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ADMINISTRAÇÃO DE CONDOMÍNIO
FALTA DE CUMPRIMENTO DOS DEVERES
LEGITIMIDADE PASSIVA
Sumário
Assentando a causa de pedir invocada pelos autores, no que concerne a um dos pedidos, em danos patrimoniais por si sofridos em consequência, também, da violação pela 2ª ré dos seus deveres funcionais, de vigiar e conservar o prédio que então administrava, bem como de não ter convocado a assembleia de condóminos para deliberar sobre a realização de obras que evitariam ou atenuariam aqueles danos, tem necessariamente de concluir-se que a 2ª Ré é parte legítima, enquanto titular da relação material controvertida configurada pelos autores, a qual emerge da responsabilidade civil por atos que, alegadamente, deixou de praticar e que deveria ter praticado.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório 1.1. AA e mulher, BB, CC e DD propuseram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Condomínio do Prédio sito na Rua ..., ..., ... ... e a sociedade EMP01..., Lda.,formulando os seguintes pedidos: «• Condenar-se as Rés a pagar aos A.A. a quantia total de 9.610,50€ (nove mil seiscentos e dez euros e cinquenta cêntimos) a título de danos patrimoniais, divididos da seguinte forma: 1. 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a pagar ao 1.º Autor. 2. 1.660,50€ (mil seiscentos e sessenta euros e cinquenta cêntimos) a pagar à 2.ª Autora. 3. 450,00€ (quatrocentos e cinquenta euros) a pagar à 3.ª Autora. • Ser as Rés condenadas a efectuar as reparações necessárias no telhado e/ou fachada do prédio, em prazo razoável, nunca superior a 6 meses, • Ser as Rés condenadas ao pagamento de 100,00€ por cada dia de atraso no início das obras necessárias, a título de sanção pecuniária compulsória. • Condenar-se as Rés a pagar aos AA. A quantia de 2.000,00€ (dois mil euros) a títulos de danos não patrimoniais, divididos da seguinte forma: 1. A quantia de 1.000,00€ (mil euros) a título de danos não patrimoniais, a pagar aos 1.º Autores, referente à fração .... 2. A quantia de 500,00€ (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, a pagar à 2.ª Autora, referente à fração .... 3. A quantia de 500,00 (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, a pagar à 3.ª Autora, referente à fração ... • Todos os valores acrescidos de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.»
Para o efeito, alegam ser proprietários das frações autónomas ..., ... e ... do prédio, do qual a 2ª Ré é a administradora, e que este padece de defeitos no telhado e na cobertura, partes comuns do edifício, nomeadamente deficiente extração das águas pluviais e inexistência de correta impermeabilização da cobertura e telhado do prédio, o que se repercute nas frações dos Autores, por a água se infiltrar e ter causado os danos patrimoniais que descrevem nas frações de que são proprietários, maxime na sequência de chuvas intensas registadas em 30 de maio e 2, 3, 8 e 9 de junho de 2023, inviabilizando, ademais, o uso do elevador.
Mais alegam que a situação e os danos foram comunicados ao Condomínio e à Ré EMP01..., então administradora, e que nenhum dos Réus respondeu ou prestou qualquer esclarecimento e também não foi convocada a assembleia de condóminos requerida pelos Autores.
Sustentam que até que a origem das infiltrações esteja reparada, não podem os Autores reparar as suas frações, cujos danos continuam a agravar-se, pelo que deve o réu condomínio ser condenado a realizar as obras na cobertura e telhado no prazo de 6 meses.
Alegam ainda que a inércia dos Réus vem causando aos Autores danos consubstanciados na vivência de transtornos e incómodos, desgosto de ver as suas frações danificadas, preocupações sempre que chove, impedimento de usar as divisões mais afetadas e os constantes receios de curto-circuito, sendo que os 1ºs Autores têm estado a viver em casa dos sogros do Autor marido, que dista cerca de 100 km do seu local de trabalho.
Mais alegam que «se verifica um concurso de responsabilidades entre as Rés». Por um lado, por se tratar de atos urgentes e de obras conservação de partes comuns, deveriam ter sido imediatamente ordenados pelo Réu condomínio, atenta a sua obrigação. Por outro lado, a «2.ª Ré, administradora de condomínio da 1.ª Ré, tinha plena consciência da necessária realização urgente de obras no telhado e/ou fachada», «tendo sido exposto e demonstrado fotograficamente o que aqui se apresenta» e «sendo os presentes danos considerados como reparações indispensáveis e urgentes de acordo com o art.º 1427.º do CC», «sobre esta recai um dever de vigilância» e «teve conhecimento dos danos e da necessidade de obras e mesmo assim não encetou qualquer diligência para que estas se realizassem», bem como «também a 2.ª Ré não cumpriu com a sua obrigação de proceder à convocação de Assembleia extraordinária de condóminos para deliberação das obras de reparação.»
