a morte de alguém e, no entanto, não agiu em conformidade com essa perceção, avisando o ofendido, não se conformando, no entanto, com a morte do mesmo.
22. O arguido AA estava em condições de se aperceber de que a sua conduta era socialmente desvaliosa e criminalmente punível.
23. O arguido DD, enquanto responsável pela manutenção dos equipamentos do “...”, deveria, de acordo com as obrigações decorrentes do seu contrato de trabalho e das suas funções, ter efetuado uma vistoria a todos os equipamentos de climatização do hotel e seus acessórios, nomeadamente à máquina UAP-Q e à courette técnica por onde passavam os tubos ligados às máquinas de climatização do hotel, o que não fez, não lhe permitindo, desta feita, tomar conhecimento da existência da tábua de aglomerado de madeira prensada que tapava a courette técnica por onde caiu o ofendido.
24. O arguido DD estava em condições de cumprir o seu dever de vistoria aos equipamentos e seus acessórios do hotel bem como de se aperceber de que, não o fazendo, poderiam advir da sua conduta omissiva lesões para terceiros e que a sua conduta era socialmente desvaliosa e criminalmente punível.
25. Caso DD tivesse procedido à verificação da máquina e da courette técnica existente no compartimento do 6.º piso do hotel poderia ter-se apercebido da fragilidade da tábua que se partiu, ordenando a sua substituição por um material mais resistente, assim se evitando a queda em altura e a morte do ofendido.
26. A sociedade SS., representada pela presidente do conselho de administração JJ, não assegurou, através dos seus funcionários, a segurança do trabalhador EEE que trabalhava para a empresa “XX – Serviços de Engenharia e Manutenção, Lda.” quando aquele efetuava trabalhos nas suas instalações no “...”.
27. As situações de segurança, higiene e saúde no trabalho não constaram do contrato outorgado entre a “TT” e a “XX” e nunca foram tratadas em nenhuma das reuniões que antecederam o início dos trabalhos de EEE no “...”.
28. Os arguidos AA e DD agiram no interesse das sociedades “TT” e “SS”.
29. Posteriormente aos factos acima descritos, MM procedeu a uma vistoria a todo o edifício do “...”, tendo considerado o local dos factos como local com perigo de queda e encontrado outros locais em situação semelhante. * Do pedido de indemnização civil dos assistentes:
30. A demandante BBB era casada com a vítima, sendo que CC e CCC eram filhos do casal.
31. A demandante BBB era casada com a vítima desde 1998, mantendo um casamento feliz, com uma relação harmoniosa e de grande companheirismo, tanto que a vítima era pessoa alegre, sociável e de fácil convívio.
32. A morte de EEE causou na demandante BBB um enorme choque que se manifestou, designadamente, a nível de um imenso desgosto e sofrimento ao ponto de durante meses adormecer a chorar, ter conservado a aliança durante dois anos e meio e, inclusivamente, dificuldade em desfazer-se da roupa do marido, ainda hoje mantendo a sua fotografia na carteira.
33. A demandante BBB não tem família nos ..., o que fez crescer dentro de si uma enorme e compreensível apreensão de como no seu estado fragilizado, face à morte do marido, iria conseguir educar e dar o acompanhamento devido aos seus dois filhos.
34. Viu-se impossibilitada de trabalhar, tendo de entrar de baixa, e recorrendo a psicoterapeuta no âmbito do processo de luto.
35. Viu-se na necessidade, por indicação médica, de tomar medicação ansiolítica para conseguir conciliar minimamente o sono, sendo que este sofrimento ainda hoje se faz sentir na demandante agudizando-se nas épocas de natal, na data em que o marido comemoraria o aniversário e na época de férias, que habitualmente passavam em família.
36. Quanto ao filho CCC, o mesmo sofreu forte abalo psicológico com a morte do pai de quem era muito próximo, existindo entre ambos um grande amor e companheirismo recíproco.
37. O CCC entrou em estado de negação a ponto de não ir sequer ao funeral do pai.
38. Essa fortíssima perturbação psicológica fez com que o CCC perdesse o “norte” ao ponto de abandonar a escola e desinteressar-se da convivência com os amigos e companheiros, fechando-se em casa, revoltado, de modo que ainda hoje está sob rigoroso acompanhamento psicológico.
39. Continuando a padecer enorme sofrimento, desgosto e revolta, num luto que ainda não conseguiu superar.
40. A menor CC perguntava muitas vezes à mãe pelo pai, mostrando-se profundamente triste quando consciencializava a morte do mesmo, chorou e chora com frequência ao ver as fotografias do pai e sente muito a sua ausência.
41. Passou a ter medo de dormir sozinha e a partir daí durante cerca de dois a três anos teve que dormir com a mãe, sendo que acordava muitas vezes de noite com pesadelos e a perguntar pelo pai.
42. Entre os 22 metros que mediaram a queda até ao 2º piso, a vítima apercebeu-se que iria morrer.
43. O que naturalmente foi acompanhado de um medo muito intenso e receio pela possibilidade da perda da sua vida, o que veio a ocorrer.
44. Viveu momentos de perfeito horror, pânico, sofrimento, sentiu que não iria sobreviver, e não mais veria a família que tanto amava.
45. Tudo isto lhe provocou muita dor, medo, terror, angústia e desespero. (mais se provou – artigo 5º, nº2 do Código de Processo Civil):
46. EEE e BBB casaram-se a ... de ... de 1998.
47. EEE nasceu a .../.../1973. * Do pedido de indemnização civil da DDD:
48. No exercício da sua atividade de seguradora a demandante celebrou com a firma XX um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho por conta de outrem titulado pela apólice n.º ..., através do qual a firma XX transferiu a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para a assistente
49. EEE encontrava-se no exercício das suas funções, tendo a sua morte constituído um acidente de trabalho.
50. No âmbito do processo nº2466/15.5T8PDL, que correu termos no Tribunal de Trabalho de Ponta Delgada, a demandante foi condenada:
• a liquidar à viúva BBB, a pensão anual e vitalícia de 5 295,01€, até perfazer a idade de reforma por velhice e a de 7.060,02€ após aquela idade, pensão que há-de ser paga em prestações mensais de 1/14, adiantada e mensalmente, até ao terceiro dia de cada mês e com prestações suplementares de 1/14 cada, em ... e ... de cada ano, a título de subsídio de férias e de Natal;
• Aos beneficiários CCC e CC 7 060,02€ (o que corresponde a 40% da retribuição anual do sinistrado), sendo a pensão anual de 3 530,01€ para cada um até perfazerem 18 anos de idade, 18 anos ou 22 ou 25 anos de idade, se necessário para completar respetivamente a frequência do ensino secundário ou equiparado e superior ou equiparado, pensão a pagar a cada um em 14 parcelas, nos termos e prazos aludidos quanto à beneficiária BBB.
• À beneficiária BBB, um subsídio por morte, no valor de 2 766,85€ e um subsídio de igual montante aos beneficiários CCC e CC, sendo 1 383,42€ para cada um, tendo em conta o valor do indexante de apoios sociais vigente à data da morte do sinistrado, a pagar de uma só vez.
51. Até à presente data, a demandante já despendeu as seguintes quantias:
• Pensões, à viúva e aos filhos a quantia de 79.845,97€;
• Subsídio Elevada Incapacidade, a quantia de 5.533,69€;
• FAT (Fundo de Acidentes de Trabalho), prestações e ajusto de verbas, no valor de 1 307,96€;
• Custas Judiciais, no valor de 347,30€;
• Honorários Ent. Colectivas, precisamente ao Perito Averiguador, no valor de 186,20€;
• Tudo no montante global de 88.279,97. * Da contestação de AA:
52. O arguido não presenciou, acompanhou ou participou nas obras de construção ou de remodelação do hotel ....
53. Nunca viu ou teve que analisar os respetivos projetos de construção ou remodelação do edifício, nem dos respetivos equipamentos, mais ou menos fixos, e a ele adstritos.
54. No dia do acidente, a visita àquele local tinha por finalidade a localização e identificação do equipamento de extração do ar das casas de banho e essa identificação encontrava-se escrita manualmente na parte frontal da máquina.
55. Como EEE não conseguiu vê-la, e enquanto o ora arguido tentava recordar-se da localização daquela identificação, que se lembrava de ter sido na zona frontal, não se apercebeu que o EEE se movimentou de forma abrupta para a lateral da máquina onde se encontrava a “courette”, que cedeu com o seu peso, provocando a sua queda.
56. Nunca lhe foi pedido que verificasse, e muito menos que fizesse a manutenção ou a substituição de qualquer estrutura de segurança, nomeadamente aquela concreta “courette”, nem eram essas as suas atribuições profissionais, atenta, até, a sua total ausência de qualquer tipo de qualificação profissional para tal.
57. De igual forma, nunca lhe foi pedido que colocasse uma cancela, uma grade de proteção, um aviso a alertar para o perigo (de queda ou qualquer outro), ou que tomasse qualquer outra medida impeditiva ou limitativa de acesso aquele local, nem tem, ou teve, qualquer tipo de incumprimento funcional e hierárquico que pudesse interferir no processo causal daquele acidente causador do óbito de EEE. * Mais se provou relativamente a AA:
58. AA, de 50 anos de idade, é um indivíduo cujo processo de crescimento e desenvolvimento decorreu num agregado familiar de média condição socioeconómica e cultural, descrito como funcional e coeso, no qual considera ter beneficiado de adequado suporte afetivo, contexto que lhe terá proporcionado um percurso de vida estruturado, normativo, social e profissionalmente integrado.
59. Em ... AA contraiu matrimónio com FFF, atualmente com 49 anos de idade, ... tendo desta relação nascido 2 filhas, GGG e HHH, com 19 e 10 anos de idade respetivamente, a primeira estudante do 1º ano do Curso de Serviço Social e a segunda do 4º ano de escolaridade.
60. Relativamente ao percurso laboral, iniciou como ... e ..., atividades que exerceu em simultâneo durante cerca de quatro anos. Posteriormente iniciou atividade como empresário em nome individual, contudo, dois anos mais tarde, acabaria por encerrar a atividade tendo referido questões relacionadas com uma conjuntura económica desfavorável de então.
61. Desde ... que trabalha na Empresa SS exercendo funções de ... e ... no ...
62. A satisfação das necessidades básicas do núcleo familiar encontra-se assegurada, pelos rendimentos auferidos pelo arguido e cônjuge, o primeiro no valor de cerca de 1.000€ (mil euros) e o segundo no valor de cerca de 1.300€ (mil e trezentos euros).
63. Com as despesas fixas mensais de consumo doméstico, foi referido o valor de cerca de 240€ (duzentos e quarenta euros) e o pagamento da prestação de empréstimo bancário no valor de cerca de 750€ (setecentos e cinquenta euros).
64. Não tem antecedentes criminais registados. * Da contestação de DD:
65. O arguido era igualmente responsável pela manutenção de equipamentos em outros hotéis do grupo, a saber: ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ....
66. As tarefas do arguido consistiam em: propor organização funcional, planos de manutenção e fichas de manutenção; manter atualizado o software de manutenção; planear e supervisionar as atividades de manutenção; coordenar e acompanhar as equipas sob a sua responsabilidade; zelar pelo cumprimento de normas de segurança relacionadas com incêndio e inundações; assegurar e supervisionar a implementação da legislação respeitante à sua atividade; gestão de stocks.
67. O arguido estava na dependência hierárquica do Diretor Técnico e atuava de acordo com as suas diretivas e planos de ação.
68. Existiam em cada hotel equipas que tratavam diretamente dessa fiscalização e manutenção dos equipamentos no terreno.
69. O arguido estabelecia prazos de fiscalização e manutenção dos equipamentos; e em cada hotel existia um sistema de software que sinalizava qualquer avaria em qualquer equipamento, o que levava a uma deslocação do trabalhador ao local onde o equipamento se encontrava para verificar o que se passava.
70. Ao arguido cabia a coordenação de todas essas atividades.
71. As condutas, em que se enquadrava a courette em causa, nunca careceram de qualquer intervenção ou de manutenção.
72. O arguido deslocou-se ao compartimento do 6º piso quando iniciou a suas funções e deslocou-se lá mais uma ou duas vezes.
73. Nunca a existência da courette lhe levantou qualquer suspeita: primeiro, porque se acedia à máquina sem passar pela courette; depois, porque a courette estava pintada na mesma cor do piso e, ao simples olhar, não se perceberia se o piso estava em estado de fragilidade que aconselhasse qualquer substituição.
74. À data do acidente o arguido encontrava-se de férias. * Mais se provou relativamente a DD:
75. DD, de 65 anos de idade, apresenta um percurso de vida integrado aos vários níveis e direcionado à consolidação da situação profissional e garante de adequadas condições de vida da família e nomeadamente dos descendentes.
76. Iniciou percurso profissional com cerca de 23 anos, num organismo público. Em 1983 integrou uma empresa do grupo ..., como …, contexto laboral em que permaneceu até 1989, altura em que iniciou funções nos ..., na direção comercial. Regressou ao ... em 1991 com funções na gestão, reparação e manutenção de equipamentos e apesar de alterações da empresa, manteve-se desde então neste grupo empresarial, até à ocorrência da reforma, em ...de 2016. A esposa encontra-se igualmente reformada, da atividade que exercia como ...
77. O arguido refere uma reforma de cerca de 1800€ mensais, sendo a reforma da esposa de cerca de 1400€. Deste montante total tem como encargos a amortização da habitação e veículos do casal, encargos com a habitação, bem como amortização do empréstimo com montantes que necessitou para custear os estudos aos filhos e que ainda se encontra a pagar, considerando a necessidade de lhes providenciar formação académica de nível superior.
78. Não tem antecedentes criminais registados. * Da contestação de GG:
79. À data da prática dos factos, e desde ... de ... de 2015, o arguido era trabalhador por conta da sociedade comercial SS, com a categoria profissional de ..., mais exatamente de ....
80. Por força desta sua categoria profissional exercia o arguido tais funções nas mais diversas áreas: na área da Engenharia e Manutenção no domínio da Segurança Contra Risco de Incêndio; no domínio da Segurança Alimentar no domínio da qualidade e Ambiente no domínio da Gestão de Projetos e ainda a nível Económico
81. E, de igual modo, relativamente a diversas unidades hoteleiras: ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ....
82. No que diz respeito ao ... como responsável pela área de manutenção de equipamentos o Diretor DD (que a GG reportava diretamente),
83. O qual tinha, por seu turno, como seu subordinado, o encarregado de manutenção, Sr. III.
84. Sendo AA o técnico que, efetivamente, procedia às reparações e manutenções dos aparelhos do ...,
85. Competindo a este ou a III acompanhar trabalhadores de outras empresas que porventura efetuassem trabalhos nas instalações deste hotel.
86. O arguido GG desconhecia a existência da tábua do aglomerado de madeira prensada e pintada da cor do chão do compartimento sito no 7º piso do ..., e igualmente desconhecia o possível conhecimento que outros trabalhadores possam eventualmente possuir.
87. A realização de vistoria, com a inerente identificação de perigos e avaliação de riscos ao processo de trabalho era da competência da sociedade comercial UU, contratada para o efeito, em regime de outsourcing, pela TT – Sociedade de Desenvolvimento Turístico S.A.
88. Sendo que, sempre que esta assinalava alguma situação que era necessário retificar, em termos de higiene e segurança no trabalho, tais retificações eram executadas.
89. Tal nunca aconteceu relativamente à situação que levou à morte do trabalhador da XX. * Mais se provou relativamente a GG:
90. GG, de 56 anos de idade, é um indivíduo cujo processo de crescimento e desenvolvimento decorreu num agregado familiar de média condição socioeconómica e cultural, descrito como funcional e estruturado, no qual considera ter beneficiado de adequado suporte afetivo, contexto que lhe terá proporcionado um percurso de vida estruturado, normativo, social e profissionalmente integrado.
91. Com 23 anos de idade contraiu matrimónio com CC (atualmente com 55 anos de idade, ...), tendo desta relação nascido duas filhas, JJJ e KKK, de 30 e 22 anos de idade, respetivamente, a primeira ... e a segunda .... Encontram-se ambas autonomizadas, uma emigrada na ... e outra reside em território nacional.
92. Relativamente ao percurso laboral, GG já exerceu atividade profissional na área da ... em várias entidades patronais, nomeadamente, ..., ..., onde foi Diretor de um novo projeto informático, foi colaborador no projeto cabos submarinos de fibra ótica. Em ... iniciou funções na ... que em 2007, foi adquirido pelo ..., no qual permanece desde então.
93. A satisfação das necessidades básicas do agregado familiar encontra-se assegurada, através dos rendimentos auferidos pelo arguido e cônjuge, no valor de cerca de 4.000 (quatro mil euros) cada um e de cerca de 2.500€ (dois mil e quinhentos euros) provenientes de rendas de propriedades arrendadas.
94. Com as despesas fixas mensais de consumo doméstico, foi referido o valor de cerca de 205€ (duzentos e cinco euros), o valor de cerca de 750€ (setecentos e cinquenta euros) para apoio à atividade académica da filha mais nova e de 700€ (setecentos euros) para pagamento do salário da empregada doméstica.
95. Apresenta capacidade ao nível da autocrítica e que tem mantido um percurso de vida estruturado, social e profissionalmente integrado, sendo descrito pelo cônjuge, como um indivíduo íntegro, frontal, com sentido de dever/responsabilidade e pai zeloso e presente aquando do crescimento e desenvolvimento das filhas.
96. Não tem antecedentes criminais registados. * Da contestação de JJ:
97. A arguida não tinha “pessoalmente” qualquer dever de controlar e fiscalizar a atividade técnica dos trabalhadores da área da manutenção ou da área técnica da segurança no trabalho ao serviço das diversas sociedades que exploravam a atividade do Turismo do ....
98. Não conhecia o compartimento técnico do Hotel onde se deu o sinistro, que terá estado nas mesmas condições físicas, ocultando/dissimulando o risco de queda aquando da obra de construção do Hotel, a que se seguiu vistoria camarária e a inauguração do mesmo (no ano de 1990).
99. Não tinha formação, experiência ou funções na área da segurança no trabalho (ou da manutenção), tendo atuado sempre convicta, sem razões para disso duvidar, de que a condições de segurança no trabalho se encontravam asseguradas, desde logo, por sociedade externa certificada, sociedade esta que era, na sua atuação, acompanhada por meios internos com formação nas áreas técnicas em questão e diretas atribuições funcionais nas mesmas.
100. O ... foi fundado em 1820 e agrega (como agregava à data dos factos) mais de duas dezenas de empresas, divididas por cinco áreas de negócio distintas, distribuição, energia, marítima e logística, turismo e serviços.
101. A ... constitui um centro partilhado de serviços para as diversas sociedades do Grupo que, através de Direções especializadas, presta serviços (e prestava à data dos factos) em diversas áreas um apoio transversal às sociedades que constituem o ....
102. Em 2015 as sociedades participadas pela ... (detida em 88,97% pela ...) responsáveis pela exploração hoteleira apresentaram, no seu conjunto, um volume de vendas superior a euros: 24.863.377,15 (vinte e quatro milhões, oitocentos e sessenta e três mil, trezentos e setenta e sete euros e quinze cêntimos), que deu azo a um ganho nas contas consolidadas da ... de euros: 490.602,99 (quatrocentos e noventa mil, seiscentos e dois euros e noventa e nove cêntimos).
103. A LLL., tem como atividade principal a exploração de hotéis e atividades conexas, incluindo a confeção e comercialização de refeições, bem como o transporte, o carregamento em aeronaves e o descarregamento de aeronaves de alimentos e bebidas.
104. A TT, S.A. iniciou a sua atividade em ... de 1988 e, no ano 2015, explorava a gestão de dois hotéis, a saber: - ..., Hotel de quatro estrelas com 140 quartos, propriedade da TT, que apenas funcionava durante a época alta (... a ... de 2015); e ...de quatro estrelas com 128 quartos, localizado em Lisboa, funcionando em regime de cessão de exploração, pertencendo as instalações do hotel à ...
105. A TT tinha, em 2015, um capital social de euros: 3.540.000,00, tendo como acionistas as sociedades ... e a SS, cada uma delas detentora de uma participação de 50%.
106. A SS é (e era à data dos factos) detida a 93,87% pela sociedade ....
107. As sociedades Arguidas TT e SS fazem (e faziam à data dos factos) parte do ..., tendo ambas como beneficiária a sociedade ... e, por via desta, como beneficiária final a ....
108. Somando a TT e a SS em ... ao seu serviço 175 trabalhadores.
109. A sociedade ... registou em ... um resultado líquido de 322 279,84€.
110. A sociedade ... apresentava em ... um Conselho de Administração composto por cinco elementos, sendo um Presidente e quatro Vogais, sendo o respetivo Presidente do Conselho de Administração simultaneamente Administrador da ... e CEO13 do ..., ou seja, o Diretor Executivo do Grupo e a pessoa com maior autoridade na hierarquia operacional do mesmo.
111. À data dos factos cabia à ... assegurar, através da respetiva Direção de Recursos Humanos, o planeamento, direção e coordenação da política de recursos humanos das várias empresas do ... e a sua implementação de acordo com as orientações estratégicas definidas para o Grupo e garantir o cumprimento das obrigações legais a que as empresas do Grupo se encontravam sujeitas no domínio laboral, competindo-lhe, designadamente, a contratação de meios humanos internos e externos para cabal cumprimento da legislação relativa à segurança, higiene e saúde no trabalho ao nível das sociedades do ... e, em concreto, nas sociedades TT e SS.
112. Em execução das atribuições que tinha na organização e distribuição de funções no ... foi a ... quem negociou e contratou em .../.../2000 com a sociedade Arguida UU a prestação de serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho, relativamente a 638 (seiscentos e trinta e oito) trabalhadores das sociedades do ....
113. Em conformidade com aquele contrato foi, desde a sua celebração e até à data dos factos, a ... que procedeu ao pagamento dos serviços prestados pela UU que incluíam os trabalhadores da TT e, em concreto, do ....
114. Era a ... que competia, se necessário, proceder à renegociação do contrato de prestação de serviços com a UU.
115. Não tendo a JJ, que nunca foi ... da ..., qualquer intervenção na contratação de qualquer serviço à UU.
116. Era a ... que procedia à maioria da formação dos colaboradores do Grupo, à qual se somava a coordenação da formação externa que os colaboradores frequentassem.
117. A TT tinha em ... de 2015 uma Administração composta por um Presidente e quatro Vogais.
118. A SS apresentava em ... de 2015 uma Administração composta por um Presidente e quatro Administradores.
119. A SS, para além da propriedade e exploração comercial do S. Miguel Park Hotel, estava, à data dos factos, estruturada através de uma Direção Técnica, uma Direção de Operações e uma Direção Comercial.
120. Tais Direções funcionavam como Direções transversais às sociedades do Grupo da área do Turismo, prestando serviços aos Hotéis e Parque explorados pelo ... e, assim, às sociedades que diretamente os exploravam, bem como, a uma equipa de lavandaria central para o Hotéis da ilha de ...
121. A Direção Técnica transversal estava subdividida em Diversos Departamentos técnicos, entre os quais o Departamento de Manutenção.
122. A Direção Técnica integrava, não apenas os Arguidos GG (seu Diretor) e o DD, mas ainda, como quadros com formação técnica superior, a MMM e a NNN.
123. Dentro da Direção Técnica, à MMM cabiam as seguintes funções enquanto “Técnico Especialista” em “Qualidade, Higiene e Segurança alimentar e Segurança de Higiene no Trabalho” que exercia com referência ao ...: Coordenar e orientar a implementação do Sistema de Gestão da Qualidade, Higiene e Segurança Alimentar em vigor nas unidades hoteleiras (UH) da .... Assegurar a articulação entre as UH e os prestadores de serviços externos de Segurança e Higiene no Trabalho (SHT), acompanhando e monitorizando a sua atividade.
124. MMM reportava ao Diretor Técnico.
125. As Direções transversais integradas na SS tinham orçamentos anuais previamente propostos pela sua Administração à ... e OOO, que tinha de os aprovar, e que faziam parte do orçamento geral da SS.
126. Os custos de funcionamento das Direções transversais integradas na SS eram divididos pelos vários Hotéis de acordo com o número de quartos, sendo os mesmos faturados à sociedade do ... responsável pela exploração comercial de cada Hotel e Parque.
127. À data dos factos a JJ apenas desempenhava, desde o dia .../.../2015, o cargo de Presidente do Conselho de Administração da TT.
128. Desempenhando desde o dia .../.../2015 o cargo de Presidente do Conselho de Administração da SS.
129. O desempenho por parte da JJ de qualquer cargo na Administração da TT e da SS constituía uma decorrência da organização interna do ... e, em concreto, do facto de a mesma ser administradora executiva da ....
130. À JJ cabiam, enquanto Presidente do Conselho de Administração da TT e da SS, funções de natureza similar às que tinha na ... essencialmente ligadas à definição da estratégia e ao acompanhamento da atividade comercial e de marketing dos Hotéis do Grupo.
131. A JJ, ao longo dos anos em que trabalhou no ..., foi admitida como trabalhadora na ... em .../.../2004, transferida para a SS em .../.../2005, sendo posteriormente transferida para a ... em .../.../2007 até à data da sua saída do Grupo em final de ... de 2020.
132. À Arguida foram atribuídas ao serviço do Grupo funções específicas através da Ficha de Descrição de Funções, datada de ........2012, com referência ao cargo de ... executiva da ..., cargo que exercia em ........2015 e da Ficha de Descrição de Funções de Diretora Comercial da ..., datada de ........2013, cargo que exerceu até ao início de ... de 2015.
133. A JJ, durante o tempo em que foi Administradora das sociedades das TT e SS, não foi nunca remunerada pelas mesmas, sendo a sua remuneração paga pela ...
134. O “...” (atualmente denominado “...”), é propriedade da sociedade TT sendo explorado pela mesma, está edificado em prédio urbano composto por cave, rés-do-chão, seis andares e terraço, destinado à atividade hoteleira, tendo, de acordo com a respetiva ficha técnica 140 quartos
135. À data dos factos à atividade do “...” estavam afetos 28 trabalhadores da TT.
136. Em virtude de apenas estar aberto nos meses de abril até outubro e de ser contíguo ao ... (que laborava todo o ano), o ... funcionava em grande medida, e sem prejuízo dos contratos de curta duração que eram celebrados pela TT, com recursos humanos do ..., essencialmente pertencentes à ..., beneficiando ainda (como todos os demais Hotéis do Grupo) dos serviços transversais prestados pela ... e pela SS.
137. À data dos factos era Diretor do ... PPP, funções que cumulava com as de Diretor do ..., o qual era responsável pelo funcionamento e nível de serviço dos dois hotéis, cabendo-lhe zelar pelo cumprimento das disposições legais e regulamentares aplicáveis.
138. O Subdiretor dos Hotéis ... e ... foi, até ..., QQQ, sendo-lhe atribuídas as mesmas funções que, mais tarde, foram assumidas por RRR. *
139. Os serviços de manutenção no ... eram, à data dos factos, efetuados com os seguintes recursos humanos do ...: A) EQUIPA INTERNA ao serviço do ..., que também prestava serviço no ..., com a seguinte composição e funções: A.1) SSS, a quem estava atribuído o cargo de Chefe de manutenção do ...; A.2) EEE, com a categoria de Mestre Geral de manutenção. B) EQUIPA TRANSVERSAL integrada na Direção Técnica, e, dentro desta, no ..., com a seguinte composição: B.1) DD, enquanto Diretor dos Serviços de Manutenção/..., funcionário da SS; B.2) AA, com a categoria de Ajudante de Mestre Geral de manutenção, à data dos factos funcionário da SS e, simultaneamente, da ...
140. DD reportava ao Diretor Técnico, GG, funcionário da SS.
141. À data dos factos, quando trabalhava no ..., AA recebia ordens e supervisão de DD, seu direito superior hierárquico ao nível SS, mas, igualmente, de SSS e de EEE.
142. Sendo ainda o seu trabalho objeito de uma supervisão geral por parte do Diretor do ..., a quem cabia coordenar as diferentes áreas através dos canais hierárquicos de forma a assegurar o cumprimento dos objetivos e das políticas gerais da empresa.” ou, em sua substituição, por parte do Subdiretor daquele Hotel, que poderiam sempre reportar qualquer desconformidade no exercício de funções por parte de AA.
143. Todos os Diretores e Subdiretores dos diversos Hotéis do Grupo recebiam regularmente instruções de atuação expressas e informação transversal, designadamente, do Diretor Técnico, GG.
144. O Diretor e o Subdiretor do ... reportavam ao diretor de Operações, TTT, e só este reportava à JJ, exclusivamente em matérias relativas à implementação da estratégia da área das operações e custos gerais inerentes.
145. A JJ, na execução das suas funções, designadamente, de Presidente do Conselho de Administração das sociedades TT e SS, não tinha quaisquer contactos com AA, senão aqueles que resultassem de se cruzarem de forma totalmente fortuita.
146. DD e AA não recebiam ordens da JJ a quem não reportavam.
147. A arguida JJ não tinha igualmente o dever de fiscalizar e ou controlar a atividade técnica de GG.
148. GG só recebia da Administração executiva do Grupo e, concretamente, da JJ diretivas gerais, nomeadamente objetivos que deverá cumprir.
149. As interações da JJ com o GG visavam, essencialmente, o planeamento do investimento e a aprovação de um orçamento anual da Direção Técnica que respeitasse as orientações gerais definidas pela Administração executiva do Grupo. *
150. A UU foi fundada em 1989 e é uma empresa autorizada a prestar serviços externos privados de segurança, higiene e saúde no trabalho na ..., tendo para o efeito sido autorizada pela Despacho n.º 879/2006, de 29 de agosto de 2006.
151. Todo o corpo clínico e técnico da UU é composto, exclusivamente, por profissionais certificados e autorizados a intervir na área da saúde e segurança no trabalho.
152. Os técnicos efetuavam visitas ao ... três a quatro vezes por ano.
153. As visitas realizadas ao ... deram azo à elaboração dos relatórios que que se reportam às avaliações realizadas pela UU junto daquele Hotel nas datas de ...-...-2014, ...-...-2014, ...-...-2015, ...-...-2015 e ...-...-2015.
154. Os Técnicos da UU gozavam ainda de total autonomia na definição das soluções técnicas que recomentavam para eliminar e ou minimizar quaisquer riscos para a segurança e ou saúde no trabalho no ....
155. À data dos factos e desde o dia ... de ... de 2013, as questões de segurança e saúde no trabalho no ..., beneficiavam ainda da intervenção da MMM, que, enquanto funcionária da SS, desempenhava, dentro da Direção Técnica, o cargo de responsável pela área da Qualidade, Ambiente e Segurança (...) e pela Segurança Alimentar com referência ao ....
156. O diretor e Subdiretor do ... e do ..., que trabalhavam direta e diariamente nos mesmos, tinham competência e obrigação funcional para zelar pelo cumprimento das disposições legais e regulamentares aplicáveis e, assim, para detetarem e reportarem qualquer anomalia ou situação a melhorar nas instalações e ou no equipamento com reflexo na segurança nos utentes ou dos trabalhadores, no sentido da posterior adoção de ações corretivas ou de manutenção nas instalações e ou equipamentos com reflexo nas questões de segurança nos Hotéis.
157. Mas, também SSS, enquanto Chefe da manutenção (interna) do ... e os trabalhadores da manutenção do ..., que trabalhavam diretamente no mesmo, tinham competência e obrigação funcional para detetarem e reportarem qualquer anomalia ou situação a melhorar nas instalações e ou no equipamento com reflexo na segurança no trabalho ou dos utentes.
158. Nunca nenhum colaborador externo ou interno reportou à JJ ou a qualquer Administrador das sociedades do Grupo, a existência de qualquer perigo no local onde se veio a verificar o sinistro que vitimou EEE.
159. A JJ sempre agiu confiando plenamente na qualidade dos serviços externos que eram prestados ao nível da saúde e segurança no trabalho e à forma como os mesmos eram acompanhados internamente.
