I. A providência de habeas corpus que não se confunde com um recurso, nem com os fundamentos deste.
II. Esta providência tem apenas por finalidade libertar quem está preso ou detido ilegalmente.
III. Irregularidades, consubstanciadas na falta de acusação correcta, na não cedência gratuita dos elementos de prova constantes do processo da condenação, nas sucessivas escusas de defensores que foram sendo nomeados não se enquadram, qualquer delas, nos taxativos fundamentos legais do artigo 222.º/2 CPPenal.
IV. Também as questões do perdão ou da liberdade condicional extravasam o âmbito da excepcional providência de Habeas Corpus.
V. O princípio da especialidade traduz-se no facto de a pessoa entregue não poder ser sujeita a procedimento penal, condenada ou privada da liberdade por infracção praticada antes da sua entrega e diferente daquela porque foi entregue.
VI.Apesar de o peticionante ter sido julgado por factos num processo que não constava, expressamente, do MDE se foi posteriormente por efeito da concessão da sua ampliação autorizada pelas autoridades alemãs, assim, passou a integrar o seu âmbito.
I. Relatório
1. Em requerimento, datado de 14.4.2025, dirigido ao Sr. Dr. Juiz do Supremo Tribunal, que deu entrada neste Supremo Tribunal de Justiça, a 15.4.2025, aparentemente por si elaborado, manuscrito e assinado – que se passa a transcrever, tal e qual como é permitida a sua leitura – diz o peticionante,
“AA, nascido a ...1987, na Roménia, portador do ID ....22, actualmente detido no EP 1, condenado por um processo do ano de 2011.
No ano de 2022 no acto de execução de MDE (Mandado de Detenção Europeu) emitido no âmbito do processo 909/11.6... do Juízo Criminal de ..., J..., fui extraditado da Alemanha para Portugal, apesar de não ter renunciado ao princípio da especialidade, tenho sido apresentado com diversos processos que são apresentados no MDE, nomeadamente: processo 1406/11.5..., processo 1619/11.0... e processo 958/22.9....
Os processos acima referidos não constam do MDE (Mandado de Detenção Europeu) o que revela uma clara violação do princípio da especialidade que dispõe no artigo 7.º da Lei 65/2003 de 23 de Agosto (princípio da especialidade):
“a pessoa entregue em cumprimento de um mandado de detenção europeu não pode ser sujeita a procedimento criminal, condenada ou privada da liberdade por uma infracção praticada em momento anterior à sua entrega e diferente daquela que motivou a emissão do mandado de detenção europeu”.
Dispõe o artigo 7.º/4) a) que:
“se o Estado membro da emissão for o Estado português… é prestado perante o Tribunal da Relação da área de residência… observando-se as formalidades previstas no artigo 18.º, com as necessárias adaptações”.
Portanto face ao conteúdo do artigo 7.º/1 da Lei 65/2003, vindo de transcrever e à matéria constante dos autos, óbvia a conclusão que existe razão ao que estou a referir acima indicado.
Pelo que me acho ilegalmente preso, pois a citada disposição legal não permite o sucedido, o qual contraria directamente o princípio da especialidade nela contido, artigo 222.º/2 alínea b) CPPenal.
Tendo sido detido para responder por determinado e concretizado ilícito, o que já aconteceu, não posso, sem a observância das adequadas formalidades, ser julgado ou punido por outro ou outros crimes anteriores à saída do território português, que não constam do mandado de detenção europeu, até à data de hoje, não tenho uma acusação correcta o que me leva a querer que estou numa situação ilegal, sem liberdade e sem acusação, o que não me permitiu preparar uma defesa plausível.
A Directiva 2012/13/EU do Parlamento Europeu in Jornal Oficial da União Europeia em 1.6.2012, impões aos Estados-membros a obrigação de assegurar o acesso aos suspeitos, acusados ou aos seus advogados a toda a prova material que se encontre na posse das autoridades… de modo a salvaguardar a equidade do processo e a preparar a defesa, artigo 7.º/2 da Directiva, pelo qual o aceso é gratuito, artigo 7.º b da Directiva 2012/13/EU; a Directiva é direito positivo português, artigo 8.º da Lei Fundamental.
Nessa medida deviam ter sido cedidos gratuitamente a fim de organizar a minha defesa: artigos 32.º da CRP, 5.º e 6.º da CEDH, o qual também mostra uma clara violação dos meus direitos.
Desde a data da minha entrega a Portugal, todos os advogados que me têm sido nomeados, têm abandonando o meu processo, sem qualquer justificação, o que também parece revelar-se uma clara violação do artigo 32.º da CRP, 5.º e 6.º da CEDH, sem poder construir ou organizar a minha defesa, como posso eu me defender. Só tenho Deus e o Diabo, que estão em todo o lado e tudo sabem.
