ACÇÃO EXECUTIVA
PERSI
ÓNUS DA PROVA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
Sumário


1 – Compete à instituição de crédito que intenta uma ação executiva o ónus de provar que efetuou as comunicações legalmente previstas no âmbito do PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento).
2 – As normas que consagram a obrigatoriedade das comunicações da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção deste têm carácter imperativo.
3 – Não demonstrando a exequente que comunicou aos consumidores clientes bancários a sua integração no PERSI e a extinção do procedimento, verifica-se uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância – arts. 576º, nº 2, 578º e 726º, nº 2, al. b), do CPC.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1.1. Na execução para pagamento de quantia certa que a Banco 1..., SA, move a AA e BB, foi proferida decisão com o dispositivo que se transcreve:
«Julgo verificada a excepção dilatória de falta de comunicação da integração no PERSI aos Executado(a)(s), em consequência, indefiro liminarmente a execução, absolvendo os Executados da instância executiva, com o consequente levantamento das penhoras efectuadas.»

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1.2. Inconformada, a Exequente interpôs recurso de apelação daquela decisão, formulando as seguintes conclusões:
«a. O Tribunal a quo julgou verificada a exceção dilatória inominada de falta de integração dos executados no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), com fundamento na inobservância, pela Recorrente, do ónus de alegação e prova do cumprimento das formalidades associadas ao dever de comunicação previstas nos artigos 17.º e 18.º do Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de outubro;
b. Para tanto, sustentou a sua posição na alegação de que, ao proceder ao envio de comunicações por carta simples, a Recorrente não demonstrou o efetivo recebimento das cartas pelos Recorridos;
c. O Tribunal a quo centrou o seu juízo judicativo-decisório na falta de junção de registo e/ou aviso de receção das comunicações;
d. Fazendo errada interpretação do Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de outubro quanto à definição de “suporte duradouro”;
f. Assim subvertendo o entendimento jurisprudencial dominante, segundo o qual “Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento a comunicar através de correio registado, tê-lo-ia consagrado expressamente”;
g. Acresce que, as cartas foram remetidas para o domicílio indicado pelos Recorridos nos contratos de mútuo;
h. Os mesmos não comunicaram qualquer alteração de morada;
i. No entanto, resulta dos autos que os mesmos foram citados em morada diversa;
j. Tal questão foi suscitada pela Recorrente, sem que o Tribunal a quo se tivesse pronunciado;
k. Omissão que conduziu a que não fosse promovidas as diligências necessárias, nomeadamente a audição dos Recorridos, em ordem a aferir da sua responsabilidade e/ou culpabilidade na (não) receção das cartas, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 224.º do Código Civil;
l. Termos em que impõe a revogação da sentença proferida e o prosseguimento dos embargos para realização das diligências necessárias destinadas a demonstrar o cumprimento, pela Recorrente, da sua obrigação de comunicação da instauração e extinção de PERSI em momento anterior à propositura da ação executiva, designadamente ouvindo-se os Recorridos em sede de declarações de parte.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e a substituindo por outra decisão que ordene o prosseguimento dos embargos para realização das diligências necessárias destinadas a demonstrar o cumprimento, pela Recorrente, da sua obrigação de comunicação da instauração e extinção de PERSI em momento anterior à propositura da ação executiva, procedendo-se, nomeadamente à audição, em sede de declarações de parte, dos Recorridos, fazendo, deste modo, V. Exas. a costumada JUSTIÇA».
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Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido.
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1.3. Questão a decidir

Atentas as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, suscitam-se as seguintes questões:
i) Se a obrigação de comunicação de integração e extinção de Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) pode ser realizada por carta simples;
ii) Se a Exequente efetuou as aludidas comunicações por carta simples;
iii) Na afirmativa, se as cartas podiam ser enviadas para o domicílio convencionado no contrato de mútuo, produzindo assim os seus efeitos.
