IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
IRRELEVÂNCIA
INCUMPRIMENTO DO ÓNUS DA IMPUGNAÇÃO
REJEIÇÃO DO RECURSO
PROCURAÇÃO NO INTERESSE DE TERCEIRO
FORMALIDADES
INTERVENÇÃO NOTARIAL
REGISTO INFORMÁTICO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Sumário

i) Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância, importância ou suficiência jurídica para a solução de direito e mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente;
ii) Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas que tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda;
iii) A omissão desse ónus, imposto no referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, não se satisfazendo o mesmo com a menção que os depoimentos testemunhais estão gravados no sistema digital com a indicação do início aos …, ou com a indicação do tempo parcelar de duração dos depoimentos ou com um resumo feito pela parte recorrente daquilo que supostamente as testemunhas terão dito, tanto mais que nenhuma transcrição dos depoimentos foi feita;
iv) Sobre este último ónus, o texto da lei e a sua interpretação histórico-actualista, repudiam interpretações facilitistas, que no fundo degeneram em violação: do princípio da igualdade das partes - ao não tratar diferentemente o cumprimento ostensivamente defeituoso da lei adjectiva, pois se há partes que podem cumprir esse ónus e o cumprem (no caso a recorrida cumpriu), porque razão se haveria de dar igual tratamento a quem não o faz ! -; do princípio do contraditório - por impor à parte contrária um esforço excessivo e não previsto na tarefa de defesa, imputável ao transgressor -; e do princípio da colaboração com o tribunal - por razões análogas, mas reportadas ao julgador;
v) Sendo de rejeitar, também, interpretações complacentes, que se contentam com a indicação do depoimento e identificação de quem o prestou, sem obrigatoriedade de transcrição; com a fixação electrónica/digital do início e fim dos depoimentos e a transcrição dos excertos relevantes; já que a não ser assim há excesso de formalismo que a dogmática processual rejeita; a não ser assim não se respeita o princípio da proporcionalidade.
vi) Na verdade, a 1ª interpretação faz tábua rasa do texto legal, relevando dois elementos que a lei não enumerou e “apagando” a passagem nuclear do texto legal “indicação com exactidão das passagens da gravação”; a 2ª interpretação, obnubila também tal trecho legal, pois que apenas releva o fim e início da gravação, acabando por não observar o cumprimento do verdadeiro requisito legal, e por outro lado, passa a requisito de cumprimento obrigatório um elemento – a transcrição dos excertos relevantes – que a lei expressamente vê como facultativo; a 3ª interpretação, não contém objecção de relevo pois a exigência de formalismo nada tem de extraordinário, como o tribunal constitucional já sinalizou; e na 4ª interpretação não se divisa ofensa da exigência de proporcionalidade, pois que, na sua tridimensionalidade de onerosidade, dificuldade e gravidade das consequências, o cumprimento rigoroso da lei, quanto ao indicado requisito de impugnação da matéria de facto, não é oneroso e é de fácil execução, não sendo anómala, no seu incumprimento, a respectiva rejeição do recurso;
vii) A procuração conferida também no interesse de terceiro deve ser lavrada por notário, não podendo ser exarada em documento autenticado por advogado (art. 116º, nº 2, do C. Notariado);
viii) Não cumprindo a autenticação duma procuração os requisitos legais constantes da Portaria nº 657-B/2006, tal inquina a validade do documento enquanto documento autenticado;
ix) Os termos de autenticação, lavrados em conformidade com o estatuído no art. 38º do DL nº 76-A/2006, de 29.3, por força do nº 3, apenas podem ser validamente praticados mediante registo em sistema informático, sendo que, por regra, este registo, nos termos do artº 4º da Portaria 657-B/2006, é efectuado no momento da prática do acto, mas precavendo, porém, a possibilidade de o sistema informático não estar acessível nesse momento, em virtude de dificuldades de natureza técnica, e apenas devido a estas – que devem ser mencionadas nos documentos que formalizam os actos, sob pena de nulidade do registo online e, consequentemente, de invalidade do termo de autenticação -, o legislador veio dar a possibilidade de, mesmo assim, se validar o documento, se efectuado o respectivo registo informático dentro das 48 horas seguintes àquele momento;
x) A intempestividade do registo informático acarreta um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial, que determina a invalidade do termo de autenticação;
xi) Pelo que o documento objecto da autenticação (v.g., procuração) não reúne os requisitos legalmente exigidos para que possa ser considerado válido;
xii) A responsabilidade extra-contratual dos RR só poderia emergir se tivesse ficado apurado o dano e o nexo de causalidade entre os factos e o dano; não se provando que - e) dos factos não provados – o doador não quis doar um determinado imóvel à donatária ou que nem teve consciência de o ter feito, inexiste nexo de causalidade adequado e dano para responsabilizar o Advogado que emitiu procuração inválida e autenticou a mesma invalidamente, e a Solicitadora que autenticou aquela procuração no documento particular autenticado que titulou tal doação.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