160. Até à data do sinistro não existia registo de qualquer sinistro grave com trabalhadores do Grupo.
161. Ao longo do período compreendido entre a data da sua contratação (em ........2005) e a data do sinistro (........2015), AA sempre recebeu dos seus superiores hierárquicos instruções de trabalho expressas para reportar aos mesmos e ou aos trabalhadores que desempenhavam funções específicas nos domínios da segurança e saúde no local de trabalho todas as situações que detetasse, ou lhe fossem reveladas, capazes de criar perigo para a segurança no trabalho e ou impusessem quaisquer ações corretivas das infraestruturas ou manutenção preventiva das mesmas *
162. A arguida é licenciada em ... pela ... curso que terminou em 1999.
163. Sempre residiu em ...
164. À data dos factos, a JJ tinha nas sociedades do ... os seguintes cargos: Na sociedade ... era Vogal do Conselho de Administração composto por oito elementos (um Presidente e sete Vogais), funções que exerceu entre ........2006 e ........2020; Na sociedade TT era Presidente do Conselho de Administração composto por cinco elementos (um Presidente e quatro Administradores), funções que exerceu entre ........2015 e ........2020; - Na sociedade SS era Presidente do Conselho de Administração composto por cinco elementos (um Presidente e quatro Administradores), funções que exerceu entre ........2015 e ........2020; Na sociedade ... era Presidente do Conselho de Administração composto por cinco elementos (um Presidente e quatro Administradores), funções que exerceu entre .../.../2015 e .../.../2020;Na sociedade ... era Presidente do Conselho de Gerência, composto por cinco Gerentes um deles Presidente, entre ........2015 e ........2020; Na sociedade ... era Vogal do Conselho de Administração composto por cinco elementos (um Presidente e quatro Administradores), funções que exerceu entre ........2008 e ........2020; Na sociedade ... era Vogal não executiva do Conselho de Administração entre ........2007 e ........2020.
165. A JJ apenas se deslocava aos ..., em média, uma vez por semana, onde permanecia, em média, dois dias.
166. Devido às funções que prestava no ... a JJ desempenhou ainda entre 2015 e 2020 as funções de Vice-Presidente do Conselho Diretivo na ....
167. À Arguida foram ainda, dentro do Grupo, atribuídas as funções específicas correspondentes ao cargo de Diretora Comercial dos Hotéis ... da ..., que foram definidas em .../.../2013 e se que desempenhou até ao início de ... de 2015.
168. Quanto às sociedades TT e SS à JJ apenas estavam destinadas funções de administração ao nível da gestão das mesmas e de marketing.
169. A Arguida não tinha nas áreas ao nível da planificação e ou controlo da área da segurança e saúde no trabalho e ou da manutenção técnica do Hotel qualquer formação ou experiência profissional. *
170. A JJ não teve nunca qualquer contacto com representantes e ou Técnicos da XX. *
171. O ... foi construído no final da década de 80 num conjunto de quatro prédios que originalmente pertencentes à sociedade ..., sociedade que se dedicava à construção.
172. Em ........1988, por escritura de compra e venda, a sociedade ... vendeu os quatro prédios em causa à TT e as construções e ou benfeitorias que aí implantou e viriam a integrar o futuro Hotel.
173. Tendo sido a ... que, após a compra e venda e enquanto empreiteira titular da Alvará necessário para esse efeito, efetuou todas as obras de construção e acabamentos do Hotel, assumindo o cargo de empreito responsável pela obra junto da ...
174. Empreitada que a ... levou a cabo em 1989 e, no máximo, até ao dia ....
175. Finda a construção do ... pela sociedade ... foi requerida pela TT à ... a realização de vistoria camarária para efeitos de emissão da Licença de Utilização.
176. Realizada a vistoria pela Câmara a mesma lavrou o competente auto de vistoria no dia ... de ... de 1990.
177. A ... emitiu a Licença de Utilização do ... em ... de ... de 1990.
178. O ... despendeu com gastos operacionais de conservação e reparação no ... entre 2011 e 2015 mais de 260 000,00€.
179. Em 2015 o ..., através da ..., despendeu com a prestação de serviços da UU o valor de euros: 42.882,00. * Mais se provou relativamente a JJ:
180. O processo de socialização de JJ decorreu num contexto familiar estruturado, com laços de afetividade entre os membros do agregado e com transmissão de regras e valores consentâneos com os socialmente aceites.
181. A arguida vive com o cônjuge e os filhos menores, em casa própria, subsistindo com base nos rendimentos auferidos da atividade profissional do cônjuge e dos auferidos por si, enquanto diretora executiva da ... e de consultora comercial da ..., nos montantes de 2 294,54€ líquidos e de 1 800,00€ ilíquidos, respetivamente. A arguida beneficia de apoio por parte da família alargada.
182. Não tem antecedentes criminais registados. * Da contestação da SS:
183. O ... não é propriedade da arguida.
184. A SS registou em 2014 um resultado líquido de – 614 692,00€ e em 2015 um resultado líquido de 57 453,66€. * Mais se provou relativamente à SS:
185. Não tem antecedentes criminais registados. * Da contestação da TT:
186. No comportamento situado no 7º piso existe uma extremidade da courette por onde entrava a conduta do equipamento de circulação de ar e acessórios ali existente e outras tubagens, tratando-se de um espaço estritamente técnico.
187. Sendo a parte dessa extremidade da courette que se encontrava desocupada de equipamentos, que estava tapada com uma placa de aglomerado de madeira prensada, pintada de mesma cor cinzenta do piso do compartimento que era e é em betão.
188. Nenhum dos trabalhadores arguidos tinha contrato de trabalho com a arguida, mas sim com a SS, sendo essa a entidade que exercia os poderes de controlo, direção e disciplinares sobre todos esses trabalhadores, ainda que nos seus contratos estivesse prevista a possibilidade de exercício de funções a outras sociedades do Grupo.
189. Procedendo àqueles trabalhos no âmbito da organização assumida pelo ... quanto aos serviços transversais a diversas sociedades, de acordo com princípios de racionalização de meios e sustentabilidade económica.
190. As reparações e/ou conservações dos acessórios existentes nas courettes técnicas, são de natureza passiva, ou seja, apenas são vistoriadas e visionadas se e quando se revelam avarias nos respetivos sistemas.
191. Concluída a respetiva construção do hotel, foi realizada em .../.../1990 a vistoria legal, por comissão de peritagem constituída pela ..., Dr. UUU, pelo representante da ...pelo Comandante dos Bombeiros Voluntários de ...de então, Comandante VVV.
192. De acordo com o relatório de vistoria, o hotel reunia todas as condições necessárias ao exercício da atividade, designadamente as condições de segurança e saúde, quer para os hóspedes.
193. Tendo sido concedida a licença de utilização em .../.../1990, iniciando a sua atividade, as instalações foram alvo de obras de conservação e manutenção normais ao longo do tempo, tendo sido objeto de obras de requalificação em ...1.../2018.
194. A instalação do sistema de AVAC (ar condicionado ventilação) do hotel ... terá sido executada pela empresa ... WWW, a qual terá instalado o equipamento de ventilação existente no compartimento localizado no 7º piso do Hotel e as respetivas condutas.
195. A dimensão do espaço destinado às condutas e cablagens constituído pela courette técnica, foi concebido em excesso de volume, ficando assim uma parcela desse espaço desocupada e, consequentemente, a sua extremidade superior, sem qualquer equipamento.
196. A TT registou em 2014 um resultado líquido de – 610 936,69€ e em 2015 um resultado líquido de 269 876,05€. * Mais se provou relativamente TT:
197. Não tem antecedentes criminais registados. * Da contestação de MM, PP e da UU:
198. MM não teve acesso a todas as divisões e locais onde os trabalhadores do hotel desempenhassem funções, nomeadamente o compartimento do terraço onde se encontrava uma máquina UAP-Q (unidade extratora de ar dos quartos de banho do hotel), bem como uma courette técnica onde estão montadas condutas de climatização, courette técnica que se encontrava, à data dos factos e desde há muitos anos até aquela data, tapada por uma tábua de aglomerado de madeira prensada, a qual estava pintada da mesma cor do pavimento.
199. Não só o arguido MM nunca teve acesso ao referido compartimento como a existência do mesmo nunca lhe foi dada a conhecer pelos vários trabalhadores do hotel que acompanhavam as suas deslocações ao edifício para realização do relatório sobre a identificação de perigos e riscos nos processos e locais de trabalho.
200. A UU, através do técnico superior de segurança no trabalho, no caso o arguido MM, faz a avaliação de riscos e perigos nos processos e locais de trabalho mediante a informação que lhe é transmitida pela sua cliente e seus representantes/trabalhadores no que diz respeito à identificação concreta de todos os processos e locais de trabalho.
201. No caso concreto do hotel ..., a UU solicitou, no início da sua prestação de serviços e como o faz sempre, a concreta identificação, no hotel, de todos os processos e locais de trabalho, ainda que ocasionais, existentes no edifício para que pudesse ser realizada a já mencionada avaliação de riscos e perigos.
202. Nunca foi dado a conhecer à UU, nem aos arguidos PP e MM, a existência do compartimento localizado no terraço do hotel, onde se deu o acidente, nem os equipamentos que lá existiam ou que os trabalhadores do hotel, ou de entidades terceiras, lá se deslocassem para desenvolver qualquer processo de trabalho.
203. O dito compartimento estava trancado à chave e esta encontrava-se guardada na receção do hotel.
204. Não foi dado conhecimento à UU da realização dos referidos trabalhos de manutenção por parte da arguida XX, para que aquela pudesse desencadear o acompanhamento de tais trabalhos e a realização das avaliações de risco e perigos que se mostrassem necessárias.
205. O arguido MM, nas suas visitas de higiene e segurança, era sempre acompanhado por um funcionário do hotel, pessoa esta que lhe ia indicando os locais onde se realizavam processos de trabalho.
206. Nas suas visitas, o arguido MM questionava a pessoa que o acompanhava sobre a existência de locais onde os referidos processos de trabalho aconteciam, de forma a que aí pudesse cumprir com a sua obrigação, ou seja, avaliar riscos.
207. PP ignorava a existência do referido compartimento no 6.º piso do hotel ....
208. A intervenção do arguido PP na apreciação dos relatórios de avaliação de risco da responsabilidade do arguido MM, e de quaisquer outros técnicos de segurança que trabalham para a UU, é o de identificar eventuais incongruências entre os riscos identificados e as medidas de prevenção recomendadas, bem como o de harmonizar a linguagem utilizada nos referidos relatórios.
209. Não é função do arguido PP acompanhar as vistorias realizadas por todos os seus técnicos. * Mais se provou relativamente a MM:
210. MM, de 46 anos de idade, é um indivíduo cujo processo de crescimento e desenvolvimento decorreu num agregado familiar de humilde condição socioeconómica e cultural, descrito como funcional e coeso, no qual considera ter beneficiado de adequado suporte afetivo, contexto que lhe terá proporcionado um percurso de vida estruturado, normativo, social e profissionalmente integrado.
211. Foi bolseiro de investigação científica em ... na referida universidade, contudo, por falta de expectativas de integração laboral nesta área, acabou por desistir aquando da frequência do terceiro ano, quando faltava um ano para a conclusão do curso.
212. Com 28 anos de idade encetou relacionamento afetivo com XXX (atualmente com 37 anos de idade, ..., licenciada em ...), com quem contraiu matrimónio sete anos mais tarde. Desta relação nasceram dois filhos YYY e ZZZ, com 7 anos de idade e 1 mês de vida, respetivamente, a primeira a frequentar o 2º ano do primeiro ciclo.
213. À data dos factos (........2015), o arguido encontrava-se integrado neste núcleo familiar constituído, situação que se mantém, cuja dinâmica familiar foi descrita como positiva, de união e entreajuda entre todos os elementos do agregado familiar. O relacionamento entre o casal foi descrito como emocionalmente gratificante.
214. Relativamente ao percurso laboral, MM já exerceu a profissão de ... de ...no ... em ... e .... Desde ... que exerce a profissão de ... UU.
215. A satisfação das necessidades básicas do núcleo familiar encontra-se assegurada, através dos rendimentos auferidos pelo arguido e cônjuge, o primeiro no valor de cerca de 1.100€ (mil e cem euros) e o segundo no valor do Salário Mínimo Regional e dos abonos de família dos descendentes no valor de cerca de 70,00€.
216. Não tem antecedentes criminais registados. * Mais se provou relativamente a PP:
217. O arguido, com 73 anos de idade, surge originariamente de um núcleo familiar de nível sócio económico médio, uma estrutura que se assumiu como uma resposta adequada ao respetivo processo de socialização.
218. Assim e findo os estudos secundários, rumou a ... onde concluiu o curso de ..., em finais da década de setenta, regressando posteriormente a ... onde iniciou atividade laboral na área da formação universitária.
219. PP agregou-se essencialmente ao ... e destacou-se comunitariamente pelas funções que foi desempenhando na ..., nomeadamente como ...em ..., na década de 80.
220. Neste âmbito e de acordo com o apurado, revelou-se sempre um profissional muito responsável, com uma postura adequada, nomeadamente ao nível da interação com pares e com os respetivos utentes.
221. Na atualidade e ainda que aposentado desde há cerca de uma década, o arguido mantem o exercício profissional na área da medicina (como profissional liberal) e gere empresa de promoção da saúde laboral.
222. Paralelamente e desde há cerca de duas décadas e meia, o arguido preside à ..., uma associação sem fins lucrativos que tem como objetivos a prevenção de acidentes de viação e a redução das suas consequências, o que reforça uma integração comunitária positiva do mesmo.
223. Em termos familiares, reside com a companheira, desde há cerca de quatro décadas e tem atualmente dois filhos, tendo por falecimento, perdido dois outros descendentes ao longo das duas últimas décadas. O agregado constituído revela-se uma fonte de suporte estruturada para o arguido.
224. Não tem antecedentes criminais registados. * Mais se provou relativamente à UU:
225. Não tem antecedentes criminais registados * Da contestação de VV:
226. De acordo com o contrato de manutenção preventiva dos sistemas de climatização e responsabilidade ... no âmbito do ..., celebrado entre a arguida XX e firma TT, aquela foi contratada para prestar os serviços de manutenção elétrica, manutenção mecânica e medições nos hotéis do ..., entre os quais o ....
227. A XX e os seus técnicos estavam, como estão, devidamente habilitados para o efeito.
228. Os serviços de manutenção em causa seriam realizados de forma partilhada, pelo que a execução dos trabalhos por parte dos técnicos da XX seria efetuada (com exceção dos referentes às unidades interiores, redes de tubagens, ventiladores, bombas de circulação, caldeiras, grupos hidropressores, condutas, grelhas de extração) com o acompanhamento permanente de, pelo menos, um técnico residente do ....
229. Foi neste âmbito que em ... de ... de 2015, com o início da primeira intervenção da XX, o técnico EEE (devidamente habilitado para o efeito), após lhe ter sido indicado pelo arguido AA (técnico residente), se desloca pelas 15 horas, acompanhado deste, ao 6º piso do ... para apenas apontar o número de identificação das especificidades técnicas da placa que consta na máquina UAP-Q, que estava localizada num compartimento fechado.
230. Tal número de identificação seria necessário para a eventual realização futura dos trabalhos de manutenção.
231. A vítima não iria executar naquele dia qualquer trabalho de manutenção na máquina UAP-Q que estava localizada no compartimento fechado do 6 piso.
232. A XX ministrou formação à vítima EEE no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o posto de trabalho e o exercício de atividade exercida.
233. O local onde se deu a queda não estava identificado/qualificado como de risco ou de perigo pelo plano elaborado pela UU.
234. Os trabalhos contratados à arguida XX nunca seriam realizados em altura.
235. A arguida XX é uma sociedade comercial por quotas detida maioritariamente pela ..., tendo o ora arguido sido designado em ... de 2014 como um dos seus três gerentes, ou seja, 4 meses antes da data da celebração do contrato de manutenção com a sociedade arguida TT.
236. Contrato esse que o ora arguido não negociou, não propôs, nem assinou -
237. O ora arguido, como um dos três gerentes da sociedade XX (cargo que desempenha de forma gratuita e por inerência de funções - por ser administrador executivo da ... -), faz parte da estrutura decisória em ermos de planeamento e execução das políticas económicas e financeiras de curto, médio e longo prazo da sociedade, apenas participando nas reuniões de periodicidade mensal do conselho de gerência da arguida XX. * Mais se provou relativamente a VV:
238. VV, natural de ..., nasceu num contexto familiar tido como organizado e harmonioso, sendo o mais velho de 3 irmãos.
239. O arguido realizou um percurso escolar sem dificuldades, tendo ingressado na licenciatura em ... na ..., em ... curso que concluiu em ....
240. Inicialmente, trabalhou numa empresa de telecomunicações e posteriormente realizou o serviço militar obrigatório.
241. Em ... foi admitido na empresa ...), entidade onde se manteve desde então, com o desempenho de várias funções, nomeadamente com cargos de chefia e progressivamente, com atividade de maior exigência e responsabilidade.
242. Desde ... que VV exerce funções como administrador desta empresa e por inerência de outras empresas do mesmo grupo empresarial, nomeadamente a XX.
243. Aufere um vencimento mensal de cerca de 3300€ como administrador executivo.
244. VV casou em ... e nessa altura autonomizou-se da família de origem. Da relação conjugal, cuja dinâmica referência positivamente, tem duas filhas, com 16 e 18 anos de idade respetivamente, ambas estudantes e aos cuidados do arguido e da esposa.
245. Não tem antecedentes criminais registados. * Mais se provou relativamente à XX:
246. Não tem antecedentes criminais registados. *
1. Factos Não Provados Com interesse para a boa decisão da causa, não se provou que:
a. O arguido AA sempre se deslocou com regularidade ao comportamento situado no 6º piso do hotel e, na situação referida em 15, dirigiu-se a um dos lados da máquina para procurar a chapa com as características da máquina a fim de identificar as suas especificações técnicas.
b. Apesar de ter como função a direção dos serviços de manutenção do “...”, DD nunca se deslocou ao referido compartimento no 6.º piso a fim de verificar o estado dos equipamentos aí instalados ou das condições de instalação e funcionamento dos mesmos, nomeadamente da courette acima referida, de forma a poder ordenar a substituição da tábua de aglomerado de madeira pensada por um material mais rijo que aguentasse o peso de um corpo humano.
c. Apesar de ter pleno acesso ao referido compartimento do 6.º piso e de ali trabalharem, funcionários do hotel, nomeadamente o arguido AA, MM nunca se deslocou ao referido compartimento para verificar e assinalar os perigos que ali pudessem existir, pelo que nenhum dos planos acima referidos identificou o perigo de queda em altura relativamente à courette técnica existente no referido compartimento.
d. Para efeitos de elaboração dos relatórios sobre a identificação de perigos e riscos, os técnicos da UU tinham acesso a todas as divisões e locais onde trabalhadores do hotel desempenhassem funções, nomeadamente o compartimento do 6.º piso onde se encontra a courette técnica acima referida e onde trabalhava com regularidade AA.
e. Por sua vez, enquanto coordenador técnico do trabalho do arguido MM e pessoa que aprovou os planos de identificação de perigos e avaliação de riscos acima referidos, o arguido PP não diligenciou no sentido de verificar se MM tinha passado em revista todos os locais de trabalho onde os funcionários do hotel trabalhavam, nomeadamente o referido compartimento no 6.º piso, falhando nos seus deveres de fiscalização e controlo da atividade do arguido MM.
f. A partir de ..., a sociedade AAAA., representada pelo arguido VV, ficou responsável pela manutenção preventiva na área da climatização e ar condicionado dos hotéis do ..., do qual faz parte o “... tendo realizado a primeira vistoria e intervenção no dia ... de ... de 2015.
g. A sociedade XX, enquanto entidade patronal do ofendido EEE, não procedeu à elaboração de um relatório de identificação de perigos e avaliação de riscos para os locais de trabalho que ofendido utilizaria nas instalações do “...” no âmbito do contrato de manutenção preventiva dos sistemas de climatização e responsabilidade ... no âmbito do ..., conforme estava obrigada.
h. O arguido GG, enquanto responsável pelos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho no “...”, deveria, de acordo com as obrigações decorrentes do seu contrato de trabalho e das suas funções, ter efetuado uma vistoria a todos os compartimentos do hotel, nomeadamente àquele onde se encontrava a máquina UAP-Q e a courette técnica por onde passavam os tubos ligados às máquinas de climatização do hotel, o que não fez, não lhe permitindo, desta feita, tomar conhecimento da existência da tábua de aglomerado de madeira prensada que tapava a courette técnica por onde caiu o ofendido e do perigo que tal tábua constituía para quem andasse por cima da mesma.
i. O arguido GG estava em condições de cumprir o seu dever de vistoria aos vários compartimentos do hotel bem como de se aperceber de que, não o fazendo poderiam advir da sua conduta omissiva lesões para terceiros e que a sua conduta era socialmente desvaliosa e criminalmente punível.
j. Caso GG tivesse procedido à verificação da máquina e da courette técnica existente no compartimento do 6.º piso do hotel poderia ter descoberto a fragilidade da tábua que se partiu e, sinalizando o local como constituindo perigo de queda, teria evitado a queda em altura e a morte do ofendido.
k. A sociedade BBBB representada pela presidente dos conselhos de administração JJ, não assegurou, através dos seus funcionários, a segurança do trabalhador EEE que trabalhava para a empresa “XX – Serviços de Engenharia e Manutenção, Lda.” quando aquele efetuava trabalhos nas suas instalações no “...”.
l. Por outro lado, a sociedade “TT” deveria ter alertado a sociedade “XX” dos potenciais riscos a que os trabalhadores desta última estariam expostos durante os trabalhos adjudicados no hotel em causa.
m. Sendo certo que a sociedade “TT” possuía relatórios de identificação de perigos e avaliação de riscos do edifício do “...” onde não se encontrava identificada a existência do perigo de queda relacionado com o referido painel de aglomerado de madeira prensada, não tendo, ainda, apresentado à “XX” o referido plano de avaliação de riscos de forma a que os responsáveis desta empresa pudessem identificar quais os perigos existentes nos locais onde os seus trabalhadores iriam exercer funções.
n. Por sua vez, a arguida JJ não cumpriu com os deveres de fiscalização e controlo de que se encontrava incumbida, enquanto presidente dos conselhos de administração das sociedades “TT” e “SS” e responsável pela atividade dos trabalhadores das referidas sociedades no “...”, nomeadamente dos arguidos AA, DD e GG.
o. A arguida JJ estava em condições de cumprir o seu dever de fiscalização e controlo da atividade dos funcionários das empresas que administra, bem como de se aperceber de que, não o fazendo, poderiam advir da sua conduta omissiva lesões para terceiros e que a sua conduta era socialmente desvaliosa e criminalmente punível.
p. Os arguidos AA, DD e GG agiram sob as ordens e direção da arguida JJ.
q. Caso JJ tivesse fiscalizado e controlado a atividade dos trabalhadores das sociedades de que é administradora, poderia ter-se descoberto a fragilidade da tábua que se partiu, substituindo a mesma ou sinalizado o perigo de queda em altura, assim se evitando a queda e a morte do ofendido EEE.
r. O arguido MM, enquanto técnico da “UU” responsável pelos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho no “...”, deveria, de acordo com as obrigações decorrentes do seu contrato de trabalho e das suas funções, ter efetuado uma vistoria a todos os compartimentos do hotel, nomeadamente àquele onde se encontrava a máquina UAP-Q e a courette técnica por onde passavam os tubos ligados às máquinas de climatização do hotel, o que não fez, não lhe permitindo, desta feita, tomar conhecimento da existência da tábua de aglomerado de madeira prensada que tapava a courette técnica por onde caiu o ofendido e do perigo de queda em altura que tal tábua constituía para quem andasse por cima da mesma.
s. O arguido MM estava em condições de cumprir o seu dever de vistoria aos vários compartimentos do hotel bem como de se aperceber de que, não o fazendo poderiam advir da sua conduta omissiva lesões para terceiros e que a sua conduta era socialmente desvaliosa e criminalmente punível.
t. Por sua vez, o arguido PP não cumpriu com os deveres de fiscalização e controlo da atividade desenvolvida pelo arguido MM de que se encontrava incumbido, enquanto coordenador técnico do trabalho do referido arguido e responsável pela atividade no âmbito da segurança, higiene e saúde no trabalho dos trabalhadores da referida empresa bem como gerente da sociedade “UU”.
u. O arguido PP estava em condições de cumprir o seu dever de fiscalização e controlo da atividade dos funcionários da empresa que gere, bem como de se aperceber que, não o fazendo, poderia advir da sua conduta omissiva lesões para terceiros e que a sua conduta era socialmente desvaliosa e criminalmente punível.
v. O arguido MM agiu sob as ordens e direção do arguido PP, e ambos agiram no interesse da sociedade “UU”.
w. Caso os arguidos MM e PP tivessem cumprido os seus deveres no âmbito da segurança, higiene e saúde no trabalho no “...”, o primeiro verificando todos os compartimentos do hotel e o segundo fiscalizando e controlando a atividade dos trabalhadores da sociedade de que é gerente, poderia ter-se descoberto a fragilidade da tábua que se partiu, substituindo a mesma ou sinalizado o perigo de queda em altura, assim se evitando a queda e a morte do ofendido EEE.
x. O arguido VV, enquanto representante da sociedade “XX”, entidade patronal do ofendido EEE, não cumpriu com o dever que lhe incumbia de ordenar a realização de um plano de identificação de perigos e avaliação de riscos relativos aos locais de trabalho que o ofendido iria frequentar no “...”.
y. O arguido VV estava em condições de cumprir o seu dever de ordenar a realização do referido plano, bem como de se aperceber de que, não o fazendo, poderia advir da sua conduta omissiva lesões ou a morte para o ofendido EEE e que a sua conduta era socialmente desvaliosa e criminalmente punível.
z. Enquanto gerente da sociedade “XX”, as atuações e omissões do arguido VV ocorreram no interesse da referida sociedade.
aa. Caso VV tivesse ordenado a realização do plano de identificação de perigos e avaliação de riscos relativos aos locais de trabalho que o ofendido iria frequentar no “...” poderia ter-se descoberto a fragilidade da tábua que se partiu, substituindo-a, ou sinalizando o perigo de queda em altura, assim se evitando a queda e a morte do ofendido. * Da contestação de AA:
bb. O arguido nunca antes havia estado em nenhum dos compartimentos existentes nos restantes andares inferiores e situados na vertical da “Courette” que cedeu, que lhe pudesse permitir ter consciência daquele perigo concreto e, mesmo naquele sétimo piso, só antes lá estivera duas vezes.
cc. Na primeira, que ocorreu no ano de 2007 e na companhia do seu colega TTT, iniciaram a visita àquele local sem a companhia do superior hierárquico de ambos, EEE, que chegou no exato momento em que o arguido se deslocava para o local da “courette”, a tempo de avisá-lo para ter “cuidado pois podia cair”, tendo então este evitado aquele local.
dd. Voltou uma segunda vez ao local, sozinho, no ano de 2012, e só para mudar o filtro daquele equipamento, operação que não carecia de deslocação para o local da “courette”.
ee. Desconhecia, em absoluto, se aquela “courette”, que era precedida de um pequeno murete com cerca de 15 cm e pintada da mesma cor do restante piso, ocultava um desnível no solo de 50 cm, 5 metros ou os absurdos mais de 20 metros, nem, ainda, de que material era feita, qual a espessura que tinha, de que forma se encontrava fixada, quem a tinha colocado e à quanto tempo, nem que finalidade estrutural ou funcional prosseguia e, mais importante, não tinha, sequer, qualquer aptidão ou qualificação profissional para tal. * Da contestação de DD:
ff. Nas funções do arguido não se incluía a fiscalização dos serviços de manutenção.
gg. As funções do arguido eram de gestão da manutenção e não no terreno. * Da contestação da TT:
hh. Nenhum trabalhador com funções ao nível médio e ou superior tinha conhecimento da existência daquela extremidade e/ou da forma como a mesma se encontrava tapada, designadamente que a dita extremidade da courette existente ao nível do 7º piso do Hotel (na cobertura) constituía um perigo para a segurança e saúde de quem quer que fosse.
ii. Nenhum dos colaboradores que desempenhavam funções de manutenção dos equipamentos do ..., designadamente de equipamentos de AVAC, conhecia o interior da courette e a sua configuração, nem se aperceberam da natureza do material da placa que tapava a extremidade, havendo apenas uma suspeita por parte de um dos auxiliares da manutenção de que o “local” era perigoso, sem ter, porém, o conhecimento ou a perceção da verdadeira natureza e dimensão de risco desse perigo.
jj. A placa de madeira que cobria a extremidade da courette nunca fora aberta durante cerca de 25 anos, desde a conclusão da obra de construção do Hotel até à data de .../.../2015.”
