PROCESSO DE INVENTÁRIO
CREDOR DE TORNAS
FRUSTRAÇÃO DA VENDA DE IMÓVEL
PEDIDO DE ADJUDICAÇÃO DE IMÓVEL PELO HERDEIRO CREDOR
RECURSO
MODO DE SUBIDA
Sumário

1. - Em processo de inventário mortis causa, frustrada a satisfação voluntária do crédito de tornas e, do mesmo modo, a venda por propostas em carta fechada e por negociação particular, pode o credor de tornas pedir a adjudicação de um imóvel que coube ao devedor de tornas na partilha, perante a insuficiência de outros bens partilhados para pagamento cabal da dívida.
2. - Tal solução é admitida pelo art.º 1122.º, n.º 2, do CPCiv., que configura incidente do inventário que tem lugar depois da sentença de homologação, pelo que esta sentença é a decisão final no processo de inventário, permitindo, em termos recursivos, a aplicação do disposto na al.ª g) do n.º 2 do art.º 644.º do CPCiv..
3. - Trata-se de incidente/procedimento enxertado no processo de inventário, se o credor assim tiver requerido, aplicando-se «as normas atinentes à venda executiva (art. 549.º, n.º 2)», ou seja, «aplica-se o regime da ação executiva para a realização da venda e efetivação das citações para efeitos de eventual reclamação de créditos».
4. - Estando em causa, nesse âmbito incidental, requerimento e indeferimento de avaliação de imóvel, sempre a decisão de rejeição da avaliação (perícia) teria de ser objeto de apelação autónoma, mesmo com aplicação do regime recursivo da ação executiva, por se tratar de rejeição de meio de prova [art.º 644.º, n.º 2, al.ª d), ex vi art.ºs 852.º e 853.º, n.º 2, al.ª a), todos do CPCiv.].
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

*

Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. - Em autos de inventário instaurados por óbito de AA e BB, sendo Cabeça de casal CC e interessados DD e EE, todos com os sinais dos autos,

realizada a conferência de interessados (em sede de inventário notarial), com adjudicação de bens, sendo que do mapa da partilha resultava que o Cabeça de casal recebia o montante de € 274.067,40, pertencendo-lhe € 181.135,30, daí resultando um excesso de € 92.952,10, assim dando tornas ao interessado EE de € 47.357,73 e ao interessado DD de € 44.944,23,

foi depois proferida sentença homologatória da partilha.

Tendo tais interessados EE e DD vindo reclamar o pagamento das tornas nos autos, ao abrigo do disposto no art.º 1121.º do CPCiv., prosseguiu o processo, na sede judicial, para o efeito, âmbito em que foi decidido, por despacho de 05/02/2024:

a) Autorizar a venda da verba n.º 45 da relação de bens – que havia sido adjudicada ao Cabeça de casal – por propostas em carta fechada;

b) Com fixação do valor base da venda em € 130.000,00, por corresponder ao valor pelo qual foi adjudicado ao Cabeça de casal, sendo o valor a anunciar para a venda igual a 85% de tal valor.

Tendo os mesmos interessados EE e DD vindo, não obstante, requerer a adjudicação – por se ter frustrado a venda – aos mesmos do prédio inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o art.º ...93.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...21 (correspondente à dita verba n.º 45 da relação de bens), na execução especial e incidental em causa, pelo valor de € 110.500,00 (na proporção de metade para cada um), opôs-se o Cabeça de casal, invocando, para além do mais, tratar-se da sua casa de morada de família, depender a adjudicação direta de bens, não aplicável ao caso, do acordo de todos os interessados, o que não ocorre na situação dos autos, ser o valor real e de mercado do bem imóvel superior a € 150.000,00, impor-se a publicidade do ato e a avaliação do imóvel, a realizar por perito a nomear pelo Tribunal.

Requereu expressamente o Cabeça de casal: (i) se definisse que não se aplica ao caso, face ao disposto no art.º 1122.º, n.º 2, do CPCiv., a adjudicação direta de bens, para pagamento de tornas, bem como, porque o valor real do imóvel é superior a 150.000 €, (ii) fosse o mesmo mandado avaliar.

Foi proferida decisão, datada de 22/10/2024, que indeferiu a solicitada avaliação do imóvel, e, relativamente ao pedido de adjudicação, após diversas considerações a respeito, foi determinado, previamente ao despacho a proferir, fosse prestada determinada informação pelos interessados DD e EE.

Veio, então, o Cabeça de casal interpor recurso, no qual concluiu assim:

1 – Não existe pronúncia efectiva nos autos sobre se no incidente de venda dos bens adjudicados ao interessado, incidente previsto no artº 1122 do C.P.C, se aplica o regime de adjudicação directa, dos bens aos credores de tornas e previsto nos artº 800 e 801 do C.P.C

2 – Tal falta de pronúncia constitui nulidade do despacho impugnado nos termos previstos no artº 615 nº 1 alínea d), que como tal deve ser declarada. E,

3 – Em consequência ser o mesmo substituído por outro que declare ou não, se tal regime é aplicável no caso de venda judicial de bem prevista no artº 1122 do C.P.C

4 – Nos autos o valor do imóvel não se mostra determinado pelo valor real e de mercado nos termos do disposto no artº 812 nº 3 alínea b) do C.P.C, contrariamente ao constante do despacho de 05-02-2024

5 – O valor indicado é o decorrente da proposta de carta fechada efectivada nos autos em 09-06-2017, e jamais correspondente ao seu valor real.

6 – O valor real do imóvel como alegado é superior a € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), e deve ser determinado pela avaliação requerida.