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II – Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto
Além dos descritos no relatório que antecede, relevam para a apreciação das apontadas questões os seguintes factos emergentes de atos constantes do processo:
2.1.1. Em 12.12.2022, a Exequente instaurou a presente execução, tendo por base dois contratos de mútuo, datados de 29.11.2017 e 17.05.2019, subscritos pelos Executados, invocando o incumprimento dos mesmos e que «os executados foram integrados, sem sucesso, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), nos termos do DL 227/2012, de 25/10 (cfr. doc 6 a 9, que se juntam e dão por reproduzidos)».
2.1.2. Nos contratos de mútuo consta uma cláusula, respeitante a «comunicações, avisos e citação (domicílio/sede)», segundo a qual «as comunicações e os avisos escritos dirigidos pela Banco 1... aos demais contratantes serão sempre enviados para o endereço constante do presente contrato, devendo o contratante informar imediatamente a Banco 1... de qualquer alteração do referido endereço» e «as comunicações e os avisos têm-se por efetuados se só por culpa do destinatário não foram por ele oportunamente recebidos».
2.1.2. Nos contratos de mútuo foi indicado que a morada dos mutuários, ora Executados, era em «R ... ... D, ...».
2.1.4. Os Executados foram citados no dia 31.01.2024, na Rua ..., ..., ..., ... ....
2.1.5. Por despacho de 25.03.2015, foi convidado «o Exequente a juntar, em 10 dias, os comprovativos do efectivo envio das comunicações dirigidas aos Executado(a)(s) mutuários de integração no PERSI e encerramento do procedimento, juntando para tanto os registos e/ou ARs respectivos.»
2.1.6. Por requerimento de 09.04.2024, a Exequente pronunciou-se nos seguintes termos:
«Com o devido respeito e salvo melhor opinião, o nº 4 do artigo 14º do DL 227/2012, de 25 de Outubro, não exige que as comunicações de integração e fecho do PERSI sejam efectuadas por via postal registada, mas tão só em suporte duradouro, como foram (cfr. doc 6 a 9, juntos com o requerimento executivo).
Nesse sentido, veja-se, entre outros, o Ac. do TRE de 7/11/2023 (proc. nº 1998/17.5T8SLV-F.E1, em dgsi.pt) “As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do procedimento têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do DL 227/2012, de 25/10, não sendo exigível o envio de correio registado.
As referidas comunicações foram enviadas por via postal, sem registo, para a morada dos executados constante dos contratos.
Nos contratos, as partes convencionaram como domicílio convencionado a Rua ..., D, ... (cfr. cláusula 21 dos contratos juntos com o requerimento executivo)
Pelo que se as referidas comunicações não foram recebidas por estes, tal facto só a estes pode ser imputado, porquanto não comunicaram à exequente a alteração de morada, que, como aduzido, no contrato era de Rua ..., D, ..., sendo que os executados foram citados em morada diversa (Rua ..., ... ..., ... ...)».
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2.2. Do objeto do recurso

2.2.1. O Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro, instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), estabelecendo os princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários.
Segundo o preâmbulo do diploma, num quadro de degradação das condições económicas e financeiras que então se vivia, reconheceu-se a necessidade de prestar particular atenção ao «acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias».
Na vertente que releva para a apreciação do presente recurso, pretendeu-se com o referido diploma «estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam (…) a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas»[1].
O conjunto de medidas adotado enquadra-se na política mais geral de defesa do consumidor. Isso está bem presente na parte do preâmbulo em que se afirma que «o presente diploma visa, assim, promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários».
E que medidas de tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento são essas?
Desde logo, nos termos do artigo 5º, nº 2, «quando se verifique o incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, as instituições de crédito mutuantes devem providenciar pelo célere andamento do procedimento previsto nos artigos 12º a 21º», ou seja, o procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento, «de modo a promover, sempre que possível, a regularização, em sede extrajudicial, das situações de incumprimento». Essa obrigação é ainda densificada no artigo 12º, ao estabelecer que «as instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito». Portanto, resulta destas duas disposições que as instituições de crédito mutuantes devem implementar e dar andamento ao PERSI. Impõe-se-lhes uma atuação, em termos de iniciativa e de boas práticas de conduta.