III- Convicção da matéria de facto
O Tribunal a quo apresentou a seguinte convicção da matéria de facto: “O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise crítica e ponderada de todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, valorados na sua globalidade à luz das regras de experiência comum (artigo 127º do Código de Processo Penal). Foram assim valoradas as declarações prestadas pelos arguidos DD, GG, JJ, MM, PP, VV e XX (na pessoa do seu legal representante ZZ), pela assistente BBB, bem como os depoimentos das testemunhas CCCC (..., ex-sócio-gerente da sociedade que construiu o hotel), DDDD (...), EEEE (ex-funcionário da XX), EEE (mestre geral de manutenção no ...), FFFF (... que participou na construção do hotel), GGGG (técnico de segurança e saúde no trabalho, agora no ..., em ... na UU), HHHH, IIII, JJJJ e KKKK (amigos e colegas de trabalho da assistente), LLLL (psicólogo que acompanha o assistente CCC), MMMM (padrinho da assistente CC), NNNN (perito avaliador), II (profissional de seguros na ...), TTT, SSS e OOOO (técnicos de manutenção no ...), PPPP (ex-diretor do hotel ...), QQQQ (diretor do ...), QQQ (ex-subdirector do ...), RRRR (gestora de recursos humanos no ...), SSSS (ex-responsável dos serviços de segurança e saúde no trabalho do ...), TTTT (gestor hoteleiro no ...), UUUU (conhecido do arguido GG), VV (amigo da arguida JJ) e VVVV e WWWW (técnicos de higiene e segurança no trabalho). Relativamente à abundante prova documental, o Tribunal analisou, a participação de fls. 2 a 4, as fotografias de fls. 5 a 10, o inquérito de acidente de trabalho de fls. 21 a 29, os documentos de seguros de fls. 30 a 49, a participação de acidente de trabalho de fls. 50, a cópia do cartão de cidadão de fls. 51, os recibos de vencimento de fls. 52 a 55, o contrato entre a XX e o ... de fls. 152 a 156, os relatórios de identificação de perigos e avaliação de riscos de fls. 159 a 179, a ficha de aptidão de fls. 137, o auto de notícia da ... de fls. 138 a 141, a certidão da matrícula de “TT” de fls. 142 a 143, o relatório do ... “TT” de fls. 144 a 149, a comunicação “TT” à ... de fls. 150 a 151, o Auto de notícia da ... de fls. 180 a 183, a certidão da matrícula da “XX” de fls. 283 a 285, o Relatório do ... “XX” de fls. 186 a 198, a informação da “XX” de fls. 199, o relatório da autópsia médico-legal de fls. 233 a 237, a planta do local do acidente de fls. 255, o auto de apreensão de fls. 258, o relatório de exame ao local de fls. 259 a 275, o certificado de frequência de formação profissional de fls. 279 a 282, a declaração da “XX” de fls. 308, a declaração de nomeação de representante da “TT” de fls. 326, os relatórios das sociedades arguidas de fls. 353 a 375, o contrato de prestação de serviços da “UU” de fls. 384 a 387, os relatórios de identificação de perigos e riscos de fls. 388 a 404 a 422, a certidão da matrícula da “UU” de fls. 589, a Certidão da matrícula da “SS” de fls. 622 a 629, o contrato de trabalho de GG de fls. 649 a 661, o contrato de trabalho de MM de fls. 666 a 668 e as telas finais do projeto de construção do Hotel (em volume anexo). Quanto aos documentos apresentados pelos arguidos, atendeu-se à ficha de descrição de funções do arguido DD e da declaração de gozo de férias. Mais se atendeu à inúmera documentação junta pela arguida JJ (nomeadamente os documentos referentes à organização do grupo ..., fichas de descrição de funções, certidões permanentes e a documentação referente ao hotel – escritura, alvará, licença de utilização e ficha técnica) e ainda ao parecer jurídico da Professora Paula Ribeiro de Faria (artigo 426º do Código de Processo Civil ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal). Também os arguidos MM, PP e UU juntaram fotografias (o primeiro juntou ainda uma fotografia de reconstituição do local à data do acidente), tendo este último procedido ainda à junção de um e-mail trocado com XXXX e de documentação referido ao técnico VVVV. No que se refere aos pedidos de indemnização civil, analisaram-se as certidões de registo civil, o relatório de intervenção psicológica do demandante CCC, as condições particulares da apólice, as peças do processo de trabalho, a participação de acidente junto da seguradora e os documentos comprovativos de pagamentos por parte da demandante seguradora. Concretizando e especificando como se formou a convicção do Tribunal relativamente ao envolvimento de cada um dos arguidos nos factos que se consideraram como provados e não provados. Desde logo, e quanto aos factos 1º a 3º as respetivas relações laborais comprovadas documentalmente e as funções confirmadas, quer pelas respetivas declarações dos arguidos ou pelas testemunhas EEE, TTT, SSS, QQQQ, QQQ, OOOO, PPPP, RRRR e SSSS, todos com relações laborais (ou ex-relações laborais) com as sociedades arguidas, sendo que, quanto a DD, as funções encontram-se complementadas no facto 66º que se considerou como provado (e que deriva da respetiva contestação). Já a propriedade do hotel (facto 4º) encontra-se comprovada documentalmente. No que diz respeito aos factos 5º a 7º, o Tribunal teve em atenção as declarações dos coarguidos DD e GG (que confirmaram as funções do arguido AA), MM (que identificou o coarguido AA como pertencente à equipa de manutenção do hotel), DDDD (inspetor do trabalho que se deslocou ao local após o acidente, tendo sido acompanhado pelo arguido AA, por ser o técnico residente de manutenção), EEE (que explicou, com grande naturalidade, que o AA e o “MMM” iam àquele compartimento, que sabia da existência do “buraco”, tal como sabiam todos os elementos da manutenção e que o AA era o técnico residente do hotel desde o ano de ...). Quanto às características da tábua, resultam da participação de acidente, do relatório de inspeção da Polícia Judiciária e do inquérito de acidente de trabalho, conjugados com o depoimento de EEE, do inspetor DDDD e do ... CCCC, o qual explicou, com grande detalhe e precisão, as características da mesma. O facto 8º foi confirmado pelo arguido GG, o qual confessou nunca se ter deslocado a tal compartimento, tanto mais que o desconhecia e, desde que iniciou funções no hotel, em 2010, nunca ninguém o avisou de tal situação, sendo certo que só teve acesso às plantas do hotel após a aposentação do coarguido DD. Os factos 9º e 10º encontram-se comprovados documentalmente (cf. certidão permanente da sociedade e contrato celebrado entre a mesma e o ...). O facto 11º, para além de comprovado documentalmente (cf. relatórios de segurança, higiene e saúde no trabalho), foi confessado pelo próprio MM. Também comprovado documentalmente se mostra o facto 12º, sendo certo que é regra do ... que todos os trabalhadores externos sejam sempre acompanhados por alguém “da casa” (conforme nos disseram todas as testemunhas que trabalham/trabalham em tal grupo, nomeadamente, EEE, TTT, SSS, QQQ, OOOO, PPPP, RRRR e SSSS). Os factos 13º e 14º foram confirmados por DD, GG, EEE e DDDD, sendo que, quanto aos factos 15º e 16º dúvidas inexistem quanto aos mesmos, pois EEE efetivamente caiu naquele local, não tendo tal facto sido contestado por qualquer umas partes deste processo, pelo que, para ter caído naquele loca, teve de ter acesso àquele local, sendo que, conforme confirmado pelas testemunhas atrás referidas, foi AA que lhe abriu a porta do compartimento. Os factos 17º a 18º são inegáveis, resultando dos relatórios quer da Polícia Judiciária quer da ..., bem como ainda do relatório da autópsia. Consideraram-se os factos 19º a 22º como provados desde logo pela fatalidade ocorrida, pois, caso EEE tivesse sido avisado da armadilha escondida, não ocorreria a queda. Acresce que EEE nos confirmou ter avisado o arguido AA de tal perigo, tal como nos confirmou TTT, o qual estava a trabalhar no compartimento com o AA e ouviu o EEE a avisá-los de que estava ali um sítio perigoso (embora não se consiga recordar de mais, o que é compreensível, atento o período de tempo envolvido, mais de 10 anos). Também OOOO e SSS confirmaram que EEE os havia avisado de um perigo no compartimento do sexto piso, sendo que, da conjugação da factualidade objetiva apurada com as regras da normalidade e da experiência comum do julgador, teremos sempre de concluir que, quem atua como o arguido atuou, sem qualquer interferência de elemento perturbador da capacidade intelectual e da vontade, não pode deixar de querer atuar como o descrito, sendo que, tendo consciência do perigo, não agiu em conformidade, embora, e disso não temos dúvidas, não se conformou com a morte da vítima. Apenas uma precisão quanto ao facto 19º: retirou-se a expressão “responsável pela manutenção das courretes” pois, conforme resultou claro, as courretes em si não necessitam de qualquer manutenção (todos os técnicos de manutenção o confirmaram). No que diz respeito aos factos 23º a 25º, o arguido DD tentou convencer-nos que a sua função quase que se resumia à leitura de relatórios, não fazendo qualquer tipo de vistorias ou fiscalização. Em primeiro lugar, diga-se, desde já, que, se assim fosse não se entende o motivo pelo qual se deslocou ao compartimento em questão, conforme nos disse. Pelo contrário, o coarguido GG, superior hierárquico daquele, explicou-nos que a toda a equipa de manutenção reportava ao DD e este, por sua vez, reportava a si (mas apenas desde o momento em que entrou no hotel em 2010, sendo que antes as suas funções eram exercidas pelo próprio DD). Mais nos disse, ao contrário do que DD nos disse, que este ia “ao terreno” (conforme nos confirmou TTT, técnico de manutenção na lavandaria e que afirmou ter recebido visitas do DD para “ver o seu trabalho”). É certo que EEE nos disse que devia ter reportado o perigo ao DD, mas isso não o exime do facto de, enquanto responsável máximo do departamento de manutenção, de cumprir o seu dever de vistoria, sabendo que, não o fazendo, poderiam advir lesões para terceiros (isto mesmo resulta das regras da normalidade e da experiência comum). Repare-se ainda que GGGG descreveu o DD como uma chefia direta da manutenção e o ex-diretor do hotel, PPPP, explicou que em ... a responsabilidade do DD abrangia a segurança do edifício e que, antes da entrada do YYYY, a manutenção do hotel apenas contava com o DD. Também QQQQ, diretor de outro hotel do grupo, explicou que cabia ao DD verificar se as reparações eram bem-feitas, pelo que a tese de que o seu trabalho era basicamente de escritório não pode, de todo, proceder. O facto 26º assume-se como uma decorrência do que já ficou escrito, se os trabalhadores da SS tivessem assinalado o perigo, EEE não teria falecido e o facto 27º resulta daquilo que nos foi dito por ZZ, legal representante da XX, que negociou o contrato, tendo falado com DD e GG. Considerando que AA e DD agiram na qualidade de trabalhadores da SS, mas que também se encontravam responsáveis por um edifício propriedade da TT, apenas podemos concluir que agiam no interesse destas duas sociedades (facto 28º). Por fim, o facto 29º encontra-se comprovado documentalmente. * Quanto aos factos do pedido de indemnização civil dos assistentes BBB, CC e CCC (factos 30º a 47º), o Tribunal valorou a prova documental (assentos de nascimento e casamento) e as declarações da assistente BBB, tendo as mesmas sido corroboradas por todas as testemunhas por si arroladas (KKKK, MMMM, HHHH, IIII e LLLL), as quais nos explicaram, em depoimentos consentâneos e espontâneos, o sofrimento causado nos assistentes com a morte inesperada do respetivo marido/pai, o que teve efeitos ainda mais profundos no assistente CCC, o qual, já sofrendo de algum mau estar psicológico, viu o seu estado de saúde a agravar-se (conforme nos explicou o psicólogo LLLL). Acrescente-se ainda ter sido patente, durante as suas declarações, o sofrimento e desgosto que ainda assolam a assistente BBB, viúva. Os factos relativos aos segundos/minutos antes da morte de EEE resultam das regras da experiência e da normalidade comum. Já os factos do pedido de indemnização civil da ... (factos 48º a 51º) encontram-se provados documentalmente, tendo os pagamentos sido ainda confirmados quer pela assistente BBB, quer por II (profissional de seguros na ...). * Os factos da contestação do arguido AA resultam da circunstância daquele apenas ter iniciado as suas funções no Hotel no ano de ..., conforme nos disse EEE e JJ (factos 52 e 53), quer daquilo que nos foi dito por EEEE, que confirmou o que iam fazer no hotel naquele fatídico dia (facto 54), quer da própria queda de EEE (facto 55), quer do que nos foi dito por EEE, a quem AA reportava (factos 56 a 57). Os factosda contestação do arguido DD (factos 65 a 74) resultam das suas declarações, conjugado com o documento de descrição de funções e com o depoimento do coarguido GG e das testemunhas EEE, PPPP, QQQQ e SSSS, os quais, em uníssono, explicaram as funções daquele (pese embora tenha resultado claro que são um pouco mais amplas do que aquele nos quis fazer acreditar quando prestou declarações). O gozo das férias encontra-se comprovado documentalmente. Os factosda contestação do arguido GG (factos 79 a 89) resultam das suas declarações, conjugadas com o documento o documento de cessão de posição contratual de contrato de trabalho (fls. 658), com o contrato celebrado com a UU, respetivos relatórios e com o depoimento do coarguido DD e da testemunha SSSS, os quais nos descreveram, em consonância, a relação laboral que tinham com GG. Os factos 97º a 99ºda contestação da arguida JJ resultam das suas declarações, corroboradas com as dos coarguidos DD e GG, com os depoimentos das testemunhas EEE, RRRR, TTTT, PPPP, QQQ e SSSS e ainda pela prova documental (nomeadamente, organogramas e ficha de descrição de funções), tendo resultado claro que aquela não exercia qualquer função, nem sequer de controlo, do departamento de manutenção dos hotéis. A convicção do Tribunal quanto aos factos 100º a 149º baseou-se na prova documental (fls. 1608 a 2653), tendo sido ainda confirmados por PPPP e QQQ (factos 137/138), por SSS, EEE, DD e GG (factos 139º a 149º). Por seu turno, os factos 150º a 161º resultam do contrato celebrado com a UU, devidamente conjugado com as declarações do arguido MM e com o depoimento das testemunhas RRRR, SSSS, PPPP, QQQ, EEE e SSS. Os factos 162º a 169º foram explicados, com clareza pela arguida, declarações essas corroboradas com a prova documental (nomeadamente quanto aos cargos exercidos) e com as declarações do coarguido GG e com o depoimento da testemunha TTTT. O facto 170º foi confirmado pelo legal representante da XX (ZZ). Por fim, os factos 171º a 179º encontram-se comprovados documentalmente, tendo o ... CCCC, ex-sócio-gerente da sociedade que construiu o hotel, nos explicado as vicissitudes do mesmo e passagem para o .... Resultando documentalmente provado que o hotel é propriedade da TT, apenas se poderia considerar o facto 183º (da contestação da SS) como provado. Já o facto 184º encontra-se comprovado documentalmente. Os factos 186º a 190º da contestação da TT resultam dos relatórios de inspeção judiciária e laboral, bem como do depoimento de todos os técnicos de manutenção do hotel (TTT, SSS, OOOO e EEE) e ainda da própria documentação junta pela arguida JJ, donde resulta a relação laboral daqueles com a SS. No que diz respeitos aos factos 191º a 196º o Tribunal teve em consideração o depoimento do ... CCCC e de EEE, conjugados com a prova documentalmente, nomeadamente, a licença de utilização, o auto de vistoria e o balancete da TT. Os factos 198º a 207º das contestações de MM, PP e UU resultam das declarações espontâneas do arguido MM, corroboradas pelas declarações dos coarguidos DD, GG, JJ e pelos depoimentos das testemunhas TTT e SSS (que confirmaram que o compartimento estava sempre fechado, sendo o seu acesso muito limitado), EEE (que afirmou perentoriamente que nunca nenhum técnico de segurança e higiene se deslocou ao compartimento), PPPP, GGGG, QQQ e SSSS. De todos estes elementos de prova resultou claro, sem margem para qualquer dúvida, que todas as visitas de MM, bem como de outros prestadores de serviços externos ao grupo, eram sempre acompanhadas por colaboradores do ..., sendo que, apesar do contrato celebrado com a UU referir que esta tem pleno acesso de circulação, este era, na prática, limitado pela vontade dos colaboradores do grupo (note-se que SSS acrescentou que, no ..., “correu” todas as áreas técnicas com MM, o que já não aconteceu no ...), sendo que, ninguém tendo indicado a existência de tal compartimento a MM (PPPP e QQQ acompanharam visitas de MM, mas nunca o levaram até tal área técnica), conjugado com a dimensão do hotel, mais de cem quartos e seis pisos (conforme resulta da documentação), o Tribunal ficou plenamente convicto que, apesar de MM questionar sempre quem o acompanhava sobre os locais onde se desenvolviam trabalhos, nunca foi indicada ao arguido a existência de tal compartimento técnico. Efetivamente, o arguido nunca se deslocou ao compartimento onde ocorreu o acidente e não o fez porque tal compartimento nunca em nenhuma das várias visitas que fez ao hotel lhe foi dado a conhecer, nem nunca lhe foi referido que ali, muito esporadicamente (por vezes passavam-se períodos de cerca de dois anos ou mais sem que ninguém lá fosse), se realizavam trabalhos. Não se pode esperar que alguém, por mais diligente que seja, possa por si só saber de todos os locais onde há processos de trabalho sem a ajuda e colaboração de alguém interno da entidade que contrata os serviços. Já os factos 207º a 209º resultam das declarações do arguido PP, o qual explicou que se limitava a apreciar os relatórios dos seus técnicos para evitar incongruências, sendo que, conforme resulta do regime legal (nomeadamente da Lei 102/2009, de 10.09), o técnico de segurança goza de autonomia técnica, não sendo obrigatório, nem exigível, que o gerente da empresa fiscalize a atividade dos técnicos de segurança e saúde no trabalho. Por fim, e quanto à contestação de VV (factos 226º a 237º), o Tribunal atendeu às suas declarações, marcadas por uma clara objetividade e genuinidade, corroboradas pelas declarações de ZZ (legal representante da XX, que afirmou ter sido ele, e não o arguido VV, a negociar o contrato em causa), com o depoimento da testemunha EEEE (funcionário da XX que ia fazer o levantamento dos equipamentos ao hotel) e ainda aos seguintes documentos: o contrato celebrado entre a XX e o ... (fls. 62), com os documentos comprovativos de formação ao sinistrado (fls. 279 a 282) e com a certidão permanente da XX. As condições económico-sociais dos arguidos resultaram dos relatórios sociais juntos aos autos, conjugados com os depoimentos das testemunhas que DD, GG e JJ arrolaram. Por fim, analisaram-se os certificados de registo criminal de cada um dos arguidos. * Vejamos, agora, o motivo pelo qual o Tribunal considerou como não provados os factos supra elencados. Desde logo, e quanto ao facto a), e conforme já se deixou acima escrito, sabemos que AA se deslocou algumas vezes a tal compartimento, mas não podemos dizer que foi com regularidade. EEE explicou que a unidade de tratamento que lá se encontrava esteve avariada alguns anos, pelo que a deslocação dos técnicos a tal compartimento era esporádica. Quanto ao que ZZZZ fez no interior do compartimento no fatídico dia, e tendo o mesmo se remetido ao silêncio, não há maneira de saber, pelo que se deu tal facto como não provado. O facto b) foi negado pelo próprio arguido DD, o qual nos disse que se deslocou a tal compartimento pelo menos duas vezes, pese embora não tenha esclarecido o motivo da sua deslocação a tal local. Atento o que se deixou escrito quanto aos factos 198º a 209º, apenas poderíamos considerar os factos c) a e) como não provados. Considerou-se o facto f) como não provado por não corresponder à verdade, tal como resulta da abundante documentação existente nos autos, nomeadamente da proposta apresentada pela arguida XX (fls. 62 e seguintes), onde se lê que esta empresa iria apenas executar os serviços de “manutenção elétrica, manutenção ... e medições” , estando excluídas as unidade interiores, redes de tubagens, ventiladores, bombas de circulação, caldeiras, grupos hidropressores, condutas, grelhas de extração, sendo que estas ficaram a cargo das equipas de manutenção do próprio .... No que diz respeito ao facto g), não podemos, de todo, considerar como provado que a XX estava obrigada a elaborar um relatório de identificação de perigos e avaliação de riscos para a função que a vítima EEE ia desempenhar no dia em que acabou por falecer. Conforme já resultou provado, o trabalhador ia apenas apontar o número de identificação das especificidades técnicas de uma placa, não indo executar qualquer trabalho de manutenção em tal máquina (que se encontrava dentro de um compartimento fechado à chave). Ora, sendo os trabalhos a realizar num hotel que á tinha um plano de avaliação de riscos elaborado por uma empresa especializada na área, e tendo sido ministrado ao trabalhador formação no domínio da segurança e saúde no trabalho, não se cogita sequer qual o plano que a XX estava obrigada a realizar, conforme VV tão bem explicou. Quanto aos factos h) a j), e conforme já se deixou escrito, tais funções eram da competência do coarguido DD, responsável pela área de manutenção de equipamentos (conforme tão bem explicaram EEE e SSSS), sendo que, para além de GG ter entrado no ... numa fase mais tardia do que DD não é, segundo as regras da experiência e normalidade comuns, cogitar que este tivesse a responsabilidade de verificar todos os compartimentos do hotel quando havia um engenheiro já no grupo (o arguido Mendonça), responsável pela área de manutenção e que deveria reportar a si. Deram-se como não provados os factos k) a m) porquanto, conforme já se deixou supra escrito, a manutenção do hotel era da competência da SS, empresa do mesmo grupo da TT que presta tais serviços em todos os hotéis do grupo. Atento o que já se escreveu a propósito dos factos 97º a 99º (da contestação da arguida JJ), teremos, necessariamente, de considerar os factos n) a q) como não provados (repare-se que DD afirmou, expressamente, nunca ter falado com JJ). Também devido ao que já se deixou escrito relativamente aos factos 198º a 209º (da contestação dos arguidos MM, PP e UU), demos como não provados os factos r) a w). Quanto aos factos x) a aa), remete-se para o que já se deixou escrito relativamente aos factos 226º a 237º, sendo que o Tribunal não pode deixar de realçar que não se entende o motivo pelo qual este arguido é acusado em nome pessoal, uma vez que o gerente que negociou o contrato em causa, ZZ, apenas intervém nestes autos na qualidade de legal representante da XX, pelo que, a ser acusado um gerente da XX, deveria ter sido ZZ. No que se refere aos factos bb) a ee), da contestação do arguido AA, e atento o seu silêncio, apenas poderíamos considerar os mesmos como não provados, não tendo sido produzido qualquer meio de prova que permitisse concluir pela veracidade de tais factos: nem uma única testemunha confirmou tais factos. Relativamente aos factos ff) e gg), remete-se para aquilo que já se deixou escrito acerca dos factos provados 23º a 25º, tendo ficado claro que DD tinha mais funções do que declarou em julgamento (e procurou omitir) e do que aquelas que se encontravam na ficha de descrições de funções. Por fim, e quanto aos factos hh) a jj), o Tribunal atendeu ao depoimento das testemunhas TTT, SSS, OOOO e EEE, sendo que todos se mostraram conscientes do perigo que tal compartimento técnico representava. Apesar do conceito de “trabalhador com funções ao nível médio” não deixar de ser conclusivo, não podemos deixar de realçar que o mestre geral EEE, a quem os demais elementos da equipa técnica reportavam, conhecia perfeitamente o perigo em causa (aliás, quando aconteceu a queda, ele disse logo que a vítima só poderia estar no segundo piso). Aliás, também OOOO confirmou que, quando o hotel já era propriedade do ..., esteve no local e apercebeu-se perfeitamente do perigo, sendo que a tábua não se encontrava pintada. Sabemos ainda, através de EEE, que aquele local não esteve sempre igual desde a inauguração do hotel e que a placa de madeira foi pintada já neste século a mando do Engenheiro Maia (que reportava ao arguido DD) e sabemos também, através das fotografias e do depoimento de CCCC, que existiu um murete de proteção, destruído para montagem dos equipamentos, pelo que não poderíamos considerar como provado que o local sempre esteve igual desde a vistoria e inauguração do hotel.”
IV- Dos recursos
De acordo com o disposto nos artigos 368.º e 369.º do CPP (por força da remissão constante do art.º 424.º n.º 2 CPP), o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela ordem seguinte:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pelos vícios enumerados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a que se segue impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412.º, do mesmo diploma;
Por último, as questões relativas à matéria de Direito.
Do recurso interposto pelo Ministério Público
O Ministério Público, não se conformando com a absolvição dos arguidos MM, PP e sociedade UU, Lda. apresentou recurso, extraindo-se da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1. O Ministério Público entende que o tribunal recorrido não devia ter fixado a matéria de facto da forma como o fez, porque, em seu entender, não foi o que resultou da prova produzida em audiência. Entende que foi mal julgada a matéria de facto, invocamos assim a existência de erro na avaliação dos depoimentos e declarações dos intervenientes, bem como da restante prova produzida em audiência ou constante dos autos. 2. Dos elementos de prova resultou claro, sem margem para qualquer dúvida, que todas as visitas de MM, bem como de outros prestadores de serviços externos ao grupo, eram sempre acompanhadas por colaboradores do ..., sendo que, apesar do contrato celebrado com a UU referir que esta tem pleno acesso de circulação, cfr. fls. 384 a 387, este era, na prática, limitado pela vontade dos colaboradores do grupo (note-se que SSS acrescentou que, no ..., “correu” todas as áreas técnicas com MM, o que já não aconteceu no ...), vide sessão de ........2022, aos 11:14:52 até aos 11:56:58 minutos no sistema gravação do Citius. 3. Sendo que, ninguém tendo indicado a existência de tal compartimento a MM (PPPP e QQQ acompanharam visitas de MM, mas nunca o levaram até tal área técnica), citius sessão de ........2022, 12:05:15 a 16:52:15 minutos. 4. Ora ao contrário de que refere o Tribunal a quo a dimensão do Hotel, mais de cem quartos e seis pisos (conforme resulta da documentação), MM deveria ter feito, e não apenas questionar quem o acompanhava, uma visita a todos os locais onde se desenvolviam trabalhos no Hotel, aliás que ocorrem na totalidade do edifício, pois num hotel todo o espaço é zona de trabalho. 5. Ao contrário do que concluiu o Tribunal a quo o PP funcionário e gerente da arguida UU não diligenciou no sentido de verificar se MM tinha passado em revista todos os locais de trabalho onde os funcionários do hotel trabalhavam, basta referir as suas declarações prestadas em audiência de julgamento onde declarou que apenas: “se limitava a apreciar os relatórios dos seus técnicos para evitar incongruências (…) a corrigir o português”, cfr. sistema de gravação do citius de ........2022, 10:45:53 até aos 10:46:58 minutos. 6. No caso em apreço entendemos que a conclusão do Tribunal recorrido deveria ser outra, em concreto a sua condenação. O não ter feito o Tribunal a quo violou artigo 412.º n.º 3 do Código do Processo Penal e o nºs 1, 2 e 4, al. b) do artigo 152.º-B do Código Penal, por referência ao artigo 16º, nº2, alínea c) da Lei nº 102/2009, de ..., alterada pela Lei nº 2/..., de .... 7. Muito embora tenha sido dado como provado que: “Nunca foi dado a conhecer à UU, nem aos arguidos PP e MM, a existência do compartimento localizado no terraço do hotel, onde se deu o acidente, nem os equipamentos que lá existiam ou que os trabalhadores do hotel, ou de entidades terceiras, lá se deslocassem para desenvolver qualquer processo de trabalho” 8. Contudo, ao contrário do defende o Tribunal a quo, entende o Ministério Público que este desconhecimento não ocorreu apenas pela falta de colaboração pelos vários trabalhadores do hotel que acompanhavam MM nas suas deslocações ao edifício para realização do relatório sobre a identificação de perigos e riscos nos processos e locais de trabalho, mas sim e principalmente porque os mesmos, (PP e MM), não cumpriram os deveres como técnicos de higiene e segurança no trabalho. 9. A ..., define o Técnico Superior de Segurança e Higiene do Trabalho como: “o profissional que organiza, desenvolve, coordena e controla as atividades de prevenção e de proteção contra os riscos profissionais no contexto dos serviços de segurança e saúde do trabalho”. 10. Estes profissionais são responsáveis por inspecionar equipamentos, bem como a rotina das condições de trabalho dos funcionários, investigando e analisando as possíveis causas de acidentes, a fim de minimizá-las ou eliminá-las. 11. Além disso, é responsabilidade deste profissional garantir que as regras são devidamente cumpridas, atuando de modo preventivo dentro da empresa. O profissional também desenvolve programas de treino e capacitação e promove a aplicação de medidas preventivas. 12. Assim os arguidos MM e PP ao confiarem em terceiros, sem qualquer formação na área para desenvolver processos de avaliação de riscos profissionais, conceber, programar e desenvolver medidas de prevenção e de proteção, violaram os seus deveres como técnicos, consequentemente violaram as regras segurança, atuaram com negligência na elaboração dos planos de Identificação de Perigos e Avaliação de Riscos ao Processo de Trabalho do referido hotel ...-...-2014, ...-...-2014, ...-...-2015, ...-...-2015 e ...-...15., cfr fls. 70 a 179 e 388 a 422. 13. E, por fim, essa omissão levou à não detenção da referida corrette e dos perigos que ela apresentava para quem trabalhava no referido Hotel. Isto é, se o MM tivesse percorrido todos os compartimentos do hotel, em concreto o compartimento situado no 6.º piso do hotel onde se encontra a máquina UAP-Q (unidade extratora de ar dos quartos de banho do hotel), bem como teria visto uma courette técnica onde estão montadas condutas de climatização, courette técnica que se encontrava, à data dos factos, tapada, na parte não utilizada pelas referidas condutas de ar, por uma tábua de aglomerado de madeira prensada, pintada da mesma cor do pavimento (cinzento), sendo que a área não ocupada pelas condutas de ar permitia a passagem de um corpo humano. Teria naturalmente concluído que aquele local era perigoso, com risco de queda, como ocorreu no relatório após o acidente. 14. Ao não fazerem ambos os arguidos MM e PP funcionário e gerente da arguida UU não cumpriram com a sua função principal que é o proteger quem trabalha no hotel de acidentes. 15. Apesar de ambos os arguidos saberem da sua “alta” responsabilidade em avaliar corretamente, assinalar os perigos que pudessem existir em todos os locais de trabalho, pois a mesma está diretamente ligada à proteção da vida de pessoas, contudo não o fizeram, em concreto apesar de ter pleno acesso às instalações como decorre do contrato celebrado cfr. fls.384a 387dos autos, oarguido MM limitou- se a ver os locais que os trabalhadores do hotel lhe mostravam, desta forma nunca foi avaliado os riscos em todos os locais de trabalho do hotel, isto basta referir os relatórios realizados antes e depois do infeliz acidente. Basta ver que os relatórios de fls. 70 a 179, lidos os relatórios os mesmos aparentam, salvo melhor opinião, uma copy past do anterior, a mudança apenas acorre após o acidente no relatório de fls 388 a 422. 16. E por sua vez, PP funcionário e gerente da arguida UU não diligenciou no sentido de verificar se MM tinha passado em revista todos os locais de trabalho onde os funcionários do hotel trabalhavam, falhando nos seus deveres de fiscalização e controlo da atividade do arguido MM. 17. Isto significa que exerceram as suas funções com falta de zelo. Não exerceram a suas tarefas de forma imparcial, de maneira que busque o bem-estar de todos os colaboradores da empresa e não apenas de determinados grupos que trabalhavam naqueles locais que eram mostrados pelos trabalhadores do Hotel. 18. Em resumo, os arguidos como técnicos em segurança do trabalho não atuaram, de acordo com as normas legais, de modo a garantir um ambiente laboral seguro para os trabalhadores. 19. Em concreto com sua conduta omissiva não permitiu que fosse desenvolvidas as atividades de prevenção e de proteção contra os riscos profissionais no contexto dos serviços de segurança e saúde do trabalho no referido Hotel, praticaram assim os arguidos MM e PP funcionário e gerente da arguida UU, cada um crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte, previsto e punível pelos nºs 1, 2 e 4, al. b) do artigo 152.º-B do Código Penal, por referência ao artigo 16.º, n.º 2, alínea c) da Lei nº 102/2009, de 10 de setembro, alterada pela Lei nº 2/2014, de 28 de janeiro, e a pessoa coletiva UU – Saúde, Educação, Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho, Lda em autoria material e na forma consumada, um crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte, previsto e punível pelo nº 1, alíneas a) e b) do nº 2 e n.º 4 do artigo 11.º e nºs 1, 2 e 4, alínea b) do artigo 152.º-B do Código Penal, por referência ao artigo 16.º, nº 2, alínea c) da Lei nº 102/2009, de 10 de setembro, alterada pela Lei nº 2/2014, de 28 de janeiro. 20. Pelo que deve ser concedido provimento ao recurso e alterar a matéria de facto provada e considerar como provada, os factos dados como não provados: c) Apesar de ter pleno acesso ao referido compartimento do 6.º piso e de ali trabalharem, funcionários do hotel, nomeadamente o arguido AA, MM nunca se deslocou ao referido compartimento para verificar e assinalar os perigos que ali pudessem existir, pelo que nenhum dos planos acima referidos identificou o perigo de queda em altura relativamente à courette técnica existente no referido compartimento. d) Para efeitos de elaboração dos relatórios sobre a identificação de perigos e riscos, os técnicos da UU tinham acesso a todas as divisões e locais onde trabalhadores do hotel desempenhassem funções, nomeadamente o compartimento do 6.º piso onde se encontra a courette técnica acima referida e onde trabalhava com regularidade AA) Por sua vez, enquanto coordenador técnico do trabalho do arguido MM e pessoa que aprovou os planos de identificação de perigos e avaliação de riscos acima referidos, o arguido PP não diligenciou no sentido de verificar se MM tinha passado em revista todos os locais de trabalho onde os funcionários do hotel trabalhavam, nomeadamente o referido compartimento no 6.º piso, falhando nos seus deveres de fiscalização e controlo da atividade do arguido MM. e) Por sua vez, enquanto coordenador técnico do trabalho do arguido MM e pessoa que aprovou os planos de identificação de perigos e avaliação de riscos acima referidos, o arguido PP não diligenciou no sentido de verificar se MM tinha passado em revista todos os locais de trabalho onde os funcionários do hotel trabalhavam, nomeadamente o referido compartimento no 6.º piso, falhando nos seus deveres de fiscalização e controlo da atividade do arguido MM. r) O arguido MM, enquanto técnico da “UU” responsável pelos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho no “...”, deveria, de acordo com as obrigações decorrentes do seu contrato de trabalho e das suas funções, ter efetuado uma vistoria a todos os compartimentos do hotel, nomeadamente àquele onde se encontrava a máquina UAP-Q e a courette técnica por onde passavam os tubos ligados às máquinas de climatização do hotel, o que não fez, não lhe permitindo, desta feita, tomar conhecimento da existência da tábua de aglomerado de madeira prensada que tapava a courette técnica por onde caiu o ofendido e do perigo de queda em altura que tal tábua constituía para quem andasse por cima da mesma. s) O arguido MM estava em condições de cumprir o seu dever de vistoria aos vários compartimentos do hotel bem como de se aperceber de que, não o fazendo poderiam advir da sua conduta omissiva lesões para terceiros e que a sua conduta era socialmente desvaliosa e criminalmente punível. t) Por sua vez, o arguido PP não cumpriu com os deveres de fiscalização e controlo da atividade desenvolvida pelo arguido MM de que se encontrava incumbido, enquanto coordenador técnico do trabalho do referido arguido e responsável pela atividade no âmbito da segurança, higiene saúde no trabalho dos trabalhadores da referida empresa bem como gerente da sociedade “UU”. u) O arguido PP estava em condições de cumprir o seu dever de fiscalização e controlo da atividade dos funcionários da empresa que gere, bem como de se aperceber que, não o fazendo, poderia advir da sua conduta omissiva lesões para terceiros e que a sua conduta era socialmente desvaliosa e criminalmente punível. v) O arguido MM agiu sob as ordens e direção do arguido PP, e ambos agiram no interesse da sociedade “UU”. w) Caso os arguidos MM e PP tivessem cumprido os seus deveres no âmbito da segurança, higiene e saúde no trabalho no “...”, o primeiro verificando todos os compartimentos do hotel e o segundo fiscalizando e controlando a atividade dos trabalhadores da sociedade de que é gerente, poderia ter-se descoberto a fragilidade da tábua que se partiu, substituindo a mesma ou sinalizado o perigo de queda em altura, assim se evitando a queda e a morte do ofendido EEE. 21. O não ter feito o Tribunal a quo violou artigo 412.º n.º 3 do Código do Processo Penal e o nºs 1, 2 e 4, al. b) do artigo 152.º-B do Código Penal, por referência ao artigo 16º, nº 2, alínea c) da Lei nº 102/2009, de 10 de setembro, alterada pela Lei nº 2/2014, de 28 de janeiro. 22. Quanto à medida da pena, recorrendo aos critérios quanto à escolha da medida invocados no douto acórdão recorrido, e sopesando todas as referidas circunstâncias, e tendo presente as molduras abstratas aplicáveis aos crimes em questão, afigura-se-nos necessário, justo, adequado e proporcional a aplicação das seguintes penas: - MM: 2 anos e 3 meses de prisão, - PP: 2 anos - UU: 300 dias de multa à taxa diária 200 euros. 23. Quanto aos arguidos MM e PP o Ministério Público pugna que a penas sejam suspensas na sua execução, pois a simples censura do facto e a ameaça da prisão, subjacentes à suspensão de execução da pena, atingem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição 24. Pelas razões acima exposta deve-se ser dado provimento ao recurso ora interposto, devendo ser revogada a decisão como requerido pelo Ministério Público.”