7 – Ao indeferir a avaliação do imóvel, alegando o disposto no artº 1114 do C.P.C, a Meritíssima Juiz “a quo” não atendeu ao previsto no artº 812 nº 3 alínea b) do C.P.C

8 – Deve assim o despacho impugnado, ser revogado e substituído por outro que mandar avaliar o imóvel, quanto ao seu valor real actual e de mercado, e quanto à sua verdadeira descrição e implantação no local. Assim,

9 - O aliás douto despacho decisão impugnado, viola além do mais o disposto no artº 549 nº 2, 766, 799, 801, 802, 812 nº 3 e 615 nº 1 alínea d) e 1122 nº 2 do C.P.C

Termos em que deve revogar-se o aliás douto despacho e substituir-se por outro que efective pronúncia sobre a possibilidade de adjudicação de bens aos credores de tornas no incidente previsto no atº 1122 do C.P.C e que defira como requerido a avaliação do imóvel.

Em 20/12/2024, foi proferido despacho que não admitiu o recurso.

2. - Veio então o Cabeça de casal apresentar reclamação, ao abrigo do art.º 643.º do CPCiv., na qual, essencialmente, alega que: (i) o despacho reclamado limitou-se a desenvolver não se verificar a absoluta inutilidade de uma futura decisão favorável, apenas e só pela pronúncia sobre a legalidade da possibilidade de adjudicação dos bens partilhados, para pagamento de tornas, ainda que se admita, que nesta parte, a utilidade da suscitação futura da questão em recurso final se possa aceitar; (ii) em qualquer processo executivo, nos autos de penhora é indicado o valor do imóvel, correspondente ao valor real ou patrimonial, mas na fase da venda, nos termos do art.º 812.º, n.º 3, al.ª b), do CPCiv., existe a fixação do valor de venda segundo as regras do mercado, e a decisão final, nos termos do prescrito no n.º 6 do mesmo artigo, é sempre suscetível de reclamação, envolvendo sempre o procedimento em sede de “diligências necessárias”, a realização de avaliação do imóvel; (iii) e assim, contrariamente ao decidido, não pode efetivar-se a venda sem a definição do valor base, nos termos da lei, verificando-se a absoluta e presente necessidade desta questão, ser decidida por ser prévia a todo o procedimento que, lhe é subsequente, e questão que jamais poderia ser suscitada por preclusão, aquando do recurso da decisão final; (iv) nessa medida, é assim manifesto, que o recurso em discussão, deve ser admitido nos preciso termos do art.º 644.º, n.º 2, al.ª h), do CPCiv., uma vez que não existe sequer decisão final, no processo de execução, e mesmo qualquer recurso de decisão final de extinção (que não é sequer uma decisão jurisdicional, mas sim e só do agente de execução), tornaria absolutamente inútil a decisão do recurso, até pela ineficácia e extemporaneidade; (v) é assim claro que o recurso instaurando cabe dentro da previsibilidade do disposto no art. 852.º, n.º 2, al.ª a), do CPCiv., por referência ao disposto no art.º 644.º, n.º 2, al.ª h), do mesmo diploma legal.

Não aceitando a rejeição do recurso, termina pedindo que seja ordenada a substituição do despacho reclamado, por outro que admita o recurso, com as legais consequências.

Foi proferido despacho, pelo relator no TRC, que indeferiu a reclamação apresentada, assim se mantendo o despacho reclamado.

3. - O mesmo interessado/Cabeça de casal veio reclamar para a conferência.

Alegou, para além do mais, que o recurso deve ser admitido, por estar em causa a admissibilidade do cumprimento do disposto no art.º 812.º, n.º 3, al.ª b), do CPCiv., quanto à avaliação do imóvel. Etapa esta do processo executivo que foi omitida e prejudica o Recorrente, por não ter sido tempestivamente executada, e preclude no procedimento executivo, perante as etapas processuais que lhe sucedem. Nessa medida não pode, pois, ser entendida como questão que possa vir a ser suscitada no recurso da sentença final, que jurisdicionalmente, é duvidoso que exista, atendendo às características próprias do dito processo executivo. Sendo assim, contrariamente ao entendido, é questão de decisão imediata e nessa medida suscetível de recurso, constituindo um incidente de natureza declaratória, assim sempre suscetível de recurso nos precisos termos do disposto nos art.ºs 852.º a 854.º, e assim passível de aplicação autónoma e de subida imediata, pois que se trata de decisão cuja impugnação com a decisão final, se torna absolutamente inútil. Realizar uma venda por um preço, não é a mesma coisa que a realizar por outro, com todas as inerentes envolvências, quer procedimentais, em matéria registral e fiscal. Impõe-se, pois, que, possa entender-se definitivamente decidida o quadro da proposta de venda – o que é vendido, ou adjudicado se tal for admissível, e qual o seu valor e preço máximo admissível à luz das regras de mercado, pressupostos aplicáveis ao caso.

Não aceitando, pois, a rejeição do recurso (nas duas vertentes em causa, a da “admissibilidade de adjudicação” e a da “avaliação”), pretende decisão colegial – em Conferência – de integral admissão recursiva.

                                               *

Sendo este o objeto da reclamação para a Conferência, importa decidir se são recorríveis, e deles cabe apelação imediata/autónoma, os dois segmentos decisórios aludidos: a) o da “admissibilidade de adjudicação”; e b) o da “avaliação”.

                                               *

II – Fundamentação

1. - Factos e dinâmica processual

Para além do que já resulta do antecedente relatório, cujo teor se dá aqui por reproduzido, surpreende-se ainda a seguinte dinâmica processual, quanto ao apenso “D” ([1]):

Nesse apenso de recurso, com o n.º 114/20.... – tendo por objeto decisão datada de 20/12/2024 –, foi proferido acórdão, por este TRC, em 29/04/2025, onde se conheceu da questão da (in)admissibilidade da adjudicação pelo valor fixado (€ 110.500,00).