*

I – Relatório

1. AA residente na ..., por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB, intentou acção declarativa contra CC, advogado com domicílio profissional em ... e DD, solicitadora, com domicílio profissional em ..., pedindo a condenação dos réus a:

a) Serem os RR condenados a verem declarado e reconhecido que o BB era o proprietário e legitimo possuidor do imóvel identificado de 14.º a 21.º e 64º a 66 ºda PI, antes da sua doação á EE

b) Serem os RR condenados a reconhecerem que o valor do referido imóvel, a preços de mercado era de pelo menos de 100.000,00€ no ano de 2015, em que ocorreram as intervenções dos RR, na autenticação da procuração e doação referidas de 25.º a 30.º da PI, respectivamente;

c) Serem os RR. condenados a reconhecerem e verem declarada falsa, inválida e de nenhum efeito a procuração, identificada de 25.º a 27.º da PI, datada de 22-05-2015, bem como do “termo de autenticação” desta, descrito de 28.º a 30.º da PI, com a inscrição “n.º ...80.../4” e código de acesso ...85”, datada de 22-05-2020, consultável em“http://oa.pt/atos, usando o código ...85”

d) Serem os RR. condenados a reconhecerem e a verem ser declarada inválida e de nenhum efeito a inscrição da autenticação da doação e Termo de autenticação” desta, efectuada simultaneamente com o registo desta doação na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...85/..., pela apresentação número ...98 de três de Junho de 2015, datadas de ´01 de Junho de 2020, e identificadas de 30.º a 33º da PI:

e) Serem os RR condenados a reconhecerem que sem as suas autenticações da procuração e doação mencionadas nas alíneas c) e d) antecedentes, o BB, não teria privado da titularidade e desapossado do imóvel identificado na alínea a) antecedente;

f) Serem os RR. condenados a reconhecerem que em resultado da venda subsequente referida de 65.º a 67.º da PI, subsequente às autenticações da procuração e doação referidas nas alíneas c) e d) supra, o património do BB, e após a morte deste, o seu acervo hereditário, ficaram economicamente desvalorizados no equivalente ao valor de mercado daquele imóvel

g) Serem os RR. solidariamente condenados a indemnizarem a herança do BB no montante de 100.000,00€ (cem mil euros), equivalente ao valor de mercado do referido imóvel, a título de danos patrimoniais, acrescidos dos juros legais desde 01 de Junho de 2015 (data da sua doação à EE), até integral pagamento.

Para tanto alegou, em síntese, que é irmã sobreviva de BB, sendo o réu R. CC primo de FF, o qual viveu em união de facto com EE. Este casal recebia idosos na sua residência, fazendo disso o seu modo de subsistência. Em finais de 2013, o BB precisava de acompanhamento, motivo pelo qual a autora contactou o referido casal para que do mesmo tratassem, mediante uma contrapartida no valor mensal de 650 €, que foi pago desde essa altura, até ao falecimento de BB. Em Junho de 2015, BB fez doação a EE de prédio urbano, devidamente identificado, a qual foi feita mediante documento particular autenticado pela ré DD que, na mesma data, procedeu à sua inscrição no registo predial, a favor da adquirente. Tal doação foi feita pela exibição de uma procuração pela qual BB conferiu poderes a FF para realizar a mesma, tendo sido autenticada pelo réu CC, na qualidade de advogado. Que consta do termo de autenticação a sua execução pelas 21.34 horas e o seu registo pelas 21.43 horas, quando nesse período temporal BB estava a ser submetido a uma das suas sessões semanais de hemodiálise, pelo que não teve intervenção na mesma, sendo por isso, falsas as declarações prestadas pelo réu CC. BB nunca quis doar o imóvel em causa, nem disso teve consciência, sendo falsa a assinatura que consta da procuração. Por sua vez, a ré DD não verificou, como devia, a irregularidade e invalidade dos poderes conferidos pela procuração, autenticando uma doação e inscrevendo o imóvel seu objecto, a favor de EE, o que possibilitou a esta aliená-lo a terceiro por 75.000 €, valor manifestamente abaixo do seu valor de mercado, o qual se situaria em 100.000 €.

