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INDEMNIZAÇÃO POR BENFEITORIAS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário
I - O direito à indemnização do valor das benfeitorias está sujeito ao prazo geral da prescrição de 20 anos previsto no artigo 309º do Código Civil. II - O prazo de prescrição de três anos estabelecido no artigo 482º do Código Civil aplica-se apenas para o exercício do direito à restituição fundado no enriquecimento sem causa, o que aliás decorre da redação do mesmo, sendo inaplicável ao direito à indemnização por benfeitorias. III - O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (artigo 306º n.º 1 do Código Civil), ou seja, quanto ao direito à indemnização do valor das benfeitorias, quando ocorre a cessação da relação ou vinculo jurídico que liga o titular do direito à indemnização das benfeitorias à coisa onde as realizou, e consequente entrega desta. IV - Pretendendo os Autores que as benfeitorias que alegam ter feito há mais de 20 anos em prédio dos pais da Autora e da Ré sejam declaradas passivo da herança aberta por óbito dos mesmos e reconhecido um crédito a seu favor, e não resultando alegado que algum pedido de restituição e entrega do imóvel (que ocupam desde 2000) lhes tivesse sido dirigido, seja em vida dos pais, seja já após a abertura da sucessão, o direito à indemnização das benfeitorias, não podendo ser exercido em momento anterior, apenas com a partilha da herança passa a puder ser exercido e se inicia, pelo que, não está prescrito.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório AA e marido BB, intentaram, em 23 de janeiro de 2024, a ação declarativa, com processo comum, n.º 72/24.2T8EPS-A.G1 contra CC e marido DD pedindo que as benfeitorias sejam declaradas passivo da herança aberta por óbito dos pais da Autora e Ré e reconhecido um crédito a favor dos Autores e bem assim relacionado no processo de inventário pendente, e/ou, em consequência, condenados os Réus a pagar aos Autores o referido valor, a título de indemnização pelas benfeitorias realizadas.
Para tanto alegam, em síntese, que Autores e Réus são interessados no inventário por óbito de seus pais e sogros, que corre termos pelo processo 41/20...., no Juízo de Competência Genérica de Esposende, J....
Que os Autores, com dinheiro seu, fruto do seu trabalho, procederam, entre 1996 e 2000, a obras de beneficiação do prédio relacionado sob a verba nº 2 do referido inventário, descrito como prédio urbano, sito no lugar ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...20, da freguesia ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...40, o qual proveio do artigo ...78 urbano da extinta freguesia ..., nomeadamente construindo todo o primeiro andar, o que fizeram com o conhecimento e aval dos pais da Autora, bem como da sua irmã, ora Ré.
Que até à realização das obras a casa era apenas composta por um piso de rés-do-chão, conforme alvará de licença de obras n.º ...78 de 1982 emitido pela Câmara Municipal ... e que através do alvará n.º ...6, emitido pela Câmara Municipal ... a casa foi ampliada em mais um piso.
Mais alegam que tais obras estão incorporadas no prédio e não podem ser levantadas sem detrimento do referido prédio, e que aumentaram o valor do mesmo, que foi avaliado, no processo de inventário, no montante de €229.089,00, conferindo um valor de aumento do prédio em, pelo menos, €90.000,00.
A Ré CC apresentou contestação invocando a exceção da prescrição do crédito invocado pelos Autores e alegando em síntese que foram efetivamente realizadas obras no identificado prédio entre 1996 e 1999, mas as obras foram realizadas pelos seus pais com dinheiro deles e com dinheiro da Ré, tendo os Autores eventualmente contribuído com uma importância insignificante e com algum trabalho.
Mais alega que os Autores vivem no imóvel, que ocupam em exclusivo, nomeadamente o primeiro andar, desde o ano de 2000, sem pagar qualquer renda e se tivessem pago contrapartida pelo uso que vêm fazendo teriam pago o montante equivalente a €106.000,00, valor com que se locupletaram à custa da herança, pelo que se tivessem qualquer crédito sobre os autores da herança estava extinto por compensação.
A Ré conclui entendendo que deve a ação ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se a mesma do pedido.
Foi proferido despacho (ref. ...33) que determinou a remessa dos autos ao Juízo Central Cível da comarca de Braga, por ser o competente em razão do valor.
Foi proferido despacho a determinar a notificação dos Autores para, querendo, se pronunciarem quanto à exceção perentória de prescrição invocada pela Ré na contestação.
Os Autores vieram pronunciar-se no sentido de que a exceção de prescrição deve ser julgada improcedente.
Foi proferido despacho saneador e julgada improcedente a exceção de prescrição.
Inconformada, apelou a Ré concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“I. A lei não distingue o crédito por benfeitorias dos outros créditos nem estabelece nenhum processo específico para o seu reconhecimento e cobrança.