Sobre essa questão, foi assim decidido:

«1.1. - Na decisão aqui recorrida começa o Tribunal a quo por sinalizar que:

«Tal como já se deixou exposto no despacho datado de 22/10/2024, cujos argumentos ora damos por integralmente reproduzidos, o Tribunal entende que a adjudicação requerida pelos interessados DD e EE é admissível na execução especial e incidental em causa.».

A ser assim, a matéria da admissão da adjudicação – ressalvada a fixação do valor concreto de € 110.500,00 – já teria sido anteriormente decidida nos autos, através de decisão de 22/10/2024.

Vejamos.

Como apurado, em 22/10/2024 o Tribunal recorrido inclinou-se no sentido de que o Cabeça de casal não teria razão no seu requerimento de 27/09/2024, onde pretendia que se definisse “que não se aplica ao caso, face ao disposto nos art. 1122.º, n.º 2, do CPC, a adjudicação direta de bens para pagamento de tornas” e que “deve ser dado cumprimento ao disposto nos art. 794.º a 802.º do CPC, e porque o valor real do imóvel é superior a €150.000,00 (…), ser o mesmo mandado avaliar por perito idóneo, nomeado pelo tribunal para o efeito”.

Assim, entendendo que, “nos presentes autos, o que ocorre é uma execução especial e incidental, que decorre da venda dos bens adjudicados ao devedor de tornas para pagamento das mesmas ao seu credor”, “ao contrário do aventado pelo cabeça de casal, não se concebe que a adjudicação só poderá ocorrer enquanto tal não resultar da clara vontade de todos os interessados, não resultando sequer de qualquer disposição legal para esse efeito”, pareceria ter-se acolhido a pretensão de “adjudicação do bem”, nada se opondo, até, ao “valor de €110.500,00”, “na proporção de metade para cada um dos interessados para pagamento das tornas que lhes são devidas”, visto que “os interessados requerem a adjudicação por um preço igual ao valor a anunciar para a venda, 85% do valor base (€110, 500,00)”.

Em tal posição de acolhimento, nesta senda, “a notificação dos interessados EE e DD para, no prazo de 10 dias, virem esclarecer o Tribunal sobre o que pretendem efetivamente, isto é, se a adjudicação do bem em apreço pelo valor de €110.500,00”.

Ou seja, logo ali se propendeu para a admissibilidade legal da adjudicação, podendo até ver-se como implícito, de algum modo, o acolhimento do valor indicado (o de € 110.500,00), não fosse o ulterior retomar decisório da questão do valor (como ulteriormente se verá).

Sabendo disso, por notificado a respeito, o Cabeça de casal logo interpôs recurso de apelação autónoma, dessa decisão de 22/10/2024, recurso sobre que recaiu decisão de não admissão, de que o Recorrente reclamou para o TRC (apenso “C”), inexistindo ainda trânsito em julgado da decisão dessa reclamação.

Tal significará que se trata de matéria/questão já objeto de anterior decisão e anterior interposição de recurso, razão pela qual de tal específica definição (positiva) de admissibilidade legal da adjudicação aos credores de tornas não poderá aqui conhecer-se?

Para responder à questão importa ter em conta, por um lado, que, embora propendendo num certo sentido, como visto, o Tribunal recorrido acabou por não proferir, então, decisão expressa, faltando um dispositivo, claro e perentório, nesse sentido.

Pedia-se-lhe que “definisse” e nada de perentório foi definido em termos de dispositivo, ao que acresce que a 1.ª instância não se recusou, a jusante, em voltar à questão, o que nunca deveria fazer se já tivesse proferido decisão expressa perentória, desde logo por esgotamento do poder jurisdicional (cfr. art.º 613.º, n.ºs 1 a 3, do CPCiv.).

Ou seja, nota-se alguma indefinição e subsequente retoma da questão, o que impede que se considere que se trata de questão já decidida, razão pela qual o Cabeça de casal nela voltou a insistir.

Em suma, não está vedado ao TRC conhecer dessa questão – a da (in)admissibilidade legal da adjudicação aos credores de tornas – na presente apelação.

Conhecendo, então.

Não há dúvidas de que, após vicissitudes e despachos, o entendimento do Tribunal recorrido é no sentido de que «(…) a adjudicação requerida pelos interessados DD e EE é admissível na execução especial e incidental, que decorre da venda dos bens adjudicados ao devedor de tornas para pagamento das mesmas ao seu credor, e apenas não decidiu já quanto à adjudicação concreta a tais interessados porque se impunha solicitar esclarecimentos aqueles, o que o Tribunal determinou, protelando a decisão quanto à adjudicação propriamente dita para momento posterior.» (destaques aditados).

Na decisão recorrida é citado o Ac. do STJ de 23/01/2020, Proc. 798.18.0T8PNF.P1.S1 (Cons. Maria da Graça Trigo), em ECLI:PT:STJ:2020:798.18.0T8PNF.P1.S1, constando do respetivo sumário:

«I. A dívida de tornas constituída no âmbito do inventário, por qualquer herdeiro, designadamente por via de licitações que excederam o respectivo quinhão, ganha autonomia, sendo-lhe aplicáveis as regras gerais da responsabilidade obrigacional, designadamente em matéria de responsabilidade patrimonial do devedor.

II. Posto que, na regulação do processo de inventário nos termos do antigo CPC (nº 3 do art. 1378º, correspondente ao actual nº 2 do art. 1122º do CPC, na redacção da L. nº 117/2019, de 13/09), a cobrança dessa dívida pudesse ser feita no âmbito do próprio processo, o uso desse procedimento especial não altera a natureza do crédito de tornas e da correspondente dívida.».