Preliminarmente, nos termos do artigo 13º, no prazo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, «a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado».
Seguidamente, segundo os nºs 1 e 4 do artigo 14º, mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, «o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa» e, «no prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos eventos previstos no presente artigo, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro».
Por conseguinte, o PERSI, aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em mora ou em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, constitui uma fase pré-judicial que visa a composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, através de um procedimento que comporta três fases: (i) a fase inicial; (ii) a fase de avaliação e proposta; e (iii) a fase de negociação (arts. 14º a 17º).
Decorre do disposto no artigo 18º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 272/2012 que no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de intentar ações judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito.
De acordo com o disposto nos artigos 14º, nº 4, e 17º, nº 3, do citado Decreto-Lei, a integração no PERSI e a extinção do procedimento têm de ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente «através de comunicação em suporte duradouro», sem prejuízo dos requisitos exigíveis quanto ao conteúdo dessas comunicações.
As normas que estabelecem a obrigatoriedade das comunicações da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção deste têm carácter imperativo. Estabelecem condições objetivas de procedibilidade, que operam, na sua ausência, como exceções dilatórias atípicas ou inominadas, de natureza insuprível e de conhecimento oficioso, conduzindo, no caso de se verificarem os respetivos pressupostos, à absolvição da instância – arts. 576º, nº 2, 578º e, especificamente quanto à ação executiva, 726º, nº 2, al. b), do CPC.
Como se sintetizou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.04.2021[2] (Graça Amaral), proferido no processo nº 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, «a comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 576.º, n.º 2, do CPC)».

No caso dos autos, convidada a comprovar o «efectivo envio das comunicações dirigidas aos Executado(a)(s) mutuários de integração no PERSI e encerramento do procedimento, juntando para tanto os registos e/ou ARs respectivos», a Exequente veio defender que «o nº 4 do artigo 14º do DL 227/2012, de 25 de Outubro, não exige que as comunicações de integração e fecho do PERSI sejam efectuadas por via postal registada, mas tão só em suporte duradouro, como foram». Afirmou ter feito as aludidas comunicações por carta simples.
Analisado o regime legal, conclui-se que dos artigos 14º, nºs 2, al. a), e 4, e 17º, nº 3, do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro, apenas resulta a exigência de que as comunicações relativas à integração e extinção do PERSI sejam efetuadas «em suporte duradouro».
Mas o que é um «suporte duradouro»?
A resposta é obtida na alínea h) do artigo 3º do Decreto-Lei nº 227/2012: é «qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.»
Por conseguinte, trata-se de um documento, na definição constante do artigo 362º do Código Civil (objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar um facto). O legislador exigiu que o ato de comunicação da integração e extinção do PERSI seja documentado, representando-se a comunicação através de um meio (instrumento, na linguagem legal) que possibilite a sua reprodução integral e inalterada. O que se pretende é que exista um documento físico ou eletrónico, suscetível de acesso para leitura em momento posterior à sua elaboração, em ordem a demonstrar a realidade da comunicação e dos termos em que teve lugar.
Em lado algum se exige que a comunicação de tais factos seja efetuada por carta registada.
Ora, se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento a comunicar entre si através de correio registado, tê-lo-ia consagrado expressamente.
Portanto, a comunicação de integração no PERSI, bem como da de extinção desse procedimento, podem ser efetuadas, por exemplo, mediante o envio de carta simples ou por correio eletrónico (email). Ambos os meios podem ser qualificados como um suporte duradouro.