Até à data de hoje tenho vindo a detectar todas estas irregularidades, no decorrer do tempo, ninguém me soube explicar ou ajudar na minha defesa, o que me leva a querer que estou numa situação ilegal, o qual recorro ao abrigo do artigo 222.º/2 CPPenal ao Habeas Corpus que é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, o fim exclusivo e último é, assim, estancar casos de detenção ou de prisões ilegais.
Daí os meus fundamentos estejam taxativamente a prever a ilegalidade da prisão, através de todas as irregularidades referidas, o que me fornece legitimidade de poder formular a petição ao abrigo do artigo 22.º/2 CPPenal (Habeas Corpus).
O que se tem vindo a que a minha prisão viola o princípio da especialidade o que consubstancia a ilegalidade da prisão, artigo 222.º a) e b) CPPenal, o que não tende em que me seja possível constituir uma defesa adequada e demonstrar um atentado contra a minha vida e saúde, desde a minha entrada em Portugal”.
Com a mesma data, dirigido ao Sr. Dr. Juiz do Supremo Tribunal de Justiça apresentou o peticionante, um anexo ao acima referido, também, manuscrito e por si subscrito, do seguinte teor:
“Eu, AA, fui detido a primeira vez no âmbito de um processo de furto na Suíça, no dia 23 de outubro 2017, depois a 8 de agosto de 2019 fui extraditado para a Alemanha e igualmente por furto e por fim no acto de execução do MDE vim para Portugal, a 12 de janeiro 2022, pelo qual entrada no EP 2 a 13 de janeiro de 2022, fui informado por um advogado que a minha pena não devia ser superior à dos países supra referidos, como manda a lei do Tribunal Europeu, no entanto fui condenado a 4 anos e 6 meses de prisão efectiva. Mas devido à Jornada Mundial da Juventude, com a vinda do Papa a Portugal, foi-me reduzido 1 ano na pena, consequente da amnistia, ficando condenado a 3 anos e 6 meses, supostamente, pelo que me havia dito o advogado só deveria cumprir metade da pena, no entanto continuo privado da liberdade.
Portugal não devia “passar por cima” da lei da Comunidade Europeia, pelo qual venho pedir a devida atenção perante o meu caso
com o devido agradecimento”
2. Ainda a 15.4.2025, foi solicitado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 223.º/1 CPPenal, ao processo 909/11.6... do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal, J..., que informasse acerca das condições em que foi efectuada ou se mantém a prisão, juntando-se a petição, com vista a ser possível aí a criação de apenso e a sua posterior remessa a este Supremo Tribunal, acompanhada da dita informação.
3. Assim, foi prestada, na mesma data, a seguinte informação:
“Compulsados os autos, impõe-se informar o seguinte, ao abrigo do disposto no artigo 223.º/1 CPPenal:
- por Acórdão de 22.04.2022, oportunamente transitado em julgado, AA foi condenado no âmbito dos presentes autos pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. nos artigos 203.º e 204.º/1 al. a) e 2 al. e), por referência ao artigo 202º als. a), d) e e), todos do Código Penal na pena de 3 (três) anos e 6(seis) meses de prisão; (NUIPC 909/11.6...); de um crime de furto qualificado, p. e p. nos artigos 203º e 204º nº 2 al. e), por referência ao artigo 202º al. e), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; (NUIPC 915/11.0...); de um crime de furto simples tentado, p. e p. no artigo 203º nº 1 e 2, 204º nº 2 al. e) e nº 4, ambos do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; (NUIPC 1350/11.6... e, em cúmulo jurídico de tais penas, foi o mesmo condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
• Por Acórdão de 15.07.2024, oportunamente transitado em julgado, foi efectuado o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao condenado AA no âmbito do processo nº 1619/11.0... com a que lhe foi aplicada nos presentes autos, tendo o mesmo sido condenando na pena única de seis anos de prisão e declarado perdoado um ano de prisão a tal pena única, com sujeição à condição resolutiva de o arguido não praticar infracção dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor;
• Mostrando-se cumprida a condição resolutiva a que alude o artº 8º, nº 1 da Lei nº 38-A/2023, de 02.08, foi declarado nestes autos inexistirem motivos para que se julgasse revogado o perdão de pena oportunamente aplicado ao condenado;
• Resulta de fls. 447 a 450 dos autos que, no dia 05-03-2020, o arguido foi detido na fronteira da Alemanha com a Bélgica, pelas autoridades alemãs, em execução do MDE expedido nos presentes autos. A fls. 461, com data de 30-09-2020, consta informação do Gabinete Nacional SIRENE dando conta de que o arguido estaria então preso em cumprimento de uma pena de prisão decretada pela Justiça Alemã.
Não resulta informação nos autos sobre qual o período concreto que o arguido esteve detido na Alemanha à ordem do MDE emitido nestes autos e se tal período foi ou não descontado na pena de prisão que o arguido ali cumpriu.