II. O inventário é apenas um dos meios onde pode ser pedido o reconhecimento de um crédito seja de benfeitorias seja de outra natureza qualquer, podendo o mesmo ser obstado aí pela prescrição.
III. A instauração de inventário não é requisito para a reclamação de crédito por benfeitorias nem faz nascer esse crédito.
IV. Nem a morte nem o inventário constituem causa de novação de divida.
V. O caso dos autos não tem qualquer paralelo com os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães e do Supremo Tribunal de Justiça invocados na decisão recorrida.
VI. A benfeitoria feita por herdeiro ou mesmo por terceiro em imóvel da herança não tem comparação com a benfeitoria feita pelo casal casado no regime da comunhão de adquiridos, na pendência do matrimónio num imóvel próprio de um dos um dos cônjuges.
VII. Errou a decisão recorrida ao apreciar e julgar no despacho saneador a não prescrição do crédito de benfeitorias reclamado pela ré.
VIII. Violou a decisão recorrida entre outros o disposto nos artigos 304º, 298º , 309º e 482º do Código Civil.
IX. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente substituindo-se a decisão recorrida por outra que julgue extinto por prescrição o crédito dos autos ou caso se entenda que os autos não permitam nesta fase concluir pela prescrição ou não que relegue esse conhecimento para final”.
Pelo Autores e apelados AA e BB foi apresentada resposta onde entendem que deverá a presente apelação ser julgada improcedente e, em consequência, ser confirmada a decisão proferida no despacho saneador pelo tribunal recorrido, com todos os efeitos legais.
Pelo Tribunal a quo foi admitido o recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do Objeto do Recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).
A questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente é a de saber se deve declarar-se extinto, por prescrição, o crédito invocado pelos Autores ou, caso se entenda que os autos não permitam nesta fase concluir pela prescrição, se deve ser relegado esse conhecimento para final.
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III. Fundamentação
Insurge-se a Recorrente contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo na parte em que julgou improcedente a exceção de prescrição.
Começamos por relembrar aqui, antes de mais, o teor da decisão recorrida (na parte respeitante à prescrição):
“(…) Prescrição A ré CC veio invocar a prescrição do direito dos autores, porquanto já decorreram mais de vinte anos desde que foram realizadas as benfeitorias que alegam que efectuaram no prédio da herança. O art. 1098º nº6 e 7 do Cód. de Processo Civil estabelece o regime das benfeitorias que tenham sido realizadas em vida do inventariado. Este preceito determina que as benfeitorias pertencentes à herança são descritas em espécie quando possam separar-se sem detrimento do prédio em que foram realizadas ou como simples crédito, no caso contrário. As benfeitorias realizadas por terceiros em prédio da herança são descritas como dívidas quando não possam ser levantadas sem detrimento por quem as efectuou. O legislador distinguiu entre as benfeitorias realizadas pelo inventariado num prédio de um terceiro e as benfeitorias realizadas por um terceiro num prédio do inventariado. O herdeiro que realizada benfeitorias num prédio do inventariado é um terceiro relativamente à herança. Assim, o herdeiro tem o direito a levantar as benfeitorias ou, quando não possam ser levantadas sem detrimento, a ser pago pelo respectivo valor, o que consiste numa dívida da herança que deve ser incluída como passivo na relação de bens, nos termos do art. 1098º nº3 do Cód. de Processo Civil. Este direito não se confunde com o direito a exigir do inventariado o valor das benfeitorias. Trata-se de um direito distinto que surge com a abertura da sucessão e a partilha da herança e que deve ser exercido no inventário. Neste sentido pode ver-se o Ac. da Relação de Guimarães de 25 de Novembro de 2021, de acordo com o qual 'as benfeitorias feitas por terceiros ou mesmo por um herdeiro em bens da herança, que não possam ser por eles levantadas, deverão figurar na relação de bens; (…) o inventário é o lugar próprio para o efeito, caso em que o mapa da partilha contemplará a situação'. Estando em causa um direito que apenas pode exercido na partilha da herança é a partir desta que deve contar-se o prazo de prescrição. Com efeito, antes da partilha o herdeiro não podia exercer este direito, pelo que o prazo de prescrição não se iniciou, como determina o art. 306º nº1 do Cód. Civil. Atendendo a que a partilha da herança não se iniciou há mais de vinte anos, não se verifica a prescrição que foi invocada pela ré. Pelo exposto, decido julgar improcedente a excepção peremptória de prescrição que foi invocada pela ré”.
As incidências fáctico-processuais a considerar são as descritas no relatório e na decisão recorrida, designadamente que:
1) Autores e Réus são interessados no inventário por óbito de seus pais e sogros, que corre termos pelo processo 41/20...., no Juízo de Competência Genérica de Esposende, J....