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Os Réus contestaram, tendo a 2ª Ré invocado a sua ilegitimidade por ter deixado de exercer funções de administradora em ../../2023, passando essas funções a ser desempenhadas pela sociedade EMP02..., Lda., pelo que não tem qualquer interesse em contradizer a presente ação, uma vez que também não tem qualquer legitimidade para vincular o Réu Condomínio.
Os Autores exerceram o contraditório, alegando que a ação foi propositadamente proposta quer contra o Condomínio quer contra a Ré EMP01..., Lda., por esta, enquanto administradora de condomínio à data dos factos, não ter cumprido variadas obrigações, evidenciadas na petição inicial.
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1.2. Dispensada a audiência prévia, no despacho saneador, considerou-se:
«Neste âmbito, cumpre, efetivamente, assinalar que da análise da PI ressalta que, não obstante a invocação da qualidade de administradora da ré do Condomínio réu, a verdade é que, ao longo do articulado, os autores vão aludindo à falta de colaboração (artigo 38º), à inércia (artigos 39º, 40º, 96), que lhes provocaram transtorno, incómodo e angústia, pelo que peticiona a condenação em indemnização pelos danos não patrimoniais, além de danos patrimoniais provocados pela infiltração de águas pluviais.
(…) Ou seja, a ré EMP01... está nos presentes autos por si, impondo-se referir que só por atos a si respeitantes pode ser demandada. No que tange aos danos patrimoniais, mutatis mutandis, dir-se-á que efetivamente o titular da relação material controvertida é o condomínio que a ré EMP01... já não representa, mas já não assim quanto aos danos não patrimoniais que decorrem de comportamentos da própria ré, adotados enquanto administradora e reportados a um momento em que tinha tal qualidade, afigurando-se que a demanda desta, tendo presente a forma como foi articulada a factualidade, foi a título pessoal e não na qualidade de Administradora do Condomínio, o que implica se reconheça, quanto aos pedidos formulados sob as três primeiras alíneas do petitório, a procedência da exceção dilatória de ilegitimidade passiva, com a consequente absolvição da ré EMP01... da instância, quanto a tais pedidos, o que não sucede quanto ao pedido formulado sob a quarta alínea do Petitório e juros.»
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1.3. Inconformado, o Réu Condomínio interpôs recurso de apelação daquela decisão, formulando as seguintes conclusões:
«A. Não se pode conformar o Recorrente Condomínio com douto despacho saneador, na parte em que este absolve a Ré EMP01... da Instância quanto ao pedido formulado sob a primeira alínea do petitório por procedência parcial da exceção dilatória de ilegitimidade passiva.
B. Do alegado na petição inicial e restantes articulados, resulta a omissão de deveres e o incumprimento de funções exclusivas da Administração do Condomínio da altura, a Ré EMP01..., o que leva à responsabilidade civil desta e em consequência à obrigação desta no ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais causados, causa de pedir e pedido tal como configurado pelos Autores.
C. Ainda que os prejuízos patrimoniais alegadamente causados aos Autores tenham eventual origem nas partes comuns (cobertura e/ou fachadas) da titularidade do Recorrente, os mesmos não teriam ocorrido (ou pelo menos não se teriam verificado com agravamento) caso fossem realizadas obras urgentes ou obras num curto hiato temporal e/ou a Ré EMP01... tivesse atuado diligentemente e cumprido as suas funções legalmente estabelecidas bem como a execução das deliberações.
D. Foi a alegada conduta da Ré EMP01... por omissão que levou ao aparecimento e/ou agravamento dos danos nas frações dos Autores, portanto, dos danos patrimoniais e por essa razão é a mesma também (juntamente com o Recorrente o que se aceita para apuramento em sede de julgamento) sujeito da relação material controvertida no que diz respeito aos referidos prejuízos, tal como estabelecido pelos Autores.
E. Naquela qualidade e, em virtude da sua conduta, poder ser responsável pelo ressarcimento dos danos, quer patrimoniais quer não patrimoniais, alegadamente causados aos Autores, a Ré EMP01... tem “o interesse em contradizer” manifestado pelo prejuízo que da procedência da ação advenha para esta.