Indubitável é, assim, a conclusão – adotada na decisão recorrida, à luz daquele aresto do STJ – no sentido de, «com a homologação da partilha, se ter constituído a favor dos herdeiros um crédito que segue as regras gerais do direito substantivo.».

Nada, pois, a objetar a que, como dito na decisão em crise quanto às tornas pretendidas, «o crédito dos interessados requerentes da adjudicação obedece às regras gerais de direito», havendo «dívida do cabeça de casal quanto ao pagamento das tornas devidas aos interessados», razão pela qual «estes requereram a venda do bem», sendo «admitidos como exequentes porquanto são estes os credores que se apresentam no âmbito da execução especial que decorre do artigo 1122.º, n.º 2 do CPC, nos termos do artigo 799.º do CPC, que manifestam vontade de adquirir o bem cuja adjudicação requerem».

Nesta linha se perfila o Ac. TRL de 03/02/2022, Proc. 2253/14.8TBFUN-B.L1-6 (Rel. Gabriela de Fátima Marques), em www.dgsi.pt, também citado pela 1.ª instância, ao afirmar que «A execução especial que incide sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas que não cumpriu com o seu pagamento é o modo que é conferido ao credor das tornas de fazer valer o seu direito às mesmas, em substituição da execução comum».

Logo o art.º 1116.º do CPCiv. – no quadro da conferência de interessados – estabelece que, se algum dos interessados licitar numa pluralidade de verbas ou lotes cujo valor, no seu conjunto, ultrapasse o necessário para o preenchimento da sua quota, pode qualquer dos outros interessados opor-se ao excesso, requerendo que as verbas em excesso ou algumas delas lhe sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão (n.º 1), cabendo «ao licitante escolher, de entre todas as verbas ou lotes em que licitou, as suficientes para o preenchimento da quota que lhe cabe no património hereditário» (n.º 2).

A propósito, referem Abrantes Geraldes e outros que este dispositivo legal permite um maior equilíbrio no preenchimento dos quinhões na medida em que dá prevalência na sua composição em substância, o que previne o apossamento do acervo hereditário por parte de interessado ou interessados que, atenta a sua maior capacidade económica, se apresentarem a licitar em diversos bens. Assim, se algum licitar numa pluralidade de verbas ou lotes cujo valor, no seu conjunto, ultrapasse o valor necessário para preencher o respetivo quinhão, qualquer dos demais interessado pode deduzir oposição, requerendo que as verbas em excesso, ou algumas delas, lhe sejam adjudicadas, até ao limite do seu quinhão ([2]).

E, a respeito do disposto no art.º 1122.º, n.º 2, do CPCiv., escrevem os mesmos Autores: «A partir do trânsito em julgado, os interessados com direito a tornas podem promover a venda de bens que tenham sido adjudicados ao devedor em situação de incumprimento (n.º 2), procedimento que, por razões pragmáticas, pode ser enxertado no próprio processo de inventário, se o credor assim o requerer, aplicando-se as normas atinentes à venda executiva (art. 549.º, n.º 2), mas não obstará a que se sigam as regras gerais» (cfr., op. cit., p. 648).

Ora, se colhem aplicação, em tal caso, as “as normas atinentes à venda executiva” ([3]), então não podem restar dúvidas quanto à aplicabilidade dos preceitos da “Adjudicação”, a que alude o art.º 799.º do CPCiv., cujo n.º 1 admite a adjudicação ao exequente (no caso, credor de tornas) dos bens penhorados (no caso, os licitados pelo devedor de tornas, tratando-se aqui apenas do referenciado imóvel) para pagamento do crédito.

Adjudicação que, desde logo, colhe justificação prática perante as vicissitudes dos autos: frustraram-se as anteriores tentativas de venda, seja por propostas, seja negociação particular.

O que não pode é o requerente da adjudicação (credor), tendo de indicar o preço que oferece, apresentar proposta/oferta “inferior ao valor a que alude o n.º 2 do artigo 816.º” (cfr. n.º 3 do art.º 799.º), ou seja, tal oferta não pode ser inferior a 85% do valor base do bem.

Ora, é seguro que o valor da oferta dos credores de tornas – os ditos “110.500,00 €” – cumpre tal requisito legal, como melhor se verá adiante.

E, não tendo sido possível, apesar dos esforços anteriores para tanto, a venda, resta a dita adjudicação, com aceitação do preço oferecido pelos requerentes (art.º 801.º, n.ºs 1 e 3, do CPCiv.), o que não carece de assentimento do devedor.

Em suma, improcedem os argumentos do Recorrente em contrário.

1.2. - Resta a questão da admissibilidade/legalidade do valor fixado, o de € 110.500,00 (no entendimento de que a decisão de fixação é a aqui recorrida).

Defende o Recorrente que não pode decidir-se que o valor oferecido está dentro do limite previsto no art.º 816.º, n.º 2, do CPCiv., por no âmbito do incidente de venda não ter havido indicação ou fixação do valor do bem, aceite pelo executado.

O Tribunal recorrido, na sua fundamentação, entendeu assim:

«Por despacho de 05-02-2024 (de fls. 626), foi determinada a venda do bem, tendo sido fixado o valor base de venda da verba n.º 45 da relação de bens em €130.000,00, por corresponder ao valor pelo qual foi adjudicado ao cabeça de casal, em conformidade com o disposto no art. 812.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 549.º, n.º 2 do mesmo diploma legal.

Igualmente se determinou que o valor a anunciar para a venda seria igual a 85% de tal valor – 110.500,00€ (cfr. artigo 816.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

Neste seguimento, foi designada data para a abertura de propostas, em conformidade com o disposto no art. 817.º, n.º1, do Código de Processo Civil.