Contestou a ré DD, começando por invocar a nulidade decorrente da ineptidão da petição inicial, bem como a excepção de ilegitimidade passiva, no mais defendendo que não existe qualquer conduta ilícita da sua parte, uma vez que a procuração que lhe foi apresentada era documento suficiente para conferir poderes de representação na doação que titulou. Mais alega que apenas poderia conhecer do vício do reconhecimento da letra e assinatura, nenhum dos quais existe e que o registo da doação foi feito presencialmente na Conservatória do Registo Predial .... Conclui pedindo a condenação da autora como litigante de má fé e suscitando a intervenção da A... Company SA, para a qual foi transferida a responsabilidade civil da ré, por contrato de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado com a Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (OSAE).

Contestou o réu CC invocando a excepção de ilegitimidade passiva e a excepção peremptória da prescrição. Impugna a factualidade alegada na p.i, porquanto BB até 7/8 anos antes do seu óbito não se relacionava com a autora, que não o visitava. Quanto ao mais, alega que BB quis outorgar a procuração e doação, tendo sido o próprio que lhe pediu para tratar da primeira, que foi feita de acordo com as informações e indicações que lhe forneceu. Após a sua elaboração, leu-lha e explicou o seu conteúdo, assim como o termo de autenticação, tendo aposto a sua assinatura no mesmo. Alega ainda que não fez de imediato o registo do acto, porque a casa onde BB residia tinha deficiente sinal de internet, motivo pelo qual processou o registo do mesmo posteriormente, no seu escritório em .... Conclui pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido, uma vez que a procuração e a respectiva autenticação foram elaboradas dentro dos poderes e competência para a prática do acto. Suscita a intervenção da B... SA para a qual foi transferida a responsabilidade civil do réu, por contrato de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado com a Ordem dos Advogados.

A autora apresentou réplica, defendendo a improcedência das nulidades e excepções invocadas, bem como o indeferimento dos incidentes de intervenção de terceiros e da sua condenação como litigante de má fé.

Foi admitida a intervenção principal provocada passiva da B... ao lado do réu CC e da A... ao lado da ré DD.

Contestou a interveniente A...’s, alegando que o contrato de seguro funciona como uma “apólice de excesso”, a que cada membro daquela Ordem tem a possibilidade de aderir para cobrir eventuais indemnizações superiores ao limite fixado na apólice base contratada pela OSAE, de 100.000 € e ao qual a ré DD não aderiu, o que implica a sua ilegitimidade. Excepciona ainda a incompetência do tribunal por se encontrar pendente processo crime instaurado contra FF e EE, devendo o pedido de indemnização ser ali formulado, ao abrigo do princípio da adesão; a falta de capacidade judiciária da autora, porque na qualidade de cabeça de casal não tem competência para instaurar este tipo de acções; a ilegitimidade substantiva da autora porque na qualidade de herdeira só pode fazer valer direitos que existiam na esfera jurídica do falecido, sendo que no caso nunca poderia peticionar a anulabilidade do acto e que qualquer pretensão indemnizatória com fundamento em responsabilidade civil extracontratual já estaria prescrita aquando do falecimento do BB. Impugna por desconhecimento a factualidade alegada na p.i, entendendo, no entanto, que em face da mesma, nunca a acção poderia proceder, por não estarem verificados os necessários pressupostos da responsabilidade civil.

Contestou a interveniente B... invocando igualmente, e com os mesmos fundamentos, a incompetência do tribunal, por se encontrar pendente processo crime. Quanto ao mais alega que o contrato de seguro celebrado com a Ordem dos Advogados cessou a sua vigência, estando expressamente previsto, nas condições gerais, que o segurador não seria obrigado a assumir qualquer sinistro cuja reclamação fosse apresentada após a data da rescisão ou término do contrato, sendo certo que essa reclamação apenas ocorreu posteriormente a tal data, com a citação. Mais alega que, ainda que proceda a acção, o réu CC estará de todo o modo, obrigado a suportar a franquia contratualmente acordada, no valor de 5.000 €. Impugna por desconhecimento a factualidade alegada na p.i, entendendo, no entanto, que em face da mesma, nunca a acção poderia proceder, por não estarem verificados os necessários pressupostos da responsabilidade civil.