2) Entre 1996 e pelo menos 1999 foram realizadas obras no prédio urbano, sito no lugar ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...20, da freguesia ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...40, o qual proveio do artigo ...78 urbano da extinta freguesia ..., nomeadamente construindo todo o primeiro andar.
3) Tal prédio foi relacionado sob a verba n.º 2 no inventário referido em 1).
4) Até à realização das obras a casa era apenas composta por um piso de rés-do-chão, conforme alvará de licença de obras n.º ...78 de 1982 emitido pela Câmara Municipal ....
5) Através do alvará n.º ...6, emitido pela Câmara Municipal ... a casa foi ampliada em mais um piso.
6) Os Autores vivem no imóvel, que ocupam em exclusivo, nomeadamente o primeiro andar, desde o ano de 2000, sem pagar renda.
7) Os Autores intentaram, em 23 de janeiro de 2024, a ação declarativa, com processo comum, n.º 72/24.... (a que os presentes autos correm por apenso) contra a aqui Recorrente e marido.
Apreciemos então a questão suscitada e já delimitada.
Pelo Tribunal a quo foi considerado tratar-se de um direito que surge com a abertura da sucessão e a partilha da herança e que deve ser exercido no inventário, sendo a partir da partilha da herança que deve contar-se o prazo de prescrição, uma vez que antes da partilha o herdeiro não podia exercer este direito, pelo que não se tendo iniciado a partilha da herança há mais de vinte anos, não se verifica a prescrição.
É contra este entendimento que se insurge a Recorrente sustentando, no essencial, que a morte não constitui causa de novação de divida, seja ela um crédito por empréstimo ou pela realização de benfeitorias, que um crédito que se encontre prescrito não renasce com o inventário por óbito do devedor e que um crédito por benfeitorias, prescreve ao fim de três anos a partir do momento em que possa ser exigido, nos termos do artigo 482º do Código Civil.
Entende a Recorrente que mesmo considerando o crédito dos autos como um crédito por benfeitorias, num imóvel ainda que sujeito à partilha, teria de ser pedido no prazo de três anos nos termos do artigo 482º do Código Civil, a contar da sua construção tratando-se de benfeitorias feitas simplesmente por um herdeiro, antes da abertura da sucessão e de ir viver para o prédio e, no caso de benfeitoria feita pelo herdeiro comodatário, teria de ser feita ou no próprio inventário ou no limite, fora deste, no prazo máximo de três anos após o início do inventário, estando, em qualquer caso, prescrito o crédito invocado pelos Autores.
Vejamos então se lhe assiste razão.
O artigo 2024º do Código Civil (de ora em diante designado apenas por CC) define a sucessão como “o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam”, sendo que não constituem objeto de sucessão as relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do respetivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei, podendo ainda extinguir-se à morte do titular, por vontade deste, os direitos renunciáveis (cfr. artigo 2025º do CC).
A herança de uma pessoa é, assim, “constituída pelos direitos patrimoniais deixados pelo inventariado e que não se extinguem com a respetiva morte, isto é, a herança é aquilo que é suscetível de ser transmitido para os herdeiros e ser objeto da partilha” (Acórdão da Relação do Porto de 04/07/2024, Processo n.º 2225/20.3T8VFR-B.P1, Relator Aristides Rodrigues de Almeida, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, Autores e Réus são interessados no inventário por óbito de seus pais e sogros, que corre termos pelo processo 41/20...., no Juízo de Competência Genérica de Esposende, J..., e do património dos inventariados fazia parte o prédio urbano, sito no lugar ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...20, da freguesia ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...40, o qual proveio do artigo ...78 urbano da extinta freguesia ..., relacionado no processo de inventário sob a verba n.º 2.
Nesse prédio, entre 1996 e pelo menos 1999 (sendo que os Autores alegam ter procedido às obras entre os anos de 1996 e 2000) foram realizadas obras, nomeadamente a construção de todo o primeiro andar e os Autores nele vivem desde o ano de 2000, sem pagar renda.
Na ação, os Autores alegam que essas obras de beneficiação do prédio foram realizadas com dinheiro seu, fruto do seu trabalho e pretendem que as benfeitorias sejam declaradas passivo da herança e reconhecido um crédito a seu favor e bem assim relacionado no processo de inventário e/ou condenados os Réus a pagar aos Autores o valor, a título de indemnização pelas benfeitorias realizadas, que configuram como úteis e necessárias, e que sustentam que não podem ser levantadas sem detrimento do prédio.
Conforme decorre dos autos, na data em que as obras foram efetuadas os pais da Autora e da Ré ainda eram vivos, pelo que as mesmas foram efetuadas em imóvel pertença do património do casal.