F. Não existe qualquer ilegitimidade passiva da Ré EMP01... no que diz respeito aos danos patrimoniais reclamados, não devendo ser absolvida da instância quanto à primeira alínea do petitório.
G. Ao decidir que existe ilegitimidade passiva da Ré EMP01... quanto aos danos patrimoniais absolvendo-a da instância da primeira alínea do pedido, o douto despacho saneador violou os artigos 30º, 576º e 577ºe) todos do Código de Processo Civil.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido.
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1.4. Questão a decidir
Atentas as conclusões do recurso interposto pelo Réu Condomínio, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, incumbe decidir se na petição inicial foram alegados factos reveladores de interesse em contradizer por parte da 2ª Ré quanto ao primeiro pedido deduzido na ação.
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II – Fundamentos
2.1. Fundamentação de facto
Relevam para a apreciação do objeto do recurso as incidências processuais mencionadas em I.
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2.2. Do objeto do recurso
Nos termos do artigo 30º, nº 1, do CPC[1], o autor é parte legítima quando tem interesse em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse em contradizer.
No que respeita ao réu, o interesse em contradizer exprime-se pelo prejuízo que lhe advenha da procedência da ação – art. 30º, nº 2, 2ª parte.
Como critério supletivo para casos de dúvida, estabelece-se no nº 3 do artigo 30º que «na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor.
Por conseguinte, o réu será sempre parte legítima se for sujeito da relação controvertida tal como a configurou o autor.
Não detendo atualmente, desde ../../2023, a qualidade de administrador do prédio em propriedade horizontal, é manifesto que a 2ª Ré nunca poderia ser condenada nos pedidos deduzidos sob os pontos 2 e 3 do petitório, relativos à realização de obras no prédio e ao pagamento de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no início de tais obras. Sobre a 2ª Ré não recai qualquer obrigação de realizar obas num prédio que já não administra e relativamente ao qual não detém qualquer direito real. A aludida obrigação não recai sobre ela, seja por si ou como substituto processual.
Por isso, e muito bem, decidiu-se na primeira instância julgar a 2ª Ré parte ilegítima quanto a tais pretensões, prosseguindo contra essa Ré apenas relativamente ao quarto pedido (danos não patrimoniais), decisão que nessa parte o 1º Réu não contesta.
O que o Réu Condomínio impugna é, apenas, a decisão de julgar a 2ª Ré parte ilegítima quanto ao primeiro pedido, relativo aos alegados danos patrimoniais sofridos pelos Autores.
Na petição inicial, relativamente aos ditos danos, os Autores configuraram uma situação de concurso de responsabilidades entre os Réus.
Quanto ao 1º Réu, a responsabilidade configurada pelos Autores emerge da obrigação de realizar as obras de conservação que evitariam os danos patrimoniais que alegadamente os Autores sofreram. Isto porque a realização de obras urgentes de reparação das partes comuns em ordem a evitar danos em frações autónomas do edifício incumbe ao condomínio, enquanto conjunto composto por todos os condóminos, contitulares dos direitos relativos a essas partes comuns e responsáveis pela respetiva conservação e reparação.
Não parece haver dúvidas sobre a responsabilidade do condomínio pela reparação dos danos resultantes de infiltrações de água provenientes de partes comuns, bem como sobre a reparação das deficiências registadas nas próprias partes geradoras de infiltrações nas frações autónomas.
No que respeita à obrigação de realização obras de conservação e reparação das partes comuns e de indemnização pelos danos causados, se tivéssemos que resumir o regime jurídico aplicável, diríamos que responde pela sanação das deficiências nas estruturas que permitiram a ocorrência das infiltrações, bem como pelos danos causados pelas mesmas, quem tem a obrigação de zelar pela sua conservação.
Essa responsabilidade emerge, em primeira linha, do artigo 493º, nº 1, do CCiv, onde se dispõe: «Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.» Anote-se que, nos termos do nº 1 do artigo 492º do CCiv, o proprietário ou possuidor de edifício ou obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados; segundo o nº 2 desse artigo, «a pessoa obrigada, por lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obras responde, em lugar do proprietário ou possuidor, quando os danos forem devidos exclusivamente a defeito de conservação.»
Na qualidade de proprietário da fração, o condómino responde pela violação dos deveres de conservação do seu imóvel e dos danos que daí advierem para os restantes vizinhos. No entanto, a responsabilidade é do condomínio quando os danos tiverem a sua origem em partes comuns do edifício.
