I- O direito de remição, nas vendas por propostas em carta fechada pode ser exercido até á emissão do titulo de transmissão do bem ao proponente ou no prazo de cinco dias contados do termo do prazo do proponente faltoso, ou seja, do termo do prazo para este depositar o preço oferecido (artº 843, nº1 al. a) do C.P.C.).
II-O exercício deste direito deve ser acompanhado do depósito do preço e da indemnização que seja devida se o direito não tiver sido exercido no acto de abertura das propostas (artº 825, nº3 do C.P.C.) sem o qual este requerimento não poderá ser atendido, salvo nos casos especialmente previstos na lei (artº 843, nº2 do C.P.C.).
III- A circunstância de ainda não ter sido emitido título de transmissão, não permite que o remidor possa vir sucessiva e indefinidamente apresentar novos requerimentos para exercício do direito ou efectuar o depósito do preço em momento posterior ao legalmente definido, pois que ao magistrado cabe sempre verificar o cumprimento dos pressupostos de admissibilidade da concreta pretensão apresentada.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Recorrente: AA
Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves
Juízes Desembargadores Adjuntos: Hugo Meireles
Luís Manuel Carvalho Ricardo
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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
***
“(…) Pode, porém, causar prejuízos ao proponente. E causa-os, decerto, se a remição for exercida depois do acto de abertura e aceitação das propostas e do depósito, pelo proponente, da totalidade do preço da venda, como sucede in casu. (artº 824 nº 2 do nCPC).
Para reparar esses prejuízos, o remidor, quando actue, naquele condicionalismo, e pretenda exercer o direito de remição, deve depositar, além da totalidade do valor do preço, o acréscimo de 5% para indemnização do proponente (artº 843 nº 2, 2ª parte, do nCPC).
“O direito de remição, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 842º do CPC, pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que documenta a venda, e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, sendo condição de validade do exercício do direito.”
(acórdão do TRG de 10-02-2022, local citado)
1 – Se o remidor pretender exercer o direito após a abertura e aceitação de propostas em carta fechada terá de fazer acompanhar a sua declaração de um comprovativo do depósito da totalidade do preço (acrescido de 5% para indemnização do proponente preterido que já tenha feito o depósito do preço), sob pena de a sua declaração não poder produzir os efeitos pretendidos.
2 – Perante a falta de pagamento, o administrador de insolvência estava legitimado a determinar que a remição ficasse sem efeito e, consequentemente, a aceitar a proposta apresentada pelo arrematante e a concluir o acto de venda.
(acórdão do TRE de 3-05-2024; www.dgsi.pt)
In casu pretende a progenitora do cabeça de casal exercer o direito de remição, mas não procedeu, como se impunha, ao manifestar tal propósito, ao pagamento das quantias devidas.
Assim, indefere-se o seu pedido.”
“1. A recorrente é mãe do interessado nos autos de inventário, CC.
2. Fez disso prova nos autos, juntando para o efeito a certidão de nascimento do seu filho.
3. O bem imóvel objecto da venda por proposta em carta fechada é propriedade daquele e da sua ex-mulher.
4. Foi apresentada uma única proposta de aquisição pelo preço de 151.600 € (cento e cinquenta e um mil e seiscentos euros).
5. A ora recorrente, invocando e comprovando ser mãe de CC, requereu:
“Em face do exposto, requer que lhe seja deferido o pedido de remição e que lhe seja remetida a declaração para liquidação dos respectivos impostos e ordenado o que tem de fazer adequado com vista ao pagamento do preço.
Mais requer que lhe seja comunicada para a sua morada, acima indiciada, a data e local para outorga da escritura ou do contrato de compra e venda através de DPA”.
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6. Nesse momento não depositou o preço.
7. Fê-lo no requerimento de 13.11.2024, com a refª 3784150, juntando para o efeito o comprovativo do depósito do preço e da indemnização de 5%.
8. Nesse momento não havia sido emitido título de transmissão a favor do proponente.
9. O então requerido tem a sua consagração no disposto no artigo 843º nº 1 al. a) e nº 3 do C.P.C.
10. E segue o entendimento, acertado, do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26.10.2023, cujo sumário se deixou transcrito no antedito requerimento.
Assim:
11.Ao abrigo do disposto no art. 843°, n° 1, al. a), do CPC, no caso de venda por propostas em carta fechada, o direito de remição pode ser exercido até à emissão do título de transmissão dos bens para o proponente.