Nos termos do artigo 216º do CC consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa (n.º 1), as quais podem ser necessárias, úteis ou voluptuárias (n.º 2); são benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante (n.º 3).
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume III, 2ª Edição Revista e Atualizada (Reimpressão), Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 163) “[a] benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela (…) São assim benfeitorias os melhoramentos feitos na coisa pelo proprietário, pelo antigo enfiteuta, pelo possuidor (…), pelo locatário (…), pelo comodatário (…) e pelo usufrutuário (…); são acessões os melhoramentos feitos por qualquer terceiro, não relacionado juridicamente com a coisa, podendo esse terceiro ser um simples detentor ocasional”.
Para Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, p. 273 a 275) as benfeitorias são “as despesas para melhorar uma coisa ainda que não seja senão preservando-a de ser perdida, destruída ou deteriorada. Podem estas despesas corresponder a trabalhos ou obras de vária ordem realizadas na própria coisa bonificada.”
São, assim, benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa e úteis as que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, lhe aumentam, todavia, o valor.
Como refere Manuel de Andrade, as benfeitorias úteis apesar de dispensáveis, todavia aumentam o valor objetivo da coisa, que é o valor venal, o valor que a coisa tem no comércio e que pode realizar-se com a sua alienação, já as benfeitorias voluptuárias são as que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante, são as que aumentam o valor subjetivo (“hoc sensu”) da coisa, enquanto servem apenas para gozo ou regalo de quem as faz (ob. e pgs. cit.).
De qualquer modo, o artigo 1098º n.ºs 6 e 7 do CPC, estabelecendo o regime das benfeitorias que tenham sido realizadas em vida do inventariado, determina que as benfeitorias pertencentes à herança são descritas em espécie, quando possam separar-se sem detrimento do prédio em que foram realizadas, ou como simples crédito, no caso contrário, e que as benfeitorias realizadas por terceiros em prédio da herança são descritas como dívidas quando não possam ser levantadas sem detrimento por quem as efetuou.
O legislador, tal como bem se afirma na decisão recorrida, distinguiu entre as benfeitorias realizadas pelo inventariado num prédio de um terceiro e as benfeitorias realizadas por um terceiro num prédio do inventariado, sendo que o herdeiro que realiza benfeitorias num prédio do inventariado é também considerado um terceiro relativamente à herança.
Assim, se o herdeiro realizou benfeitorias em prédio da herança tem o direito a levantar as benfeitorias ou, se estas não puderem ser levantadas sem detrimento, a ser pago pelo respetivo valor, o que consiste, neste caso, numa dívida da herança que deve ser incluída como passivo na relação de bens.
É nesta última previsão que se enquadra o direito invocado pelos Autores, em conformidade com o por si alegado. In casu, para apreciação e decisão da questão que nos ocupa em nada releva determinar neste momento que tipo de benfeitorias estarão em causa, sendo certo que mesmo a sua realização pelos Autores se mostra neste momento ainda controvertida.
O que importa determinar é se o crédito invocado pelos Autores, decorrente das alegadas benfeitorias, se mostra prescrito, o que contende com a definição de dois pontos essenciais: qual o prazo de prescrição que deve ser considerado e a partir de que momento se deve iniciar a contagem desse prazo. Vejamos.
Conforme decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 298º do CC estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição; a prescrição para ser eficaz necessita de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público (artigo 303º do CC) e, completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (n.º 1 do artigo 304º do CC).
A este propósito esclarece Carlos Alberto da Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição Atualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1988, p. 374) que “[o] beneficiário da prescrição, completada esta, pode recusar o cumprimento da prestação ou opor-se ao exercício do direito prescrito. No entanto, se o devedor, beneficiário da prescrição, tiver cumprido espontaneamente a obrigação prescrita (ignorando ou não a prescrição), o credor goza da soluti retentio, não podendo o obrigado repetir o que haja prestado (cfr. art. 304.º)”. Isto porque, como já sabemos, as dívidas prescritas passam a constituir obrigações naturais.”
Assim, decorrido o prazo da prescrição, o devedor pode, se quiser, opor-se à pretensão do titular do direito e recusar-se a cumprir, sem ter de usar de outro meio de defesa para alem da simples invocação do decurso do tempo, começando o prazo de prescrição a correr a partir do momento em que o direito podia ser exercido (cfr. artigo 306º n.º 1 do CC).
O prazo ordinário da prescrição é de 20 anos (cfr. artigo 309º do CC) e o direito à indemnização por benfeitorias necessárias e úteis está também sujeito, em nosso entender, a esse prazo ordinário de prescrição e não, conforme pretende a Recorrente nas suas alegações, ao prazo de 3 anos previsto no artigo 482º do CC.