• O arguido foi entregue aos presentes autos, em cumprimento de mandados de detenção nele emitidos, na data de 12-01-2022 (cfr. fls. 553 e ss), tendo sido no dia seguinte presente a primeiro interrogatório judicial, no qual lhe foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva, medida essa que se manteve, ininterruptamente, até ao dia 23-05-2022, data em que com o trânsito em julgado da sentença condenatória se extinguiu, nos termos do artigo 214.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal (CPP);
• Este período de detenção e prisão preventiva (4 meses e 11 dias) foi objeto de desconto na pena, nos termos do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal;
• O arguido esteve detido à ordem do MDE emitido nestes autos de 5-03-2020 a 24-03-2020 – ref. ......00 de 24-02-2023 – pelo que também foram descontados estes 20 dias ao abrigo do disposto no artigo 10º, n.º 1, da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto (Mandado de Detenção Europeu);
• Em 17-01-2024 o arguido foi desligado dos presentes autos e ligado ao processo 1619/11.0...;
• Em 29-10-2024 o arguido foi desligado do processo 1619/11.0... e ligado aos presentes autos;
• Foram ainda objeto de desconto na pena os dois dias de detenção ocorridos no processo 1619/11.0..., nos termos do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal.
• Verifica-se o arguido se encontra ininterruptamente preso desde o dia 23-05-2022, havendo que proceder ao desconto dos dias de detenção e prisão preventiva suprarreferidos no âmbito destes autos e no processo 1619/11.0...;
• Ao abrigo do disposto nos artigos 477.º, n.º 2, e 479.º, n.º 1, al. b) e c), ambos do Código de Processo Penal, e no artigo 61.º, este do Código Penal, a pena de 5 (cinco) anos de prisão, sofrida nestes autos, na sequência do cúmulo jurídico efetuado e após aplicação do perdão, foi contada do seguinte modo, tendo sido objecto de homologação judicial:
- o meio da pena ocorreu a: 20-06-2024;
- os dois terços da pena ocorrerão a: 20-04-2025;
- o termo da pena ocorrerá a: 20-12-2026.
Entende-se, assim, ser de manter a prisão do arguido.
Remeta-se a presente informação ao Exmo. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, acompanhada de certidão do pedido de “Habeas Corpus” formulado pelo condenado, dos acórdãos proferidos neste processo com notas de trânsito em julgado, da liquidação de pena e sua homologação, bem como dos Mandados de Detenção Europeus emitidos e expediente atinente ao seu cumprimento.
4. Da certidão junta consta o seguinte:
1. MANDADO DE DETENÇÃO INTERNACIONAL
Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de ... - Juiz ...
Processo: 909/11.6... Processo Comum (Tribunal Coletivo)
EM NOME DA JUSTIÇA E AO ABRIGO DAS DISPOSIÇÕES LEGAIS DE COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL:
Solicita-se a detenção do indivíduo abaixo indicado e a sua entrega às autoridades judiciárias para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.
a) Informações relativas à identidade da pessoa procurada
Apelido: AA
Nome(s) próprio(s): AA
Apelido de solteira, se for caso disso:
Alcunha ou pseudónimos, se for caso disso:
sexo: Masculino
Naturalidade/Nacionalidade: natural de: Roménia; nacional de Roménia
Data de nascimento: nascido em ...-...-1987
Residência (e/ou último paradeiro conhecido): Rua ...
Eventual indicação dos idiomas que a pessoa procurada compreende:
Sinais particulares/descrição da pessoa procurada:
Foto e impressões digitais da pessoa procurada, caso existam e possam ser transmitidas, ou contacto da pessoa junto da qual se poderão obter esses dados ou o perfil da ADN (se for possível enviar e se a informação não tiver sido já incluída).
b) Decisão com força executiva que fundamente o mandado de detenção:
1. Mandado de detenção ou decisão judicial:
Tipo: Despacho proferido em 15-01-2018
2.
Referência: processo Comum (Tribunal Colectivo) n.º 909/11.6...
Transitada em julgado em: Não aplicável.
c) Indicações relativas à duração da pena
1. Duração máxima da pena ou medida de segurança privativas de liberdade aplicável à(s) infração/infrações: pena abstracta aplicável até oito anos de prisão, dois crimes de Furto qualificado, p.p. pelo art.º 203º. nº. 1 e 204º nº. 2 al.e), do Código Penal
2. Duração da pena ou medida de segurança privativas da liberdade proferida:
Pena ainda por cumprir:
d) Infração/infrações e narração dos factos
O presente mandado de detenção refere-se a um total de 3 infração/infrações.
Descrição das circunstâncias em que a(s) infração/infrações foi/foram cometida(s), incluindo o momento (a data e hora), o local e o grau de participação da pessoa procurada na infração/nas infrações:
No período compreendido entre as 18h00m do dia 2011.06.25 e as 19h30m do dia 2011.07.03, o arguido dirigiu-se ao ... do n.0 ... da Rua da ..., em ..., utilizando para o efeito as escadas de emergência situadas nas traseiras, com o propósito de se apoderar de produtos ou valores que ali encontrasse e pudesse levar com ele.