12. O depósito da totalidade do preço e da indemnização de 5%, enquanto condições de validade e eficácia do direito de remição, podem verificar-se posteriormente à declaração da intenção de exercer o direito, desde que ocorram dentro do prazo no qual é ainda lícito exercer o direito de remição.
13. A recorrente, ao contrário do decidido, exerceu o seu direito de remir dentro do prazo para o fazer e, como impõe a lei processual, depositou o preço e a indemnização devida.
14. A decisão em crise violou assim o disposto no artigo 843°, n° 1, al. a), do CPC.
15. Deve assim ser revogada e substituída por outra que reconheça à recorrente o direito de remir na venda operada nos autos.
Assim se fazendo JUSTIÇA.”.
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QUESTÕES A DECIDIR
Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]
Nestes termos, a única questão a decidir que delimita o objecto deste recurso, consiste em apurar se:
a) Se o depósito do preço para exercício do direito de remissão pode ser feito em momento posterior à apresentação do requerimento de remição, desde que em data anterior à emissão do título de transmissão.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A este respeito, resulta do disposto no artº 843 do C.P.C. que:
“1 - O direito de remição pode ser exercido:
a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º;
(…)
2 - Aplica-se ao remidor, que exerça o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.º, com as adaptações necessárias, bem como o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 825.º, devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5 % para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º, e aplicando-se, em qualquer caso, o disposto no artigo 827.º.”
Por sua vez, decorre do disposto no artº 825, nº3 do C.P.C. que
“3 - O preferente que não tenha exercido o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas pode efetuar, no prazo de cinco dias, contados do termo do prazo do proponente ou preferente faltoso, o depósito do preço por este oferecido, independentemente de nova notificação, a ele se fazendo a adjudicação.”
Quer isto dizer que o direito de remição, nas vendas por propostas em carta fechada pode ser exercido até á emissão do titulo de transmissão do bem ao proponente ou no prazo de cinco dias contados do termo do prazo do proponente faltoso, ou seja, do termo do prazo para este depositar o preço oferecido.
O exercício deste direito deve ser acompanhado do depósito do preço e da indemnização de 5% por tal direito não ter sido exercido no acto de abertura das propostas.
Como se defendeu já no acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 14-12-2020[3], na modalidade da venda por propostas em carta fechada, deve seguir-se o seguinte regime:
“(i) Quando o direito de remição é exercido no ato de abertura e aceitação das propostas, o remidor deve apresentar nesse momento, como caução, um cheque visado no montante correspondente a 5 % do valor anunciado ou garantia bancária no mesmo valor (cfr. artigo 824.º/1) e se for aceite alguma proposta, o remidor é notificado para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, a totalidade ou a parte do preço em falta (cfr. artigo 824.º/2).
Mas esta cisão entre o momento da declaração do exercício do direito e o depósito do preço justifica-se pelo facto do remidor não saber antecipadamente qual é o valor a pagar e, por isso, é equiparado ao comprador.
Não se poderia exigir ao remidor algo que não poderia cumprir.
(ii) Quando o direito de remição é exercido em momento posterior ao ato de abertura e aceitação das propostas, o remidor deve, no momento do exercício do direito de remição, depositar integralmente o preço com acréscimo de 5 % para indemnização do proponente nos casos em que este já tenha feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º.
Como neste caso o preço já é conhecido do remidor, não há qualquer cisão temporal/processual entre a declaração de remição e o depósito do preço.
Como se disse, não existiria neste caso qualquer razão que justificasse uma separação temporal entre a atividade declarativa e o pagamento do preço.”
Na verdade, o depósito do preço e da indemnização se devida, é elemento essencial para o exercício do direito de remição, sem o qual tal declaração não poderá ser atendida e deve acompanhar a respectiva declaração.
Não tendo sido feito o depósito do preço e da indemnização devida, defende a recorrente que ainda o poderia ter feito posteriormente, pois que na data em que depositou o preço e a indemnização, não ocorrera ainda a emissão do título de transmissão que, nas vendas executivas seria emitido pelo Agente de Execução e, na venda em sede de inventário e na sequência do despacho de adjudicação do bem, pelo próprio Tribunal (cfr. artº 827 do C.P.C.).
Não é, no entanto, assim, em nosso entender.