Nos termos deste preceito o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento.
Contudo, o prazo especial de três anos estabelecido neste preceito aplica-se apenas para o exercício do direito à restituição fundado no enriquecimento sem causa, o que aliás decorre da redação do mesmo, sendo inaplicável, em nosso entender, ao direito à indemnização por benfeitorias pretendido pelos Autores.
Trata-se, quanto a este, como referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume III, ob. cit. p. 163), de “um direito de natureza creditória, sujeito, como tal, ao prazo ordinário de prescrição. A remissão que, relativamente às benfeitorias úteis, o n.º 2 do artigo 1273º faz para o regime do enriquecimento sem causa vale apenas para o cálculo do montante indemnizatório, sendo inaplicável a regra prescricional do artigo 482º (neste sentido, acórdão do S.T.J., de 15 de Janeiro de 1981, no B. M. J., n.º 303, págs. 236 e segs)”. Neste sentido se pronunciam também, entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 16/04/2012 (Processo n.º 9427/09.1TBVNG-A.P1, Relator Augusto de Carvalho), da Relação de Coimbra de 20/04/2016 (Processo n.º 663/15.2T8CLD.C1, Relator Fonte Ramos), desta Relação de Guimarães de 10/09/2013 (Processo n.º 533/11.3TBAVV-A.G1, Relatora Maria da Purificação Carvalho), da Relação de Évora de 15/04/2021 (Processo n.º 1104/19.1T8PTG-A.E1, Relator Mário Coelho) e da Relação de Lisboa de 19/12/2024 (Processo n.º 1174/20.0T8ALM.L1-2, Relator Pedro Martins), todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
Tendo por assente que o direito à indemnização do valor das benfeitorias está sujeito ao prazo geral da prescrição de 20 anos previsto no referido artigo 309 do CC, importa agora definir a partir de que momento é que o mesmo se inicia, tendo como regra geral que o mesmo começa a correr quando o direito puder ser exercido nos termos do disposto no referido n.º 1 do artigo 306º do CC.
Como se explica no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/02/2021 (Processo n.º 5354/18.0T8LSB.L1.S.1, Relator João Cura Mariano, disponível para consulta em www.dgsi.pt), citando António Menezes Cordeiro (Código Civil Comentado I Parte Geral, Almedina, 2020, p. 887), “na determinação do início do prazo de prescrição há dois sistemas possíveis: o objetivo e o subjetivo. Pelo sistema objetivo, o prazo começa a correr logo que o direito possa ser exercido ... E isso independentemente de o titular ter conhecimento da sua existência ou dispor de meios para o exercer. Este sistema era tradicional. As injustiças a que pode dar azo sãocompensadas pelo facto de comportar prazos longos e de jogar com o substituto da suspensão da prescrição. Pelo sistema subjetivo, o prazo prescricional só se inicia quando o credor tenha conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito. Postula em regra prazos curtos (…) o nosso sistema jurídico acolheu o princípio que, sendo a prescrição o efeito da inação do titular do direito, o respetivo prazo deve iniciar-se quando esse direito se encontre apto a ser exercido, a qual se encontra plasmada no artigo 306.º do Código Civil, mantendo-se a solução que já constava do artigo 536.º do Código de Seabra”.
Ali se esclarece “que o princípio deve ser que o início da prescrição não é impedido pela ignorância do titular sobre a existência do direito e sobre a sua titularidade. Embora não haja então negligência do titular, ou possa não a haver, sempre há inércia da sua parte e a parte contrária não deve ficar à mercê da ignorância do titular, a qual, de resto, pode prolongar-se por muito tempo: não pode então dizer-se que a prescrição se funda numa presunção de renúncia ao direito, mas, como se viu, a razão de ser da prescrição não é só essa, intervindo também outras considerações e, entre elas, a da vantagem da segurança jurídica”.
Quanto às razões de ser da prescrição, como ensina Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Facto Jurídico, em Especial Negócio Jurídico, Almedina, Coimbra. 1987, 7.ª reimpressão, p. 445 e segs) “segundo a doutrina dominante o fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de proteção jurídica (…). Outras razões, porém, se costumam invocar, num plano secundário, para justificação do instituto prescricional: 1) Uma consideração de certeza ou segurança jurídica, a qual exige que as situações de facto que se constituíram e prolongaram por muito tempo, sobre a base delas se criando expectativas e se organizando planos de vida, se mantenham, não podendo ser atacadas por antí-jurídicas. 2) Proteger os obrigados, especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova a que estariamexpostos no caso de o credor vir exigir o que já haja, porventura, recebido. O devedor pode realmente ter pago sem exigir recibo, ou pode tê-lo perdido. 3) Exercer uma pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efetivação, quando não queiram abdicar deles.”