Para concretizar este propósito, o arguido AA partiu o fecho da janela da cozinha, após entrou na referida fracção, propriedade dos ofendidos BB e CC.
Retirou então do seu interior, os passaportes dos ofendidos; duas cadernetas da Caixa Geral de Depósitos em nome de BB e CC; duas cadernetas da Caixa Geral de Depósitos em nome de DD; chaves do veículo de matrícula ..-JH-..; chaves do veículo de matrícula ..-..-TR; chaves da residência de EE; dois relógios de marca Calvin Klein, de valor não apurado, um de homem e outro de senhora, brincos em ouro em formato de coração, de valor não apurado; brincos em ouro em formato de espiral, de valor não apurado; brincos em prata, com brilhantes, de valor não apurado; um anel em ouro com uma pérola, de valor não apurado; um computador portátil, MAC.Book Pró, 15-2.4, de valor não apurado; um disco externo, marca Ómega, 700g, de valor não apurado; um rato Apple, Mighty Mouse, no valor de 49,49€; uma mesa digitalizadora, no valor de 99,99€; uma máquina fotográfica, Sony-DSC-T200, no valor de 419,00€; uma mala, Área, Airline, para portátil, no valor de 29,00€; uma máquina fotográfica analógica, Canon, AE-I, no valor de 370,00€; uma teleobjectiva, Canon, AE-I, no valor de 380,00€; um flash, Canon, no valor 150,00€; um tripé para máquina fotográfica, no valor de 130,00€; uma mala própria para set fotográfico, no valor de 60,00€; um relógio, marca Calvin Klein, senhora, no valor de 240,00€; um relógio, marca Swatch, modelo Hoary Met/Large, no valor de 75,00€; um relógio, marca Swatch, modelo steel Lite L, de valor não apurado; um relógio, marca Swatch, modelo Top Relief, no valor de 147,00€; um relógio, marca Swatch, no modelo Black Guard Too, no valor de 65,00€; um relógio, marca Swatch, modelo Black Sceptre, no valor de 105,00€; um relógio, marca Swatch, modelo Sabbia, no valor de 65,00€; um relógio, marca Swatch, modelo Morning Dew L. Topshe, de valor não apurado; um fio em ouro, no valor de 350,00€; um estojo em pele para guardar relógios, no valor de 90,00€; um perfume Carolina Herrera, Vip, no valor de 70,00€; um perfume marca CK, Euphoria, no valor de 56,00€; um perfume marca Clinique, Happy, no valor de 72,00€; um perfume CK, Man, no valor de 80,00€, tudo no valor total de aproximadamente 7.073,88€ (sete mil e setenta e três euros e oitenta e oito cêntimos).
Na posse dos objectos descritos abandonou o local.
No período compreendido entre as 00h26m do dia 2011.09.05 e as 7h00m do dia 2011.09.05, o arguido AA dirigiu-se ao ... do n.o ... da Rua ..., em ..., utilizando para o efeito as escadas de emergência situadas nas traseiras, com o propósito de se apoderar de produtos ou valores que ali encontrasse e pudesse levar com ele.
Para concretizar este propósito, o arguido AA entrou pela janela da marquise que se encontrava aberta, propriedade do ofendido FF.
Retirou então dali, um computador portátil, marca Acer, de cor azul, no valor de 1000,00€; uns óculos graduados, de cor preta, no valor de 200,00€; uns Óculos de sol, marca Versage, no valor de 300,00€; dois telemóveis, um de marca Nokia, cor preta, no valor de 160,00€, com o cartão com o n.º .......27 no seu interior; um telemóvel de marca AEG, cor preta, no valor de 200,00€, com o cartão n.º .......48 no seu interior e a quantia de 80,00€, tudo no valor global de 1.940,00€ (mil novecentos e quarenta euros).
Na posse dos objectos descritos abandonou o local.
No período compreendido entre as 09h00m do dia 2011.06.24 e as 13h00m do dia 2011.06.27, o arguido AA dirigiu-se ao ... do n.0 ... da Rua ..., em ..., com o propósito de se apoderar de produtos ou valores que ali encontrasse e pudesse levar com ele.
Para concretizar tal propósito, utilizou uma janela das traseiras, partindo o respectivo vidro com um objecto de características não apuradas.
Depois de ter percorrido todas as divisões da casa e revistado as mesmas, abandonou o local por não ter logrado encontrar objectos com valor ou valores.
O arguido quis agir da forma descrita para fazer seus os objectos acima referidos, apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam e que o fazia contra a vontade do dono.
Mais só não se apoderou de objectos na residência de GG por ali não os ter encontrado.
Agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.