Como cada condómino é comproprietário das partes comuns do edifício (art. 1420º, nº 1, parte final, do CCiv) e não lhe é lícito renunciar a uma parte do edificado que seja comum, assim se desonerando «das despesas necessárias à sua conservação ou fruição» (art. 1420º, nº 2, CCiv), nenhum dos condóminos se pode alhear das despesas necessárias à fruição de todas as partes comuns.
Cabe aos condóminos, na proporção do valor das suas frações, suportar os custos com «as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício» - art. 1424º, nº 1, do CCiv. Por isso, a oneração de todos os condóminos, isto é, do condomínio, com a realização destas obras extrai-se do apontado preceito.
Mas vejamos onde se funda o dever de zelar pelas partes comuns do edifício.
A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador (art. 1430º, nº 1, do CCiv).
Do confronto do regime jurídico do nº 1 do artigo 1430º com o do artigo 1436º, ambos do CCiv, extrai-se que a assembleia de condóminos é o órgão deliberativo do condomínio e o administrador é o órgão executivo daquela assembleia. De harmonia com o primeiro preceito citado, os poderes da assembleia circunscrevem-se a poderes de administração das partes comuns do edifício. Quanto ao administrador, enquanto órgão executivo da assembleia de condóminos, a lei atribui-lhe competência própria para praticar os atos que se encontram especificados, de modo não taxativo, no artigo 1436º, designadamente o de «realizar os atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns» (al. g)), o que abrange tanto os atos materiais destinados à defesa da integridade das coisas comuns, como os atos necessários à defesa dos direitos relativos aos bens comuns. No âmbito da referida primeira categoria de atos, o administrador tem competência própria para realizar as reparações normais ou correntes (de gestão corrente) nas partes comuns do edifício, necessárias a assegurar o seu uso, gozo e conservação, incluindo a manutenção da sua segurança, salubridade e arranjo estético, e aquelas que se assumam como indispensáveis e urgentes (nº 1 do art. 1427º do CCiv), assumindo esta qualificação «as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas» (nº 2 do art. 1427º). Quaisquer outras reparações ou questões que exorbitem do apontado âmbito de gestão corrente, são atos da competência da assembleia.
Competindo aos órgãos administrativos do condomínio a administração das partes comuns, naturalmente que isso implica a obrigação de garantir a normal conservação e fruição das partes comuns, desde logo a utilidade defensiva contra humidades (infiltrações de água) de elementos como a cobertura ou as fachadas. Esse dever de atuação tem uma componente de prevenção e outra de conservação ou manutenção do edificado, enfim de reparação para manter a respetiva utilidade, isto é, desempenhar a sua função.
Por isso, é pacífico que sobre o condomínio, o mesmo é dizer os seus órgãos, recai o dever de zelar pela conservação e manutenção das partes comuns do edifício, vigiando o edificado.
O encargo com a reparação das deficiências que surjam nas partes comuns cabe a todos os condóminos, isto é, ao condomínio. Se essas deficiências causarem danos nas frações autónomas, também o condomínio é responsável pela respetiva reparação.
Mas na petição inicial os Autores também configuraram uma corresponsabilidade da 2ª Ré relativamente aos danos patrimoniais alegadamente por si sofridos.
Isso é bem patente no alegado nos artigos 87º a 97º da petição inicial, que se passam a transcrever:
«87. A 2.ª Ré, administradora de condomínio da 1.ª Ré, tinha plena consciência da necessária realização urgente de obras no telhado e/ou fachada. 88. Tendo sido exposto e demonstrado fotograficamente o que aqui se apresenta. 89. Ora, é obrigação do administrador, nos termos do art.º 1436.º, n.º 1, al. g) do CC, realizar os atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns. 90. Acrescentando o art.º 492.º, n.º 2 do CC que a pessoa obrigada por lei a conservar o edifício ou obra responde, em lugar do proprietário ou possuidor, pelo menos quando os danos forem devidos exclusivamente a defeito de conservação. 91. Sendo os presentes danos considerados como reparações indispensáveis e urgentes de acordo com o art.º 1427.º do CC. 92. Neste sentido, e tal como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-11-2022, proc. n.º 1000/22.5T8OER.L1-2, o administrador de condomínio pode ser responsabilizado por não ter procedido à reparação de obras urgentes dos defeitos de conservação das partes comuns das quais advém os danos. 93. Uma vez que sobre esta recai um dever de vigilância. 94. Teve conhecimento dos danos e da necessidade de obras. 95. E mesmo assim não encetou qualquer diligência para que estas se realizassem. 96. Por outro lado, também a 2.ª Ré não cumpriu com a sua obrigação de proceder à convocação de Assembleia extraordinária de condóminos para deliberação das obras de reparação. 97. Pelo que se verifica um concurso de responsabilidades entre as Rés.»