A relevância do decurso do tempo como causa extintiva de direitos não tem como único fundamento sancionar a inércia negligente do seu titular, antes atendendo também a razões referentes à paz e à segurança jurídica do devedor, pelo que não podendo, em regra, estes interesses ficar na dependência de qualquer impedimento relativo à pessoa do credor, designadamente a sua ignorância sobre a existência do direito, consagrou-se no artigo 306º do CC como regra geral aplicável aos prazos de prescrição o referido sistema objetivo, estabelecendo-se que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, sendo irrelevante o eventual desconhecimento pelo titular do direito da sua existência.
Assim, iniciando-se o prazo da prescrição a partir do momento em que o titular do direito o pode exercer, qual então o momento que deve considerar-se como inicio do prazo de prescrição do direito à indemnização do valor das benfeitorias: a partir da sua realização/construção ou quando o seu titular tem conhecimento de que lhe é pedida a entrega do bem onde elas foram feitas?
Entendemos que o prazo de prescrição se inicia a partir do momento em que o titular do direito o pode exercer, ou seja, quando lhe é pedida a entrega do bem onde elas foram feitas (v. o citado Acórdão da Relação de Lisboa de 19/12/2024), e não a partir da sua realização/construção.
Como já vimos, as benfeitorias (que assim se distinguem da acessão) consistem em melhoramentos feitos por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, seja pelo proprietário, pelo possuidor, pelo locatário, pelo comodatário ou pelo usufrutuário; ora, só com a cessação dessa relação ou vinculo jurídico e consequente entrega da coisa se pode afirmar que o direito à indemnização das benfeitorias pode ser exercido.
Como afirmam a este propósito Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume III, ob. cit. p. 43, em anotação ao artigo 1273º) “[o] direito do possuidor à indemnização das benfeitorias necessárias e úteis só pode ser exercido quando o proprietário reivindica triunfantemente a coisa, sendo como que um contradireito relativamente à pretensão reivindicatória”.
Relativamente às benfeitorias necessárias e úteis realizadas pelo possuidor prevê expressamente o artigo 1273º do CC que tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela (n.º 1), e quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa (n.º 2).
Assim, existindo direito à indemnização por benfeitorias feitas pelo possuidor (tanto de boa fé como o de má fé), o mesmo apenas pode ser invocado quando o possuidor se veja na contingência de ver a coisa reivindicada pelo proprietário e de ter de proceder à sua entrega.
Quanto ao comodatário [possuidor precário nos termos do artigo 1253º, alínea c), do CC], é equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de má fé (cfr. artigo 1138º do CC), com direito a ser indemnizado pelas benfeitorias necessárias que haja feito na coisa e pelas benfeitorias úteis que não possam ser levantadas sem detrimento desta.
Por isso, e da mesma forma, relativamente ao comodatário que realize benfeitorias na coisa que lhe foi entregue por força do contrato de comodato o direito à indemnização só surge, ou pode ser exercido, com a cessação do comodato e com a restituição da coisa. E o mesmo se poderá referir relativamente ao locatário, que é também equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada (cfr. artigo 1046º do CC, ainda que no caso dos autos a situação do locatário não releve diretamente uma vez que nada se mostra alegado que permita concluir pela existência de um contrato de arrendamento).
Assim, tendo por base o que acabou de se expor, considerando que está em causa o prazo geral da prescrição de 20 anos e que este começa a correr quando o direito puder ser exercido, ou seja, com a cessação da relação ou vinculo jurídico que liga o titular do direito à indemnização das benfeitorias à coisa onde as realizou, e consequente entrega desta, importa agora analisar o caso concreto.
Vejamos.
Os Autores vieram alegar como fundamento da sua pretensão que, com o conhecimento e aval dos pais da aqui Autora, bem como de sua irmã, aqui Ré, procederam entre os anos de 1996 e 2000, a obras de beneficiação na casa de habitação que pertenceu a seus pais, nomeadamente com a construção total do primeiro andar da casa que não existia.
Resulta já assente nos autos que efetivamente entre 1996 e pelo menos 1999 foram realizadas obras no prédio urbano, sito no lugar ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...20, da freguesia ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...40, o qual proveio do artigo ...78 urbano da extinta freguesia ..., nomeadamente construindo todo o primeiro andar, o qual foi relacionado sob a verba n.º 2 no inventário instaurado por óbito de seus pais e sogros, que corre termos pelo processo 41/20...., no Juízo de Competência Genérica de Esposende, J....
Mostra-se ainda controvertido, neste momento, saber se tais obras foram feitas pelos Autores com dinheiro seu, fruto do seu trabalho, como alegam, mas tal não releva para o conhecimento da exceção de prescrição.