Natureza e qualificação jurídica da(s) infração/infrações e disposição legal/código aplicável:
1 crime(s) de Furto qualificado, p.p. pes art.ºs 203º. e 204º nº. 2 alínea e) com referência ao artº. 202º., al. d) e e) do C. Penal, praticado em 2011; 1 crime(s) de Furto qualificado, p.p. pelo art.º 203º. nº. 1 e 204º nº. 2 al. e), com referência ao artº. 202º. al. e) todos do C. Penal, praticado em 2011; 1 crime(s) de Furto qualificado na forma tentada, p.p. pelos art.ºs 203º. nº. 1 e 204º. nº. 2 al. e) com referência ao artº. 202º.. al. d) e e) do C. Penal, praticado em 2011;
e) Outras circunstâncias pertinentes para o processo (facultativo):
[NB: Incluir aqui eventuais observações sobre extraterritorialidade, interrupção de prazos e outras consequências da(s) infração/infrações]
f) Autoridade judiciária que emitiu o mandado:
Designação oficial: Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa
Nome do seu representante: Dr. HH
Função (título/grau): Juiz de Direito
Referência do processo: Processo Comum (Tribunal Coletivo) n.º 909/11.6...
(…)”.
2. Auto de interrogatório de arguido detido, nos termos do artigo 141.º CPPenal, a 13.1.2022, com base nos factos referente aos NUIPC 909/11.6..., ocorridos entre 25.6.2011 e 3.7.2011; 915/11.0..., ocorridos em 5.9.2011; 1350/11.6..., ocorridos entre 24.6.2011 e 27.6.2011 e viu ser-lhe aplicada a medida de coacção de prisão preventiva.
3. Acórdão proferido no processo 909/11, datado de 21.4.2022, através do qual foi o arguido condenado pelos factos referentes aos NUIPC 909/11.6..., 915/11.0... e 1350/11.6... na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.
4. Informação de que o arguido esteve detido para efeitos de extradição entre 5.3.2020 e 24.3.2020.
5. Acórdão de 15.7.2024, proferido no processo 909/11, onde foi efectuado o cúmulo jurídico das penas aqui aplicadas com a do processo 1619/11.0..., de 3 anos e 6 meses de prisão - à ordem do qual estava preso – de onde resultou a pena única de 6 anos de prisão, beneficiando de 1 ano de prisão por força da Lei 38-A/2023 de 2.8.
6. Informação do desligamento do processo 1619/11 e ligamento a este processo, com efeitos a partir de 29.10.2024.
7. Despacho a homologar a liquidação da pena, de 14.1.2025, nos seguintes termos:
nos presentes autos, por acórdão cumulatório transitado em 30-09-2024, procedeu-se ao cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA nos processos, 1619/11.0... do Juízo Central Criminal de ... e 909/11.6... do Juízo Central Criminal de ..., condenando-o na pena única de seis anos de prisão à qual foi perdoado um ano de prisão, com sujeição à condição resolutiva de o arguido não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, caso em que à pena aplicada acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada [artigo 8.º, n.º1 da Lei da Amnistia].
Resulta de fls. 447 a 450 dos autos que, no dia 05-03-2020, o arguido foi detido na fronteira da Alemanha com a Bélgica, pelas autoridades alemãs, em execução do MDE expedido nos presentes autos. A fls. 461, com data de 30-09-2020, consta informação do Gabinete Nacional SIRENE dando conta de que o arguido estaria então preso em cumprimento de uma pena de prisão decretada pela Justiça Alemã. Não resulta informação nos autos sobre qual o período concreto que o arguido esteve detido na Alemanha à ordem do MDE emitido nestes autos e se tal período foi ou não descontado na pena de prisão que o arguido ali cumpriu.
O arguido foi entregue aos presentes autos, em cumprimento de mandados de detenção nele emitidos, na data de 12-01-2022 (cfr. fls. 553 e ss), tendo sido no dia seguinte presente a primeiro interrogatório judicial, no qual lhe foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva, medida essa que se manteve, ininterruptamente, até ao dia 23-05-2022, data em que com o trânsito em julgado da sentença condenatória se extinguiu, nos termos do artigo 214.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal (CPP).
Este período de detenção e prisão preventiva (4 meses e 11 dias) deverá ser objeto de desconto na pena, nos termos do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal.
O arguido esteve detido à ordem do MDE emitido nestes autos de 5-03-2020 a 24-03-2020 – ref. ......00 de 24-02-2023 – pelo que terão também estes 20 dias que ser descontados ao abrigo do disposto no artigo 10º, n.º 1, da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto (Mandado de Detenção Europeu).
Em 17-01-2024 o arguido foi desligado dos presentes autos e ligado ao processo 1619/11.0...
Em 29-10-2024 o arguido foi desligado do processo 1619/11.0... e ligado aos presentes autos.
Deverá ser ainda objeto de desconto na pena, os dois dias de detenção ocorridos no processo 1619/11.0..., nos termos do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal.
Verifica-se assim que o arguido se encontra ininterruptamente preso desde o dia 23-05-2022, havendo que proceder ao desconto dos dias de detenção e prisão preventiva suprarreferidos no âmbito destes autos e no processo 1619/11.0...