É essa a jurisprudência predominante:
- Acórdão da Relação do Porto de 05.11.2018 (Augusto de Carvalho), proferido no processo nº 3413/14.7TBVFR-A.P1 («I - O artigo 14º, nº 4, do DL nº 227/2012, de 25 de Outubro, exige que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro. II - O artigo 3º, alínea h), do DL nº 227/2012, define o suporte duradouro como qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas. III - Ao Exigir-se como forma da declaração uma comunicação em suporte duradouro, uma carta pode ser entendida como tal, pois, possibilita reproduzir de modo integral e inalterado o seu conteúdo. IV - Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de recepção, tê-la-ia consagrado expressamente.»);
- Acórdão do STJ de 13.04.2021 (Graça Amaral), proferido no processo nº 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1 («I - A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 576.º, n.º 2, do CPC). II - Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do art. 362.º do CC. III - Tratam-se de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada; IV - A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pela executada. Todavia tal apresentação pode ser considerada como princípio de prova do envio a ser coadjuvada com recurso a outros meios de prova. V - Consequentemente, o conhecimento imediato da referida excepção dilatória em fase de saneador com fundamento de que tal factualidade – o envio da carta de comunicação de integração no PERSI – não pode ser feita com recurso à prova testemunhal impede a possibilidade de a respectiva parte poder fazer a prova da sua alegação.»);
- Acórdão da Relação de Évora de 22.09.2021 (Manuel Bargado), proc. 173/21.9T8ENT-A.E1 («As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do DL 227/2012, de 25/10. Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente. Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de receção para cumprir a referida obrigação legal»);
- Acórdão da Relação de Évora de 15.09.2022 (Maria Domingas), proc. 193/22.6T8ELV-A.E1;
- Acórdão da Relação de Évora de 15.09.2022 (Cristina Dá Mesquita), proc. 181/19.0T8ENT.E1 («Tal «suporte duradouro» pode ser o papel mas também pode ser um meio eletrónico, como um email ou um CD-ROM. E, assim sendo, como efetivamente o é, as comunicações em causa podem ser feitas através de carta. E até através de carta simples porquanto o D/L n.º 227/2012 impõe apenas que a comunicação seja feira em “suporte duradouro”. (…) Essencial, diremos nós, é que as declarações de integração dos devedores no PERSI e a extinção deste Plano, quando é o caso, ainda que formalizadas em carta simples (como alegadamente sucedeu no caso presente) cheguem ao poder dos devedores ou se tornem deles conhecidas.»);
- Acórdão do STJ de 28.02.2023 (Manuel Aguiar Pereira), proc. 7430/19.2T8PRT.P1.S1 («I - A expressão “suporte duradouro” usada nos arts. 14.º, 15.º e 17.º, do DL n.º 227/2012, de 25-10, - diploma que criou o PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento) - é correspondente ao conceito de documento do art. 362.º do CC, pelo que a prova da existência do procedimento e dos termos em que teve lugar, desde a sua instauração à sua extinção, só pode ser feita através da sua exibição. II - Sendo o PERSI um procedimento pautado pela negociação tendente à regularização das situações de incumprimento a comunicação da sua instauração, integração dos clientes e extinção tem natureza receptícia. III - O regime criado pelo DL n.º 227/2012, de 25-10, não exige, porém, que a prova da comunicação aos destinatários dirigida para o endereço conhecido do remetente e sobre o efectivo conhecimento pelos destinatários do teor da instauração do PERSI e sua integração nele bem como da extinção do procedimento tenham lugar unicamente através de prova documental, sendo admissível o recurso complementar a outros meios de prova e a presunções judiciais nos termos do art. 351.º do CC.»);