O arguido DD apresentou recurso, extraindo-se da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1ª – Por douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, foi decidido: «Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa., em declarar a nulidade do acórdão recorrido e, consequentemente, deverá ser elaborado novo acórdão, expurgando os vícios apontados e, sendo caso disso (ou seja, mantendo-se a alteração da qualificação jurídica face à comunicação já efetuada), deverá antes da leitura da nova decisão, ser dado cumprimento ao disposto no artigo 358.º nº. 1 e 3 do Código de Processo Penal.» 2ª - O Sr. Juiz Presidente Tribunal Colectivo de Ponta Delgada, na Audiência de .../.../2024, afirmou: «relativamente ao Sr. DD a Relação disse que o Tribunal tinha condenado por uma norma diferente, o artigo 73º em vez do artigo 16º da Segurança e Higiene do Trabalho. Ora, conforme resultava da resposta do M.P. ao recurso, isso foi um mero lapso. Não houve qualquer nova alteração da qualificação jurídica e por isso o Tribunal rectifica tal lapso e mantém nos mesmos termos a condenação do Sr. DD na pena de 2 anos e 6 meses de prisão…». 3ª – Na resposta a que se refere o Mmo. Juiz Presidente, diz o MP: «É certo que o tribunal recorrido ter-se-á equivocado ao referir o artigo 16.º em vez do artigo 73º-B, nº 1, alínea b) da Lei nº 102/2009, mas esse mero erro/lapso em nada afetou o direito de defesa do arguido». 4ª - Para o Ministério Público, o lapso consistiu na referência ao artigo 16º, que é exactamente o contrário do que resulta do novo Acórdão, segundo o qual o lapso terá sido a menção ao artigo 73º. 5ª – Fica a dúvida se, na audiência de .../.../02, o Mmo. Juiz Presidente queria referir-se ao art.º 16º, ou ao art.º 73º -B, mas tendo em conta que o Sr. Juiz Presidente, em .../.../2024, remeteu a situação para a posição do MP, pretendia alterar a qualificação jurídica para o art.º 73 B, e não para o 16º. 6ª – Assim, não sendo clara qual a norma que o Tribunal Colectivo quer aplicar, e tendo em conta a redacção do douta decisão da Relação, verifica-se que o Tribunal Colectivo não lhe deu cumprimento, pelo que a nulidade se manteve, face ao disposto no art.º 358º nºs 1 e 3, CPP. 7ª –O agente do tipo de ilícito imputado ao Recte. é a empresa, como consta da alínea c) do nº 2 do art.º 16º da Lei nº 102/2009. 8ª – O tipo de crime em causa relativamente ao Recorrente corresponde à categoria dos crimes específicos próprios ou puros, uma vez que é a qualidade especial do agente ou o dever que sobre ele impende que fundamenta a responsabilidade. 9ª - O Recte. não pode assim integrar o conceito do tipo legal de crime pelo qual foi condenado, pelo que foi erradamente aplicado o art.º 16º nº 2 c), da Lei nº 102/2009. 10ª – O Recte. considera incorrectamente julgado o Ponto 2 da matéria de facto provada: «O arguido DD é engenheiro civil, trabalhando para a sociedade “SS” desde ... como responsável direto pela manutenção dos equipamentos e seus acessórios no “...”, tendo como funções fiscalizar e coordenar os serviços de manutenção.» 11ª - O Recte. não é engenheiro civil, nem nunca frequentou tal curso. Em lado algum do processo consta um certificado ou diploma que ateste essa qualidade. No Relatório Social para Determinação da Sanção, vem claramente explicitada a formação académica do Recte: «…tendo com cerca de 18 anos ingressado na licenciatura em engenharia ..., no ..., em ..., que frequentou durante cerca de três anos. Contudo, alguma desmotivação quanto aos estudos, determinariam o abandono do percurso escolar e o regresso à ...…determinaram a pretensão em abandonar definitivamente a conclusão do curso superior.» (Relatório referido, junto aos autos em .../.../2022, com a referência Citius 4709864.) Resulta assim que o Recte. não é engenheiro civil. 12ª - Em relação ao mesmo ponto, verifica-se que o Recte. não tinha funções de fiscalizar os serviços de manutenção. As funções do Recte., como decorre dos autos, estão explicitadas no Ponto 66 dos factos provados, e resultam da Contestação do Recte. e documento a ela junto quanto à descrição de funções. 13ª - As funções do Recte. são fundamentalmente de planeamento e organização. Cabe-lhe também supervisar (revisar, autorizar superiormente, o mesmo que supervisionar), mas essa tarefa não é a mesma coisa que fiscalizar (ver se uma coisa se faz ou se fez como deve ser – Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Tomos III e VI, Círculo de Leitores.) 14ª - As funções do Recte. resultam igualmente do seu depoimento em audiência e da testemunha PPP, transcritas na Motivação. 15ª - Ponto 2 (nova redacção): O arguido DD trabalha para a sociedade “SS” desde ... como responsável directo pela manutenção dos esquipamentos e seus acessórios no “...”, tendo como funções coordenar os serviços de manutenção.” 16ª - Resulta claramente da prova produzida e supra referida que deverão ser retirados dos factos não provados as alíneas ff) e gg), considerando-se esses factos como provados. 17ª – No Ponto 23 escreve-se: «O arguido DD, enquanto responsável pela manutenção dos equipamentos (…) deveria (…) ter efectuado uma vistoria a todos os equipamentos de climatização do hotel e seus acessórios (…) o que não fez…», discordando o Recte. desta redacção. 18ª – A redacção do Ponto 23 é contraditória com a redacção do Ponto 72: ««O arguido deslocou-se ao compartimento do 6º piso quando iniciou a suas funções e deslocou-se lá mais uma ou duas vezes.» 19ª – Sobre esta matéria pronunciou-se o Recte. no depoimento que prestou e se acha transcrito. 20ª - A resposta correcta é a que consta no Ponto 72: o Recte. tinha-se deslocado ao compartimento do 6º piso onde se encontrava a courette em causa, e aí se deslocou pelo menos mais uma ou duas vezes, sendo que as suas funções não eram as de fiscalização no terreno, mas de planeamento e supervisão. 21ª - A matéria constante do Ponto 23 está também em contradição com o que se escreve na al. b) dos factos não provados, pois aí se considera como não provado que o ora Recte. nunca se deslocou ao referido compartimento do piso 6º, o que reforça a contradição das respostas à matéria de facto. 22ª – Deve ser eliminada a resposta ao Ponto 23. 23ª - Ponto 24: «O arguido DD estava em condições de cumprir o seu dever de vistoria aos equipamentos e seus acessórios do hotel bem como de se aperceber de que, não o fazendo, poderiam advir da sua conduta omissiva lesões para terceiros, e que a sua conduta era socialmente desvaliosa e criminalmente punível.» 24ª - Ponto 25: «Caso DD tivesse procedido à verificação da máquina e da courette técnica existente no compartimento do 6º piso do hotel poderia ter-se apercebido da fragilidade da tábua que se partiu, ordenando a sua substituição por um material mais resistente, assim se evitando a queda em altura e a morte do ofendido.» 25ª – Os dois pontos transcritos, com os quais o Recte. discorda, contém matéria que é conclusiva: “estava em condições de cumprir o seu dever de vistoria aos equipamentos”; “poderia ter-se apercebido”, e, como tal, não pode constar na resposta à matéria de facto. 26ª – Para além disso, a matéria constante destes Pontos não se encontra provada. 27ª - A natureza das funções e a forma de as desempenhar, mais em gabinete ou in loco, foram caracterizadas pela testemunha PPP, que era Director do Hotel à data dos factos, estando transcritas as suas declarações. 28ª – Na resposta aos pontos referidos, o Tribunal deu relevância ao depoimento do co-arguido YYYY, que é claramente interessado em remeter para o seu subalterno, o Recte. DD, as responsabilidades que, com base nos autos, mais provavelmente a si caberiam. 29ª – O depoimento do arguido YYYY não é corroborado por qualquer outro depoimento ou documento, contrariamente ao depoimento do Recte. DD, corroborado pelas declarações da testemunha PPP, e pelos documentos 72 e 110, juntos com a contestação de JJ. 30ª - O co-arguido YYYY era o Director Técnico, superior hierárquico do Recte., e entre as suas funções estão a Higiene e Segurança no Trabalho, e a Manutenção e Segurança, como resulta dos documentos nºs 72 e 110, juntos com a Contestação da Argda. JJ, e o documento 1, junto com a contestação do Recte. 31ª - Não existe qualquer documento nos autos que confira ao Recte. o dever de vistoriar equipamentos e seus acessórios, sendo que da sua descrição de funções tal dever não existia. 32ª – Está nos autos o documento 110, junto com a Contestação da JJ, ficha de descrição de funções, que era uma orientação a ser seguida, como afirma o director do Hotel, e nessa ficha quem é o superior hierárquico em questões de Segurança é o Engº YYYY, e não o Recte. 33ª – O acidente do qual resultou a morte de EEE ocorreu numa parte da courette que não estava a ser utilizada, logo, nem era um acessório de qualquer equipamento. 34ª – A definição de courette, à falta de noção jurídica, é entendida como “Também denominada courette técnica, é um ducto, geralmente construído em alvenaria, por onde pode ser feita a evacuação de gases e ventilação e por onde passam as condutas de águas, gás e outros serviços. Saguão.” (engenhariacivil.com); ou em corete | Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa (https://www.infopedia.pt› lingua-portuguesa › corete): «canal ou espaço oco existente na estrutura de uma construção, geralmente acessível apenas em determinados pontos, que se destina a facilitar a ventilação, a passagem de condutas e cabos, a evacuação de gases e fumos, etc.». 35ª – A manutenção, e muito menos a fiscalização, da estrutura do edifício, não estavam no conteúdo funcional do Recte. 36ª – Não está provado que o Recte. poderia ter-se apercebido da fragilidade da tábua, para além de a expressão “poderia” ser conclusiva. 37ª – Sobre esta matéria pronunciaram-se as testemunhas AAAAA, e BBBBB, ambos especialistas em questões de segurança, e também EEE, trabalhador do hotel e que conhecia a situação da courette, encontrando-se transcritas as declarações de todos. 38ª - Não fazia parte das funções do Recte. a segurança no trabalho, que era do pelouro do GG e da UU, nem consta que ele tivesse qualquer formação específica nessa área. 39ª - Tendo em conta o depoimento de peritos e testemunha identificados supra, pode afirmar-se que, olhando para o local nada faria prever que existia ali uma situação de risco. Não é razoável nem legítimo afirmar que o Recte., se tivesse vistoriado o local – o que nem sequer estava nos seus deveres funcionais – teria percebido que havia ali uma zona de perigo, e muito menos se poderá dizer que ele tinha o dever de a identificar. 40ª - Nas fls. 46 a 48, até ao último parágrafo, não existe verdadeiramente qualquer fundamentação, no sentido de análise critica das provas. O Acórdão apenas refere, de modo genérico, que foram valoradas as declarações dos arguidos e de diversas testemunhas, que identifica (fl. 47); a relação dos documentos que analisou (fls. 47 e 48), o mesmo se dizendo quanto ao pedido de indemnização civil (fl. 48). 41ª – Sendo exigível a fundamentação, a sua falta origina a nulidade do acórdão (art.º 374º nº 2, e art.º 379º nº 1 al. a), ambos do CPP). 42ª - Fundamentação do Ponto 3 – Há que atentar na primeira frase constante do Acórdão, nesta parte: «não foram contestados pelos respectivos arguidos…» 43ª - A falta de contestação, ou de impugnação especificada, não tem por efeito a confissão dos factos, ou seja, não tem qualquer efeito cominatório. Logo, a falta de contestação não pode servir para fundamentar a resposta de “provado”, sendo violado o disposto no artigo 311º B, CPP., pelo que a resposta deverá considerar-se não escrita. 44ª – Há uma imprecisão quando se afirma «…estando as respectivas relações laborais comprovadas documentalmente e as funções confirmadas, quer pelas respectivas declarações dos arguidos, quer pelas testemunhas …» 45ª - No que se refere ao Recte., não se diz qual o documento, ou documentos que comprovam essas relações laborais, dado que não está nos autos qualquer contrato de trabalho. 46ª - O Colectivo esqueceu-se completamente da ficha de descrição de funções do Recte, aliás, mencionada a fls. 48 como um dos documentos a que se atendeu. E sendo certo que é esse documento que realmente reflete o conteúdo funcional da actividade do Recte. e que vincula as partes – Empregador e Trabalhador – não podendo o seu conteúdo ser desvalorizado por declarações de testemunhas ou de outros arguidos. Desse documento não resulta que o Recte. tivesse por missão fiscalizar o que quer que fosse; e não poderia ter sido dado como provado que esse dever de fiscalização existia, como vinculação do Recte. 47ª - O Recte. reportava ao Director Técnico, Engº YYYY, e na descrição de funções, em relação à sua Autonomia, consta: «Exerce a função sob directivas definidas, nomeadamente programas e planos de acção. Detém alguma autonomia que lhe permite interpretar as normas recebidas e decidir quanto aos procedimentos e práticas. Há alguma supervisão em relação aos processos de execução das tarefas.» 48ª - A resposta do colectivo não assenta numa análise crítica das provas, pelo que é nula a fundamentação. (art.º 374º nº 2, e art.º 379º nº 1 al. a), do CPP). 49ª – Quanto à fundamentação dos Pontos 23, 24, e 25, enferma a mesma dos vícios já anteriormente apontados. 50ª - O que está em causa é a existência, ou não, do dever de fiscalizar. E, entre outros argumentos, escreve-se: «…diga-se, desde já, que, se assim fosse não se entende o motivo pelo qual se deslocou ao compartimento em questão, conforme nos disse.» 51ª – O Recte. esclareceu que «Sim, já lá tinha ido ao 6º piso até porque quando eu iniciei funções eu tive de ir lá visitar todo o hotel e todos os equipamentos, tive de fazer o levantamento de todos os equipamentos, só assim é que um plano tem viabilidade». 52ª - o Recte., não tendo obrigação de fiscalizar, deslocava-se para ver algum equipamento sempre que entendia que tal era necessário e se justificava. 53ª - O Recte. não agia em função da sua fiscalização prévia, mas apenas em função dos relatórios que recebia. 54ª – A prova produzida, seja o documento já referido sobre a descrição de funções, seja o depoimento das testemunhas transcrito no texto, vai no sentido de afastar a obrigação do Recte de fiscalizar algo que tivesse a ver com a segurança no trabalho, pois a sua função era na área da manutenção. 55ª – O Tribunal valorizou as declarações da testemunha QQQQ, transcritas no texto, que demonstra ser completamente confusa, com um depoimento inseguro, e mostrando desconhecer situações reais. 56ª - A testemunha recorre frequentemente a expressões como “provavelmente”; “poderia eventualmente”; “ele não seria, digamos, o tecto máximo da hierarquia”. 57ª - A testemunha não afirma, contrariamente à conclusão do Colectivo, que cabia ao Recte. verificar se as reparações eram bem feitas; apenas diz que alguém teria de o fazer, porque eles, Directores de Hotéis, não o sabiam fazer. 58ª – É uma conclusão abusiva e infundada que o Tribunal Colectivo retira de um depoimento hesitante. E não explica qual o motivo de “preferir”um depoimento de testemunhas, em lugar de um documento que tem origem na própria entidade empregadora. Ou seja, falta a análise crítica das provas, o que causa a nulidade da fundamentação. 59ª - A fundamentação das respostas à matéria de facto revela insuficiência e ausência de análise critica das provas, assim originando a nulidade do acórdão (art.º 379º nº 1 al. a); art.º 374º nº 2, ambos do CPP). 60ª - Na Acusação, o que é imputado ao arguido, aqui recorrente, é um crime de homicídio negligente, na forma consumada e por omissão, p. e p. nos nºs 1 e 2 do art.º 10º, e pelo art.º 137º do C. Penal, e não de violar o art.º 152ºB do Código Penal, por referência ao art.º 16º nº 2, al. c), da Lei nº 102/2009, de 10/9. 61ª - A referência ao art.º 16º nºs 1 e 2, da Lei nº 102/2009, surge apenas após a alteração da qualificação jurídica dos factos, feita no início do acórdão, e do que se escreve a fls. 64 e 65, que a única norma que, no entender do Tribunal Colectivo inculpa o Recte. é exactamente esse art.º 16º, pois outra não é mencionada. 62ª – O Tribunal Colectivo faz um esforço interpretativo da norma complementar do art.º 16º, e desse esforço interpretativo conclui «pelo preenchimento dos elementos objectivos do tipo legal de crime de violação de regras de segurança agravado», praticado pelo Recte. 63ª - Analisando o mencionado art.º 16º verifica-se que o mesmo diz respeito a empresas, e não a trabalhadores. Ou seja, o que se encontra definido são as obrigações das empresas em relação à segurança dos trabalhadores, designadamente quando várias empresas «desenvolvam, simultaneamente, atividades com os seus trabalhadores no mesmo local de trabalho». (art.º 16º nº 1); não está preenchido o tipo legal de crime. 64ª – Quer do elemento literal da norma, quer de qualquer outro dos elementos interpretativos, não é possível concluir pela aplicação do art.º 16º nº 2 al. c), da Lei 192/2009, aos trabalhadores, contrariando-se assim o art.º 9º do C. Civil. 65ª – O Tribunal afirma que o Recte. violou normas regulamentares, mas não as identifica. 66ª - O art.º 152º-B do C. Penal é uma norma penal em branco, que relega parte da proibição para regulamento ou outra disposição legal, enquanto norma complementar que o Juiz não pode deixar de identificar, sob pena de violação do princípio da legalidade. 67ª – O Acórdão não identifica qualquer norma regulamentar, pelo que não pode o Recte. ser punido sem a devida identificação da norma que complementa o art.º 152º-B, tanto mais que o art.º 16º não tem qualquer aplicação à situação do Recte., como se demonstrou. 68ª - A colocação da tábua de madeira terá sido feita durante ou no final da construção, pelo que se está perante uma norma regulamentar de construção, com a qual o Recte. nada tem a ver. 69ª - No acórdão não se diz que o Recte. deveria ter-se apercebido da fragilidade da tábua, mas apenas que poderia, o que é diferente, tanto mais que essa fragilidade não era facilmente perceptível, como vem demonstrado no texto e supra se referiu. 70ª – Sendo que aresto em apreço não afirma que o Recte. tinha o dever de detectar a situação de risco – e aqui, não pode entender-se como o dever do homem médio na mesma situação, mas um dever jurídico – mas apenas que ele poderia, está a quebrar a existência de um nexo de causalidade entre o alegado, e não demonstrado, comportamento omissivo do Recte., e o dano verificado. 71ª - Como resulta do depoimento das testemunhas transcrito no texto (AAAAA, e WWWW) se eles não detectavam a fragilidade, não pode exigir-se a quem não é especialista em questões de segurança nem tem formação específica, detectar essa fragilidade. 72ª - «I – Para haver imputação do resultado à conduta do agente é necessário que exista entre a conduta (acção ou omissão) e o resultado um nexo causal concreto, ou seja, é indispensável que tenha sido a conduta a causa efectiva do resultado. II – Sendo esta efectiva relação causal um elemento do tipo nos crimes de resultado, ele tem de ser objecto de prova. Donde que, havendo dúvida razoável sobre se efectivamente a conduta foi causa do resultado, ter-se-á, por força do princípio in dubio pro reo, de considerar como não provada a imputação.» (Relação de Coimbra, Proc. 1131/13.2TACBR.C1. - Data do Acórdão: 09-06-2020). 73ª - Nos crimes de perigo, a problemática da imputação do resultado à acção deve ser objecto de análise nos mesmos termos dos crimes de resultado, devendo o juiz colocar-se na posição do agente, com os seus conhecimentos e contexto circunstancial, e apurar se ele teria observado as fragilidades do pavimento, de molde a evitar o resultado. 74ª - O resultado só deve ser imputável à acção quando esta tenha criado (ou aumentado ou incrementado), um risco proibido para o bem jurídico protegido pelo tipo de ilícito, e esse risco se tenha materializado num resultado típico. 75ª - Tendo em consideração as normas pelas quais o Recte. foi condenado – com nulidade, como se disse supra – não basta um qualquer comportamento omissivo: é necessário que exista um dever jurídico de praticar um acto, e que se identifique claramente qual a norma jurídica violada. 76ª - O enquadramento jurídico da decisão é insuficiente; não assenta nos factos provados; e faz a interpretação de normas (o art.º 16º), que não são aptas a condenar, nem são utilizadas na condenação do Recte. 77ª - O Recte. demonstrou cabalmente que o Acórdão recorrido não pode manter-se: ou pelo reconhecimento de qualquer das nulidades invocadas, ou pela insuficiência da matéria de facto e da inaplicabilidade do Direito, o que conduzirá à absolvição do Recte. 78ª - Em qualquer caso, seja o da nulidade do Acórdão, seja o da sua revogação e substituição por uma decisão absolutória na parte criminal, isso levará à sua absolvição do pedido de indemnização civil. 79ª – O comportamento do Recte. nada teve de ilícito, não foi violado o art.º 152º-B do Código Penal, com referência ao art.º 16º n2 al. c) da Lei nº 102/2009, e não poderá ser considerado como responsável pelos danos resultantes da queda do malogrado EEE. 80ª - Não podem ser imputados ao Recte. quaisquer factos geradores da responsabilidade civil, seja a que título for; não sendo responsável pelos danos, não pode ser condenado no ressarcimento dos mesmos, pelo que não há lugar à aplicação dos art.ºs 483º nº 1; 487º nº 2; 497º nº 1; 562º; 563º e 564º, todos do Código civil. […]”
A sociedade arguida ..., não se conformando com a sua condenação, apresentou recurso, extraindo-se da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1–Legitimidadeparaorecurso: 1.A - Nos termos do artigo 401º CPP, sob a epígrafe “Legitimidade e interesse em agir”, “1 – Têm legitimidade para recorrer: a) ….. b) O arguido e o assistente, de decisões contra ele proferidas; c) As partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas; d) Aqueles que tiverem sido condenados no pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, ou tiverem a defender um direito afetado pela decisão.” 1.B - Nos termos do acórdão recorrido, atentos os termos conclusivos da condenação da recorrente, como consequência necessária da condenação ao arguido DD como funcionário, como antes vem transcrito (fls 72 do acórdão recorrido), é legítimo à recorrente a amplitude do presente recurso, designadamente no que respeita à impugnação de matéria de facto e de direito que a este diz respeito, sem prejuízo de eventual recurso próprio e autónomo. Por outro lado, tratando-se da condenação criminal de pessoa coletiva, que resulta da atuação de pessoas físicas, no caso o arguido DD, a recorrente tem interesse legítimo nessa matéria. Pelo que, nos termos do artigo 401º CPP, a recorrente tem legitimidade para o presente recurso em toda a sua amplitude. 2–Daausênciadetodososelementostípicosdocrimeemquearecorrentefoicondenada: Dispõe o artigo 152º B CP que:1 – Quem, não observando disposições legais ou regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde, é punido …[…]. Trata-se assim aquele preceito de norma penal em branco, que carece de ser complementada com disposições legais ou regulamentares sendo, no caso concreto, feita a sua integração com o artigo 16º a lei nº 102/2009 para efeitos de tipificação do crime: Por sua vez dispõe o artigo 16º da lei nº 102/2009, sob a epígrafe “Atividades simultâneas ou sucessivas no mesmo local de trabalho” 1 - Quando várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolvam, simultaneamente, atividades com os seus trabalhadores no mesmo local de trabalho, devem os respetivos empregadores, tendo em conta a natureza das atividades que cada um desenvolve, cooperar no sentido da proteção da segurança e da saúde. 2 - Não obstante a responsabilidade de cada empregador, devem assegurar a segurança e a saúde, quanto a todos os trabalhadores a que se refere o número anterior, as seguintes entidades: a) A empresa utilizadora, no caso de trabalhadores em regime de trabalho temporário; b) A empresa cessionária, no caso de trabalhadores em regime de cedência ocasional; c) A empresa em cujas instalações outros trabalhadores prestam serviço ao abrigo de contratos de prestação de serviços; d) Nos restantes casos, a empresa adjudicatária da obra ou do serviço, para o que deve assegurar a coordenação dos demais empregadores através da organização das atividades de segurança e saúde no trabalho. 3 - A empresa utilizadora ou adjudicatária da obra ou do serviço deve assegurar que o exercício sucessivo de atividades por terceiros nas suas instalações ou com os equipamentos utilizados não constituem um risco para a segurança e saúde dos seus trabalhadores ou dos trabalhadores temporários, cedidos ocasionalmente ou de trabalhadores ao serviço de empresas prestadoras de serviços. 4 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos nºs 2 e 3, sem prejuízo da responsabilidade do empregador. 1 – A: Da ausência dos requisitos do nº 1: Ora, perante essas disposições legais, seriam pressupostos do preenchimento do tipo legal do crime previsto e punido pelo artigo 152º B CP com referência ao disposto no artigo 16º da Lei nº 102/2009, em toda a sua dimensão: - O desenvolvimento de actividades simultâneas ou sucessivas por parte de várias entidades; - No mesmo local de trabalho; - A existência de riscos das atividades e a não tomada de medidas de cooperação entre as diversas entidades no sentido da segurança e saúde, tendo em conta anatureza das actividades que cada uma desenvolve. No caso concreto dos autos, designadamente no momento e local do acidente e com relação com o mesmo, encontravam-se presentes apenas dois trabalhadores, a saber, a vítima, cuja entidade empregadora era a XX e o arguido AA, cuja entidade empregadora é a recorrente, porém, este como mero acompanhante daquele, sem desenvolver qualquer atividade. E, da matéria de facto provada, resulta que EEE, apenas procurava identificar um equipamento, não estando a proceder nem indo proceder a qualquer trabalho na máquina, não estando sequer provado que AA estivesse no interior do compartimento em que ocorreu o acidente. Ou seja, não está provado que, no momento do acidente existissem várias empresas, estabelecimentos ou serviços a desenvolver simultaneamente actividades com os seus trabalhadores, no mesmo local de trabalho. Salvo melhor entendimento, está afastada dos autos a situação de desenvolvimento de atividades simultâneas ou sucessivas por mais do que uma entidade, no mesmo local, pelo que, consequentemente, não existiam quaisquer perigos das atividades não desenvolvidas, não se verificando assim o pressuposto previsto no nº 1 do artigo 16º em causa cujo âmbito se estende ao seu n.º 2. 3–DapropriedadedoEdifício(artigo16ºnº2,c): 3.A Está provado (183) que O ... não é propriedade da arguida” (SS). A alínea c) do nº 2 do artigo 16º da Lei nº 102/2009, de ..., atribui a responsabilidade de assegurar a segurança e a saúde à empresa “em cujas instalaçõesoutros trabalhadores prestam serviço ao abrigo de contratos de prestação de serviços”, ou seja, apenas se aplica a situações de prestação de serviços contratados diretamente entre o beneficiário e o prestador, com subordinação e sob a direção daquele, sem existência de relação laboral. Assim, a previsão da alínea c) do nº 2 do artigo 16º, constitui a franja dos trabalhadores não incluídos nas restantes alíneas, tratando-se assim dos outros trabalhadores prestam serviço ao abrigo de contratos de prestação de serviços. 3.B São assim abrangidos naquela alínea outros trabalhadores, ou seja, trabalhadores sem vínculo a qualquer entidade, que prestam serviço ao abrigo de contratos de prestação de serviço, e que serão aqueles cujos serviços são prestados por conta própria, ou os designados independentes, por contraposição aos indivíduos com contrato de trabalho. A infeliz vítima encontrava-se a desenvolver a sua atividade profissional, o seu trabalho, por conta e em benefício da XX, sua entidade empregadora, com quem mantinha um contrato de trabalho. Ainda que se admitisse a tese do acórdão recorrido, quanto à irrelevância da propriedade, mas da relevância da gestão do local do acidente, a ora recorrente é um mero meio de uma organização que geria as atividades técnicas, de manutenção e segurança, a executar atividades diversas transversalmente em todas as unidades hoteleiras atividades comuns, não tendo a disponibilidade ou a gestão do local, pelo que não se verifica a presença do elemento típico da propriedade do imóvel. 4-Daausênciaderelaçãolaboral–artigo152º-BCP: 4A - Como é reconhecido no acórdão recorrido, o crime de violação das regras de segurança previsto no artigo 152º-B do CP configura, de acordo com a doutrina e jurisprudência unânimes, um crime específico próprio, posto que pressupõe determinadas caraterísticas relativamente aos sujeitos, designadamente no que respeita ao agente que sujeita o trabalhador a uma situação de perigo concreto. Como resulta da matéria de facto provada, o sinistrado prestava serviços no hotel ..., propriedade da TT, mediante contrato de trabalho com a XX, sua entidade patronal, no âmbito de contrato entre ambas celebrado. Não tinha assim a vítima relação laboral com a ora recorrente, pelo que não se encontra não se encontra preenchido um dos requisitos típicos do crime previsto e punível no artigo 152º-B do CPP - a relação laboral. 5-Damatériadefacto 5.A - Os pontos 26 e 27 da matéria de facto provada constituem meras conclusões, juízos de valor, pelo que devem ser eliminados. 5.B - Por outro lado, a conclusão constante do ponto 26 da matéria dada como provada no acórdão recorrido, encontra-se em manifesta contradição com os factos provados nos pontos 9, 10, 11, 87,88,89,99, 101, 112, 113, 114, 139, 152, 153, 154, 159, 161 e 233, pelo que deve ser eliminado. 6-DaresponsabilidadedoarguidoDD 6.A - Conforme resulta dos factos provados, o arguido DD era o responsável pela manutenção tão somente dos equipamentos e seus acessórios, não encontrando eco na matéria de facto provada que fosse responsável quer pela manutenção do edifício do ..., designadamente da manutenção da sua estrutura, quer fosse responsável pela Segurança e saúde no trabalho. 6.B -Uma courette técnica é um vão, ou ducto geralmente construído em alvenaria, por onde pode ser feita a evacuação de gases e ventilação e por onde passam condutas de água, gás e outros serviços e que, no caso concreto, existe do 2º piso ao 6º piso do hotel ... atlântico, com cerca de 12 metros de altura. A courette técnica não é um equipamento, nem tampouco um acessório de equipamento técnico e não carecem de fiscalização ou manutenção. 6.C – O arguido DD desconhecia a existência da tampa de aglomerado de madeira que tapava a extremidade da courette técnica. 6.D - O arguido DD não tinha o dever de fiscalizar estruturas do edifício, mas tão só equipamentos, não se enquadrando nas suas funções a fiscalização ou controle de estrutura do edifício. 6.E – O arguido DD não fazia parte, à data dos factos, do departamento de segurança, higiene e saúde no trabalho, nem tinha essa responsabilidade. 6.F – Era à empresa externa – UU – que competia a verificação e marcação dos locais de risco e ou de perigo no ..., de acordo com o contrato celebrado com a ... A., no ano de 2000. 6.G - Não violou, por isso, o arguido DD qualquer dever de vigilância ou controle que lhe coubesse por inerência das funções a que estava obrigado contratual ou legalmente, não tendo assim uma posição de liderança na organização da recorrida, ou sequer tinha esse dever por delegação de um seu superior hierárquico, já que tais funções não lhe estavam atribuídas, não se encontrando por isso preenchidos os requisitos previstos quer na alínea a) quer na alínea b) do nº 2 do artigo 11º do Código Penal. 7-Doprincípioindubioproreo Considerando as contradições na matéria de facto provada, e a muita matéria de facto da acusação não provada, não pode o tribunal ter uma certeza convicta da violação por parte do arguido DD e por parte da ora recorrente de qualquer norma jurídica que impusesse um comportamento que com toda a certeza evitaria o trágico desfecho da visita do sinistrado às instalações do hotel ..., pelo que, no mínimo e sem prescindir do anteriormente exposto deveriam ambos os arguidos ser absolvidos de acordo com o princípio inscrito no artigo 32.º n.º 2 da CRP. 8. dos pedidos cíveis: Tratando-se de pedido de indemnização emergente de facto criminal, enxertado em processo crime, nos termos determinados no CPP, a absolvição da recorrente quanto ao crime de onde decorreria a sua responsabilidade civil, exclui os pressupostos da condenação em matéria civil, pelo deve ainda a recorrente ser absolvida dos pedidos de indemnização civil deduzidos nos autos, em nome próprio. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido na parte em que condena a ora recorrida SS – Promoção Turística e Hoteleira, S. A. do crime de que foi condenada, com todas as consequências legais, como é de justiça.”