Nestes termos, ao abrigo do disposto nos artigos 477.º, n.º 2, e 479.º, n.º 1, al. b) e c), ambos do Código de Processo Penal, e no artigo 61.º, este do Código Penal, a pena de a pena de 5 (cinco) anos de prisão, sofrida nestes autos, na sequência do cúmulo jurídico efetuado, será contada do seguinte modo:
- o meio da pena ocorreu a: 20-06-2024;
- os dois terços da pena ocorrerão a: 20-04-2025;
- o termo da pena ocorrerá a: 20-12-2026.
8. Por despacho de 11.3.2025 foi decidido mostrar-se cumprida a condição resolutiva a que alude o artigo 8.º/1 da Lei 38-A/2023, de 02.08 e que inexistiam motivos para que se julgue revogado o perdão de pena oportunamente aplicado ao condenado AA.
9. Foi junta ainda comunicação da Justiça Alemã, datada de 21.10.2022, a dar conta de ter sido concedida a ampliação do âmbito do mandado de detenção emitido no âmbito do processo 909/11, para cumprimento de pena relativamente ao processo 1619/11, de 3 anos e 6 meses de prisão, da qual o arguido teria a cumprir 3 anos 5 meses e 28 dias mediante o cumprimento da regra da especialidade.
4. Convocada a Secção Criminal e notificados o Ministério Público e o mandatário/ defensor do arguido, procedeu-se à realização da audiência, com o formalismo legal e em conformidade com o disposto nos artigos 11.º/4 alínea c), 223.º/1, 2 e 3 e 435.º CPPenal.
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
1. O circunstancialismo factual relevante para o julgamento resulta da petição de habeas corpus, dos documentos com ela juntos, da informação e da certidão que a acompanha e é a seguinte:
- o mandado de detenção internacional emitido e cumprido no âmbito do processo 909/11.6... do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de ... - Juiz ... era referente aos factos pelos quais o arguido veio, primeiro a ser sujeito a 1.ª interrogatório de arguido detido e viu ser decretada a medida de coacção de prisão preventiva e, depois, veio a ser julgado e condenado, abrangendo os factos dos NUIPC 909/11.6..., 915/11.0...) e 1350/11.6..., respectivamente,
- no período compreendido entre as 18h00m do dia 2011.06.25 e as 19h30m do dia 2011.07.03, o arguido dirigiu-se ao ... do n.º ... da Rua da ..., em ...;
- no período compreendido entre as 00h26m do dia 2011.09.05 e as 7h00m do dia 2011.09.05, o arguido AA dirigiu-se ao ... do n.º ... da Rua ..., em ...;
- no período compreendido entre as 09h00m do dia 2011.06.24 e as 13h00m do dia 2011.06.27, o arguido AA dirigiu-se ao ... do n.º ... da Rua ..., em ...;
- dado que entretanto o arguido havia sido julgado e condenado no processo 1619/11.0..., foi entretanto concedida a ampliação do âmbito do mandado de detenção, para cumprimento de pena aplicada neste processo.
- está a cumprir a pena resultante do cúmulo jurídico efectuado entre as penas parcelares aplicadas em ambos os processos, de 6 anos de prisão, tendo beneficiado de 1 ano de perdão, com a já decretada verificação da condição resolutiva sob a qual o mesmo havia sido concedido;
- que atinge o seu termo a 20.12.2026.
2. O Direito
1. As razões do requerente.
Invocando as alíneas a) e b) do artigo 222.º CPPenal e a ilegalidade da sua prisão com base na violação do princípio da especialidade, inerente ao cumprimento do MDE e, ainda, com base em diversas irregularidades que aponta, formula o requerente a presente petição de habeas corpus alinhando o seguinte raciocínio:
- foi extraditado da Alemanha para Portugal, apesar de não ter renunciado ao princípio da especialidade, tenho sido “apresentado” com diversos processos que não são apresentados no MDE, nomeadamente: processo 1406/11.5..., processo 1619/11.0... e processo 958/22.9... – em clara violação do princípio da especialidade que dispõe no artigo 7.º da Lei 65/2003 de 23 de Agosto;
- foi detido para responder por determinado e concretizado ilícito, o que já aconteceu, não podendo, sem a observância das adequadas formalidades, ser julgado ou punido por outro ou outros crimes anteriores à saída do território português, que não constam do mandado de detenção europeu;
- não teve uma acusação correcta - o que não lhe permitiu preparar uma defesa plausível.
- devia-lhe ter sido cedido gratuitamente toda a prova material na posse das autoridades, a fim de organizar a sua defesa – o que também evidencia uma clara violação dos seus direitos;
- todos os advogados que lhe têm sido nomeados, têm abandonando o processo, sem qualquer justificação, o que também revela uma clara violação do artigo 32.º da CRP, 5.º e 6.º da CEDH.