Ora, (…) constata-se que não houve apresentação de propostas em carta fechada, pelo que, ao abrigo do consagrado nos arts. 822.º, n.º 2 e 832.º, al. d), do Código de Processo Civil, se determinou que se procedesse à venda do bem em causa por negociação particular.

Nos termos do disposto no artigo 799.º, n.ºs 1 e 3, do CPC “1 - O exequente pode pretender que lhe sejam adjudicados bens penhorados, não compreendidos nos artigos 830.º e 831.º, para pagamento, total ou parcial, do crédito. (…)

3 - O requerente deve indicar o preço que oferece, não podendo a oferta ser inferior ao valor a que alude o n.º 2 do artigo 816.º”.

Por sua vez, consagra o artigo 816.º, n.º2 do CPC que “O valor a anunciar para a venda é igual a 85 % do valor base dos bens.”

Ora, in casu, não foi apresentada qualquer outra proposta no âmbito da modalidade de venda determinada (propostas em carta fechada), nem na modalidade de negociação particular, assim como se verifica que o valor oferecido pelos interessados não é inferior a 85% do valor base dos bens, pelo que será de deferir a requerida adjudicação (…).».

Apreciando.

Frustrada a venda por propostas em carta fechada, do mesmo modo que a subsequente venda por negociação particular, estabelecendo o preceito do art.º 816.º, n.º 2, do CPCiv. que o valor a anunciar é igual a 85% do valor base do bem, requisito que a proposta dos credores de tornas indiscutivelmente cumpre – quanto ao valor em discussão de adjudicação de € 110.500,00 ([4]) –, é tal valor de aceitar in casu, não sendo, salvo o devido respeito, necessária – reitera-se – a concordância do executado/devedor, uma vez ultrapassadas todas aquelas fases prévias e na inexistência de qualquer outra/melhor proposta.

Em suma, nada a censurar neste âmbito à decisão recorrida.».

2. - Apreciação jurídica da reclamação

2.1. - Da rejeição do recurso quanto à questão da (in)admissibilidade da adjudicação

Na decisão singular sob reclamação para a Conferência foi entendido que o recurso era inadmissível nesta parte, por inexistir (ainda) decisão a respeito, decisão essa só tomada em momento posterior.

Daí a rejeição do recurso nessa parte: se inexistia decisão, não era caso de recorrer, pelo que o indeferimento do recurso era correto, com a consequente improcedência da reclamação no âmbito do art.º 643.º do CPCiv..

Apreciando, em Conferência.

Cabe dizer que é correto este entendimento expresso na decisão singular do primitivo relator.

Com efeito, como explicitado no acórdão já proferido no âmbito do recurso do apenso “D”, a decisão a respeito só foi efetivamente tomada na ulterior decisão da 1.ª instância de 20/12/2024.

E nesse acórdão do apenso “D”, datado de 29/04/2025, já se conheceu da matéria.

Termos em que o recurso era de indeferir nesta parte (apenso “C”), como foi indeferido, nada havendo a censurar à decisão singular que manteve a rejeição dessa vertente recursiva.

Improcede, pois, nesta vertente decisória, a reclamação para a Conferência.

2.2. - Da rejeição do recurso quanto à questão da avaliação

Na decisão singular sob reclamação para a Conferência foi entendido que o recurso era inadmissível nesta parte, como apelação autónoma, por somente dever subir a final.

Ali se expendeu assim:

«4.2. Abordemos agora o ponto que realmente conta, a subida imediata ou não do despacho de 22.10.2024 que indeferiu a avaliação do imóvel.

No despacho que não admitiu o recurso, escreveu-se que:

“Há que ter em conta o regime de interposição do recurso de apelação na acção executiva, designadamente o que dispõem os artigos 852.º e 853.º, ambos do CPC.

O artigo 853.º, do CPC, no seu n.º 1, refere que «É aplicável o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração aos recursos de apelação interpostos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da ação executiva».

Prescreve o n.º 2, do mesmo artigo, que:

«Cabe ainda recurso de apelação, nos termos gerais:

a) Das decisões previstas no n.º 2 do artigo 644.º, quando aplicável à ação executiva;

b) Da decisão que determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução;

c) Da decisão que se pronuncie sobre a anulação da venda;

d) Da decisão que se pronuncie sobre o exercício do direito de preferência ou de remição).»

O n.º 4 deste preceito legal diz-nos que «Sobem imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, os recursos interpostos nos termos dos n.ºs 2 e 3 de decisões que não ponham termo à execução nem suspendam a instância.»

Resulta assim do regime prescrito que, em sede de acção executiva, a interposição de recurso de apelação é admissível em termos paralelos ao previsto no n.º 1 do artigo 644.º do CPC, relativamente às decisões proferidas nos procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, ou seja, em regra, apenas da decisão que lhes ponha termo, que corresponderá aqui à decisão final de extinção da execução.

Quis, porém, o legislador ressalvar a possibilidade de algumas decisões intercalares proferidas na tramitação da acção executiva serem objecto de recurso imediato. Para o efeito e por se tratarem de situações que escapam à regra em que se fez assentar o regime de recursos em sede executiva, a lei procedeu à sua enumeração (nos n.ºs 2 e 3 do artigo 853.º do CPC), tendo incluído, entre elas, as decisões previstas no n.º 2 do artigo 644.º, onde se encontra previsto o caso das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final se mostraria absolutamente inútil (alínea h) do n.º2 do artigo 644.º do CPC).

É neste enquadramento que a Recorrente pretende encontrar respaldo para a admissibilidade da apelação autónoma da decisão que quer impugnar.

Nos termos do artigo 644.º, n.º2 al. h) do Código de Processo Civil, «Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:

(…)

h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;»

(…)

Como é jurisprudência assente, a economia processual ou a perturbação que possa provocar no processo não são critérios pelos quais se afere o comando legal concernente à avaliação da absoluta inutilidade do recurso.