TT, não conformada com a sua condenação nos pedidos cíveis formulados nos autos, apresentou recurso, retirando-se da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1. A aplicação do instituto da responsabilidade do comitente (art.500.º CC) pressupõe a verificação cumulativa de três pressupostos, nomeadamente: a) A existência de uma relação de comissão; b) A prática de factos danosos pelo comissário no exercício da sua função que lhe foi confiada e, c) a responsabilidade do comissário. 2. Não se verifica, nem de facto nem de direito, no caso dos presentes autos qualquer relação de comissão entre a recorrente e a sociedade SS. 3. Existe manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão, o que implica a ininteligibilidade do raciocínio adotado pelo tribunal a quo no alcance do sentido decisório que veio a ser proferido. 4. A não verificação do pressuposto da existência de uma relação de comissão excluí a aplicação do instituto da responsabilidade do comitente. 5. A indefinição do âmbito da comissão prejudica o exercício de subsumir a prática de determinado facto no âmbito de uma relação de comissão. 6. A impossibilidade de imputar a prática de determinado facto a uma hipotética relação de comissão exclui a aplicação do instituto da responsabilidade do comitente. 7. A aplicação do artigo 500.º nº 1 do CC ao caso em apreço está prejudicada por não se encontrarem preenchidos todos os seus pressupostos. 8. Andou mal o tribunal a quo ao decidir condenar a aqui Recorrente com fundamento no instituto da responsabilidade do comitente, simultaneamente errou ao interpretar e aplicar o artigo 500.º n.º 1 do CC. 9. Deve o douto acórdão ser revogado na parte em que condena a aqui recorrente na obrigação solidária do pagamento das quantias peticionadas e determinadas pelo tribunal a quo aos demandantes BBB, CC, CCC e ..., ou por sua ilegitimidade, já que não se verifica a relação de comitente/comissário, ou do pedido por ausência de relação entre ambas as demandadas, substituindo-se por outro que absolva a aqui recorrente de todos os pedidos por aqueles formulados.”
O arguido MM apresentou resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público, impugnando os seus fundamentos de facto e de direito, extraindo-se da mesma as seguintes conclusões: “1. O recurso apresentado pelo Ministério Publico não pode merecer provimento. 2. O Acórdão proferido pelo Tribunal "a quo", porque devidamente fundamentado e assente na prova pericial, documental e testemunhal produzida em Audiência de Julgamento, não merece qualquer censura no que diz respeito à absolvição do arguido MM pela prática de um crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte, previsto e punido, no caso da imputação feita ao arguido MM, pelos números 1, 2 e 4, alínea b) do artigo 152.º-B, do Código Penal, por referência ao artigo 16.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 102/2009, de ..., alterada pela Lei n.º 2/..., de ..., bem como na decisão de julgar integralmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido contra o arguido MM. 3. O Tribunal "a quo" viu e ouviu os arguidos, os peritos e as testemunhas, apreciou cada um dos respectivos comportamentos, formulou todas as questões que considerou pertinentes da forma que entendeu ser a mais adequada e confrontou estes intervenientes com a prova documental existente nos autos, tudo em ordem ao princípio da descoberta da verdade material. 4. Deste modo, tendo em consideração a matéria de facto considerada como provada pelo Tribunal "a quo", não assiste qualquer razão ao Ministério Público no seu recurso, tendo o Tribunal "a quo" apreciado correctamente e em obediência ao princípio estabelecido no artigo 127° do Código de Processo Penal, a prova produzida em Audiência de Julgamento, e decidido, de modo fundamentado, absolver o arguido MM nos exactos termos constantes do douto Acórdão que aqui se dá por reproduzido. 5. Pelo exposto, o douto Acórdão proferido pelo Tribunal "a quo" não merece qualquer censura, devendo ser mantido na íntegra.”
Os arguidos PP e UU, Lda., apresentaram resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público, concluindo do seguinte modo: “I. O douto recurso interposto pelo Ministério Público apesar de alegar a existência de um erro na valoração da prova, não sustenta em que termos concretos esse erro se evidencia na fundamentação da decisão quanto à matéria de facto. II. Como também não aponta os concretos meios de prova cuja valoração, feita à luz das regras da experiência comum e de acordo com padrões lógicos e racionais, devesse ter resultado numa decisão diversa quanto aos factos dados como provados e não provados. III. O que o Ministério Público afirma nas suas doutas alegações de recurso é, apenas, uma convicção pessoal quanto ao que se deveria ter considerado provado e não provado, nomeadamente quanto aos factos que, tendo sido considerados como provados/não provados, inviabilizam a pretensão do Recorrente de ver os ora Recorridos condenados pela prática do crime que lhes imputou. IV. Não há, portanto, qualquer erro na valoração da prova, mas antes uma decisão quanto à matéria de facto que encontra respaldo abundante na prova carreada para os autos e, sobretudo, na prova testemunhal apontada na fundamentação do Acórdão. V. O técnico de segurança MM desempenhou a sua função, cumprindo com as suas obrigações. Para tanto, solicitou informação e colaboração aos trabalhadores do ... para que pudesse avaliar todos os locais e processos de trabalho e identificar os riscos previsíveis como a lei o determina; VI. Esta forma de actuar não merece crítica, nem pode ser considerar omissiva, porquanto está ancorada no regime legal e nas obrigações de colaboração e coadjuvação que se impõem ao empregador que contrata um serviço externo de segurança no trabalho; VII. Quanto é a própria lei que determina esta forma de relação entre as partes, não há razão para criticar o comportamento do Recorrido MM. Ele procedeu à identificação e avaliação dos riscos previsíveis no ..., só não o fazendo em relação à área técnica em apreço porque desconhecia a existência de tal espaço; VIII. O gerente da UU Lda., o Recorrido PP, cumpriu com os seus deveres de acompanhamento e fiscalização do trabalho do técnico MM ao analisar e corrigir, sempre que necessário, os relatórios de avaliação de risco que lhe eram apresentados. IX. Não resulta desses relatórios qualquer evidência de omissão por parte do técnico de segurança que devesse suscitar no Recorrente PP qualquer diligência quanto à verificação de um espaço que lhe era totalmente desconhecido. X. Esta conclusão é reforçada atendendo à autonomia técnica de que goza o técnico de segurança no trabalho no desempenho das suas funções que está consagrada no artigo 100.º da Lei n.º 102/2009, e na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei 42/2012. XI. Por esta razão, também não se pode considerar a UU Lda. responsável pela prática do crime que lhe vem imputado. XII. Para além do mais, ficou demonstrado que nem o técnico de segurança, nem a UU Lda., ou o seu gerente, foram informados, como deveriam ter sido, da contratação da XX para a prestação de serviços de manutenção de modo a que pudessem ser realizadas as avaliações que fossem pertinentes no âmbito da execução dos trabalhos de manutenção, incluindo os que ocorreram na zona técnica em causa, o que constitui mais uma evidência de como não podem ser imputadas responsabilidades aos ora Recorridos. XIII. Finalmente, resulta claro da prova produzida que, mesmo que se tivesse realizado a avaliação de risco daquela área técnica, nunca o risco ali existente seria identificado pelo técnico de segurança pois o mesmo encontrava-se absolutamente camuflado. XIV. Sendo assim, não se pode estabelecer o nexo causal entre a não realização da avaliação de risco por parte do técnico de segurança e a sujeição do trabalhador ao perigo que se revelou mortal. XV. Em suma, não pode ser imputado a prática de qualquer crime à Recorrida UU Lda., nem ao Recorrido PP porquanto, em última análise: a. Não há incumprimento por parte destes de qualquer obrigação decorrente da lei e não foi produzida qualquer prova que possa sustentar conclusão diferente, b. A causa do acidente não reside na não avaliação do risco daquela área técnica, mas sim no facto da courette ter sido tapada por um material que ou não tinha resistência suficiente, desde logo, para oferecer segurança, ou, por falta de manutenção, deixou de a ter, associado ao facto de tal cobertura ter sido pintada da mesma cor do pavimento, tornando impossível a identificação de que ali se encontrava uma courette a quem quer que fosse que ali se deslocasse sem uma informação ou aviso prévio sobre tal circunstância, como aconteceu por intermédio do Sr. EEE, chefe da manutenção do hotel, quando avisou os seus colegas de trabalho AA e SSS. XVI. Em matéria de responsabilidade civil, e em face do que acima se afirma, resulta claro que não há nenhuma acção ou omissão dos Recorridos PP e UU Lda. que se possa considerar com causa adequada para a ocorrência do acidente e consequente morte do sinistrado, pelo que o douto Acórdão recorrido não merece qualquer censura quando absolve os ora Recorridos.”
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido DD, concluindo nos seguintes termos: 1. Quanto à questão prévia o Tribunal recorrido explicou que se tratou do mero erro/lapso que é nada prejudicou a defesa do recorrente, cfr. ref. n.º … de ........2025. 2. Pelo que não estamos perante uma nova alteração da qualificação jurídica, como bem explica o Mm.º Juiz do processo aquando do recebimento do recurso Consequentemente não se verifica a nulidade alegada pelo recorrente 3. A prova feita em Tribunal foi devidamente ponderada pelo Tribunal recorrido, que aplicou corretamente ao caso a lei aplicável, e encontrou o sancionamento devido, termos em que nenhuma censura merece o douto acórdão. 4. E por esse motivo, não padece de falta de fundamentação ou de erro de julgamento. O que verdadeiramente o recorrente não aceita é apreciação da prova, levada a efeito pelo Tribunal. Claramente, a questão nada tem a ver7. Como é sabido, os fundamentos do recurso devem ser claros e concretos, pois aos Tribunais não incumbe perscrutar a intenção do recorrente, mas sim apreciar as questões submetidas ao seu exame. As conclusões da motivação recursória não podem limitar-se a mera repetição formal de argumentos já utilizados durante a audiência de julgamento. Devem constituir uma resenha clara e não confusa que proporcione ao Tribunal superior uma boa compreensão do objeto do recurso. 8. Contudo, desde já deve-se ter presente o recurso não pode ter como objetivo um novo julgamento do objeto do processo, como se a decisão da 1.ª instância não existisse, mas sim, apenas remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicado pelo recorrente, neste sentido, que é jurisprudência uniforme, entre outros, decidiu o acórdão do STJ de 17.05.2007. 9. Embora o recorrente alegue que factos dados como provados não o são, são sim conclusões, sem qualquer suporte em matéria probatória, que o Acórdão apenas refere, de modo genérico. Não existe nestas referências qualquer análise crítica das provas, pugnado assim o recorrente que é nula a fundamentação, nos termos dos artigos 374.º n.º 2, e art.º 379.º n.º 1 al. a), do Código do Processo Penal. Mas como já referi, o que verdadeiramente o recorrente não aceita é apreciação da prova, levada a efeito pelo Tribunal. 10. Em face do resumidamente exposto, quando o recorrente alega este vício de insuficiência para decisão da matériade facto provada, não pode almejar um outro julgamento, não pode subverter-se o princípio de vinculação temática do Tribunal. Consequentemente deve ser indeferido tal pretensão. 11. Na verdade, limitou-se o recorrente, no que se refere à indicação da prova que impõe decisão diversa da recorrida, ao fazer uma alusão de que o Tribunal a quo apenas quanto os factos dados como provados, não factos mas sim conclusões sem qualquer suporte em matéria probatória, sem fundamentação de Direito. 12. Lido o acórdão, nomeadamente na parte que se refere à enumeração dos factos provados, aos motivos de factos que fundamentam a decisão e ao exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, o conjunto é de uma clareza meridiana não avultando qualquer falta de indicação da motivação dos juízos em matéria de facto. 13. Ao contrário do que alega o recorrente a motivação de facto não tem de ser ou tentar ser uma recriação do julgamento. Tem de assegurar que o processo de decisão seja inteligível. Isto de forma sucinta, ainda que tão completa quanto possível. O que importará maiores e melhores informações e explicações sempre que a complexidade do thema decidendum e da prova que sobre ele tenha versado tal imponham. Mas não se deve complicar o que é simples sob pena de se obscurecer o que já está claro. 14. Na decisão recorrida indicou-se circunstanciadamente o sentido – quase o teor - das declarações e dos depoimentos prestados, indicando-se o relevo relativo que o Tribunal lhes deu. 15. O tribunal, na sua opção pela relevância das provas a que atendeu ajuizou da sintonia delas com a experiência comum. E também esse juízo é positivo e de perceção intuitiva e imediata. 16. Com base nessa motivação não se suscitam dúvidas sobre a forma de aquisição dos factos dados como provados nem sobre os factos em si mesmos. Não tinha o tribunal de fundamentar mais: o óbvio não se explica. 17. O Tribunal explicou como e porquê que entendeu que o autor dos factos dados como provado quanto ao recorrente e em que elementos de prova se baseou, designadamente, declarações das testemunhas, e da restante prova produzida durante o julgamento, em concreto explica com exatidão porque considerou provado que o recorrente foi o autor dos factos, designadamente o Tribunal refere que se baseou-se nos depoimentos e nos factos alegados na contestação do próprio recorrente, resulta a descrição dos factos acima dados provados, os quais,de forma isenta, coerente e assertiva, descreveram as circunstâncias espácio-temporais, bem como a dinâmica factual subjacente, o que narraram sem hesitações, nem evasivas, nem ambiguidades, sendo os seus depoimentos merecedores de credibilidade, para além de terem descrito, com rigor e minúcia, como ocorreram os factos. 18. Pelo que não existem dúvidas de que o recorrente praticou o crime. 19. Não se vislumbram violações de preceitos legais com o decidido, nomeadamente, as dos artigos 379.º, n.º 1 al. a), 374.º, n.º 2 do Código do Processo Penal. Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso.”
O Ministério Público apresentou resposta igualmente ao recurso interposto pela arguida SS, concluindo nos seguintes termos:
“1. A prova feita em Tribunal foi devidamente ponderada pelo Tribunal recorrido, que aplicou corretamente ao caso a lei aplicável, e encontrou o sancionamento devido, termos em que nenhuma censura merece o douto acórdão. 2. E por esse motivo, não padece de falta de fundamentação ou de erro de julgamento. O que verdadeiramente o recorrente não aceita é apreciação da prova, levada a efeito pelo Tribunal. Claramente, a questão nada tem a ver com o vício do artigo 410.º do Código do Processo Penal, mas com a impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412.º, n.º 3 do Código do Processo Penal. 3. Salvo o devido respeito por opinião diversa, o recorrente, carece inteiramente de razão. Na verdade, da análise atenta e cuidadosa não só do texto do douto Acórdão, mas também de toda a prova produzida, não vemos, salvo melhor opinião que se verifiquem alguma ou algumas das hipóteses previstas no artigo 410.º do Código de Processo Penal. 4. Entendemos, portanto, que os factos se devem ter por corretamente fixados, pois, no caso concreto, o tribunal “a quo” não teve essa dúvida e da análise feita por este tribunal aos meios de prova produzidos e métodos valorativos utilizados e fundamentados, não se descortina qualquer vício que conduza a decisão diferente da recorrida. 5. Como é sabido, os fundamentos do recurso devem ser claros e concretos, pois aos Tribunais não incumbe perscrutar a intenção do recorrente, mas sim apreciar as questões submetidas ao seu exame. As conclusões da motivação recursória não podem limitar-se a mera repetição formal de argumentos já utilizados durante a audiência de julgamento. Devem constituir uma resenha clara e não confusa que proporcione ao Tribunal superior uma boa compreensão do objeto do recurso. 6. Contudo, desde já deve-se ter presente o recurso não pode ter como objetivo um novo julgamento do objeto do processo, como se a decisão da 1.ª instância não existisse, mas sim, apenas remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicado pelo recorrente, neste sentido, que é jurisprudência uniforme, entre outros, decidiu o acórdão do STJ de 17.05.2007. 7. In casu, e tendo em conta a fundamentação da matéria de facto constante do acórdão recorrido, não vislumbramos que o mesmo padeça de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. 8. Por outro lado, afigura-se-nos que a recorrente não cumpriu o ónus que sobre si recai, no que toca à impugnação da matéria de facto. 9. Na verdade, limitou-se o recorrente, no que se refere à indicação da prova que impõe decisão diversa da recorrida, ao fazer uma alusão de que o Tribunal a quo apenas quanto os factos dados como provados, não factos, mas sim conclusões, contradições sem qualquer suporte em matéria probatória, sem fundamentação de Direito. 10. Lido o acórdão, nomeadamente na parte que se refere à enumeração dos factos provados, aos motivos de factos que fundamentam a decisão e ao exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, o conjunto é de uma clareza meridiana não avultando qualquer falta de indicação da motivação dos juízos em matéria de facto. Ora, sendo a fundamentação o cerne, a alma ou parte essencial da sentença. Trata-se da motivação do juiz para aplicar o direito ao caso concreto da maneira como faz, acolhendo ou rejeitado a pretensão de punir do Estado. É preciso que conste os motivos de facto (advindos da prova colhida) e motivo de direito (advindos da Lei, interpretada pelo juiz) norteadores do dispositivo (conclusão). É a nosso ver nem mais nem menos que a consagração no processo penal do princípio da presunção racional ou livre convicção motivada. E foi o que foi feito nestes autos pelo Tribunal a quo, que fundamentou a matéria de facto dando conta das razões de ciência, dos juízos de credibilidade, (im)parcialidade ou de (in)veracidade dos depoimentos dos declarantes e testemunhas e dos circunstancialismos relevantes para formação da sua convicção sobre a realidade histórica dos factos que apurou. Basta a título de exemplo, referir que o Tribunal a quo que formou a sua convicção como bem refere no douto acórdão, quanto aos pontos referentes ao coarguido DD, uns encontram-se comprovados documentalmente, nos depoimentos credíveis das testemunhas EEE, GGGG, este ultimo, com um discurso isento, descreveu o DD como uma chefia direta da manutenção e o ex-diretor do hotel, PPPP, explicou que em ... a responsabilidade do DD abrangia a segurança do edifício e que, antes da entrada do YYYY, a manutenção do hotel apenas contava com o DD. Também QQQQ, diretor de outro hotel do grupo, explicou que cabia ao DD verificar se as reparações eram bem-feitas, pelo que a tese de que o seu trabalho era basicamente de escritório não pode, de todo, proceder. 11. Ao contrário do que alega a recorrente a motivação de facto não tem de ser ou tentar ser uma recriação do julgamento. Tem de assegurar que o processo de decisão seja inteligível. Isto de forma sucinta, ainda que tão completa quanto possível. O que importará maiores e melhores informações e explicações sempre que a complexidade do thema decidendum e da prova que sobre ele tenha versado tal imponham. 12. O Tribunal explicou como e porquê que entendeu que o autor dos factos dados como provados n.º ponto 65 de que DD, funcionário da recorrente era igualmente responsável pela manutenção de equipamentos em outros hotéis do grupo, a saber: ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...e .... E através das declarações das testemunhas, e da restante prova produzida durante o julgamento, o Tribunal recorrido, em concreto explica com exatidão porque considerou provado que o coarguido DD foi o autor dos factos, designadamente o Tribunal refere que se baseou-se nos depoimentos e nos factos alegados na contestação do próprio recorrente, resulta a descrição dos factos acima dados provados, os quais, de forma isenta, coerente e assertiva, descreveram as circunstâncias espácio-temporais, bem como a dinâmica factual subjacente, o que narraram sem hesitações, nem evasivas, nem ambiguidades, sendo os seus depoimentos merecedores de credibilidade, para além de terem descrito, com rigor e minúcia, como ocorreram os factos. 13. Pelo que não existem dúvidas de que coarguido DD recorrente praticou o crime, consequentemente bem andou o Tribunal recorrido em condenar a a recorrente. 14. Como já referimos o problema posto pela recorrente reconduz-se ao da apreciação da prova por parte do tribunal recorrido de que trata o art.º 127°, do Código do Processo Penal. 15. Face a essa fundamentação da convicção feita pelo tribunal, colocarem causa a valoração da prova feita, sem concretizar devida e especificadamente matéria relevante para esse fim, e mencionar determinados depoimentos que, ou não serviram de base á fundamentação da convicção do tribunal, ou não concorreram para ela, em detrimento de outros que foram relevantes para a convicção da matéria fáctica, provada o não provada, não pode ser considerado como impugnação da matéria de facto. 16. Ora, da análise de toda a prova supra referida, junta aos autos, emerge a convicção de que toda a prova produzida foi, em termos genéricos, corretamente valorada pelo Tribunal “a quo" não merecendo, reparo a matéria de facto fixada no acórdão recorrido. 17. Assim, não se pode modificar tal matéria de facto, nos termos preceituados no art.º 431.º n.º 1 al. b), do Código do Processo Penal. 18. Atentos os factos provados, dadas as funções que desempenhava o coarguido, DD, e os deveres que a este incumbia, pode afirmar-se que: a. - Este coarguido estava obrigado a adotar as medidas de segurança exigidas de acordo com as regras aplicáveis; b. - O mesmo como função a direção dos serviços de manutenção do “...”, nunca se deslocou ao referido compartimento no 6.º piso a fim de verificar o estado dos equipamentos aí instalados ou das condições de instalação e funcionamento dos mesmos, nomeadamente da courette acima referida, de forma a poder ordenar a substituição da tábua de aglomerado de madeira pensada por um material mais rijo que aguentasse o peso de um corpo humano; 19. Assim, terá de concluir-se que, no caso “sub Júdice”, se mostram verificados os elementos objetivos do crime, pois que: a. Foi violado o dever de vigilância pelo cumprimento das regras de segurança em questão; b. Ocorreu uma atuação omissiva, o agente tinha o dever e a obrigação de proceder de modo distinto, pois era a ele que competia o cumprimento das regras e o dever de fiscalização pelo seu cumprimento, dada a sua posição de garante; 20. Existe um nexo de causalidade entre a conduta omissiva e o resultado típico, a morte do trabalhador da XX, porquanto, se as regras de segurança tivessem sido implementadas, o acidente, não teria ocorrido. 21. A recorrente carece de razão, pois estão preenchidos todos os elementos típicos do tipo legal do crime em causa. Esta argumenta, ainda, que o douto acórdão interpretou, erradamente, o disposto no art.º 11°, n.º 2, al. b) do Código Penal, atribuindo responsabilidade criminal da sociedade, pois entende que não houve violação do dever de vigilância ou controle do primeiro coarguido DD. 22. A simples leitura desta alegação demonstra que a sua argumentação respeita, essencialmente, a matéria de facto, que já foi analisada e definida. A mesma permite concluir pela responsabilidade do coarguido, DD, atendendo às funções por ele desempenhada no aludido Hotel, do qual é titular a sociedade arguida/recorrente. Não olvidar que ao arguido, DD, competia o dever de vigilância e controle, que não foi acatado, mas sim negligenciado, por omissão. Com essa violação de cuidado e dever gerou a responsabilidade da pessoa coletiva, a sociedade arguida. 23. A questão do preenchimento dos requisitos da responsabilidade criminal da pessoa coletiva foi bem desenvolvida e fundamentada, no acórdão recorrido. Nele se referindo: «O critério de imputação da responsabilidade penal às pessoas coletivas e equiparadas é duplo: cometimento de infração criminal no nome e interesse da pessoa coletiva por pessoa singular colocada em posição de liderança na pessoa coletiva ou equiparada ou por pessoa que ocupe uma posição subordinada e o cometimento dela se torne possível apenas em virtude de uma violação pelas pessoas que ocupam uma posição de liderança dos seus deveres de controle e supervisão sobre os respetivos subordinados cfr. Comentário do Código Penal, pg. 94, Prof. Paulo Pinto de Albuquerque». 24. Portanto, atendendo, quer à factualidade provada, quer aos considerandos apontados, os pressupostos para a condenação da pessoa coletiva estavam preenchidos. 25. Pois que, a responsabilidade criminal da sociedade arguida, prevista no n.º 2 do art.º 11° do Código Penal, foi devida à violação das regras de segurança aplicáveis ao caso “sub judice”, apesar dos poderes de que dispunha para modificar essas condições, omitindo o cumprimento dessas regras. 26. Atenta a factualidade provada, a subsunção, da situação concreta, à previsão deste preceito é acertada. 27. Concluindo, em face do exposto, mostram-se verificados os pressupostos da responsabilidade criminal da sociedade arguida, atenta a factualidade provada, o tipo legal de crime cometido pelo arguido, DD, que atuou, por omissão e com perigo criado por negligência, dados os deveres que a ele incumbiam, nos termos do citado art.º 11°, na 2, als. a) e b) e 4, do Código Penal. 28. Do exposto resulta ser óbvia a improcedência dos fundamentos invocados pela recorrente. 29. Não se vislumbram violações de preceitos legais alegados pela recorrente. Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso.”
Os assistentes BBB, CC e CCC apresentaram resposta ao recurso interposto pelo arguido DD, concluindo a mesma nos termos seguintes: “De tudo acima exposto, ressuma que bem andou o Tribunal recorrido ao condenar o arguido ora recorrente pela prática de um crime de violação das regras de segurança com negligência, relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte. Por conseguinte e no que mais doutamente se suprirá deve improceder na totalidade o recurso, contra a decisão acima referida relativa ao arguido DD, a qual deve ser mantida por esse douto tribunal, Só assim decidindo será feita Justiça e aplicado o Direito!”
Os assistentes BBB, CC e CCC apresentaram resposta ao recurso interposto pela sociedade arguida SS, concluindo a mesma nos termos seguintes: “De tudo acima exposto, ressuma que bem andou o Tribunal recorrido ao condenar a arguida ora recorrente pela prática de um crime de violação das regras de segurança com negligência, relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte. Por conseguinte e no que mais doutamente se suprirá deve improceder na totalidade o recurso, contra a decisão acima referida relativa à arguida SS, a qual deve ser mantida por esse douto tribunal, Só assim decidindo será feita Justiça e aplicado o Direito!”
Os assistentes BBB, CC e CCC apresentaram resposta ao recurso interposto pela sociedade arguida TT, concluindo a mesma nos seguintes termos: “De tudo acima exposto, ressuma que bem andou o Tribunal recorrido ao condenar a arguida ora recorrente à obrigação solidária do pagamento de indemnização pela lesão do direito à vida, bem como a título de danos não patrimoniais, ambas acrescidas de juros de mora à taxa de 4%, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil. Por conseguinte e no que mais doutamente se suprirá deve improceder na totalidade o recurso, contra a decisão acima referida relativa à arguida ... A., a qual deve ser mantida por esse douto tribunal […]”
Nesta instância, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, enunciando o objecto dos recursos interpostos, aderindo às alegações aos fundamentos do recurso interposto pelo Ministério Público, bem como às respostas aos recursos interpostos pelos arguidos.
V- Questões a decidir
Resulta do art.º 412.º n.º 1 do Código de Processo Penal (e do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995) que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes na sequência da respetiva motivação, onde sintetizam as razões de discordância com o decidido e resume o pedido por si formulado, de forma a permitir o conhecimento das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida, sem prejuízo, das questões de conhecimento oficioso, que eventualmente existam.
Questões colocadas pelo recurso interposto pelo Ministério Público, que não se conformou com a absolvição dos arguidos MM, PP e UU, Lda.:
- avaliar se a prova produzida em audiência deveria ter levado o tribunal a quo a concluir ter havido uma conduta omissiva por parte de tais arguidos, de modo a que os factos não provados c), d), e), r), s), t), u), v) e w) devam dar-se como provados;
- consoante se responda à questão anterior, ponderar da medida da pena proposta relativamente a cada um dos arguidos.
Questões colocadas pelo recurso interposto pelo arguido DD:
- Da nulidade por incumprimento do disposto no art.º 358.º, n.ºs 1 e 3 do CPP, por aplicação incorrecta do art.º 16.º, n.º 2, al. c) da Lei n.º 102/2009;
- Das faltas de fundamentação da matéria de facto e da sua apreciação crítica, pela conjugação dos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a) do CPP [aqui se incluindo analisar se se mostram correctamente julgados o facto provado n. o 2 e os não provados ff) e gg); analisar se a redacção do facto provado n.º 23 é contraditória com a redacção do facto provado n.º 72 (sendo que este é, segundo o recorrente, o que se mostra correcto) e com o facto não provado b), pelo que deverá tal facto ser eliminado; analisar se os dois factos provados n. os 24 e 25 contêm matéria de natureza conclusiva e se, na sobrante, deverão ser dados como não provados e se a decisão recorrida carece de fundamentação a seu respeito, o que gerará a sua nulidade; analisar se a fundamentação relativa ao facto provado n.º 3 deve ser dada como não escrita, por estar assente na falta de contestação por parte dos arguidos, o que viola o disposto no art.º 311.º-B do CPP; analisar se a fundamentação dos factos 23, 24 e 25 enferma de nulidade, por insuficiência e falta de análise crítica da prova];
Se a resposta às questões anterior não prejudicar o seu conhecimento, analisar:
- o enquadramento jurídico-penal feito na decisão recorrida, designadamente a aplicação do art.º 16.º, n.º 2, al. c) da Lei n.º 102/2009, de 10/09, após a alteração da qualificação jurídica feita no início da decisão recorrida e se se mostra correctamente subsumida a conduta do arguida ao art.º 152.º-B do Código Penal, por falta de indicação das normas regulamentares incumpridas pelo recorrente;
- se o nexo causal entre a conduta e o resultado deveria ter sido dada como não provada por via da aplicação do princípio in dubio pro reo;
- consoante as respostas às questões anteriores, analisar se deve ser mantida a sua condenação relativa ao pedido de indemnização civil ou, se pelo, contrário, faltam os pressupostos da responsabilidade civil que a permitam justificar.
Questões colocadas pelo recurso interposto pela sociedade arguida ...:
- analisar se a matéria de facto provada permite afirmar estarem presentes todos os elementos típicos do crime pelo qual a recorrente foi condenada;
- analisar da relevância da propriedade do ... para efeitos de interpretação do art.º 16.º, n.º 2, al. c) da Lei 102/2009, de 10/09 e da condenação da recorrente;
- analisar da relevância da relação laboral do malogrado sinistrado relativamente à condenação da recorrente;
- avaliar a matéria de facto provada em 26 e 27 se traduz em meras conclusões, pelo que deverá ser eliminada;
- se a conclusão constante da matéria de facto provada em 26 se encontra em manifesta contradição com os factos provados 9, 10, 11, 87, 88, 89, 99, 101, 112, 113, 114, 139, 152, 153, 154, 159, 161 e 233, pelo que deverá ser por essa razão eliminada;
- analisar da responsabilidade criminal do arguido DD, considerando o seu desconhecimento da tampa de conglomerado de madeira que tapava a extremidade da courrete técnica, que não é um equipamento, nem um acessório de equipamento técnico, mas antes um elemento da estrutura do edifício, não fazendo parte das suas funções qualquer responsabilidade na sua manutenção;
- em o arguido DD deverá ser absolvido por via das dúvidas inultrapassáveis decorrentes da contradição da matéria de facto provada e da factualidade não provada;
- consoante se responda às questões anteriores, analisar se deve ser mantida a sua condenação relativa ao pedido de indemnização civil ou, se pelo, contrário, faltam os pressupostos da responsabilidade civil que a permitam justificar.
Questões colocadas pelo recurso interposto pela sociedade arguida TT:
- se se mostram verificados os requisitos da responsabilidade do comitente prevista no art.º 500.º do Código Civil;
- se pode ser afirmada a relação de comissão entre a recorrente e a sociedade arguida SS;
- se a decisão recorrida padece de manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão.
VI- Fundamento de direito
Questões a decidir colocadas pelo recurso interposto pelo Ministério Público (que não se conformou com a absolvição dos arguidos MM, PP e UU):
Cumpre avaliar se a prova produzida em audiência deveria ter levado o tribunal a quo a concluir ter havido uma conduta omissiva por parte de tais arguidos, de modo a que os factos não provados c), d), e), r), s), t), u), v) e w) devam dar-se como provados;
O recorrente socorre-se da impugnação ampla da matéria de facto, prevista no art.º 412.º, n.º 3, al. a) e b) do Código de Processo Penal (doravante CPP), que tem a seguinte redacção:
“Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (…).1”
Ora, a “[…] [a] matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º, nº2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma;
IIº No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido artigo 410º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art.º 412º do C.P. Penal.”, assim, Acórdão deste Tribunal Superior (Jorge Gonçalves), de 29/3/2011, in www.dgsi.pt2.
“Como vem entendendo, sem discrepância, este Supremo Tribunal de Justiça, o recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os "pontos de facto" que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham "decisão diversa" da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) – art.º 412.º, n.º 3, al. b), do CPP –, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer.”, neste sentido, ver Acórdão do STJ de 31 de maio de 2007 (Simas Santos), in www.dgsi.pt3.