- Acórdão da Relação do Porto de 18.05.2023 (Isoleta de Almeida Costa), proc. 38766/22.4YIPRT.P1 («A lei não exige que as comunicações da instituição bancária tenham que obedecer a qualquer formalidade, por exemplo sejam enviadas por carta registada com aviso de receção, sendo suficiente o envio de tal documentação em conformidade com o estabelecido no contrato para a comunicação entre a instituição de crédito e o cliente, nomeadamente, se assim for o caso, por carta simples para a morada do cliente contratualmente convencionada ou por email, documentação essa que deve constar do referido suporte duradouro.»);
- Acórdão da Relação de Lisboa de 01.12.2023, processo 3735/17.5T8LRS-B.L1-6 («Não fazendo o diploma legal que estabelece o regime do PERSI (DL 227/2012) qualquer exigência quanto ao modo de comunicação das declarações de inclusão no PERSI e da extinção do PERSI e quanto à respectiva eficácia, há que lançar mão das regras gerais sobre a matéria da eficácia da declaração negocial referidas no artº 224º do CC.»);
- Acórdão da Relação do Porto de 09.05.2024 (Paulo Dias da Silva), proc. 341/22.6T8LOU-A.P2 («Tal «suporte duradouro» pode ser o papel, mas também pode ser um meio electrónico, como um email ou um CD-ROM. E, assim sendo, como efectivamente o é, as comunicações em causa podem ser feitas através de carta. E até através de carta simples porquanto o D/L n.º 227/2012 impõe apenas que a comunicação seja feita em “suporte duradouro”.»);
- Acórdão da Relação de Lisboa de 23.01.2025 (Gabriela de Fátima Marques), proc. 7758/23.7T8LSB-A.L1-6 («a integração no PERSI e a sua extinção devem ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente “através de comunicação em suporte duradouro” (cfr. arts. 3, al. h), 14, nº 4, e 17, nº 3, do DL 227/2012, de 25.10), o que inclui, designadamente, o papel (uma carta remetida pelo correio neste caso para o domicílio electivo) ou até um e-mail, quanto à sua recepção pelos destinatários»);
- Acórdão da Relação de Lisboa de 13.02.2025 (Arlindo Crua), proc. 22137/16.4T8SNT.L1-2 («I – Quer a integração no PERSI, quer a extinção de tal procedimento, têm de ser comunicadas pela instituição credora ao cliente, o que deve ser efectivado “através de comunicação em suporte duradouro” – cf., artºs, 14º, nº. 4 e 17º, nº. 3, ambos do DL227/2012, de 25/10 -, para além dos requisitos exigíveis quanto ao conteúdo de tais comunicações; II - tais comunicações – de integração do PERSI e de extinção deste – constituem-se como condições de admissibilidade da acção executiva, determinando a sua falta excepção dilatória inominada insuprível, de oficioso conhecimento, determinante da extinção da instância – cf., o nº. 2, do artº. 576º, do Cód. de Processo Civil; III – as mesmas comunicações constituem-se como declarações receptícias, sendo ónus da instituição de crédito/exequente demonstrar o seu cumprimento/existência, que passa pela demonstração do seu envio e respectiva recepção por parte dos mutuantes/executados, em virtude de consubstanciarem condição indispensável para o exercício do direito que aquela pretende fazer valer»)
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2.2.1. Assente que a comunicação de integração dos Executados no PERSI, bem como a de extinção do procedimento, podia ser efetuada através de carta simples, outra questão se suscita: a Exequente demonstrou nos autos essa efetiva comunicação?
A resposta não pode deixar de ser negativa.

A título liminar, faz-se notar que a comunicação de integração no PERSI é, a nosso ver, uma declaração recetícia[3] (art. 224º, nº 1, 1ª parte, do Código Civil[4]), isto é, uma declaração que carece de ser dada a conhecer ao destinatário. Por isso, torna-se eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida. O destinatário ficará ainda vinculado se a declaração só por sua culpa não foi por si oportunamente recebida (nº 2 do art. 224º).
A natureza recetícia da declaração da instituição de crédito emerge com meridiana clareza das normas constantes dos artigos 14º, nºs 1, al. a), e 4, e 17º, nº 3, do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro, pois exige-se uma efetiva comunicação ao cliente bancário e até se prevê que a «integração ocorre na data em que [o cliente bancário] recebe a referida comunicação».