(…)

Assim, só a absoluta inutilidade justifica a imediata recorribilidade de uma decisão interlocutória, não tendo o preceito legal o intuito de obviar a eventuais situações em que o provimento do recurso pode trazer prejuízos do ponto de vista da economia processual. Ao abrigo da citada norma, a eventual retenção do recurso deverá ter um resultado irreversível quanto ao mesmo, de um tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal superior, ela será completamente inútil, nas palavras de Abrantes Geraldes, uma verdadeira «vitória de Pirro», (cfr. «Recursos em Processo Civil, 2016, páginas 177 e 178), não bastando uma mera inutilização de actos processuais (eventual anulação do processado).

A solução da questão afere-se em função de saber se, no caso, a não impugnação imediata do despacho determinará a absoluta inutilidade de uma eventual decisão favorável ao Recorrente a obter em sede de recurso em altura processualmente posterior.

Ora, compulsados os autos, e atendendo às motivações de recurso apresentadas, assim como o efeito pretendido pelo cabeça de casal, que se deve revogue o despacho em crise e se substitua por outro que (…) e que defira como requerido a avaliação do imóvel, constata-se que o resultado da apreciação a efectuar pelo Tribunal ad quem, em nada ficará afectada ou beliscada pela retenção do recurso até que seja proferida decisão sobre a requerida adjudicação do bem aos interessados, esta sim, estamos em crer, recorrível, a qual apenas não foi finalizada no despacho em causa em virtude da necessidade de tomar esclarecimentos a estes antes de se decidir, motivação que igualmente fez quedar a invocada nulidade do despacho por omissão de pronúncia de que já tratamos acima!

Destarte, salvo melhor opinião, apenas se poderá concluir que o despacho proferido por este Tribunal em 22/10/2024 não admite recurso de apelação autónoma, por falta de fundamento legal, não se subsumindo a qualquer das situações previstas no artigo 644.º, n.ºs1 e 2 do Código de Processo Civil, nem se encontrando expressamente prevista tal possibilidade em qualquer outro preceito legal.”.

O recorrente nas suas conclusões de recurso (4 -  a 8 -) invocou que o valor do imóvel não se mostra determinado pelo valor real e de mercado nos termos do disposto no art. 812º, nº 3, b), do NCPC, pelo que não podia haver indeferimento da avaliação do imóvel, devendo, antes, ocorrer tal avaliação. Agora na reclamação, mantém tal questão, apresentando no ponto ii) da mesma, supra indicado, as suas razões para tanto – vide os 5 travessões acima apontados.

O despacho reclamado convoca jurisprudência e doutrina que temos por pertinente e acertada, face ao que dispõe o referido art. 644º, nº 2, h), quanto ao condicionalismo de o recurso só subir imediatamente se a sua impugnação com o recurso da decisão final fosse absolutamente inútil. O que no nosso caso não ocorre, pois se a final o recurso ora interposto vier a ser provido haverá necessariamente anulação da adjudicação. Não há, por isso, prejuízo real para o ora recorrente/reclamante.

Como assim, o recurso ora interposto só poderá ser efectivado a final (art. 644º, nº 3, do NCPC).  

O recorrente contrapõe, por fim, com dois argumentos: a circunstância de não existir sequer decisão final, no processo de execução, e mesmo qualquer recurso de decisão final de extinção (que não é sequer uma decisão jurisdicional, mas sim e só do agente de execução), tornaria absolutamente inútil a decisão do recurso, até pela ineficácia e extemporaneidade; e ser este o entendimento da nossa jurisprudência, entre outros, Ac. da Rel. do Porto, Proc.12225/07.5BVNG-A, de 12.4.2021.

Quanto a este último ponto, não se descortina qualquer apoio para a tese do ora reclamante. Na verdade, o acórdão citado debruça-se sobre decisão de anulação da venda (art. 838º do NCPC) e diferentemente o caso dos autos a requerimento de adjudicação de bens (arts. 799º a 802º do mesmo diploma).

E quanto ao primeiro ponto já vimos que o recurso a interpor oportunamente não é absolutamente inútil nem ineficaz. Não podendo ser aceite o argumento de que não existe decisão final jurisdicional para obstaculizar a interposição de recurso a final, pois a ser assim, como o ora reclamante conclui de forma simples, o art. 853º, nº 2, a), por reporte ao art. 644º, nº 2, h), nunca teria aplicação, o que não temos por concebível face ao texto da lei e mecanismos processuais de impugnação das decisões de 1ª instância.”.

Ora, a argumentação usada pelo ora reclamante no seu requerimento para a conferência já se mostra abrangida pelo que se explanou no despacho reclamado, agora transcrito, que não aceitou a admissão do recurso autonomamente. Sem tirar nem pôr.

O ora requerente reclamante nada de novo trouxe, assim, para a discussão e respectiva apreciação do seu requerimento. Excepto a referência a um aresto da Rel. Coimbra, supostamente publicado nas bases de dados da DGSI, mas que não se consegue encontrar (provavelmente há lapso nas indicações fornecidas), quedando impossível consultá-lo e avaliá-lo positiva ou negativamente.».

Apreciando.

Como já expendido no acórdão do apenso “D”, a respeito do disposto no art.º 1122.º, n.º 2, do CPCiv., escrevem Abrantes Geraldes e outros: «A partir do trânsito em julgado, os interessados com direito a tornas podem promover a venda de bens que tenham sido adjudicados ao devedor em situação de incumprimento (n.º 2), procedimento que, por razões pragmáticas, pode ser enxertado no próprio processo de inventário, se o credor assim o requerer, aplicando-se as normas atinentes à venda executiva (art. 549.º, n.º 2), mas não obstará a que se sigam as regras gerais» (cfr., Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, p. 648).