O n.º 4 do referido art.º 412.º acrescenta que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Há, assim, uma dupla exigência formal quando os recorrentes pretendem ver reapreciada a matéria de facto:
1.ª- exige-se a identificação dos concretos factos que devem ser considerados incorrectamente julgados (não é bastante a sua indicação genérica);
2.ª exige-se a indicação das provas (ou a falta delas) que impõem decisão diversa, com a referência concreta das passagens da gravação em que se funda a impugnação, com a identificação do meio de prova ou meio de obtenção de prova respectivos e, caso o meio de prova tenha sido gravado, é exigida a indicação do início e termo da gravação e a indicação do ponto preciso da gravação onde se encontra o fundamento da impugnação (as concretas passagens a que se refere o n.º 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal).
Com esta dupla exigência formal, o legislador pretende seja feita uma delimitação objectiva do recurso, que assim deve revelar, a par da fundamentação do que é pretendido, o esclarecimento dos objectivos pretendidos com a sua interposição.
Não está em causa, com o recurso da matéria de facto, a realização, pelo tribunal de recurso, de um novo julgamento, mas tão-só analisar se o realizado em 1.ª instância cumpriu os critérios legais na respectiva produção de prova e a valorou de forma consentânea com tais critérios, sempre tendo presente o elevado grau de conformação da convicção por força do princípio da livre apreciação da prova (art.º 127.º do Código de Processo Penal).
«O tribunal superior procede […] à reanálise dos meios de prova concretamente indicados (ou as questões cuja solução foi impugnada) para concluir pela verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova e daí pela alteração ou não da factualidade apurada (ou da solução dada a determinada questão de direito»4.
Resultou provado da matéria da contestação apresentada pelos arguidos MM, PP e da UU (factos 198 a 209),
“198. MM não teve acesso a todas as divisões e locais onde os trabalhadores do hotel desempenhassem funções, nomeadamente o compartimento do terraço onde se encontrava uma máquina UAP-Q (unidade extratora de ar dos quartos de banho do hotel), bem como uma courette técnica onde estão montadas condutas de climatização, courette técnica que se encontrava, à data dos factos e desde há muitos anos até aquela data, tapada por uma tábua de aglomerado de madeira prensada, a qual estava pintada da mesma cor do pavimento;
199. Não só o arguido MM nunca teve acesso ao referido compartimento como a existência do mesmo nunca lhe foi dada a conhecer pelos vários trabalhadores do hotel que acompanhavam as suas deslocações ao edifício para realização do relatório sobre a identificação de perigos e riscos nos processos e locais de trabalho.
200. A UU, através do técnico superior de segurança no trabalho, no caso o arguido MM, faz a avaliação de riscos e perigos nos processos e locais de trabalho mediante a informação que lhe é transmitida pela sua cliente e seus representantes/trabalhadores no que diz respeito à identificação concreta de todos os processos e locais de trabalho.
201. No caso concreto do hotel ..., a UU solicitou, no início da sua prestação de serviços e como o faz sempre, a concreta identificação, no hotel, de todos os processos e locais de trabalho, ainda que ocasionais, existentes no edifício para que pudesse ser realizada a já mencionada avaliação de riscos e perigos.
202. Nunca foi dado a conhecer à UU, nem aos arguidos PP e MM, a existência do compartimento localizado no terraço do hotel, onde se deu o acidente, nem os equipamentos que lá existiam ou que os trabalhadores do hotel, ou de entidades terceiras, lá se deslocassem para desenvolver qualquer processo de trabalho.
203. O dito compartimento estava trancado à chave e esta encontrava-se guardada na receção do hotel.
204. Não foi dado conhecimento à UU da realização dos referidos trabalhos de manutenção por parte da arguida XX, para que aquela pudesse desencadear o acompanhamento de tais trabalhos e a realização das avaliações de risco e perigos que se mostrassem necessárias.
205. O arguido MM, nas suas visitas de higiene e segurança, era sempre acompanhado por um funcionário do hotel, pessoa esta que lhe ia indicando os locais onde se realizavam processos de trabalho.
206. Nas suas visitas, o arguido MM questionava a pessoa que o acompanhava sobre a existência de locais onde os referidos processos de trabalho aconteciam, de forma a que aí pudesse cumprir com a sua obrigação, ou seja, avaliar riscos.
207. PP ignorava a existência do referido compartimento no 6.º piso do hotel ....
208. A intervenção do arguido PP na apreciação dos relatórios de avaliação de risco da responsabilidade do arguido MM, e de quaisquer outros técnicos de segurança que trabalham para a UU, é o de identificar eventuais incongruências entre os riscos identificados e as medidas de prevenção recomendadas, bem como o de harmonizar a linguagem utilizada nos referidos relatórios.
209. Não é função do arguido PP acompanhar as vistorias realizadas por todos os seus técnicos.”
E como não provados os factos c), d), e), r), s), t), u), v) e w), com a seguinte redacção:
c) Apesar de ter pleno acesso ao referido compartimento do 6.º piso e de ali trabalharem, funcionários do hotel, nomeadamente o arguido AA, MM nunca se deslocou ao referido compartimento para verificar e assinalar os perigos que ali pudessem existir, pelo que nenhum dos planos acima referidos identificou o perigo de queda em altura relativamente à courette técnica existente no referido compartimento. d) Para efeitos de elaboração dos relatórios sobre a identificação de perigos e riscos, os técnicos da UU tinham acesso a todas as divisões e locais onde trabalhadores do hotel desempenhassem funções, nomeadamente o compartimento do 6.º piso onde se encontra a courette técnica acima referida e onde trabalhava com regularidade AA. e) Por sua vez, enquanto coordenador técnico do trabalho do arguido MM e pessoa que aprovou os planos de identificação de perigos e avaliação de riscos acima referidos, o arguido PP não diligenciou no sentido de verificar se MM tinha passado em revista todos os locais de trabalho onde os funcionários do hotel trabalhavam, nomeadamente o referido compartimento no 6.º piso, falhando nos seus deveres de fiscalização e controlo da atividade do arguido MM. r) O arguido MM, enquanto técnico da “UU” responsável pelos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho no “...”, deveria, de acordo com as obrigações decorrentes do seu contrato de trabalho e das suas funções, ter efetuado uma vistoria a todos os compartimentos do hotel, nomeadamente àquele onde se encontrava a máquina UAP-Q e a courette técnica por onde passavam os tubos ligados às máquinas de climatização do hotel, o que não fez, não lhe permitindo, desta feita, tomar conhecimento da existência da tábua de aglomerado de madeira prensada que tapava a courette técnica por onde caiu o ofendido e do perigo de queda em altura que tal tábua constituía para quem andasse por cima da mesma.
s. O arguido MM estava em condições de cumprir o seu dever de vistoria aos vários compartimentos do hotel bem como de se aperceber de que, não o fazendo poderiam advir da sua conduta omissiva lesões para terceiros e que a sua conduta era socialmente desvaliosa e criminalmente punível.
t. Por sua vez, o arguido PP não cumpriu com os deveres de fiscalização e controlo da atividade desenvolvida pelo arguido MM de que se encontrava incumbido, enquanto coordenador técnico do trabalho do referido arguido e responsável pela atividade no âmbito da segurança, higiene e saúde no trabalho dos trabalhadores da referida empresa bem como gerente da sociedade “UU”
u. O arguido PP estava em condições de cumprir o seu dever de fiscalização e controlo da atividade dos funcionários da empresa que gere, bem como de se aperceber que, não o fazendo, poderia advir da sua conduta omissiva lesões para terceiros e que a sua conduta era socialmente desvaliosa e criminalmente punível.
v. O arguido MM agiu sob as ordens e direção do arguido PP, e ambos agiram no interesse da sociedade “UU”.
w. Caso os arguidos MM e PP tivessem cumprido os seus deveres no âmbito da segurança, higiene e saúde no trabalho no “...”, o primeiro verificando todos os compartimentos do hotel e o segundo fiscalizando e controlando a atividade dos trabalhadores da sociedade de que é gerente, poderia ter-se descoberto a fragilidade da tábua que se partiu, substituindo a mesma ou sinalizado o perigo de queda em altura, assim se evitando a queda e a morte do ofendido EEE.
Recordemos o que o tribunal a quo explanou a propósito da sua convicção a propósito dos factos provados 198º a 207º (das contestações de MM, PP e UU) e os não provados (c), d), e), r), s), t), u), v) e w)), os quais […] resultam das declarações espontâneas do arguido MM, corroboradas pelas declarações dos coarguidos DD, GG, JJ e pelos depoimentos das testemunhas TTT e SSS (que confirmaram que o compartimento estava sempre fechado, sendo o seu acesso muito limitado), EEE (que afirmou perentoriamente que nunca nenhum técnico de segurança e higiene se deslocou ao compartimento), PPPP, GGGG, QQQ e SSSS. De todos estes elementos de prova resultou claro, sem margem para qualquer dúvida, que todas as visitas de MM, bem como de outros prestadores de serviços externos ao grupo, eram sempre acompanhadas por colaboradores do ..., sendo que, apesar do contrato celebrado com a UU referir que esta tem pleno acesso de circulação, este era, na prática, limitado pela vontade dos colaboradores do grupo (note-se que SSS acrescentou que, no ..., “correu” todas as áreas técnicas com MM, o que já não aconteceu no ...), sendo que, ninguém tendo indicado a existência de tal compartimento a MM (PPPP e QQQ acompanharam visitas de MM, mas nunca o levaram até tal área técnica), conjugado com a dimensão do hotel, mais de cem quartos e seis pisos (conforme resulta da documentação), o Tribunal ficou plenamente convicto que, apesar de MM questionar sempre quem o acompanhava sobre os locais onde se desenvolviam trabalhos, nunca foi indicada ao arguido a existência de tal compartimento técnico. Efetivamente, o arguido nunca se deslocou ao compartimento onde ocorreu o acidente e não o fez porque tal compartimento nunca em nenhuma das várias visitas que fez ao hotel lhe foi dado a conhecer, nem nunca lhe foi referido que ali, muito esporadicamente (por vezes passavam-se períodos de cerca de dois anos ou mais sem que ninguém lá fosse), se realizavam trabalhos. Não se pode esperar que alguém, por mais diligente que seja, possa por si só saber de todos os locais onde há processos de trabalho sem a ajuda e colaboração de alguém interno da entidade que contrata os serviços. Já os factos 207º a 209º resultam das declarações do arguido PP, o qual explicou que se limitava a apreciar os relatórios dos seus técnicos para evitar incongruências, sendo que, conforme resulta do regime legal (nomeadamente da Lei 102/2009, de 10.09), o técnico de segurança goza de autonomia técnica, não sendo obrigatório, nem exigível, que o gerente da empresa fiscalize a atividade dos técnicos de segurança e saúde no trabalho.
[…] Atento o que se deixou escrito quanto aos factos 198º a 209º, apenas poderíamos considerar os factos c) a e) como não provados. […] Também devido ao que já se deixou escrito relativamente aos factos 198º a 209º (da contestação dos arguidos MM, PP e UU), demos como não provados os factos r) a w).
Como já se deixou supra referido, na impugnação ampla da matéria de facto exige-se a identificação dos factos que, no entendimento do recorrente, foram incorrectamente julgados (ónus cumprido), mas também se exige a indicação das provas (ou a falta delas) que impõem decisão diversa, com a referência concreta das passagens da gravação em que se funda a impugnação, com a identificação do meio de prova ou meio de obtenção de prova respectivos e, caso o meio de prova tenha sido gravado, é exigida a indicação do início e termo da gravação e a indicação do ponto preciso da gravação onde se encontra o fundamento da impugnação (as concretas passagens a que se refere o n.º 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal). Ora, a este respeito, o recorrente não cumpre o pressuposto da impugnação factual pretendida, antes fazendo alusão a considerações extraprocessuais (designadamente com recurso a definições da Autoridade para as Condições do Trabalho), mas que não encontram na prova produzida em audiência o respaldo necessário.
Com efeito, considerando que o arguido MM nunca foi informado da existência do perigo concreto que originou a tragédia, e que este perigo se mostrava “camuflado”, pelo que, mesmo tendo ido ao local, não teria sido possível aperceber-se de tal perigo, sem que alguém, conhecedor do mesmo, o tivesse avisado (o que se mostra bem explicitado na convicção da matéria de facto elaborada pelo tribunal a quo), nenhuma censura nos merece a fixação factual constante da decisão recorrida. O dever de agir cujo incumprimento consubstancia a conduta omissiva penalmente relevante, tem de ter nos factos provados e na prova produzida o respectivo suporte. No caso concreto, não chega o dever de agir alicerçado em considerações gerais e abstractas sem a consideração concreta das circunstâncias que envolveram a actuação profissional dos arguidos, designadamente do arguido MM, que agia em primeira linha em relação às condições do edifício; nenhum facto ou circunstância probatória permite afirmar ter o arguido MM a possibilidade de conhecer ou sequer ter tido a percepção da situação de perigo que envolveu o trágico acidente.
Significa isto que as considerações tecidas pelo recorrente (máxime nas suas conclusões 12 e 13) têm natureza especulativa, designadamente ao sustentar ter existido negligência na elaboração dos planos de identificação dos perigos e avaliação de riscos, sendo a convicção da matéria de facto a este respeito perfeitamente compreensível e coerente com a prova produzida em audiência.
Por fim, cumpre esclarecer que analisada a matéria de facto provada, em conjugação com a respectiva convicção, não vislumbramos qualquer dos vícios descritos no art.º 410.º, n.º 2 do CPP.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso interposto pelo Ministério Público, o que prejudica a apreciação das segundas questões a decidir relativa à definição das penas a definir para cada um dos arguidos, dado que a sua absolvição se mostra assim isenta de qualquer censura.
Do recurso interposto pelo arguido DD.
As questões colocadas com este recurso são as seguintes:
- Da nulidade por incumprimento do disposto no art.º 358.º, n.ºs 1 e 3 do CPP, por aplicação incorrecta do art.º 16.º, n.º 2, al. c) da Lei n.º 102/2009;
- Das faltas de fundamentação da matéria de facto e da sua apreciação crítica, pela conjugação dos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a) do CPP [aqui se incluindo analisar se se mostram correctamente julgados o facto provado n. o 2 e os não provados ff) e gg); analisar se a redacção do facto provado n.º 23 é contraditória com a redacção do facto provado n.º 72 (sendo que este é, segundo o recorrente, o que se mostra correcto) e com o facto não provado b), pelo que deverá tal facto ser eliminado; analisar se os dois factos provados n. os 24 e 25 contêm matéria de natureza conclusiva e se, na sobrante, deverão ser dados como não provados e se a decisão recorrida carece de fundamentação a seu respeito, o que gerará a sua nulidade; analisar se a fundamentação relativa ao facto provado n.º 3 deve ser dada como não escrita, por estar assente na falta de contestação por parte dos arguidos, o que viola o disposto no art.º 311.º-B do CPP; analisar se a fundamentação dos factos 23, 24 e 25 enferma de nulidade, por insuficiência e falta de análise crítica da prova];
Se a resposta às questões anterior não prejudicar o seu conhecimento, analisar:
- o enquadramento jurídico-penal feito na decisão recorrida, designadamente a aplicação do art.º 16.º, n.º 2, al. c) da Lei n.º 102/2009, de 10/09, após a alteração da qualificação jurídica feita no início da decisão recorrida e se se mostra correctamente subsumida a conduta do arguida ao art.º 152.º-B do Código Penal, por falta de indicação das normas regulamentares incumpridas pelo recorrente;
- se o nexo causal entre a conduta e o resultado deveria ter sido dada como não provada por via da aplicação do princípio in dubio pro reo;
- consoante as respostas às questões anteriores, analisar se deve ser mantida a sua condenação relativa ao pedido de indemnização civil ou, se pelo, contrário, faltam os pressupostos da responsabilidade civil que a permitam justificar.
Da nulidade por incumprimento do disposto no art.º 358.º, n.ºs 1 e 3 do CPP, por aplicação incorrecta do art.º 16.º, n.º 2, al. c) da Lei n.º 102/2009.
O tribunal a quo, no momento da admissão dos recursos interpostos, apreciou a nulidade suscitada por este arguido, nos termos que passamos a transcrever.
“Em sede de recurso o arguido invocou que a nulidade decretada pelo Tribunal da Relação de Lisboa se manteve. Ao abrigo do disposto no artigo 414º, nº 4 ex vi artigo 379º, nº2 do Código de Processo Penal cumpre apreciar a invocada nulidade. Por acórdão proferido a 10/07/2024, foi determinada a elaboração de novo acórdão, expurgando os vícios apontados e, sendo caso disso (ou seja, mantendo-se a alteração da qualificação jurídica face à comunicação já efetuada), deverá antes da leitura da nova decisão, ser dado cumprimento ao disposto no artigo 358.º nº. 1 e 3 do Código de Processo Penal. Conforme é referido em tal acórdão, da leitura do acórdão, mormente no que diz respeito ao enquadramento jurídico penal da conduta do arguido DD, é percetível que o tribunal recorrido moveu-se dentro do perímetro do artigo 152º.-B, nº. 1, 2 e 4 alínea b) do Código Penal, por referência ao artigo 16º., nº 2 alínea c) da Lei 102/2009, de 10 de setembro, mas, no dispositivo condenou o arguido por referência ao artigo 73º-B, nº 1, alínea b) da Lei nº 102/2009, de 10 de setembro. Ora, conforme novo acórdão proferido, o arguido é condenado efetivamente por referência ao referido artigo 16º, pelo que não ocorre qualquer alteração que cumpra comunicar. Aliás, tal foi claramente explicado aquando da leitura do acórdão (o lapso ocorrido no dispositivo, conforme o Ministério Público havia destacado), não tendo o Ilustre Mandatário levantado qualquer objeção, pelo que se entende não se verificar qualquer nulidade.
A este respeito, com relevância para a apreciação desta questão a decidir, consta o seguinte no acórdão prolatado a 10 de Junho de 2024 por este Tribunal: “O Ministério Público deduziu acusação pública contra, entre outos, o arguido DD, imputando-lhe a prática de um crime de homicídio negligente, previsto e punível pelo artigo 10º., nºs 1 e 2 e pelo artigo 137º. do Código de Processo Penal. No dia 10/01/2022, foi proferida decisão instrutória na qual se decidiu pronunciar o DD “pelos factos, crimes e normais legais constantes do despacho de acusação de fls. 683 a 689, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.” No decurso da audiência de discussão e julgamento foi proferido despacho a comunicar ao arguido DD uma alteração da qualificação jurídico penal dos factos, com o seguinte teor: “ Atentos os factos descritos na acusação o tribunal coletivo nos termos do art.º 358.º, n.º 3 do CPP, decide alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação relativamente ao arguido DD para um crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo agravada pelo resultado de morte p. e p. pelos n.º 1, 2 e 4, al. b) do art.º 152 do Código Penal por referência ao art.º 16.º, n.º 2, al. c) da Lei n.º 102/2009 de 10 de setembro”. Devidamente notificado, nos termos e para os efeitos determinados no artigo 358.º do Código de Processo Penal, nada foi requerido pela defesa do arguido DD. No acórdão sob censura veio o arguido DD, com referência aos factos constantes da pronúncia, a ser condenado pela prática deum crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte, previsto e punível pelo artigo 152º-B, nºs 1, 2 e 4, alínea b do Código Penal, por referência ao artigo 73º-B da Lei 102/2009, de 10 de setembro. Com efeito, no caso em apreço, não estamos perante factos novos, portanto, inexiste alteração do concreto “pedaço de vida” que integra o objeto do processo descrito na pronúncia, mas apenas uma alteração da respetiva qualificação jurídico penal dos factos imputados ao arguido tal como se encontravam definidos na pronúncia. Assim, nada obsta a que o tribunal proceda à uma alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao agente, desde que ao arguido seja dada oportunidade de exercer o seu direito de defesa. De facto, o arguido e ora recorrente DD foi notificado, nos termos do artigo 358º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Penal, para, querendo, requer tempo para a preparação da sua defesa perante o novo enquadramento jurídico dos factos descritos na pronúncia que, segundo o tribunal a quo, apontavam para a prática de um crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte, previsto e punível pelo artigo 152º-B, nºs 1, 2 e 4, alínea b) do Código Penal, por referencia ao artigo 16º., nº2 alínea c) da Lei 102/2009, de 10 de setembro. Sucede, porém, que, no acórdão sob censura o tribunal a quo, em sede de dispositivo, enveredou pela condenação do arguido DD pela prática de um crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte, previsto e punível pelo artigo 152º-B, nºs 1, 2 e 4, alínea b) do Código Penal, mas agora por referência ao artigo 73º-B da Lei 102/2009, de 10 de setembro. Como já referirmos o tipo penal em questão assume a natureza de norma penal em branco, uma vez que recorre a outras normas para parcialmente descrever os pressupostos da punição. A norma penal em branco – norma primária e sancionadora – remete parte da sua concretização para outra norma – norma complementar ou integradora – com fonte normativa inferior, neste sentido Teresa Beleza e Frederico Costa Pinto, “O regime legal do erro e as normas penais em branco”, ..., 1999, págs. 31 e 32. No que diz respeito ao caso apreço verifica-se que a norma penal em branco veio a ser complementada por dispositivo normativo que é distinto do comunicado ao arguido - ( norma na qual se encontrava deficientemente enquadrada a conduta do arguido)- e a concretização desta alteração da qualificação jurídica dos factos mais uma vez nos autos reclamava a comunicação ao arguido nos termos e para efeitos do disposto no artigo 358.º, n.ºs 1 e 4 do Código de Processo Penal, o que não sucedeu. Ora, o arguido não pode ser surpreendido com a condenação por um crime pelo qual efetivamente não lhe foi dada a conhecer de forma precisa e clara as disposições para a qual a lei penal remetente reenvia, uma vez que a disposição legal ou regulamentar violada integra esse tipo penal. Na realidade, como decorre da norma penal em branco contido no artigo 152º-B, do Código Penal, o preenchimento desse tipo de ilícito, ao nível do elemento objetivo do tipo, depende da conduta de não observância de disposições legais ou regulamentares. Daí que, não se diga que o tribunal a quo, aquando da comunicação efetuada, da alteração da qualificação jurídica, “ter-se-á equivocado ao referir o artigo 16º., nº2 alínea c) da Lei 102/2009, de 10.09, em vez do artigo do artigo 73º-B, nº 1, alínea b) da Lei nº 102/2009” e esse lapso em nada afeta a defesa do arguido, como propugna o Ministério Público. Escusado será dizer que o princípio da vinculação temática lida mal com tais lapsos. Na realidade, não só o despacho proferido aquando da comunicação efetuada da alteração da qualificação jurídica, ao abrigo do disposto no artigo 303º., nº 5 do Código de Processo Penal, faz referencia à disposição complementar do artigo 16º., nº2 alínea c) da Lei 102/2009, de 10.09, como, do mesmo passo, o acórdão sob censura integra os factos à luz desta disposição complementar ou integradora da norma penal em branco para, de forma absolutamente inopinada, emergir , na parte decisória, uma condenação do arguido com referência a outra disposição legal complementar. O legislador impõe ao juiz o cumprimento de certas exigências e, no caso dos autos, conclui-se que o tribunal não comunicou esta nova alteração ao nível da concretização da norma penal em branco pela norma complementar que surge na parte decisória do acórdão, sendo certo, que, desde que assegurado o contraditório, o tribunal pode qualificar juridicamente os factos descritos na pronúncia. Assim, a inobservância do disposto no artigo 358º, nº 1 e 3 do Código de Processo Penal determina, nos termos do artigo 379º, nº 1, b) do mesmo código, a nulidade da sentença/acórdão que implica a reabertura da audiência de julgamento para cumprimento do disposto no artigo 358º, nº 1 e 3 do Código de Processo Penal, caso se mantenha a alteração da qualificação jurídica que consta do dispositivo do acórdão, seguindo-se os demais termos processuais.”
Ora, esta invalidade, no acórdão proferido pelo tribunal a quo a 5 de Dezembro de 2024, já não subsiste, considerando que a condenação do arguido foi consonante com o teor da comunicação que lhe foi feita ao abrigo do disposto no art.º 358.º, n. os 1 e 3 do CPP, pelo que, sem necessidade de mais considerandos, consideramos não assistir, nesta parte, razão ao arguido.
Passemos a apreciar as questões a decidir supra enunciadas a propósito deste recurso.
Das faltas de fundamentação da matéria de facto e da sua apreciação crítica, pela conjugação dos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a) do CPP e demais questões relativas à matéria de facto fixada pelo tribunal a quo [aqui se incluindo analisar se se mostram correctamente julgados o facto provado n. o 2 e os não provados ff) e gg); analisar se a redacção do facto provado n.º 23 é contraditória com a redacção do facto provado n.º 72 (sendo que este é, segundo o recorrente, o que se mostra correcto) e com o facto não provado b), pelo que deverá tal facto ser eliminado; analisar se os dois factos provados n.ºs 24 e 25 contêm matéria de natureza conclusiva e se, na sobrante, deverão ser dados como não provados e se a decisão recorrida carece de fundamentação a seu respeito, o que gerará a sua nulidade; analisar se a fundamentação relativa ao facto provado n.º 3 deve ser dada como não escrita, por estar assente na falta de contestação por parte dos arguidos, o que viola o disposto no art.º 311.º-B do CPP; analisar se a fundamentação dos factos 23, 24 e 25 enferma de nulidade, por insuficiência e falta de análise crítica da prova];
Esta questão a decidir foi alvo de análise no Acórdão prolatado por este Tribunal da Relação, nos termos seguintes que se transcrevem:
“Sustenta o recorrente DD que o acórdão enferma de nulidade por falta de exame crítico das provas e por falta de exposição dos motivos de direito que fundamentam a decisão, nos termos do artigo 379º., nº.1 alínea a) por referência ao artigo 374º., nº2 ambos do Código de Processo Penal).
As causas determinativas da nulidade da sentença (leia-se aqui acórdão) estão taxativamente enumeradas no artigo 379º., nº1 do Código Processo Penal.
Preconiza esta norma do artigo 379º. que:
“1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Por seu lado, prescreve o artigo 374º., do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “requisitos da sentença”:
“2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
A sentença compõe-se de três partes, a saber: relatório, fundamentação e dispositivo.
Na fundamentação está a enumeração dos factos que consiste na explanação dos factos considerados provados e dos factos que não resultaram provados, por referência à factualidade narrada na acusação ou pronúncia, na contestação, e no pedido de indemnização, e ainda os que, com relevo para a decisão, resultaram da discussão da causa.
E, por seu lado, a exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão deve conter, de modo completo e conciso, a enunciação das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal, e a análise crítica de tais provas, isto é, a explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação dos motivos e critérios lógicos e racionais que conduziram à credibilização de certos meios de prova e à desconsideração de outros.
A exposição dos motivos de direito mais não é do que as razões de direito que apoiam o veredicto do juiz em termos tais de permitir ao destinatário a perceção das razões de direito da decisão judicial.
O dever de fundamentação das decisões constitui uma das garantias constitucionais de defesa do arguido e decorre do comando constitucional ínsito no artigo 205º., nº1 da Constituição da República Portuguesa o qual dispõe que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei” e também do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do artigo 47.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia.
A fundamentação assume no processo penal uma função estruturante das garantias de defesa do arguido, na medida em que assegura o conhecimento das razões de facto e de direito que sustentam a decisão tomada em detrimento de outra, de modo a facultar a opção reativa adequada à defesa dos seus direitos, revelando-se, assim, essencial para o exercício do direito ao recurso, neste sentido Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 147/00, de 21/03/2000, em ., Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal, Anotado, vol.II, pág.537.
As decisões judiciais, com efeito, não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz, neste sentido Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 289.
Com efeito, a obrigação de motivação das sentenças e acórdãos exige que o tribunal explique o processo racional que conduziu à expressão da convicção, ou seja deve indicar – de modo completo mas também conciso, não necessariamente uma explanação exaustiva -, os elementos de prova e as razões de ciência a partir deles que tenham, na perspetiva do tribunal, sido relevantes para dar os factos como provados ou não provados.
Não existindo regras legais que fixem o valor de cada prova ou qualquer hierarquia entre elas (com exceção da prova tarifada: confissão integral e sem reservas do arguido; da prova pericial e dos documentos autênticos), e sendo admissíveis todos os meios de prova, e ainda as presunções judiciais, desde que não proibidos por lei , artigo 126º do Código de Processo Penal e artigo 32º., n.º 8 da Constituição da República Portuguesa, o juiz tem que justificar e demonstrar que a análise e valoração da prova que alicerça a sua convicção é imparcial, legal, não arbitrária e conforme às regras da experiência e da lógica.
Como se refere no Acórdão da Relação de Évora de 19/12/2019, in DGSI.pt, “O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que, em tal exame crítico, estejam exteriorizadas as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. O que não se exige, na fundamentação da decisão fáctica (quer na enunciação das provas produzidas, quer no exame crítico das mesmas), é uma qualquer operação épica, em que o juiz tenha de expor, um a um, passo por passo, com inteiro detalhe, todo o seu percurso lógico dedutivo. Não se exige, pois, que o juiz explane todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenvolveu a dinâmica dos factos em determinada situação, e, muito menos, que o juiz equacione todas as possibilidades (muitas delas até desrazoáveis, e, mesmo, absurdas) suscitadas, ao sabor das suas conveniências, pelos diferentes sujeitos processuais.
Também não se exige ao juiz que, de forma exaustiva e meramente descritiva, referencie e analise todas as declarações e todos os depoimentos, e, depois disso, vá ainda, facto a facto, pormenor a pormenor, circunstância a circunstância, explicar onde foi retirar a prova de cada um deles. Exige-se, isso sim (mas é coisa diferente), a enunciação, especificada, dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, a referência à credibilidade que os mesmos mereceram ao tribunal, e o exame do seu valor e relevância probatórios, permitindo-se, assim, no contexto ambiental, de espaço e de tempo dos factos delitivos em apreço, compreender os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum”, no mesmo sentido Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13/02/2008, de 22/04/2009, Acórdão da Relação de ... de 02/10/2018, in www.dgsi.pt.
A deficiência da fundamentação só constitui nulidade, quando for de tal forma relevante que impeça o conhecimento da razão para determinado facto ter sido dado como provado ou não provado, ou os raciocínios subjacentes à qualificação jurídica da conduta do arguido, ou à determinação das medidas das penas, ou dos montantes indemnizatórios.
Com efeito, da leitura do acórdão sob censura, concretamente da motivação da decisão de facto consignada no acórdão […], entendemos ter o Tribunal a quo explicitado a decisão, enunciando as provas que serviram de suporte à convicção que alicerçou e procedendo ao respetivo exame crítico, nomeadamente, explicitando as razões por que lhe concedeu relevância probatória, bem como, esse arsenal probatório, seja as provas pré-constituídas seja as provas produzida na audiência, conjugadas com as regras da experiência comum e da lógica, contribuiu para a formação da convicção nesse determinado sentido.
A fundamentação explicitada pelo Tribunal a quo é esclarecedora do caminho que o tribunal percorreu na apreciação global da prova para atingir a sua convicção, mostrando-se observada a exigência prevista no artigo 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Na verdade, o recorrente discorda da valoração feita pelo tribunal, sucede, porém, que essa discordância não consubstancia uma falta de exame critico da prova.
Mas é precisamente na exposição dos motivos de direito fundamentadores do sentido decisório contido na determinação do direito aos factos e sua aplicação ao caso concreto que assiste razão ao recorrente.