Apresentado o requerimento para exercício do direito de remição, cabe ao magistrado judicial decidir se o direito assiste ao requerente e se foi formulado no prazo previsto no artº 843, nº1 a) do C.P.C. e depositado o preço e a indemnização devida. Até que seja tomada essa decisão, não poderá ser emitido título de transmissão ao adquirente do imóvel, nem se poderá proceder à entrega do bem.
O que não quer dizer que aquele que pretende exercer esse direito possa formular sucessivos requerimentos, ou que possa vir proceder ao depósito das quantias devidas em momento posterior àquele em que se apresenta a requerer que lhe seja concedido o direito de remição, com fundamento em que não foi ainda emitido título de transmissão, por não ter existido ainda pronúncia sobre o seu requerimento.
Não acompanhamos assim a posição expendida no ac. do TRG de 21 de Abril de 2022, citado pela recorrente, no qual apesar de se defender que “nos casos em que a venda tenha sido realizada por propostas em carta fechada, mas o remidor exerça o direito de remição após o ato de abertura e aceitação de propostas em carta fechada, no momento em que exerce o direito de remição, o remidor tem de comprovar ter depositado a totalidade do preço proposto e aceite pelo proponente pela aquisição dos bens e, nos casos em que essa indemnização seja devida, o acréscimo de 5% desse preço, a título de indemnização do proponente quando o direito de remição é exercido já depois deste ter depositado a totalidade desse preço, sendo o depósito da totalidade do preço e da indemnização, quando esta for devida, condição de validade do exercício do direito de remição”, vem afinal a considerar, quando em causa a venda em leilão electrónico que, quando tal não suceda, “nada obsta que a mesma venha de novo exercer esse direito, contanto que o faça dentro do prazo a que alude a referida al. b), do n.º 1 do art. 843º, efetuando desta vez o depósito integral do preço e da indemnização a que alude o n.º 2 deste mesmo normativo, caso esta última seja devida.”
A pronúncia do tribunal deve incidir sobre o requerimento para exercício do direito, sendo certo que a entrega do bem ou a emissão do título de transmissão dependerá sempre desta decisão. Com efeito, constitui nulidade processual a emissão do título de transmissão e entrega do bem sem prévia pronúncia sobre requerimento para exercício do direito de remição, o que determina que o prazo a atender é o da formulação deste requerimento, não podendo o remidor vir exercer posteriormente o mesmo direito.
Nestes termos, o depósito do preço e da indemnização tem de acompanhar o requerimento para exercício desse direito, sem o qual este requerimento não poderá ser atendido, salvo nos casos previstos no artº 843, nº2 do C.P.C. Conforme já defendido no Ac. desta Relação de 2020, acima citado, a declaração do remidor no sentido de que exerce o direito de remição relativamente a certo bem, desacompanhada do depósito do preço, não produz efeitos, salvo se a lei atribuir alguma eficácia a essa declaração, como sucede nos casos em que o remidor efectue essa declaração no acto de abertura das propostas em carta fechada, em que beneficia também da “prerrogativa de não ter de depositar a totalidade do preço, mas apenas 5% do valor anunciado, tendo, depois, o prazo de 15 dias, para depositar a parte restante do preço.”[4] (cfr. artº 824 do C.P.C.).
Assim, porque o remidor não efectuou o depósito do preço devido com o seu requerimento, não sendo de aplicar o nº 2 do artº 843 do C.P.C., perdeu o direito de fazer seu o imóvel de que era comproprietário o seu filho, “dado que se trata de uma condição sine qua non da perfeição negocial (cit. acórdão do TRE de 23/05/2024).
DECISÃO
Custas pela apelante (artº 539, nº1 do C.P.C.)
Coimbra 13/05/2025
DECISÃO
Custas pela apelante (artº 539, nº1 do C.P.C.)
Coimbra 13/05/2025
[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Proferido no proc. nº 1367/16.4T8PBL-A.C1, de que foi relator Alberto Ruço, disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido vide os Acórdãos do T.R.E. de 11-07-2019, proferido no proc. nº 238/17.1T8ETZ-I.E, de 23/05/2024, proferido no proc. nº 412/19.6T8STR-F.E1 e do T.R.P., de 04-10-2021, proferido no proc. 897/09.9T2AVR-G.P1, e disponíveis in www.dgsi.pt.
[4] RIBEIRO, Virgínio da Costa, REBELO, Sérgio, A Ação Executiva Anotada e Comentada, 3ª edição, Almedina, pág. 579.