Também é pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, que cabe à instituição de crédito o ónus de provar que efetuou as comunicações legalmente previstas no âmbito do PERSI (acórdão do STJ de 28.02.2023, relatado por Manuel Aguiar Pereira, proc. 7430/19.2T8PRT.P1.S1). Com efeito, se a lei exige que a integração dos clientes bancários no PERSI e a extinção do mesmo lhes sejam devidamente comunicadas em suporte duradouro (cf. artigos 14º, nº 4, e 17º, nº 3, do Decreto-Lei 227/2012) e essas comunicações constituem uma condição indispensável para o exercício do direito da instituição de crédito, é sobre esta que recai o ónus da prova desses factos, em conformidade com a regra que se extrai do disposto no artigo 342º, nº 1, do CCiv.

Posto isto, no caso em apreciação, depois de o Executado BB ter deduzido oposição à execução mediante embargos, onde alegou que «a Exequente nem sequer alega que enviou as comunicações que anexa, tampouco que o Executado rececionou as missivas que junta aos autos» (como a própria Recorrente refere nas suas alegações), a Mma. Juiz, na execução, com fundamento em se tratar de «uma questão prévia» e que «apenas pode ser provada por documento», convidou a Exequente «a juntar, em 10 dias, os comprovativos do efectivo envio das comunicações dirigidas aos Executado(a)(s) mutuários de integração no PERSI e encerramento do procedimento, juntando para tanto os registos e/ou ARs respectivos.»
A Exequente não juntou qualquer documento, para além daqueles que apresentou com o requerimento executivo, nem indicou outro meio de prova.
Sendo assim, em primeiro lugar, nem sequer está sequer demonstrado o envio de qualquer carta aos Executados, designadamente para a morada destes indicada nos dois contratos de mútuo. Sendo questões diferentes a forma da comunicação e a demonstração desta, a prova da comunicação faz-se através da reprodução da informação constante do suporte duradouro a que alude a alínea h) do artigo 3º do Decreto-Lei nº 227/2012, e este não demonstra qualquer comunicação da Exequente aos Executados.
Na verdade, a Exequente apenas juntou aos autos documentos escritos, sendo que no recurso (páginas 4 a 6) invocou quatro documentos escritos, que designa de cartas, dois deles intitulados «Incumprimento - Abertura de PERSI» e os outros dois onde se alude a que «o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) foi extinto». Como bem realça o Tribunal a quo, no âmbito dos embargos de executado, tais documentos foram impugnados. E foi na sequência de tal impugnação que a Mma. Juiz, na execução, convidou a Exequente a demonstrar o envio das comunicações relativas à integração no PERSI e ao encerramento do procedimento.
Como se alerta no acórdão da Relação de Lisboa de 07.06.2018 (Pedro Martins), proferido no processo 144/13.9TCFUN-A.L1-2, «se num processo judicial se diz que uma declaração receptícia foi feita e enviada, se exige logo, naturalmente, a prova disso através de uma certidão de uma notificação avulsa, ou de um a/r, ou de um registo e aviso, ou pelo menos de um elemento objectivo qualquer (por exemplo, uma referência, não impugnada, numa carta posterior à carta em causa).» No fundo, o problema não reside na forma da comunicação, mas na demonstração da efetiva transmissão da declaração, na medida em que não basta a afirmação sobre o envio da mesma.
A Exequente limitou-se a apresentar cópias de alegadas cartas. Não provou o envio de tais cartas aos Executados e, muito menos, a sua receção por estes.
Só estando provado o envio se poderia discutir se as comunicações apenas por culpa dos Executados não foram por si recebidas (terceira questão objeto do recurso, cujo conhecimento fica assim prejudicado).
Não estando provado que as cartas chegaram ao poder dos destinatários, a Exequente também não alegou – nem demonstrou – que as comunicações eram deles conhecidas, designadamente por terem existido negociações ou tal conhecimento resultar de alguma declaração emitida pelos Executados.