No anexo alega ainda que a pena não devia ser superior à dos países supra referidos, como manda a lei do Tribunal Europeu, no entanto foi condenado a 4 anos e 6 meses de prisão efectiva e devido à Jornada Mundial da Juventude, com a vinda do Papa a Portugal, foi a pena reduzida em 1 ano, ficando condenado a 3 anos e 6 meses, supostamente, pelo que só deveria cumprir metade da pena.
2. O habeas corpus é um meio, procedimento, de afirmação e garantia do direito à liberdade, cfr. artigos 27.º e 31.º da CRP, constituindo uma providência expedita e excecional – a decidir no prazo de oito dias em audiência contraditória, cfr. Artigo 31.º/3 da CRP – para fazer cessar privações da liberdade ilegais, isto é, não fundadas na lei, sendo a ilegalidade da prisão verificável a partir dos factos documentados no processo.
Sobre o pedido de habeas corpus por prisão ilegal, dispõe o artigo 222.º CPPenal que,
“1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.
2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:
a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”.
São taxativos os pressupostos do habeas corpus - que também tem consagração constitucional, cfr. artigo 31.º da CRP.
Enquanto no Decreto Lei 35 043, de 20 de outubro de 1945, «o habeas corpus é um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade», hoje, e mais nitidamente após as alterações de 2007, com o aditamento do n.º 2 ao artigo 219.º do CPPenal, o instituto não deixou de ser um remédio excecional, mas coexiste com os meios judiciais comuns, nomeadamente com o recurso.
A providência de habeas corpus que não se confunde com o recurso, nem com os fundamentos deste, como diz Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Lisboa, Editorial Verbo, 1993, 260, o habeas corpus “não é um recurso, é uma providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade”.
Convém ter presente, como se refere no artigo 31.º/1 CRP, que “haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.” Ou seja, esta providência, que inclusivamente pode ser interposta por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, artigo 31.º/2 CRP, tem apenas por finalidade libertar quem está preso ou detido ilegalmente e, por isso, é uma medida excecional e muito célere.
De resto, quando se aprecia a providência de habeas corpus não se vai analisar o mérito da decisão que determina a prisão, nem tão pouco erros procedimentais (cometidos pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais) já que esses devem ser apreciados em sede de recurso, mas tão só incumbe decidir se ocorrem quaisquer dos fundamentos indicados no artigo 222.º/2 CPPenal.
O habeas corpus não serve para discutir decisões proferidas em outros Tribunais, mormente nos Tribunais de 1.ª instância, que aplicaram pena de prisão ao peticionante.
Irregularidades que aí possam ter sido praticadas, verificando-se os respectivos pressupostos deverão ser impugnadas pelos meios próprios.
E, naturalmente, como, de resto, é jurisprudência constante e pacífica deste Tribunal, para que possa merecer acolhimento o pedido de habeas corpus é ainda necessário que a ilegalidade da prisão seja actual - actualidade reportada ao momento em que é apreciado o pedido.
E, assim, a questão a decidir, nesta sede, reporta-se, tão só, à legalidade da prisão do requerente.
Obviamente que as questões atinentes com a falta de acusação correcta - que não contenda com a violação do princípio da especialidade aplicável ao MDE, que adiante referiremos - a não cedência gratuita dos elementos de prova constantes do processo da condenação, ou as sucessivas escusas da defensores que foram sendo nomeados não constituem, qualquer delas, fundamento para a concessão do Habeas Corpus.
Nenhuma destas matérias – irregularidades, nas palavras do peticionante - se enquadra nos apontados taxativos fundamentos legais.
Da mesma forma, em relação à questão invocada, no aditamento.
Que se prende com a aplicação do perdão, que foi aplicado e com a liberdade condicional ao ½ da pena, que não terá sido concedida.
Questões, também, que extravasam o âmbito da excepcional providência de Habeas Corpus.
E que tem o seu campo de discussão restringido ao processo onde as mesmas foram decididas.
É certo que o peticionante enfoca a questão na pena aplicada neste processo, olvidando que, entretanto, foi realizado o cúmulo jurídico com a pena aplicada no processo 1619/11 e, que por via disso a pena de 4 anos e 6 meses com a pena de 3 anos e 6 meses redundou na pena única de 6 anos de prisão.
O que entronca na sua primeira causa de irresignação e que constitui o essencial do fundamento do Habeas Corpus - a alegada violação do princípio da especialidade.
Mas também, este segmento, carece de fundamento legal e fáctico, desde logo.
Como vimos o arguido foi detido e entregue a Portugal no âmbito de um MDE, fundamentado em factos, reportados a 3 distintos NUIPC,s, pelos quais veio a ser preso preventivamente primeiro e depois julgado e condenado depois – todos apreciados em um único processo judicial.
Afinal, os determinados e concretizados ilícitos, nas palavras do peticionante.
Não foi julgado por nenhum facto, referente a nenhum NUPC ou processo judicial que não constasse, expressamente, do MDE.
Os processos que invoca 1406/11 e 958/22 não se reportam a processos em que haja sido condenado e, cujas penas estejam englobados na pena única que está a cumprir.