Por outro lado, resulta dos autos (aliás alegado pelos próprios Réus) que os Autores vivem efetivamente no imóvel em questão, que ocupam em exclusivo, nomeadamente o primeiro andar, desde o ano de 2000, sem pagar renda.
Tendo os Autores intentado a ação declarativa, com processo comum, n.º 72/24.... contra a aqui Recorrente, e marido, em 23 de janeiro de 2024, decorreram efetivamente mais de 20 anos sobre a alegada realização das benfeitorias.
Porém, e como já vimos, não entendemos que o prazo prescricional de 20 anos comece a correr a partir da sua realização, antes se iniciando apenas com a cessação da relação ou vinculo jurídico que liga o titular do direito à indemnização das benfeitorias à coisa onde as realizou, e consequente entrega desta.
Ora, in casu, nada resulta demonstrado, porque nem sequer alegado, que alguma vez os falecidos pais da Autora e da Ré, em vida, tivessem pedido aos Autores a restituição e entrega do imóvel onde as alegadas benfeitorias foram feitas, fosse porque tivessem reivindicado o imóvel dos Autores, enquanto possuidores, fosse porque tivessem pedido aos mesmos a sua restituição e entrega enquanto comodatários (sendo que em face dos factos alegados se nos afigura ser de enquadrar juridicamente a situação dos Autores na ocupação do imóvel, no contrato de comodato – contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa móvel ou imóvel para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir, artigo 1129º do CC).
Por outro lado, a própria Recorrente alega na contestação que a Autora continua a usufruir, até então, do imóvel, não constando também dos presentes autos qualquer manifestação de vontade da sua parte em oposição ao uso do imóvel pelos Autores e nem ao seu uso exclusivo (na contestação apenas é apenas questionado que fazem, e fizeram, esse uso sem pagar qualquer renda).
De referir ainda que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 2074º do CC (direitos e obrigações do herdeiro em relação à herança), o herdeiro conserva, em relação à herança, até à sua integral liquidação e partilha, todos os direitos e obrigações que tinha para com o falecido, à exceção dos que se extinguem por efeito da morte deste.
Assim, e no caso concreto, considerando que o prazo da prescrição se inicia apenas com a cessação da relação ou vinculo jurídico que liga o titular do direito à indemnização das benfeitorias à coisa onde as realizou, e subsequente entrega desta, não resultando dos autos que algum pedido de restituição e entrega do imóvel que ocupam tivesse sido dirigido aos Autores, seja em vida dos pais da Autora e da Recorrente, seja já após a abertura da sucessão (que se abre momento da morte do seu autor – cfr. artigo 2031º do CC - sendo que aberta a sucessão foram chamadas à titularidade das relações jurídicas dos falecidos pais a Autora e a Ré), não pode concluir-se sequer que se tenha iniciado o prazo da prescrição pois, como vimos, o prazo da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido.
Do exposto decorre, em nosso entender, que no caso concreto o direito à indemnização das benfeitorias invocado pelos Autores, não podendo ser exercido em momento anterior (e, por isso, não tendo começado a correr o prazo de prescrição), apenas com a partilha da herança passa a puder ser exercido e se inicia, pelo que, o direito não está prescrito.
Não se mostrando violadas as normas legais invocadas pela Recorrente e não merecendo censura a decisão recorrida, impõe-se, pois, concluir pela improcedência do recurso, sendo a Recorrente responsável pelas custas em face do seu decaimento (artigo 527º do CPC).
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SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil):
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Guimarães, 15 de maio de 2025 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária
Raquel Baptista Tavares (1ª Adjunta) Ana Cristina Duarte (2ª Adjunta) António Figueiredo de Almeida (Relator, vencido nos termos da declaração junta);
VOTO DE VENCIDO
A prescrição é uma forma particular de extinção de direitos, pelo que se o titular do direito não o exercer durante um certo tempo previsto na lei, o mesmo extingue-se por via da prescrição ou da caducidade.
Considerando a data em que tais benfeitorias terão sido efetuadas – entre 1996 e 2000 – bem como o facto de os pais da autora e da ré, nessa ocasião, estarem vivos (cfr. os averbamentos constantes dos testamentos juntos com a contestação da ré), tal significa que ainda não havia herança, pelo que tais obras terão sido efetuadas em imóvel pertença ao património do casal, pais da autora e ré.
Relativamente ao momento do início do prazo da prescrição, estabelece o artigo 306º nº 1 Código Civil que “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.”