Mais, a Exequente não indicou qualquer meio de prova a fim de demonstrar o envio das comunicações aos Executados, pelo que está impossibilitada de demonstrar o facto cujo ónus da prova sobre si recaía.
Apenas agora, na fase de recurso, preconiza a audição dos «Recorridos em sede de declarações de parte», «em ordem a aferir da sua responsabilidade na (não) receção das cartas, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 224.º do Código Civil»[5].
A prestação de “declarações de parte” é obviamente uma questão nova, não suscitada perante o Tribunal recorrido e insuscetível de ser conhecida pelo Tribunal de recurso.
Por último, importa realçar que a decisão integra duas dimensões. Uma mais ampla, que é a falta de demonstração pela Exequente «de ter procedido às legais comunicações à contraparte devedora, em observância dos seus deveres de informação e até protecção do devedor/cliente/consumidor, o que sempre teria de passar, para além do mais, pela demonstração da notificação aos Executado(a)(s) quanto às invocadas abertura e encerramento do PERSI». Outra mais específica, que é a falta de junção do «registo do envio das referidas missivas»[6].
Parece-nos evidente que não tendo a Exequente demonstrado, seja por que meio de prova for, o envio das alegadas cartas que juntou com o requerimento executivo, torna-se inconsequente a questão de na decisão recorrida também se ter entendido que essa prova só podia ser feita através do registo do envio daquelas cartas. Se a Exequente não indicou qualquer meio de prova para demonstrar o envio das cartas, seja por carta simples ou mediante correio registado, carece de relevância prática a segunda dimensão apontada, bem como apreciar se se está perante uma prova vinculada[7]. Não está provado o envio, tout court, das cartas, pelo que a verificação da falta de condição de procedibilidade é manifesta e tem a consequência apontada na decisão recorrida.
Concluindo: como se sumariou no acórdão do STJ de 19.05.2020 (Maria Olinda Garcia), processo nº 6023/15.8T8OER-A.L1.S1, «1. A instituição de crédito que move ação executiva contra o mutuário consumidor, que se encontra em mora, tem o ónus de demonstrar que cumpriu as obrigações impostas pelos artigos 12º e seguintes do DL n. 227/2012, que prevê o regime jurídico do PERSI. 2. Enquanto o mutuante não proporcionar ao devedor consumidor a oportunidade para encontrar uma solução extrajudicial, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da dívida, não lhe é permitido o recurso à via judicial para fazer valer o seu crédito (como se extrai do art. 18º daquele diploma). 3. O cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da ação executiva movida por uma entidade financeira contra um devedor consumidor, cuja ausência se traduz numa exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância».

Termos em que improcede a apelação.
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2.3. Sumário
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III – Decisão

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a suportar pela Recorrente.
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Guimarães, 15.05.2025
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
Alcides Rodrigues
Ana Cristina Duarte


[1] São da nossa autoria os sublinhados e outras formas de ênfase constantes das transcrições feitas no presente acórdão.
[2] Disponível para consulta, tal como todos os demais arestos que se citam no presente acórdão, em www.dgsi.pt.
[3] Todos os acórdãos citados no texto assim o consideram.
[4] Utilizaremos a abreviatura CCiv.
[5] Meio de prova que não é sugerido para obter a confissão do envio das cartas, mas apenas a mudança de morada por parte dos Executados.
[6] Essas duas dimensões começaram por ser evidenciadas no despacho que convidou a Exequente a provar a condição de procedibilidade. Por um lado, a Exequente foi convidada «a juntar, em 10 dias, os comprovativos do efectivo envio das comunicações dirigidas aos Executado(a)(s) mutuários de integração no PERSI e encerramento do procedimento» e, por outro, a juntar «para tanto os registos e/ou ARs respectivos.» Explicitou-se então que «a prova da integração no PERSI constitui uma prova vinculada, ela apenas poderá fazer-se por documento – suporte duradouro».
[7] A questão genérica da falta de prova da comunicação por qualquer meio absorve a questão mais específica da prova mediante apresentação dos registos do correio.