Resta o processo 1619/11, que, de facto, não constava do MDE, mas que posteriormente foi por efeito da concessão da ampliação do referido MDE, autorizada pelas autoridades alemãs e, que, assim, passou a integrar o seu âmbito.
Com efeito.
O MDE é uma decisão judiciária emitida por um Estado Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade, cfr. artigo 1.º da Lei 65/2003.
Dispõe o artigo 7.º da Lei 65/2003, na redacção dada pela Lei 35/2015 de 4.5., sob a epígrafe de “princípio da especialidade”, na parte que releva apara a questão a decidir, que:
“1 - A pessoa entregue em cumprimento de um mandado de detenção europeu não pode ser sujeita a procedimento penal, condenada ou privada de liberdade por uma infracção praticada em momento anterior à sua entrega e diferente daquela que motivou a emissão do mandado de detenção europeu.
2 - O disposto no número anterior não se aplica quando:
…
g) Exista consentimento da autoridade judiciária de execução que proferiu a decisão de entrega.
…
4 - Se o Estado membro de execução for o Estado português, o consentimento a que se refere a alínea g) do n.º 2:
a) É prestado pelo tribunal da relação que proferiu a decisão de entrega;
c) Deve ser prestado sempre que esteja em causa infracção que permita a entrega, por aplicação do regime jurídico do mandado de detenção europeu;
d) Deve ser recusado pelos motivos previstos no artigo 11.º, podendo ainda ser recusado apenas com os fundamentos previstos nos artigos 12.º e 12.º-A;
…
6 - O pedido de consentimento a que se refere a alínea g) do n.º 2 é apresentado pelo Estado membro de emissão ao Estado membro de execução acompanhado das informações referidas no n.º 1 do artigo 3.º e de uma tradução, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º”.
Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 9.1.2019, processo 144/13.9VRLSB-3.ª, consultado no site da dgsi, “o princípio da especialidade traduz-se em limitar os factos pelos quais a pessoa procurada poderá ser julgada no Estado-membro de emissão do MDE ou a pena que poderá cumprir quando a entrega seja para o cumprimento de pena de prisão ou medida de segurança privativa da liberdade - a pessoa entregue não pode ser sujeita a procedimento penal, condenada ou privada da liberdade por infracção praticada antes da sua entrega e diferente daquela porque foi entregue”.
Contrapondo o exposto face à situação concreta em que o Estado Português formulou ao Estado Alemão um pedido de ampliação do MDE emitido contra o aqui peticionante – para cumprimento de pena - pode-se questionar se tal pedido consubstancia a violação das expectativas do arguido, no sentido de que o MDE se limitasse ao pedido inicialmente formulado – para procedimento criminal.
E, assim, se no confronto com uma situação nova e, não esperada de extensão do MDE, se poderá convocar uma situação de deslealdade processual.
Responde.se no mesmo acórdão: “a resposta é negativa, pois que a ampliação consumada consubstancia a decisão final de um processo penal em que ao arguido foi dada a possibilidade de exercer os seus direitos, ou seja a decisão para a qual se solicita a extensão do MDE foi proferida no culminar de um processo justo.
Não é uma situação inesperada, mas algo que desde há muito tempo faz parte do relacionamento do arguido com o Estado Português,
Com a alteração operada pela Lei 35/2015 à Lei 65/2003 é agora claro que o consentimento par a execução de um novo MDE quando solicitado por um Estado-membro a outra Estado-membro - no caso, Portugal à Alemanha - esta, na qualidade de Estado de execução de um anterior MDE deve prestá-lo, sempre que a infracção para a qual é solicitado, desse ela própria lugar à entrega do detido, isto é, sempre que estejam reunidas as condições que permitiriam a execução da entrega do cidadão procurado, caso se tratasse de um primeiro MDE”.
3. Conclusão.
No âmbito da providência e habeas corpus não incumbe, nem cabe nos seus poderes de cognição do STJ analisar questões que extravasam os fundamentos previstos no artigo 222.º/2 CPPenal.
Tendo em atenção o alegado no requerimento de habeas corpus, a materialidade apurada e o disposto nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 222.º CPPenal, não ocorre qualquer fundamento para o deferimento do habeas corpus.
Com efeito, a prisão do requerente não se mostra ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a presente providência de habeas corpus apresentada pelo peticionante AA, por falta de fundamento legal.
Custas pelo requerente, fixando-se em 4 UC, a taxa de justiça, cfr. n.º 9 do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa.
Processado em computador, elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artigo 94.º/2 CPPenal), sendo assinado pelo próprio, pelos dois Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos e pela Senhora Juíza Conselheira Presidente.
Supremo Tribunal de Justiça, 21.4.2025
Ernesto Nascimento - Relator
José Piedade – Juiz Conselheiro Adjunto
Maria Margarida Almeida – Juíza Conselheira Adjunta
Fátima Gomes – Juíza Conselheira Presidente