E como se notou naquele aresto: «se colhem aplicação, em tal caso, as “as normas atinentes à venda executiva” ([5]), então não podem restar dúvidas quanto à aplicabilidade dos preceitos da “Adjudicação”, a que alude o art.º 799.º do CPCiv., cujo n.º 1 admite a adjudicação ao exequente (no caso, credor de tornas) dos bens penhorados (no caso, os licitados pelo devedor de tornas, tratando-se aqui apenas do referenciado imóvel) para pagamento do crédito».

É certo que estamos no âmbito de um procedimento de feição executiva incidental, que corre termos no seguimento de inventário (nos próprios autos deste), não havendo ainda decisão do incidente. Daí que seja concebível, prima facie, a aplicação das regras de recurso da execução, no caso os art.ºs 852.º e 853.º, n.º 2, do CPCiv..

Em contrário, pode esgrimir-se que o art.º 1122.º, n.º 2, do CPCiv. estabelece uma venda incidental do processo de inventário, que tem lugar depois a sentença de homologação da partilha, sendo esta a decisão final no inventário.

Nessa perspetiva, os recursos sobre questões suscitadas após a sentença de homologação terão de subir imediatamente, como apelações autónomas [nos termos da al.ª g) do n.º 2 do art.º 644.º do CPCiv.], até porque já não há outra decisão final para marcar o tempo de espera deste recurso até ao momento em que subiria.

Ora, perfila-se como seguro, então, que se trata, efetivamente, de um incidente no processo de inventário (incidente posterior à sentença), uma extensão deste para fim específico, sem o descaraterizar, designadamente para efeitos de recurso. Ou seja, continua a ser o processo de inventário, sem transmutação em processo de execução, embora com fins executivos limitados (nem sequer houve penhora, pelo que só estão em causa bens objeto da partilha).

O que parece essencial é o pagamento das tornas, no quadro da partilha da herança, diversamente do que acontece numa execução comum, em que a venda é antecedida de penhora, respondendo todo o património penhorável do devedor/executado.

Assim, salvo o respeito devido, valem, para o efeito em questão, as regras dos recursos no inventário (subida dos recursos no processo de inventário e não como na ação executiva).

Será, todavia, de admitir que possa haver matérias cuja decisão convoque o regime recursivo da ação executiva, como a venda em si ou a reclamação/graduação dos créditos.

Mas, no caso, estamos apenas perante a pretendida avaliação do bem, que não foi admitida, para o efeito da satisfação de crédito referente a tornas (sempre no quadro, pois, da problemática da partilha da herança).

Ora, a matéria de avaliação é inerente ao processo de inventário (cfr. art.º 1114.º do CPCiv., cujo n.º 3 não disfarça a inequívoca natureza de prova pericial, seja mediante perícia singular ou colegial), não sendo específica, quanto ao incidente de venda/adjudicação para pagamento de tornas, do regime da ação executiva (processo de execução).

Mas mesmo que se entenda que o regime recursivo aplicável é o específico da ação executiva, então, à luz do disposto nos art.ºs 852.º e 853.º do CPCiv. – normas referentes aos recursos em execução –, a remessa sempre será para o regime do processo de declaração, ou, dito de outro modo, “nos termos gerais” (cfr. art.º 853.º, n.º 2).

A avaliação pretendida, como parece claro, traduz-se em prova pericial, pelo que o indeferimento/rejeição de uma pretensão de avaliação/perícia avaliativa constitui decisão de rejeição de um meio de prova, termos em que o correspondente recurso deveria ser de apelação autónoma, ao abrigo dos art.ºs 853.º, n.º 2, al.ª a), e 644.º, n.º 2, al.ª d), ambos do CPCiv. ([6]), o que sempre afastaria a tese do recurso com subida diferida, a final.

Em suma, com todo o respeito devido, quer se siga o regime do inventário, que se adote o regime recursivo previsto para a ação executiva, o recurso interposto, no que à matéria/questão da indeferida avaliação tange, é admissível como apelação autónoma (subida imediata).

Termos em que a reclamação para a Conferência deve ser admitida e proceder nesta parte, sem prejuízo, todavia, do já decidido no apenso “D”, cuja matéria decisória tem pontos de contacto com a objeto deste recurso e reclamação ([7]).

Assim sendo, em matéria de decisão sobre a requerida avaliação/perícia, deve o recurso ser admitido, procedendo a reclamação do Cabeça de casal (sem prejuízo – reitera-se – do já decidido no acórdão proferido no apenso “D”).

No mais, improcede a reclamação para a Conferência.


***

III – Sumário ([8]): (…)


***
IV – Decisão
Pelo exposto e decidindo, acordam em Conferência em:
a) Não atender a reclamação na parte em que o recurso se refere à matéria de (in)admissibilidade da adjudicação;
b) Atender, no mais, a reclamação apresentada (matéria de indeferida avaliação de imóvel), sem prejuízo do já decidido no acórdão proferido no apenso “D”, termos em que, consequentemente, se admite o recurso interposto, nessa parte, no respetivo processo, o qual é de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo [cfr. art.ºs 629.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, al.ª g) – ou al.ª d), esta ex vi art.ºs 852.º e 853.º, n.º 2, al.ª a) –, 645.º, n.º 2, 646.º e 647.º, n.º 1, todos do CPCiv.].

Custas pelo Recorrente/Reclamante, na proporção de metade.

Notifique e requisite o processo, visto o aludido modo de subida, ao Tribunal recorrido, que o deve fazer subir no prazo de 10 dias – art.º 643.º, n.º 6, do CPCiv..