Atentemos no texto do acórdão, na parte que interessa considerar: “(…) III. Fundamentação de Direito 1. Enquadramento Jurídico Do crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte. Sob a epígrafe Violação de regras de segurança dispõe o artigo 152º-B, nº1 do Código Penal que Quem, não observando disposições legais ou regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde, é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, acrescentando o nº2 de tal artigo que, sendo o perigo criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até três anos. Por seu turno, o nº4 de tal artigo estatuiu que, se dos factos resultar a morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos no caso do nº1 ou com pena de prisão de dois a oito anos no caso do nº2. 3 - No caso previsto no número anterior, a pena pode ser especialmente atenuada. Os bens jurídicos protegidos na norma incriminadora são a vida e a integridade física e psíquica. O crime de violação de regras de segurança é um crime de perigo concreto (quanto ao bem jurídico) e de resultado (quanto ao objeto da ação). É, pois, aplicável a teoria da adequação do resultado à conduta. É um crime específico próprio fundado na relação de vigilância existente entre trabalhador e empregador. No entanto, o conceito de trabalhador previsto no artigo 152º.-B do Código Penal ultrapassa o conceito qualificativo de uma relação laboral típica, sendo suficiente que na ocasião a vitima esteja no cumprimento de ordens e desenvolvendo uma atividade no interesse exclusivo da pessoa ou entidade que está obrigado a observar a necessidade de implementar as regras de segurança necessárias para o cabal desempenho da tarefa em execução e por ele solicitada (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de ... de 22/02/2017, processo nº 649/13.1GBVFR.P1, disponível em www.dgsi.pt). O tipo objetivo consiste na mera sujeição do trabalhador a uma situação de perigo concreto para a vida, o corpo ou a saúde, com violação de regras legais ou regulamentares vigentes à data do facto. Não é sequer necessária a verificação de qualquer ofensa corporal simples (Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, anotação ao artigo 152.º-B a fls. 410/411). As regras técnicas aí mencionadas podem ter por fonte a lei, o regulamento ou o uso profissional. Está-se, desde modo, a conferir proteção penal a normas de direito laboral e o preenchimento deste tipo, que é de perigo concreto, tanto pode ter lugar por via de ação como por omissão. O perigo é, aqui, o risco de lesão da vida, da integridade física ou do património alheio. O tipo subjetivo é tripartido. O agente pode agir com dolo de perigo (nº 1), negligência de perigo (nº 2) ou dolo de perigo e negligência em relação ao resultado agravante (artigo 152º-B, nº 3 e 4, conjugado com o artigo 18.º) Tendo em perspetiva a subsunção jurídico-penal da conduta dos arguidos, há que atentar ao disposto no artigo 10º do Código Penal, sob a epígrafe “comissão por ação e por omissão”, o qual dispõe, no seu nº1 que quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a ação adequada a produzi-lo como a omissão da ação adequada a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei. Mais acrescenta o nº2 de tal artigo que a comissão de um resultado por omissão só é punível quando sobre o omitente recair um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado. No presente caso, vêm os arguidos DD, GG, JJ, MM, PP, SS, TT e UU acusados de violar o artigo 16º, nº2, alínea c) da Lei nº 102/2009 de 10 de setembro. Dispõe o artigo 16º, nº 1 de tal lei que quando várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolvam, simultaneamente, atividades com os seus trabalhadores no mesmo local de trabalho, devem os respetivos empregadores, tendo em conta a natureza das atividades que cada um desenvolve, cooperar no sentido da proteção da segurança e saúde. Acrescenta o artigo 16º, nº 2, alínea c) da referida lei que não obstante a responsabilidade de cada empregador, devem assegurar a segurança e a saúde, quanto a todos os trabalhadores a que se refere o número anterior, as seguintes entidades: a empresa em cujas instalações outros trabalhadores prestam serviço ao abrigo de contratos de prestação de serviços. Assacam ao empregador e à pessoa que, a qualquer título, detenha o controlo, a gestão ou a direção do local onde é prestado o trabalho, ou onde é prestada a atividade, responsabilidades convergentes e concomitantes na criação das adequadas condições de segurança e saúde dos trabalhadores que laboram num mesmo local de trabalho, independentemente da natureza do vínculo. lei em nada releva a propriedade, sendo indiferente a quem pertence juridicamente o local de trabalho. O que interessa é quem tem a direção do local de trabalho, no fundo, quem mais beneficia com o conjunto das prestações de trabalho, e de serviços, quando estes últimos sejam concomitantes com trabalho subordinado. O nº 2 deve ser interpretado cumulativamente com o nº 1 do artigo 5º, o qual determina que o trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador ou, nas situações identificadas na lei, pela pessoa, individual ou coletiva, que detenha a gestão das instalações em que a atividade é desenvolvida. Não existe por força do nº 2 uma transferência da responsabilidade concreta de cada empregador. O que existe é um dever de cooperação entre o empregador concreto (a entidade que celebra um contrato de trabalho com um trabalhador), e a entidade que tem a direção do local onde em condições de simultaneidade é prestado trabalho e prestados serviços. A entidade que tem a direção do local é a coordenadora em termos de segurança e saúde no trabalho relativamente àquele local onde se aglutinam trabalhadores e outros profissionais, sem que o vínculo jurídico subjacente dos profissionais deve ter interesse para a proteção visada (Diogo Vaz Marecos, Lei 102/2009 - Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho, Petrony, ..., 2016, pág. 58-59). Em termos de imputação da responsabilidade criminal, estamos perante um crime específico, na medida em que pressupõe que o autor possua uma determinada qualidade, fundada numa relação de vigilância entre trabalhador e empregador/utilizador, estando obrigado à observância das regras legais ou regulamentares. Neste tipo de crime específico é necessário que o agente exerça uma das funções previstas na norma incriminadora, não decorrendo a sua responsabilidade da mera titularidade de um cargo. Como se referiu supra, estamos perante um crime de perigo concreto, ou seja, para o preenchimento do tipo é indispensável a ocorrência de um perigo concreto para os bens jurídicos tutelados pela norma (a vida e a integridade física e psíquica), não basta, pois, a violação de normas regulamentares. No presente caso, no que respeita ao cumprimento das normas regulamentares resultou provado que foi colocado uma tábua de madeira prensada para tapar uma courette técnica, com o eminente perigo de queda para quem se colocasse em cima da mesma, conforme bem sabia toda a equipa de manutenção do ..., sendo a morte de EEE o resultado direito da violação de normas de segurança laborais. Vejamos, então, a responsabilidade de cada um dos arguidos. O arguido DD é engenheiro civil, trabalhando para a sociedade “SS” desde ... como responsável direto pela manutenção dos equipamentos e seus acessórios no “...”, tendo como funções fiscalizar e coordenar os serviços de manutenção. Assim sendo, aquele, enquanto responsável pela manutenção dos equipamentos do “...”, deveria, de acordo com as obrigações decorrentes do seu contrato de trabalho e das suas funções, ter efetuado uma vistoria a todos os equipamentos de climatização do hotel e seus acessórios, nomeadamente à máquina UAP-Q e à courette técnica por onde passavam os tubos ligados às máquinas de climatização do hotel, o que não fez, não lhe permitindo, desta feita, tomar conhecimento da existência da tábua de aglomerado de madeira prensada que tapava a courette técnica por onde caiu o ofendido. Caso o tivesse feito, poderia ter-se apercebido da fragilidade da tábua que se partiu, ordenando a sua substituição por um material mais resistente, assim se evitando a queda em altura e a morte do ofendido EEE. Concluímos, assim, pelo preenchimento dos elementos objetivos do tipo legal de crime de violação de regras de segurança agravado uma vez que: - Por um lado, houve uma violação de disposições legais ou regulamentares, infringindo o dever de vigilância pelo cumprimento das regras de segurança em questão, através de uma atuação omissiva. Com efeito, o arguido adotou uma postura passiva, não exercendo as suas funções de fiscalização, nada fazendo para alterar as condições de trabalho, sendo que tinha o dever e a obrigação de proceder de modo distinto pois era a ele que competia o cumprimento das regras e o dever de fiscalização pelo seu cumprimento, dada a sua posição de garante. - Por outro lado, desse modo foi criado perigo para a vida do trabalhador. - Por fim, existe um nexo de causalidade entre a conduta omissiva e o resultado típico (morte do trabalhador) porquanto, se as regras de segurança tivessem sido implementadas, aquele evento fatal não teria ocorrido. Concluímos, assim, pela atuação negligente de DD, o qual, dadas as funções que desempenhava e os deveres que lhe incumbiam, estava obrigado a adotar as medidas de segurança exigidas de acordo com as regras aplicáveis, detendo o exercício do poder de direção e a possibilidade de alterar as condições da prestação do trabalho, tendo a violação das regras de segurança da sua parte sido omissiva, pelo que será condenado em conformidade. O comportamento do arguido, é assim, censurável do ponto de vista ético-jurídico por terem agido como modo como agiu, sendo certo que podia ter atuado de modo diferente porque a tanto estava obrigado e era capaz. Com efeito, à luz da factualidade apurada e dada como assente, embora se mostre excluído o dolo, ainda assim é de censurar a conduta do arguido por ter omitido os deveres de diligência a que era obrigado em face das circunstâncias, dos seus conhecimentos e capacidades pessoais.”
Consideramos que as considerações transcritas do acórdão proferido por este Tribunal mantêm plena acuidade, pelo que, nesta parte, não tem o recurso interposto pelo arguido DD qualquer fundamento, pelo que, desde logo, ao contrário do sustentado pelo recorrente, a fundamentação dos factos, nomeadamente os 23, 24 e 25, não enferma de nulidade, designadamente por insuficiência e/ou falta de análise crítica da prova.
Embora o recorrente não invoque as normas adequadas, das suas conclusões resulta que se move no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, consagrada no art.º 412.º, n.º 3, al. a) e b) do Código de Processo Penal (doravante CPP), que tem a seguinte redacção:
“Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (…).”
Já supra (a propósito do recurso interposto pelo Ministério Público) se fez o enquadramento considerado necessário para melhor compreender o sentido e alcance do recurso interposto com o intuito de impugnar a matéria de facto, e que, neste momento, damos por reproduzido, aqui incluindo o aí referido igualmente quanto à impugnação alargada, prevista no art.º 410.º, n.º 2 do CPP e a distinção que deve ser feita entre ambas as “realidades” probatórias recursivas.
Afirma o recorrente que o facto n.º 2 se mostra incorrectamente julgado, bem como os factos não provados ee) e ff), os quais têm a seguinte redacção:
Facto provado 2:
O arguido DD trabalha para a sociedade “SS” desde ... como responsável direto pela manutenção dos equipamentos e seus acessórios no “...”, tendo como funções fiscalizar e coordenar os serviços de manutenção.
Factos na provados (da contestação de DD):
ff) Nas funções do arguido não se incluía a fiscalização dos serviços de manutenção.
gg) As funções do arguido eram de gestão da manutenção e não no terreno.
Da leitura do facto provado 2 constata-se não haver referência à condição de engenheiro civil do recorrente, pelo que se torna assim inexplicável o sentido da sua alegação.
Por outro lado, o recorrente não cumpre o ónus de concretização da fonte probatória que permita sustentar o demais da sua alegação, sendo que da leitura da convicção a seu respeito, e que supra já se deixou transcrita, nenhuma dúvida se nos coloca quanto ao sentido probatório de tais factos, seja para a vertente provada, seja para a não provada, mais se constatando a sua total coerência entre si, sendo certo que o acervo factual compaginado pelo tribunal a quo vai muito além daquele que é invocado no presente recurso.
Cumpre agora analisar se a redacção do facto provado n.º 23 é contraditória com a redacção do facto provado n.º 72 e com a redacção do facto não provado b).
O facto provado n.º 23 tem a seguinte redacção: “O arguido DD, enquanto responsável pela manutenção dos equipamentos do “...”, deveria, de acordo com as obrigações decorrentes do seu contrato de trabalho e das suas funções, ter efetuado uma vistoria a todos os equipamentos de climatização do hotel e seus acessórios, nomeadamente à máquina UAP-Q e à courette técnica por onde passavam os tubos ligados às máquinas de climatização do hotel, o que não fez, não lhe permitindo, desta feita, tomar conhecimento da existência da tábua de aglomerado de madeira prensada que tapava a courette técnica por onde caiu o ofendido.”
O facto provado n.º 72 tem a seguinte redacção: “O arguido deslocou-se ao compartimento do 6º piso quando iniciou a suas funções e deslocou-se lá mais uma ou duas vezes.
Na análise desta vertente do recurso está o recorrente a socorrer-se, sem o indicar, da impugnação alargada (e não ampla) da matéria de facto, com o regime previsto no art.º 410.º, n.º 2 do CPP.
Ora, ao contrário do sustentado pelo recorrente, nenhuma contradição se constata entre tais factos provados, carecendo assim de fundamento a sua alegação.
O facto não provado b) tem a seguinte redacção: “Apesar de ter como função a direção dos serviços de manutenção do “...”, DD nunca se deslocou ao referido compartimento no 6.º piso a fim de verificar o estado dos equipamentos aí instalados ou das condições de instalação e funcionamento dos mesmos, nomeadamente da courette acima referida, de forma a poder ordenar a substituição da tábua de aglomerado de madeira pensada por um material mais rijo que aguentasse o peso de um corpo humano.”
Para sustentar tal facto não provado, o tribunal a quo teceu as seguintes considerações: “O facto b) foi negado pelo próprio arguido DD, o qual nos disse que se deslocou a tal compartimento pelo menos duas vezes, pese embora não tenha esclarecido o motivo da sua deslocação a tal local.”
Mais uma vez, carece de total fundamento a afirmação da contradição entre o facto provado 23 e este facto não provado.
Analisemos se os dois factos provados n.ºs 24 e 25 contêm matéria de natureza conclusiva e se, na parte sobrante (na óptica do recorrente), deverão ser dados como não provados (quanto à dimensão relativa à falta de fundamentação, já se deixou supra claro que não assiste qualquer razão ao recorrente).
O teor dos factos 24 e 25 é o seguinte:
Facto 24: “O arguido DD estava em condições de cumprir o seu dever de vistoria aos equipamentos e seus acessórios do hotel bem como de se aperceber de que, não o fazendo, poderiam advir da sua conduta omissiva lesões para terceiros, e que a sua conduta era socialmente desvaliosa e criminalmente punível.”
Facto 25: “Caso DD tivesse procedido à verificação da máquina e da courette técnica existente no compartimento do 6º piso do hotel poderia ter-se apercebido da fragilidade da tábua que se partiu, ordenando a sua substituição por um material mais resistente, assim se evitando a queda em altura e a morte do ofendido.”
Para sustentar tais factos provados, o tribunal a quo apresentou a seguinte convicção: “No que diz respeito aos factos 23º a 25º, o arguido DD tentou convencer-nos que a sua função quase que se resumia à leitura de relatórios, não fazendo qualquer tipo de vistorias ou fiscalização. Em primeiro lugar, diga-se, desde já, que, se assim fosse não se entende o motivo pelo qual se deslocou ao compartimento em questão, conforme nos disse. Pelo contrário, o coarguido GG, superior hierárquico daquele, explicou-nos que a toda a equipa de manutenção reportava ao DD e este, por sua vez, reportava a si (mas apenas desde o momento em que entrou no hotel em ..., sendo que antes as suas funções eram exercidas pelo próprio DD). Mais nos disse, ao contrário do que DD nos disse, que este ia “ao terreno” (conforme nos confirmou TTT, técnico de manutenção na lavandaria e que afirmou ter recebido visitas do DD para “ver o seu trabalho”). É certo que EEE nos disse que devia ter reportado o perigo ao DD, mas isso não o exime do facto de, enquanto responsável máximo do departamento de manutenção, de cumprir o seu dever de vistoria, sabendo que, não o fazendo, poderiam advir lesões para terceiros (isto mesmo resulta das regras da normalidade e da experiência comum). Repare-se ainda que GGGG descreveu o DD como uma chefia direta da manutenção e o ex-diretor do hotel, PPPP, explicou que em ... a responsabilidade do DD abrangia a segurança do edifício e que, antes da entrada do YYYY, a manutenção do hotel apenas contava com o DD. Também QQQQ, diretor de outro hotel do grupo, explicou que cabia ao DD verificar se as reparações eram bem-feitas, pelo que a tese de que o seu trabalho era basicamente de escritório não pode, de todo, proceder.”
A dimensão conclusivo-factual dos factos em causa é inegável e surge como o corolário (portanto, a sua vertente conclusiva, que se reconhece, fica, todavia, plenamente justificada) dos elementos probatórios perfeitamente elencados na transcrita convicção da matéria de facto, cuja coerência argumentativa só podemos neste momento confirmar.
Cumpre ainda ter presente que o tribunal a quo não deixou de ter em consideração os documentos apresentados pelo recorrente, pois, como transcrevemos supra, consta expressamente da convicção o seguinte: “[q]uanto aos documentos apresentados pelos arguidos, atendeu-se à ficha de descrição de funções do arguido DD […].”
Carece, assim, nesta parte, de fundamento o recurso interposto.
Cabe, agora, analisar se a fundamentação relativa ao facto provado n.º 3 deve ser dada como não escrita, por estar assente na falta de contestação por parte dos arguidos, o que viola o disposto no art.º 311.º-B do CPP.
O facto provado n.º 3 tem a seguinte redacção:
“O arguido GG trabalha para a sociedade “SS” desde ..., tendo a seu cargo a direção técnica da empresa e o departamento da manutenção e da segurança, higiene e saúde no trabalho da sociedade “TT”, cabendo-lhe implementar e fiscalizar os serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho no hotel referido.
A aquisição probatória deste facto, por parte do tribunal a quo, foi a seguinte: Desde logo, e quanto aos factos 1º a 3º as respetivas relações laborais comprovadas documentalmente e as funções confirmadas, quer pelas respetivas declarações dos arguidos ou pelas testemunhas EEE, TTT, SSS, QQQQ, QQQ, OOOO, PPPP, RRRR e SSSS, todos com relações laborais (ou ex-relações laborais) com as sociedades arguidas, sendo que, quanto a DD, as funções encontram-se complementadas no facto 66º que se considerou como provado (e que deriva da respetiva contestação).
Nenhum elemento probatório o recorrente, em (in)cumprimento do ónus que lhe é imposto pelo regime previsto no art.º 412.º, n.º 3 do CPP, apresenta que permita pôr em causa este facto provado e a respectiva fundamentação, pelo que, mais uma vez, falece de fundamento o recurso interposto.
Cumpre, agora, analisar se o nexo causal entre a conduta e o resultado deveria ter sido dada como não provada por via da aplicação do princípio in dubio pro reo.
O nexo causal entre a conduta omissiva do recorrente e o resultado trágico, mostram-se provadas e perfeitamente esclarecidas na respectiva convicção, com o enunciar dos meios de prova que sustentaram a factualidade apurada, num exercício de transparência e de coerência argumentativa reveladoras do cumprimento do princípio da livre apreciação da prova (basta ler a convicção da matéria de facto, aqui já supra reproduzida).
Ao tribunal a quo não se colocou nenhuma dúvida (portanto, na vertente subjectiva do princípio in dubio pro reo), nem esta se revela objectivamente, em face da existência dos meios de prova compaginados pelo tribunal a quo para formar a sua convicção, os quais emergem de diferentes fontes, que foram devidamente conjugadas, quer em si mesmas, quer entre si, tudo nos termos já analisados supra e que neste momento nos dispensamos de novamente convocar.
Improcede, nesta parte, o recurso interposto.
Do enquadramento jurídico-penal feito na decisão recorrida, designadamente a aplicação do art.º 16.º, n.º 2, al. c) da Lei n.º 102/2009, de 10/09, após a alteração da qualificação jurídica feita no início da decisão recorrida e se se mostra correctamente subsumida a conduta do arguida ao art.º 152.º-B do Código Penal, por falta de indicação das normas regulamentares incumpridas pelo recorrente.
Cumpre, antes do mais, ter presente o enquadramento jurídico-penal feito na decisão recorrida relativamente ao recorrente, que foi o seguinte: “Do crime de violação de regras de segurança com negligência relativamente ao perigo, agravado pelo resultado morte. Sob a epígrafe Violação de regras de segurança dispõe o artigo 152º-B, nº1 do Código Penal que Quem, não observando disposições legais ou regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde, é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, acrescentando o nº2 de tal artigo que, sendo o perigo criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até três anos. Por seu turno, o nº4 de tal artigo estatuiu que, se dos factos resultar a morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos no caso do nº1 ou com pena de prisão de dois a oito anos no caso do nº2. 3 - No caso previsto no número anterior, a pena pode ser especialmente atenuada. Os bens jurídicos protegidos na norma incriminadora são a vida e a integridade física e psíquica. O crime de violação de regras de segurança é um crime de perigo concreto (quanto ao bem jurídico) e de resultado (quanto ao objeto da ação). É, pois, aplicável a teoria da adequação do resultado à conduta. É um crime específico próprio fundado na relação de vigilância existente entre trabalhador e empregador. No entanto, o conceito de trabalhador previsto no artigo 152º-B do Código Penal ultrapassa o conceito qualificativo de uma relação laboral típica, sendo suficiente que na ocasião a vitima esteja no cumprimento de ordens e desenvolvendo uma atividade no interesse exclusivo da pessoa ou entidade que está obrigado a observar a necessidade de implementar as regras de segurança necessárias para o cabal desempenho da tarefa em execução e por ele solicitada (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. de 22/02/2017, processo nº 649/13.1GBVFR.P1, disponível em www.dgsi.pt). O tipo objetivo consiste na mera sujeição do trabalhador a uma situação de perigo concreto para a vida, o corpo ou a saúde, com violação de regras legais ou regulamentares vigentes à data do facto. Não é sequer necessária a verificação de qualquer ofensa corporal simples (Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, anotação ao artigo 152.º-B a fls. 410/411). As regras técnicas aí mencionadas podem ter por fonte a lei, o regulamento ou o uso profissional. Está-se, desde modo, a conferir proteção penal a normas de direito laboral e o preenchimento deste ipo, que é de perigo concreto, tanto pode ter lugar por via de ação como por omissão. O perigo é, aqui, o risco de lesão da vida, da integridade física ou do património alheio. O tipo subjetivo é tripartido. O agente pode agir com dolo de perigo (nº 1), negligência de perigo (nº 2) ou dolo de perigo e negligência em relação ao resultado agravante (artigo 152º-B, nº 3 e 4, conjugado com o artigo 18.º) Tendo em perspetiva a subsunção jurídico-penal da conduta dos arguidos, há que atentar ao disposto no artigo 10º do Código Penal, sob a epígrafe “comissão por ação e por omissão”, o qual dispõe, no seu nº1 que quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a ação adequada a produzi-lo como a omissão da ação adequada a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei. Mais acrescenta o nº2 de tal artigo que a comissão de um resultado por omissão só é punível quando sobre o omitente recair um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado. * No presente caso, vêm os arguidos DD, GG, JJ, MM,PP, SS, TT e UU acusados de violar o artigo 16º, nº2, alínea c) da Lei nº102/2009 de 10 de setembro. Dispõe o artigo 16º, nº1 de tal lei que quando várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolvam, simultaneamente, atividades com os seus trabalhadores no mesmo local de trabalho, devem os respetivos empregadores, tendo em conta a natureza das atividades que cada um desenvolve, cooperar no sentido da proteção da segurança e saúde. Acrescenta o artigo 16º, nº2, alínea c) da referida lei que não obstante a responsabilidade de cada empregador, devem assegurar a segurança e a saúde, quanto a todos os trabalhadores a que se refere o número anterior, as seguintes entidades: a empresa em cujas instalações outros trabalhadores prestam serviço ao abrigo de contratos de prestação de serviços. Assacam ao empregador e à pessoa que, a qualquer título, detenha o controlo, a gestão ou a direção do local onde é prestado o trabalho, ou onde é prestada a atividade, responsabilidades convergentes e concomitantes na criação das adequadas condições de segurança e saúde dos trabalhadores que laboram num mesmo local de trabalho, independentemente da natureza do vínculo. lei em nada releva a propriedade, sendo indiferente a quem pertence juridicamente o local de trabalho. O que interessa é quem tem a direção do local de trabalho, no fundo, quem mais beneficia com o conjunto das prestações de trabalho, e de serviços, quando estes últimos sejam concomitantes com trabalho subordinado. O nº 2 deve ser interpretado cumulativamente com o nº 1 do artigo 5º, o qual determina que o trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador ou, nas situações identificadas na lei, pela pessoa, individual ou coletiva, que detenha a gestão das instalações em que a atividade é desenvolvida. Não existe por força do nº 2 uma transferência da responsabilidade concreta de cada empregador. O que existe é um dever de cooperação entre o empregador concreto (a entidade que celebra um contrato de trabalho com um trabalhador), e a entidade que tem a direção do local onde em condições de simultaneidade é prestado trabalho e prestados serviços. A entidade que tem a direção do local é a coordenadora em termos de segurança e saúde no trabalho relativamente àquele local onde se aglutinam trabalhadores e outros profissionais, sem que o vínculo jurídico subjacente dos profissionais deve ter interesse para a proteção visada (Diogo Vaz Marecos, Lei 102/2009 - Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho, Petrony, Lisboa, 2016, pág. 58-59). Em termos de imputação da responsabilidade criminal, estamos perante um crime específico, na medida em que pressupõe que o autor possua uma determinada qualidade, fundada numa relação de vigilância entre trabalhador e empregador/utilizador, estando obrigado à observância das regras legais ou regulamentares. Neste tipo de crime específico é necessário que o agente exerça uma das funções previstas na norma incriminadora, não decorrendo a sua responsabilidade da mera titularidade de um cargo. Como se referiu supra, estamos perante um crime de perigo concreto, ou seja, para o preenchimento do tipo é indispensável a ocorrência de um perigo concreto para os bens jurídicos tutelados pela norma (a vida e a integridade física e psíquica), não basta, pois, a violação de normas regulamentares. No presente caso, no que respeita ao cumprimento das normas regulamentares resultou provado que foi colocado uma tábua de madeira prensada para tapar uma courette técnica, com o eminente perigo de queda para quem se colocasse em cima da mesma, conforme bem sabia toda a equipa de manutenção do ..., sendo a morte de EEE o resultado direito da violação de normas de segurança laborais. […] * O arguido DD […], trabalhando para a sociedade “SS” desde ... como responsável direto pela manutenção dos equipamentos e seus acessórios no “...”, tendo como funções fiscalizar e coordenar os serviços de manutenção. Assim sendo, aquele, enquanto responsável pela manutenção dos equipamentos do “...”, deveria, de acordo com as obrigações decorrentes do seu contrato de trabalho e das suas funções, ter efetuado uma vistoria a todos os equipamentos de climatização do hotel e seus acessórios, nomeadamente à máquina UAP-Q e à courette técnica por onde passavam os tubos ligados às máquinas de climatização do hotel, o que não fez, não lhe permitindo, desta feita, tomar conhecimento da existência da tábua de aglomerado de madeira prensada que tapava a courette técnica por onde caiu o ofendido. Caso o tivesse feito, poderia ter-se apercebido da fragilidade da tábua que se partiu, ordenando a sua substituição por um material mais resistente, assim se evitando a queda em altura e a morte do ofendido EEE. Concluímos, assim, pelo preenchimento dos elementos objetivos do tipo legal de crime de violação de regras de segurança agravado uma vez que: - Por um lado, houve uma violação de disposições legais ou regulamentares, infringindo o dever de vigilância pelo cumprimento das regras de segurança em questão, através de uma atuação omissiva. Com efeito, o arguido adotou uma postura passiva, não exercendo as suas funções de fiscalização, nada fazendo para alterar as condições de trabalho, sendo que tinha o dever e a obrigação de proceder de modo distinto pois era a ele que competia o cumprimento das regras e o dever de fiscalização pelo seu cumprimento, dada a sua posição de garante. - Por outro lado, desse modo foi criado perigo para a vida do trabalhador. - Por fim, existe um nexo de causalidade entre a conduta omissiva e o resultado típico (morte do trabalhador) porquanto, se as regras de segurança tivessem sido implementadas, aquele evento fatal não teria ocorrido. Concluímos, assim, pela atuação negligente de DD, o qual, dadas as funções que desempenhava e os deveres que lhe incumbiam, estava obrigado a adotar as medidas de segurança exigidas de acordo com as regras aplicáveis, detendo o exercício do poder de direção e a possibilidade de alterar as condições da prestação do trabalho, tendo a violação das regras de segurança da sua parte sido omissiva, pelo que será condenado em conformidade, nos termos dos nºs 1, 2 e 4, alínea b) do artigo 152º-B do Código Penal, por referência ao artigo 16º, nº2, alínea c) da Lei nº 102/2009, de ... (alteração da qualificação jurídica comunicada ao arguido DD a 16/03/2023, nada tendo sido requerido pelo mesmo). O comportamento do arguido, é assim, censurável do ponto de vista ético-jurídico por terem agido como modo como agiu, sendo certo que podia ter atuado de modo diferente porque a tanto estava obrigado e era capaz. Com efeito, à luz da factualidade apurada e dada como assente, embora se mostre excluído o dolo, ainda assim é de censurar a conduta do arguido por ter omitido os deveres de diligência a que era obrigado em face das circunstâncias, dos seus conhecimentos e capacidades pessoais.”
O enquadramento jurídico-penal feito mostra-se isento de reparos e é adequado à factualidade que se mostra provada.
Por outro lado, não podemos deixar de notar que a argumentação (jurídico-penal) do recorrente se mostra frágil: por um lado, afirma, de forma correcta, que o art.º 152.º-B do Código Penal é uma norma em branco, que relega a proibição para regulamento e, sublinhamos, ou outra disposição legal (cfr. conclusão 66 do seu recurso), para, na conclusão 67, afirmar que a decisão recorrida não identifica qualquer norma regulamentar (e não tinha de o fazer), sem a devida identificação da norma que o complementa, o que não é rigoroso, dado que a decisão recorrida apela ao art.º 16.º, n.º 2, al. c) da Lei n.º 102/2009, de 10/9, o que recorrente afirma ser apenas aplicável a empresas e não a trabalhadores, muito embora não esgrima, a tal respeito, qualquer argumento que não seja a sua leitura da norma em causa, que nos parece incorrecta, pois mesmo que se aderisse à interpretação que o recorrente faz da norma do art.º 16.º, n.º 2, al. c) da Lei n.º 102/2009 (com o que não concordamos, dada a redacção do seu art.º 5.º, n.º 1, o que, aliás, muito correctamente, consta da fundamentação de direito da decisão recorrida), cumpre ter presente que a “relação de vigilância é comunicável aos comparticipantes que a não possuam, nos termos do art.º 28.º” (assim, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal […], 4.ª edição actualizada, UCP, p. 653).
Improcede, assim, nesta parte, o recurso interposto.
Cumpre, por fim, analisar se deve ser mantida a condenação do recorrente quanto ao pedido de indemnização civil ou, se pelo, contrário, faltam os pressupostos da responsabilidade civil que a permitam justificar.
A este respeito, consta o seguinte da decisão recorrida:
“BBB, CC e CCC, na qualidade de, respetivamente, viúva e filhos de EEE, deduziram pedido de indemnização civil relativo aos factos constantes da acusação pública no montante de 230 000,00€, tudo a título de danos não patrimoniais. A prática de uma infração penal implica, com frequência, a lesão de direitos patrimoniais ou não patrimoniais de terceiros. O ressarcimento de tais lesões deve ser, em consequência do princípio da adesão consagrado no artigo 71º do Código Processo Penal, deduzido no processo penal. Acresce que, nos termos do artigo 129º do Código Penal a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil de acordo com os artigos 483º, 496º, 562º e 566º, todos do Código Civil. Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual encontram-se consagrados no artigo 483º do Código Civil, segundo o qual a obrigação de indemnizar reconduz-se à verificação dos seguintes pressupostos: 1) A ocorrência de um facto voluntário e ilícito, que lese interesses diretamente protegidos (violação dos direitos de outrem) ou interesses indiretamente protegidos (disposição legal destinada a proteger interesses alheios), no presente caso reduzível à ofensa à integridade física do demandante civil (artigo 25º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa); 2) A verificação de um comportamento culposo, tornando-se, ainda, necessário averiguar se existiu ou não um nexo psicológico entre o facto e a vontade do lesante (sob a forma de dolo ou mera culpa), tendo como paradigma o padrão do homem médio (artigo 487º Código Civil), o que se verifica no caso vertente tendo em conta que o demandado cível agiu com dolo direto; 3) A verificação de um dano ou prejuízo sofrido pelo lesado refletido na sua situação patrimonial (dano patrimonial ou material) ou insuscetível de avaliação pecuniária, mostrando-se digno de satisfação (dano não patrimonial ou moral), sendo que no caso em apreço o demandante cível apenas peticionou danos não patrimoniais; 4) A existência de um nexo de causalidade que coloca a exigência de que uma causa seja em concreto, como em abstrato (pela sua natureza geral), apropriada a produzir determinado efeito típico. A obrigação de indemnização é determinada nos termos do artigo 562º do Código Civil e é, sempre que a reconstituição natural não seja possível, fixada em dinheiro (artigo 566º, nº 1 do Código Civil). O cálculo da indemnização compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (artigo 564º, nº1, Código Civil), podendo o Tribunal ainda atender aos danos futuros, desde que previsíveis (artigo 564º, nº2 do Código Civil). Dispõe o artigo 495º do Código Civil, o seguinte: no caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem excetuar as do funeral. 2. Neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, têm direito a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima. 3. Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”. No que concerne à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais postula o artigo 496º do Código Civil, no seu nº 1, que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Os danos não patrimoniais correspondem ao ressarcimento da dor física, da doença, ou do abalo psíquico-emocional resultante e consequência de uma conduta ilícita e culposa, que, não sendo suscetíveis de avaliação pecuniária apenas podem ser compensados com obrigação pecuniária imposta ao agente. Relativamente à quantificação da indemnização, de acordo com o artigo 496º, nº 3, do Código Civil, deverá a mesma ser fixada equitativamente pelo Tribunal atendendo à justiça do caso concreto, às regras da boa prudência e à criteriosa ponderação das realidades da vida, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias cuja influência se faz sentir (artigos 496°, nº 3 e 494° do Código Civil). De harmonia com o disposto no artigo 496º, nº 2 do Código Civil, o direito à indemnização por danos não patrimoniais por morte da vítima cabe em conjunto ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos e, na falta destes, aos pais ou outros ascendentes e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. A parte final do nº 3 do mesmo artigo dispõe ainda que, no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos acabados de referir. A conduta dos arguidos condenados, integradora dos crimes pelos quais vai condenado, configura, assim, a nível civil, um facto ilícito extracontratual que atingiu a esfera jurídica dos ofendidos (a vítima e os demandantes civis), numa violação plúrima dos seus direitos de personalidade.”