Refere-se no Acórdão do STJ de 22 de setembro de 2016, no processo 125/06.9TBMMV-C.C1.S1, relatado pelo Conselheiro António Joaquim Piçarra, disponível em www.dgsi.pt que, “como assinala António Menezes Cordeiro [Tratado de Direito Civil, V, 2ª edição revista e atualizada, Almedina, 2015, pág. 202 e seg.], o início do prazo é inquestionavelmente «fator estruturante do próprio instituto da prescrição, dele dependendo, depois, todo o desenvolvimento subsequente, existindo, a tal propósito, no Direito comparado dois grandes sistemas: o objetivo e o subjetivo».
O primeiro «é tradicional, dá primazia à segurança e o prazo começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que disso tenha ou possa ter o respetivo credor, sendo compatível com prazos longos». O segundo privilegia, porém, a justiça, iniciando-se o prazo apenas «quando o credor tiver conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito e joga com prazos curtos».
Nesta matéria, o art.º 306º, nº 1, do Cód. Civil, adotou o sistema objetivo, que, como atrás se salientou, dispensa qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição «quando o direito puder ser exercido», sendo que a injustiça a que tal sistema possa dar lugar é temperada pelas regras atinentes à suspensão e interrupção da prescrição (art.ºs 318º a 327º, do Cód. Civil). A expressão constante daquela disposição (art.º 306º, nº 1, do Cód. Civil), “quando o direito puder ser exercido” deve ser interpretada no sentido de o prazo de prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular o poder atuar, portanto desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação [Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2ª edição, pág. 83], isto é, ocorre a partir do momento em que o credor tem a possibilidade de exigir do devedor que realize a prestação devida e, uma vez iniciado o prazo de prescrição de qualquer direito, a respetiva contagem prossegue a menos que ocorra qualquer suspensão ou interrupção (art.ºs 318º e segs. do Cód. Civil), não relevando sequer a sua transmissão (art.º 308º, nºs 1 e 2, do Cód. Civil).”
Conforme refere o Professor Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 10ª Edição, a páginas 626, o prazo da prescrição conta-se “… do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.”
Não se vê que existisse qualquer impedimento ao início do prazo de prescrição a partir do momento em que as referidas obras cessaram, isto é, a partir de 2000, sendo certo que tendo falecido os anteriores proprietários do imóvel em questão, os herdeiros (a autora e a ré), subingressam na posição jurídica que aqueles ocupavam e, como consequência da aceitação da herança, os efeitos de tal aceitação retrotraem ao momento da abertura da sucessão (artigo 2050º Código Civil), o que significa que não existe qualquer solução de continuidade temporal no decurso do prazo de prescrição iniciado em 2000.
Importa notar que o prazo de prescrição em causa é de 20 anos (artigo 309º Código Civil), por não se integrar em qualquer das situações previstas nos artigos 310º e 311º Código Civil.
Relativamente ao início do prazo de prescrição, refere-se na decisão recorrida que está em causa um direito que apenas pode ser exercido na partilha da herança, baseando-se no acórdão do STJ de 21/04/2022, no processo nº 463/13.4TMMTS-B.P1.S1, mas não parece que assim seja.
Aí, no acórdão referido, a dúvida que se colocava era a de saber se, para determinar se ocorreu ou não a extinção do direito a compensação por benfeitorias, por prescrição, o prazo de prescrição começava a correr a partir do trânsito em julgado da sentença de divórcio, que determina a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, ou apenas da liquidação e partilha, por se tratar de direito apenas exigível com a partilha, tendo-se entendido que era o momento da partilha que devia relevar.
No caso que nos ocupa, não há qualquer questão relativa às relações patrimoniais entre os cônjuges, mas, antes, uma questão relacionada com um eventual crédito sobre um imóvel pertença dos pais e sogros dos autores, relativo à realização de benfeitorias, no mesmo, entre 1996 e 2000, altura em que aqueles pais e sogros estavam vivos, tratando-se de saber se tendo dado entrada em juízo a petição em 23/01/2024, a que acima nos referimos e em que é pedida a condenação dos réus (sendo a ré irmã da autora e ambas co-herdeiras do património dos pais) no pagamento de tais benfeitorias, se tal crédito já prescreveu.
No caso que nos ocupa inexiste qualquer disposição legal que impeça o início do curso da prescrição com o fim da realização das obras (benfeitorias) – no caso, a construção total do primeiro andar do imóvel – em 2000, dado o direito estar em condições (objetivas) de o titular o poder atuar, sendo possível exigir do(s) devedor(es) o cumprimento da obrigação, devendo ser este o início do prazo de prescrição, dado que em 2020 ter-se-á concluído tal prazo, pelo que face à data da entrada da petição em juízo em 23/01/2024 tem de se concluir que o invocado crédito se extinguiu, por prescrição.
Face ao exposto, entendo que a apelação teria de ser julgada procedente e, em consequência, julgar-se verificada a exceção perentória de prescrição, declarando extinto o invocado crédito dos autores, assim se revogando o despacho recorrido.