Coimbra, 13/05/2025

Escrito e revisto pelo relator por vencimento – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (relator por vencimento)

Alberto Ruço

João Moreira do Carmo (vencido)

Voto Vencido Parcial

No presente acórdão tanto se considera que ainda estamos no âmbito do inventário – e daí admitir-se recurso a subir imediatamente ao abrigo do art. 644º, nº 2, g), do NCPC, que incide sobre decisão proferida depois da decisão final -, como se considera que estamos já no âmbito de uma execução especial incidental – e aqui o recurso subirá imediatamente ao abrigo dos arts. 853º, nº 2, a), e 644º, nº 2, d), que incide sobre despacho de admissão ou rejeição de meio de prova.

O que não temos por congruente, pois ou é uma situação ou será a outra.

Cremos, porém, estarmos somente perante uma execução especial incidental, que corre no seguimento de inventário – até o ora requerente da conferência o admite abertamente nos autos -, que a lei prevê no art. 549º, nº 1, do mesmo código. E que envolveu até autorização da venda do imóvel, que havia sido adjudicada ao cabeça-de-casal, por propostas em carta fechada, com fixação do valor base da venda em 130.000 €, por corresponder ao valor pelo qual foi adjudicado ao cabeça de casal, sendo o valor a anunciar para a venda igual a 85% de tal valor (vide o despacho da 1ª instância, de 5.2.2024, proferido ao abrigo do art. 812º do NCPC). A que se seguiu requerimento de adjudicação dos interessados EE e DD, por se ter frustrado tal venda, bem como subsequente tentativa de venda por negociação particular, o que lhes foi deferido. Estamos assim, de pleno, dentro do processamento de uma verdadeira execução.

Daí que sejam aplicáveis as regras de recurso da execução, no caso os arts. 852º e 853º, nº 2, do referido diploma.

Nessa execução incidental ainda não há decisão final, pelo que o recurso não pode caber no dito art. 644º, nº 2, g), do NCPC.

Aliás o recorrente interpôs o recurso a coberto da h) de tal preceito e número, a 1ª instância tomou a decisão que tomou avaliando exclusivamente tal normativo e na decisão singular da reclamação só se cogitou em tal alínea. E o próprio requerente da conferência só equacionou, outra vez, tal h).

Quanto à inovadora invocação da citada d), do mesmo preceito e número, nem se tem por aplicável – efectivamente o art. 643º, nº 2, a), 2ª parte, dispõe que nem todas as decisões previstas no art. 644º, nº 2, são de aplicar.

É o caso dos autos, pois não temos por aplicável tal d) na vertente, meio de prova. Na verdade, o processo executivo contém regras próprias sobre avaliação/valor dos bens imóveis, concretamente no art. 812º, nº 2, b), 3 e 5.

Afigura-se, que a falada avaliação do imóvel pretendida pelo recorrente/requerente da conferência, só tem 2 saídas, ou:

- admitindo recurso, ele subirá diferidamente a final, por não se enquadrar na dita h), como acertadamente decidiu a 1ª instância, sendo concebíveis, em abstracto, 3 momentos de subida diferida: a) depois de na execução se proferir a decisão final sobre a pedida adjudicação; b) depois do agente de execução a executar (como no caso lhe foi ordenado no despacho da 1ª instância); c) depois de o agente de execução extinguir a dita execução com a respectiva notificação às partes (art. 849º, nº 2, do NCPC).

Nesta hipótese, sem vinculação imediata (porque agora não interessa concretamente definir) inclino-me para este terceiro momento;

- ou não admite qualquer recurso, nos termos do art. 812º, nº 7, do NCPC, pois o Juiz de 1ª instância já fixou o valor base do bem, como acima vimos.

Seja qual for a saída, o recurso não subiria imediatamente, ao invés do decidido.

Assim, pelo exposto, manteria o despacho singular que proferi na reclamação e indeferiria o requerimento para a conferência, sobre a aludida avaliação.

                                                             *

                                                            Coimbra, 13.5.2025

                                                                                                                        Moreira do Carmo


([1]) Recurso em separado, extraído dos mesmo autos, tendo por objeto decisão posterior à aqui recorrida, a que coube o n.º 114/20...., em que intervieram os aqui primitivo relator e ora relator por vencimento (como consta desse apenso, consultado no sistema Citius).
([2]) Cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, ps. 636 e seg..
([3]) Veja-se ainda, dos mesmos Autores, o vol. I da mesma obra, edição de 2017, ps. 600 e seg., referindo que, na parte relativa à venda dos bens, «aplica-se o regime da ação executiva para a realização da venda e efetivação das citações para efeitos de eventual reclamação de créditos (…)».
([4]) Assim: 130.000,00 x 85% = 110.500,00.
([5]) Veja-se ainda, dos mesmos Autores, o vol. I da mesma obra, edição de 2017, ps. 600 e seg., referindo que, na parte relativa à venda dos bens, «aplica-se o regime da ação executiva para a realização da venda e efetivação das citações para efeitos de eventual reclamação de créditos (…)».
([6]) Em matéria de conhecimento oficioso da Relação (art.º 652.º do CPCiv.), sendo o Tribunal livre na indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5.º, n.º 3, do mesmo Cód.) e sendo manifestamente desnecessário fazer atuar o princípio do contraditório a respeito (art.º 3.º, n.º 3, também do mesmo Cód.).
([7]) Caso viesse a ser dada razão ao Recorrente, com decorrente realização de avaliação (matéria não conhecida no apenso “D”), teria o resultado de tal prova pericial de ser considerado para efeitos de derradeira determinação do valor de adjudicação do imóvel.
([8]) Da responsabilidade do relator, nos termos do disposto no art.º 663.º, n.º 7, do CPCiv..