Resulta do excerto transcrito que os Autores imputam à 2ª Ré a violação do «dever de vigilância», de estar perfeitamente ciente «da necessária realização urgente de obras no telhado e/ou fachada» e, mesmo assim, não ter «encet[ado] qualquer diligência para que estas se realizassem», em especial, procedendo «à convocação de Assembleia extraordinária de condóminos para deliberação das obras de reparação», ou seja, nada fazendo no sentido de evitar, conter ou atenuar a produção de danos patrimoniais aos Autores.
Não vamos aqui desenvolver exaustivamente o regime da responsabilidade do administrador pelo incumprimento dos seus deveres, até porque isso é questão atinente ao mérito da ação e que depende do resultado probatório que venha a ser produzido, mas importa dar nota de que sobre o administrador recai a obrigação de convocar a assembleia de condóminos (al. a) do art. 1436º do CCiv) e de «intervir em todas as situações de urgência que o exijam, convocando de imediato assembleia extraordinária de condóminos para ratificação da sua atuação» (al. r). Mais, nos termos do nº 3 do artigo 1436º do CCiv[2], «o administrador de condomínio que não cumprir as funções que lhe são cometidas neste artigo, noutras disposições legais ou em deliberações da assembleia de condóminos é civilmente responsável pela sua omissão, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal, se aplicável.
Do descrito regime, e bem assim do nº 2 do artigo 492º do CCiv, decorre que o administrador que não cumpra as suas funções fica constituído na obrigação de indemnizar os lesados por danos resultantes desse seu comportamento omissivo, sejam eles o próprio condomínio, um terceiro ou um condómino.
De todo o exposto resulta que no caso de se verificar a produção de danos a terceiro ou a qualquer dos condóminos, decorrentes de um comportamento omissivo do condomínio ou do respetivo administrador, ocorrerá uma situação de concurso de responsabilidades, aplicando-se o regime de solidariedade estabelecido no artigo 497º, nº 1, do CCiv[3].
Assentando a causa de pedir invocada pelos Autores, no que concerne ao primeiro pedido, em danos patrimoniais por si sofridos em consequência, também, da violação pela 2ª Ré dos seus deveres funcionais, de vigiar e conservar o prédio que então administrava, bem como de não ter convocado a assembleia de condóminos para deliberar sobre a realização de obras que evitariam ou atenuariam aqueles danos, argumentando expressamente que se verificam os pressupostos da aplicação dos artigos 1436º, nº 1, al. g), 492º, nº 2, e 1427º, todos do CCiv, conclui-se que a 2ª Ré é parte legítima, pois tem interesse em contradizer, atento o prejuízo que da procedência da ação, quanto ao 1º pedido, lhe advém. A 2ª Ré é titular da relação material controvertida configurada pelos Autores, a qual emerge da responsabilidade civil por atos que, alegadamente, deixou de praticar e que deveria ter praticado.
Termos em que procede a apelação.
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2.3. Sumário …
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III – Decisão
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se procedente o recurso, revoga-se a decisão recorrida na parte em que considerou verificada a ilegitimidade da Ré EMP01..., Lda., no que concerne ao primeiro pedido, e julga-se improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva deduzida pela referida Ré quanto àquele pedido.
Custas a suportar pela Recorrida EMP01....
Joaquim Boavida
Maria Luísa Duarte Ramos
José Carlos Dias Cravo
[1] São do Código de Processo Civil todas as normas que se citarem sem indicação da respetiva fonte. [2] A atual redação deste artigo foi introduzida pela Lei nº 8/2022, de 10/01, e entrou em vigor a 10.04.2022. O nº 3 do art. 1436º foi introduzido pela dita Lei. [3] Neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos da Relação do Porto de 23.04.2018 (relator Jorge Seabra), proferido no processo 972/14.8T8GDM.P1, e de 18.03.2024 (Miguel Baldaia de Morais – processo 1348/21.6T8PVZ.P1), da Relação de Lisboa de 10.11.2022 (Pedro Martins – processo 1000/22.5T8OER.L1-2) e de 10.09.2024 (Luís Filipe Pires de Sousa – processo 18465/18.2T8LSB.L1-7).