Dada a resposta, negativa, às anteriores questões a decidir, mais não nos resta, em face da correcta fundamentação jurídica da decisão recorrida a propósito do pedido de indemnização civil, do que, nesta parte, considerar como insubsistente o recurso interposto pelo recorrente, por estarem verificados todos os pressupostos para a sua condenação em tal pedido, em pleno cumprimento do disposto nos arts. 483º nº 1, 487º nº 2, 497º nº 1, 562º, 563º e 564º do Código Civil.
Do recurso interposto pela sociedade arguida ...
Comecemos por apreciar se a matéria de facto provada em 26 e 27 se traduz em meras conclusões, pelo que deverá ser eliminada.
Tais factos têm a seguinte redacção:
26. A sociedade SS – Promoção Turística e Hotelaria, S.A., representada pela presidente do conselho de administração JJ, não assegurou, através dos seus funcionários, a segurança do trabalhador EEE que trabalhava para a empresa “XX – Serviços de Engenharia e Manutenção, Lda.” quando aquele efetuava trabalhos nas suas instalações no “...”.
27. As situações de segurança, higiene e saúde no trabalho não constaram do contrato outorgado entre a “TT” e a “XX” e nunca foram tratadas em nenhuma das reuniões que antecederam o início dos trabalhos de EEE no “...”.
Esclareçamos, desde já, que não consideramos que esteja em causa a alusão exclusiva a conclusões, pois há uma inegável vertente factual, embora, reconheçamos, surja como o corolário de uma dinâmica factual antes descrita. Isto é, só podemos ter a total compreensão dos mesmos se tivermos presente os factos precedentes, dos quais se retira, por exemplo, que a recorrente não assegurou a segurança da infeliz vítima.
Para sustentar tais factos, em linha com o que se acaba de referir, o tribunal a quo teceu as seguintes considerações:
“O facto 26º assume-se como uma decorrência do que já ficou escrito, se os trabalhadores da SS tivessem assinalado o perigo, EEE não teria falecido e o facto 27º resulta daquilo que nos foi dito por ZZ, legal representante da XX, que negociou o contrato, tendo falado com DD e GG.”
A resposta a esta questão a decidir só pode, assim, ser negativa.
Cumpre apreciar se a conclusão constante da matéria de facto provada em 26 se encontra em manifesta contradição com os factos provados 9, 10, 11, 87, 88, 89, 99, 101, 112, 113, 114, 139, 152, 153, 154, 159, 161 e 233, pelo que deverá ser por essa razão eliminada.
Os factos em causa já se mostram supra transcritos e para os mesmos remetemos.
Os factos 9 a 1, 87 a 89, 152 a 154 dizem respeito a outros arguidos (UU, Lda., PP e MM), relativamente aos quais não se apurou qualquer responsabilidade criminal (o que, aliás, pudemos confirmar a propósito do recurso interposto pelo Ministério Público). Não vislumbramos qualquer contradição entre tal factualidade e o facto 26.
Os factos 99 e 101, 112 a 114 e 159 estão relacionados com a arguida JJ e o ... e a sua relação com a sociedade arguida UU, relativamente aos quais também não se apurou qualquer responsabilidade criminal. Também não vislumbramos qualquer contradição com o facto 26.
O facto 139 identifica diversas pessoas, entre as quais os arguidos DD e AA (cuja responsabilidade criminal ficou definida e que está directamente relacionado com os factos seguintes, designadamente, 140 a 142 e 161) sem que esteja em contradição com o facto 26.
O facto 233 deve ser lido em consonância com a factualidade não provada, tudo nos termos que supra já se apreciou em relação ao recurso interposto pelo Ministério Público, e onde se explica por que motivo não há fundamento para assacar qualquer responsabilidade criminal à sociedade aí identificada (UU e às pessoas individuais arguidas que agiam no seu interesse). Também não se constata qualquer contradição com o facto 26.
Cumpre agora analisar da relevância da propriedade do ... para efeitos de interpretação do art.º 16.º, n.º 2, al. c) da Lei n.º 102/2009, de 10/09 e da condenação da recorrente, bem como da verificação ou não dos elementos típicos do crime que lhe é imputado.
Dispõe o art.º 16.º, n.ºs 1 e 2, al. c) da Lei n.º 102/2009, de 10/09, o seguinte:
1 - Quando várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolvam, simultaneamente, actividades com os seus trabalhadores no mesmo local de trabalho, devem os respectivos empregadores, tendo em conta a natureza das actividades que cada um desenvolve, cooperar no sentido da protecção da segurança e da saúde.
2 - Não obstante a responsabilidade de cada empregador, devem assegurar a segurança e a saúde, quanto a todos os trabalhadores a que se refere o número anterior, as seguintes entidades:
c) A empresa em cujas instalações outros trabalhadores prestam serviço ao abrigo de contratos de prestação de serviços.”
Sustenta a recorrente que não se mostra verificado o elemento típico da simultaneidade de actividade laboral de várias empresas no mesmo local de trabalho, pois o arguido AA, apesar de estar a acompanhar a vítima no momento trágico da sua queda, não estava a exercer qualquer actividade laboral.
Está esta questão a decidir relacionada com o enquadramento jurídico-penal da decisão recorrida quanto à responsabilidade criminal assacada à recorrente e que cumpre, neste momento, ter presente (e citamos): “[…] No presente caso, vêm os arguidos DD, GG, JJ, MM,PP, SS, TT e UU acusados de violar o artigo 16º, nº2, alínea c) da Lei nº102/2009 de 10 de setembro. Dispõe o artigo 16º, nº1 de tal lei que quando várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolvam, simultaneamente, atividades com os seus trabalhadores no mesmo local de trabalho, devem os respetivos empregadores, tendo em conta a natureza das atividades que cada um desenvolve, cooperar no sentido da proteção da segurança e saúde. Acrescenta o artigo 16º, nº2, alínea c) da referida lei que não obstante a responsabilidade de cada empregador, devem assegurar a segurança e a saúde, quanto a todos os trabalhadores a que se refere o número anterior, as seguintes entidades: a empresa em cujas instalações outros trabalhadores prestam serviço ao abrigo de contratos de prestação de serviços. Assacam ao empregador e à pessoa que, a qualquer título, detenha o controlo, a gestão ou a direção do local onde é prestado o trabalho, ou onde é prestada a atividade, responsabilidades convergentes e concomitantes na criação das adequadas condições de segurança e saúde dos trabalhadores que laboram num mesmo local de trabalho, independentemente da natureza do vínculo. lei em nada releva a propriedade, sendo indiferente a quem pertence juridicamente o local de trabalho. O que interessa é quem tem a direção do local de trabalho, no fundo, quem mais beneficia com o conjunto das prestações de trabalho, e de serviços, quando estes últimos sejam concomitantes com trabalho subordinado. O nº 2 deve ser interpretado cumulativamente com o nº 1 do artigo 5º, o qual determina que o trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador ou, nas situações identificadas na lei, pela pessoa, individual ou coletiva, que detenha a gestão das instalações em que a atividade é desenvolvida. Não existe por força do nº 2 uma transferência da responsabilidade concreta de cada empregador. O que existe é um dever de cooperação entre o empregador concreto (a entidade que celebra um contrato de trabalho com um trabalhador), e a entidade que tem a direção do local onde em condições de simultaneidade é prestado trabalho e prestados serviços. A entidade que tem a direção do local é a coordenadora em termos de segurança e saúde no trabalho relativamente àquele local onde se aglutinam trabalhadores e outros profissionais, sem que o vínculo jurídico subjacente dos profissionais deve ter interesse para a proteção visada (Diogo Vaz Marecos, Lei 102/2009 - Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho, Petrony, Lisboa, 2016, pág. 58-59). Em termos de imputação da responsabilidade criminal, estamos perante um crime específico, na medida em que pressupõe que o autor possua uma determinada qualidade, fundada numa relação de vigilância entre trabalhador e empregador/utilizador, estando obrigado à observância das regras legais ou regulamentares. Neste tipo de crime específico é necessário que o agente exerça uma das funções previstas na norma incriminadora, não decorrendo a sua responsabilidade da mera titularidade de um cargo. Como se referiu supra, estamos perante um crime de perigo concreto, ou seja, para o preenchimento do tipo é indispensável a ocorrência de um perigo concreto para os bens jurídicos tutelados pela norma (a vida e a integridade física e psíquica), não basta, pois, a violação de normas regulamentares. No presente caso, no que respeita ao cumprimento das normas regulamentares resultou provado que foi colocado uma tábua de madeira prensada para tapar uma courette técnica, com o eminente perigo de queda para quem se colocasse em cima da mesma, conforme bem sabia toda a equipa de manutenção do ..., sendo a morte de EEE o resultado direito da violação de normas de segurança laborais.” […]
“No que diz respeito à SS e à TT cumpre fazer um pequeno enquadramento sobre a responsabilidade penal das pessoas coletivas. Apesar de as pessoas coletivas estarem desprovidas de um organismo físico, entende-se que elas têm capacidade de agir por a relação entre elas e as pessoas físicas que constituem os seus órgãos ser de verdadeira identificação e, sendo assim, agindo o órgão é a própria pessoa que age. Consequentemente, os praticados pelos órgãos das pessoas coletivas valem como atos desta, que assim age mediante os seus órgãos jurídicos, de forma semelhante à pessoa singular ao atuar e através dos seus órgãos físicos, pois os factos ilícitos que pratiquem no âmbito das suas funções são atos da mesma pessoa e a culpa com quem tenham agido será igualmente culpa dessa pessoa e sobre esta recairá a correspondente responsabilidade criminal, contraordenacional, ou civil, que será, juridicamente, responsabilidade pelos próprios atos e por culpa própria (Manuel Simas Santos; Manuel Leal-Henriques, Código Penal Anotado. Vol. I., 4.ª Ed., Rei dos Livros, 2016, pág. 198). O critério de imputação da responsabilidade penal às pessoas coletivas e equiparadas é duplo: cometimento de infração criminal no nome e interesse da pessoa coletiva por pessoa singular colocada em posição de liderança na pessoa coletiva ou equiparada ou por pessoa que ocupe uma posição subordinada e o cometimento dela se torne possível apenas em virtude de uma violação pelas pessoas que ocupam uma posição de liderança dos seus deveres de controle e supervisão sobre os respetivos subordinados (neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/01/20211, processo nº357/03.1GBMCN.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Assim, a lei exige, para que a pessoa coletiva seja penalmente responsável, que o crime seja cometido em seu nome e no interesse coletivo, por pessoas que ocupem uma posição de liderança na pessoa coletiva [artigo 11º, nº 2, alínea a) do Código Penal], ou por uma pessoa sob a autoridade destas, quando o cometimento do crime se tenha tornado possível em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem [artigo 11º, nº 2, alínea b) do Código Penal]. O artigo 11º exige, assim, que o facto haja sido cometido em nome e no interesse coletivo [nº 2, alínea a] e que o agente não tenha acuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito (nº6). Entende-se, assim, que o crime também foi praticado no interesse da coletividade, quando esta não tomou as medidas de organização, gestão e controlo idóneas a impedi-lo. Já a alínea b) prevê a responsabilidade penal das pessoas coletivas quando a prática de um crime por uma qualquer pessoa singular tenha sido possível em virtude da violação dos deveres de vigilância ou controlo de quem exerce poderes de liderança, autoridade e direção. Aqui, o elemento de conexão nestes continua a ser a pessoa que ocupa uma posição de liderança e que violou os seus deveres de vigilância ou controlo. E isto, porque quem ocupa uma posição de liderança tem o domínio da organização e a obrigação de evitar a prática de factos ilícitos pelos seus membros subordinados. Porém, por estarem em causa organizações empresariais complexas, com muitos níveis de atuação e decisão, é, por vezes, muito difícil encontrar quem praticou o crime em nome da sociedade e no interesse coletivo, quem detém a posição de liderança e quem violou os deveres de vigilância ou controlo. Trata-se de pessoas a quem a administração da pessoa coletiva delega funções de autoridade, conferindo-lhe poderes de domínio sobre a atividade ou sector de atividade da pessoa coletiva. Estas pessoas não são titulares de órgãos, não são também representantes, em sentido estrito, mas têm delegação de poderes da autoridade da administração para em situações concretas decidirem em nome da pessoa coletiva ou receberem esse cargo diretamente da lei. Trata-se, em regra, da prática de atos dirigidos por pessoas a quem a lei ou a administração confiam a sua direção e controlo Há neste caso também a incumbência da prática dos atos necessários à tutela dos bens jurídicos postos em perigo pela atividade da empresa e cuja responsabilidade pela sua prevenção a lei atribui à sua administração ou a pessoa que exerçam na empresa funções especiais determinadas SILVA, (Germano Marques da Silva, Responsabilidade penal das pessoas coletivas: alterações ao código penal introduzidas pela lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, Revista do CEJ, 1.º Semestre, n. 8 (...) Especial, pág. 69-97). Quanto ao crime aqui em análise, as pessoas coletivas e entidades equiparadas são suscetíveis de responsabilidade criminal pelos crimes de violação de regras de segurança, de dano em instalações e de omissão de instalação de meios ou aparelhagem, quando cometidos em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança ou por quem aja sob a autoridade de quem ocupe uma posição de liderança em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem. Para se discutir a responsabilidade penal de uma pessoa jurídica, basta comprovar a realização de um ilícito típico e a imputação do mesmo a alguém com posição de liderança dentro da organização, ou seja: é suficiente que, à luz do efetivo modo de funcionamento da pessoa coletiva e das circunstâncias do caso concreto, se possa conectar a prática desse facto com o desempenho de um papel de liderança e com o exercício de um domínio da organização para a sua execução por parte da pessoa jurídica, através dos seus titulares de órgãos, representantes ou líderes. Portanto, há que proceder à “identificação funcional” (não da personalidade individual) do líder envolvido na prática do facto concretamente acontecido, para determinar a sua autoridade que depende, por seu turno, a imputação do facto punível à pessoa jurídica (Teresa Quintela de Brito, Fundamento da responsabilidade criminal de entes coletivos: articulação com a responsabilidade individual. Direito Penal Económico e Financeiro. Conferências do Curso Pós-Graduado de Aperfeiçoamento, Coimbra Editora, 2012, pág. 201-225). Vejamos, então se se verificam os elementos do crime ao nível da pessoa ou pessoas físicas que o cometeram, e só em razão da qualidade funcional em que estes agentes físicos atuaram é que o facto poderá ser imputado à pessoa coletiva. Primeira: há que identificar o agente do facto de conexão determinante da responsabilidade penal da pessoa coletiva, ou seja, há que identificar alguém que ocupe uma posição de liderança ou aja sob a autoridade de quem ocupe essa posição. A responsabilidade penal do ente coletivo depende sempre da atuação das pessoas físicas que o artigo 11º, nº 2 do Código Penal explicita e só dessas. Segunda: o facto de conexão determinante da responsabilidade penal da pessoa coletiva há de resultar de uma violação dos deveres que incumbem à pessoa física concreta que ocupe uma posição de liderança. Pelo que, em concreto, nem todos quantos ocupem uma posição de liderança poderão vincular a pessoa coletiva ao ponto de esta ser criminalmente responsabilizada. Em resumo, para que se verifique uma responsabilização é preciso, em primeiro lugar, que estejam reunidos cumulativamente os seguintes pressupostos: 1 – Realização no seio da empresa, por um trabalhador, de uma conduta que consubstancie um dos factos ilícitos identificados na primeira parte do n.º 2 do art.º 11.º do Código Penal; 2 - Violação por parte de quem ocupa uma posição de liderança no seio da pessoa coletiva dos seus deveres de vigilância e controlo; 3 - Nexo de causalidade entre a não observância dos deveres de vigilância e controlo e a realização do facto ilícito. O mínimo que se poderá exigir é que se faça uma avaliação que, em caso de cometimento de um facto ilícito por um trabalhador, permita saber se a tomada ou colocação em prática de um determinado conjunto de medidas de vigilância e de controlo poderia, ou não, ter evitado a conduta antijurídica desse trabalhador. Só assim, feito este juízo e se se concluir que a conduta do trabalhador poderia ter sido evitada se tivessem sido implementadas determinadas medidas de vigilância e de controlo, poder-se-á responsabilizar por omissão o dirigente que olvidou os seus deveres de vigilância ou de controlo Não ignoramos o teor da contestação da SS, que, remetendo para a contestação da TT, alega não se encontrarem verificados todos os elementos típicos do crime de que a estava acusada, designadamente pelo facto de não se encontrarem em atividade, em simultâneo, mais de uma entidade no mesmo local de trabalho, elemento essencial para a verificação da norma de reenvio por parte do artigo 152º-B do Código Penal, ou seja, o artigo 16º nº 1 da Lei nº 102/2009, na redação dada pela Lei nº 2/2014. No entanto, não lhe assiste qualquer razão, inexistindo dúvidas que, no fatídico dia, havia sido contratada a XX, entidade patronal do falecido, para prestar serviços na manutenção de equipamentos no hotel, pelo que, efetivamente, encontravam-se várias empresas, simultaneamente, a desenvolver atividades (repare-se que no compartimento do acidente encontrava-se quer o trabalhador da SS – AA – facto 1º-, quer o trabalhador da XX – o falecido EEE), encontrando-se assim preenchida a disposição do artigo 16º, nº1 (relativamente à SS e XX) e nº2, alínea c) (foi nas instalações do hotel que o acidente ocorreu). A interpretação de que o contrato celebrado com a XX não preenche a previsão de tal norma não colhe, tanto mais que, nos termos do artigo 1154º do Código Civil, encontram-se reunidos todos os elementos essenciais do contrato de prestação de serviços: a XX obrigou-se a proporcionar à SS certo resultado do seu trabalho manual, com retribuição. Aliás, e conforme já se deixou escrito, a propósito da defesa de GG: para o preenchimento do conceito de trabalhador previsto no artigo 152º-B, nº1 do Código Penal é suficiente que na ocasião do facto a vítima esteja no cumprimento de ordens desenvolvendo uma atividade no interesse exclusivo, daquele que está obrigado a observar a necessidade de implementar as regras de segurança necessárias para o desempenho da tarefa em execução. Atentos os bens jurídicos protegidos em sede penal, a expressão "trabalhador" contida na tipicidade do ilícito agora em apreço, ultrapassa, sem dúvidas, o recorte jurídico da figura enquanto qualificativa de uma relação laboral típica, apurada em sede da jurisdição do trabalho, sendo suficiente, para o preenchimento da tipicidade que, na ocasião, a vítima esteja no cumprimento de ordens, desenvolvendo uma atividade no interesse exclusivo, ou seja, sem qualquer altruísmo ou amizade ou qualquer outra motivação psicológica de cariz voluntário daquele que está obrigado a observar a necessidade de implementar as regras de segurança necessárias para o cabal desempenho da tarefa que solicitou", "bastando-se, para o preenchimento da tipicidade objetiva, com a prova da prestação de uma atividade por parte da vítima a mando e por conta do agente obrigado a observar as regras de segurança (neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/02/2016, processo nº169/12.1GBVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt). Quer isto significar que este ilícito penal não se cinge à relação entre o agente e a vítima emergente de um contrato de trabalho, tal como este se encontra definido no Código do Trabalho, bastando que a vítima esteja, na prática, a executar um trabalho sob as ordens e por conta do agente, em que este tem o domínio do facto, tal como sucede no caso concreto. Com efeito, apesar de o falecido estar a executar os trabalhos numa época em que não tinha qualquer vínculo laboral formal com o ..., em termos meramente formais, como um prestador de serviços, o facto é que, no circunstancialismo apurado, estava a desenvolver um trabalho no interesse daquele. Aqui chegados, e atenta a condenação de DD, funcionário da SS, teremos, necessariamente, de concluir também pela condenação desta sociedade, porquanto este, responsável do departamento de manutenção, que agia sob a autoridade do seu superior hierárquico (GG), omitiu os seus deveres, o que levou à morte de EEE. […] Já a TT terá de ser absolvida criminalmente, porquanto os trabalhadores com funções inerentes à manutenção dos equipamentos eram da SS, sendo essa a entidade que exercia os poderes de controlo, direção e disciplinares sobre todos esses trabalhadores, procedendo àqueles trabalhos no âmbito da organização assumida pelo ... quanto aos serviços transversais a diversas sociedades.”
Cremos que a simultaneidade da presença de várias empresas no mesmo local de trabalho da vítima é, sob o ponto de vista factual, indiscutível, não obstante considerarmos que tal simultaneidade não representa propriamente uma exigência típica, antes permite abarcar aquelas situações em que, como sucedeu no caso concreto, se observa essa circunstância, no que mais não é do que uma forma do legislador prevenir um eventual concurso de “responsabilidades” no incumprimento do dever de garantir a segurança das pessoas que, por algum motivo, o frequentem.
Quanto à propriedade do hotel por parte da arguida, nenhum problema se coloca e a decisão recorrida teceu a esse respeito as considerações necessárias e que se mostram perfeitamente suficientes. Com efeito, a responsabilidade da recorrente decorre da circunstância da sua “organização” e de quem desta era responsável (o coarguido DD, nos termos já supra analisados e que aqui damos por integralmente reproduzidos) não ter conseguido evitar o trágico acidente, sendo certo que a relação das duas empresas com o local onde os factos ocorreram está perfeitamente estabelecido, quer pela existência das obras no hotel (a envolver a participação de diversas sociedades, desde a proprietária do hotel às demais que se mostram identificadas nos factos provados, cada uma com funções próprias e disto dá conta, muito correctamente, a decisão recorrida), quer até com a identificação de duas pessoas (arguido AA, trabalhador da recorrente e a infeliz vítima, trabalhadora da arguida XX, que no local estavam devido a essa sua relação laboral). Afirmar, como faz a recorrente, que o arguido AA não estava a trabalhar no local é simplesmente descabido (basta atentar na factualidade provada que permite sustentar a sua condenação).
A irrelevância da propriedade do Hotel por parte da recorrente mostra-se plenamente justificada na decisão recorrida, não carecendo aqui de qualquer reforço argumentativo. E a circunstância de a infeliz vítima não ser trabalhadora da recorrente não é igualmente elemento típico, para tal bastando ler o n.º 1 do art.º 152.º-A do Código Penal, tendo também a decisão recorrida subsumido de forma correcta os factos ao direito aplicável.
Com efeito, “[e]ste tipo de crime pressupõe e exige uma relação de subordinação laboral […]. Logo, agente deste crime é a pessoa que detém uma posição de “domínio” sobre o trabalhador, no âmbito da actividade (trabalho) por este exercida, e sobre a qual recai a obrigação de garantir as condições de segurança no trabalho.” (assim, Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense, tomo I, 2.ª edição, págs. 543). A entidade laboral do trabalhador pode não ser aquela onde as condições de trabalho e as condições de segurança se verificam, o que sucedeu precisamente no caso dos autos; a posição de “domínio” impendia sobre a recorrente (e não sobre a entidade patronal da vítima, que sobre o local do acidente não tinha qualquer relação), por ser quem tinha a obrigação de garantir a segurança no local onde a vítima se encontrava no exercício das suas funções.
Por fim, a responsabilidade criminal do arguido DD mostra-se já apreciada e perfeitamente estabelecida supra a propósito do recurso por si interposto, não carecendo neste momento de renovadas considerações e da qual emerge a responsabilidade criminal da ora recorrente, como bem decidiu o tribunal a quo.
Em face da resposta, negativa, às anteriores questões a decidir, mais não nos resta, em face da correcta fundamentação jurídica da decisão recorrida a propósito do pedido de indemnização civil, do que confirmar estarem verificados todos os pressupostos para a sua condenação em tal pedido, em pleno cumprimento do disposto nos arts. 483º nº 1, 487º nº 2, 497º nº 1, 562º, 563º e 564º do Código Civil.
Do recurso interposto pela sociedade arguida TT.
- se pode ser afirmada a relação de comissão entre a recorrente e a sociedade arguida SS;
- se se mostram verificados os requisitos da responsabilidade do comitente prevista no art.º 500.º do Código Civil;
- se o raciocínio adoptado pelo tribunal a quo para sustentar a responsabilidade civil da recorrente revela manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão.
A propósito da condenação solidária da recorrente no pedido de indemnização civil, a decisão recorrida tem o seguinte teor: “No entanto, também responsável solidariamente pelo pagamento da indemnização é a demandada TT, nos termos do artigo 500º do Código Civil. Dispõe o mencionado artigo 500º, no seu nº1, que aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar. Mais acrescenta o nº2 de tal artigo que a responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada. Por comitente, entende-se a pessoa que, por livre nomeação ou mera designação de facto, encarrega outra de um serviço ou comissão, quer gratuita, quer retribuída, no seu próprio interesse, permanente ou ocasional (pressupõe uma relação de autoridade). Por comissário, entende-se aquele que aceita voluntariamente o encargo, ficando sob as ordens ou instruções do comitente, mesmo que este se proponha utilizar os conhecimentos ou melhor preparação técnica daquele (pressupõe sempre uma relação de subordinação, a apreciar no caso concreto, segundo as circunstâncias) (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 7ª edição, Almedina, 1997, págs. 662). É esta relação de sujeição do comissário em relação ao comitente que faz justificar que sobre este impenda a obrigação de indemnizar o lesado, apesar de não se ter provado a culpa sua na produção do dano; e, sendo assim, não estando provada esta relação de subordinação, também se encontra prejudicada a aplicação daquele normativo. Para que se verifique a responsabilidade do comitente nos termos do artigo 500º do Código Civil é preciso que o comissário - que pode ser um simples serviçal, um assalariado ou qualquer encarregado da prestação de um serviço - tenha sido escolhido pelo comitente e que o facto danoso haja sido praticado no exercício de função àquele confiada, bastando, para caracterizar este vínculo, que o facto esteja devidamente relacionado com o serviço executado (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/11/1975, BMJ; 251.º; 167). Assim, e porque a grave omissão de AA e DD (artigo 486º do Código Civil) causaram diretamente a morte de EEE, e estes agiram encarregados pela SS, a qual, por sua vez, agia no interesse e por conta da TT, proprietária do hotel, teremos de concluir que também esta é responsável civilmente, nos termos do já referido artigo 500º do Código Civil.”
Cumpre ter desde logo presente que a relação de comissão pressuposta pelo art.º 500.º do Código Civil deve ser encarada de forma mais ampla daquela que surge definida no art.º 266.º do Código Comercial. Com efeito, a “doutrina tem adiantado várias noções de comissão para este efeito. Antunes Varela define comissão como “serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo essa actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual’, noção que Nunes de Carvalho resume da seguinte forma: “actos ou actividade realizados por conta e sob a direcção de outrem”, enquanto Pessoa Jorge a define como “realização de actos de carácter material ou jurídico, que se integram numa tarefa ou função confiada a pessoas diferentes do interessado”. Já Ribeiro Faria optou por definir comissão como “um serviço de qualquer natureza: de facto ou de direito, de qualidade superior ou inferior, transitório ou permanente. […] No fundo, todas as noções que acabámos de fornecer acabam por focar a definição em alguns pontos essenciais, cuja identificação e explicitação nos parece mais relevante do que a tentativa de conceptualização, que normalmente acaba sempre por ser bastante incompleta. De qualquer forma, qualquer das definições acima referidas, de uma forma mais ou menos sintética parece relevar aqueles pontos essenciais, e, nessa medida, torna-se suficiente, ainda que não exaustiva. […] Assim, e quanto a nós, essenciais à verificação de uma relação de comissão são dois aspectos. Por um lado, o poder de dar instruções, consubstanciador de uma relação de subordinação lato sensu, mas que não coincide necessariamente com qualquer tipo de subordinação jurídica. Ponto é que implique uma dependência funcional que pode resultar de uma qualquer relação jurídica, mas também de uma mera relação económica, de índole pessoal ou social. Por outro lado, é igualmente essencial que o preposto aja, ao momento da prática do facto danoso, no interesse do preponente.”5
Resulta provado em 4. que a recorrente é proprietária do ..., sendo que a sociedade SS, que lhe fornecia serviços no âmbito da manutenção dos vários aparelhos existentes no referido hotel, bem como serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho (é o que se retira da conjugação dos factos provados 1, 2, 3 e, pela negativa, o facto provado 26). Portanto, está demonstrada uma relação jurídica entre as duas sociedades, em que a segunda (SS) prestava serviços à primeira (recorrente), portanto, daqui se podendo depreender a sua dependência e a sua actuação no interesse da recorrente, tendo sido por aquela escolhida (o que permite ultrapassar a divergência doutrinal relativa à exigência desta escolha por parte da comitente da entidade que lhe presta os serviços).
“[…] [A] propósito da relação de subordinação, note-se que é pressuposto de uma comissão agir no interesse do comitente mas já não agir por conta deste. São proposições distintas e com alcance distinto. Agir por conta de alguém implicará, por regra, que se aja igualmente no seu interesse, mas o inverso não é já verdade. O critério relevante é, pois, o da prossecução do interesse do comitente.”6
No caso concreto, a actuação da SS no interesse da recorrente parece evidente, desde logo, pela prestação de serviços que lhe fazia em instalações que são suas (o hotel).
Cumpre ter presente que a “[…] responsabilidade do comitente trata-se, manifestamente, de um desses casos em que a responsabilidade é imputada a quem, aparentemente, nada teve que ver com a prática do facto danoso — responsabilidade indirecta, como é designada por Eugenio Bonvicini”7, sendo que “[…] o comitente é considerado responsável por factos que não cometeu, ao que acresce, que essa imputação é efectiva ainda que o comitente não tenha tido qualquer culpa pelos danos verificados na esfera de um terceiro lesado — trata-se verdadeiramente de um caso de responsabilidade por facto alheio. Neste sentido, pode-se dizer que o responsável — o comitente — responde pela violação culposa pelo comissário de um dever que existe na esfera deste e que nada tem que ver os deveres do próprio comitente. Aliás, o dever de indemnizar, pode-se dizer, forma-se na esfera do comissário, transferindo-se depois para a pessoa do comitente. […] [A] responsabilidade do comitente busca a sua origem histórica, e mesmo lógica, numa responsabilidade própria — pessoal — do comitente. Essa responsabilidade traduzir-se-ia na violação dos deveres de diligência na escolha, na orientação e na vigilância dos seus dependentes. Por causa da sua negligente escolha, incorrectas instruções ou deficiente vigilância, o comissário causou danos a um terceiro. Aqui a imputação ao comitente não passa de uma imputação directa fundada na sua escolha, instruções e/ou vigilância.” 8
Podemos assim reafirmar a relação de comitente/comissário entre a recorrente e a sociedade arguida SS e verificação dos requisitos da responsabilidade da recorrente enquanto comitente.
Significa assim que a decisão do tribunal a quo se revela lógica, coerente e perfeitamente compreensível, não subsistindo fundamento para o recurso interposto.
VII. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes da 3.ª secção deste Tribunal da Relação de ..., julgar totalmente improcedente os recursos interpostos e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes arguidos, que se fixa, para cada um (com excepção do Ministério Público, por estar isento), em 4 (quatro) UCs.
Notifique.
Lisboa, 21 de Maio de 2025
Texto processado e revisto integralmente pelo relator – art- 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Mário Pedro M.A. Seixas Meireles
Rosa Vasconcelos
Francisco Henriques
_______________________________________________________
1. O recorrente não suscita a renovação da prova, que se mostra prevista na al. c) do n.º 3 do art.º 412.º do CPP.
2. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/8128b9801996b3c18025788d003ad395?OpenDocument
3. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/146214f92ef6444b802572ed0033ca37?OpenDocument
4. Cf. Ac. TC. n.º 59/2006, de 18 de Janeiro de2006, processo n.° 199/05, da 2.ª secção, publicado no DR - II Série, de 13-04-2006.
5. Assim Nuno Morais, in Julgar, n.º 6, 2008, p. 52.
6. Assim, Nuno Morais, ob. cit., págs. 54 e 55.
7. Assim, Nuno Morais, ob. cit. p. 42.
8. Assim, Nuno Morais, ob. cit., p. 43.