C... SA veio requerer a sua intervenção e aderir à contestação apresentada pela A..., alegando ter celebrado com a OSAE um contrato de seguro de grupo contributivo de adesão automática, em que figura como tomador de seguro a OSAE e como segurados todos os membros da OSAE e que cobre a obrigação de indemnizar por parte dos solicitadores / segurados, por actos e omissões praticados com negligência no exercício da sua profissão, durante o período de seguro e dentro dos limites de indemnização e demais termos convencionados. Assim, reportando-se os actos negligentes imputados à Ré DD à data de 1 de Junho de 2015, estão os mesmos abrangidos pelo período do seguro. Intervenção espontânea que foi admitida.

A autora respondeu às excepções deduzidas, no qual conclui pela improcedência das mesmas. Em substituição da B... pediu a intervenção principal passiva da Seguradora D... Company, uma vez que a responsabilidade civil profissional do réu CC, desde determinada data encontrava-se transferida para aquela, por contrato de grupo celebrado entre a Ordem dos Advogados e a referida seguradora. Foi admitida a intervenção principal provocada passiva da D... Company S.E. Sucursal en España, ao lado do réu CC.

Contestou a interveniente D... Company, começando por pôr em causa a aplicabilidade da apólice, uma vez que, tendo assumido a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos durante vigência das apólices anteriores, impunha-se que tivessem sido participados, no início da vigência da apólice contratualizada, qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado nessa data que tivessem gerado ou pudessem gerar reclamação, o que o réu CC não fez, acarretando com isso a exclusão da cobertura prevista. No mais, invoca a nulidade decorrente da ineptidão da petição inicial e impugna a factualidade alegada na p.i, entendendo, no entanto, que em face da mesma, nunca a acção poderia proceder, por não estarem verificados os necessários pressupostos da responsabilidade civil.

Proferido despacho saneador, foram julgadas improcedentes as excepções invocadas pelos RR, salvo as de falta de legitimidade substantiva da A., exclusão de responsabilidade da A... por não cobertura da apólice e por a R. não estar por ela abrangida, falta de cobertura temporal da apólice da B... e falta de cobertura da apólice da D..., que foram relegadas para final.    

Conheceu-se parcialmente dos pedidos formulados, absolvendo os réus dos pedidos formulados sob as alíneas a), b), d), e) e f).

Por decisão proferida nos autos de recurso sob o apenso B, foi também relegada para final a excepção da prescrição invocada pela A... Company SA.

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A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os RR e Intervenientes dos pedidos contra si formulados.

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2. A A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:

A

I – da matéria dada como não provada constam as seguintes alíneas que deviam ter sido dadas como provadas

II - “a)Na sequência do facto referido em 5, a autora responsabilizou-se para tomar conta do irmão;”

Ora,

No depoimento da testemunha AA ficheiro de 26/06/2024 10.22:

De 16:50 a 17:00 de 19:27 a 19:38 e 20:20 a 20:25 refere que o BB (autor da Procuração) depois do 1.º internamento em Coimbra ficou em casa de EE porque a mãe era pessoa idosa e tinha de arranjar pessoa para a ajudar.

No depoimento da testemunha GG, ficheiro de 26/04/2024 – 10:22: De 9:00a 9:12, de 9:25 a 9:39 refere as circunstâncias em que o BB foi internado, de 10:00 a 10:55 e de 11:00 a 11:20, que foi a A. que assinou a alta dele e reuniu com os técnicos no Hospital, de 11:20 a 12:10 refere que devido à idade, como vivia sozinha, não estava preparada para o receber , procurou uma casa de “acolhimento temporariamente, de 16:20 a 17:06 que foi para casa da EE, de 17:30 a 18:07 que era na condição de arranjar um quarto e uma senhora para ajudar a tratar o BB e que esse quarto chegou a ser arranjado, de 18:07 a 18;31 que chagou a contratar uma senhora

No depoimento da testemunha HH no Ficheiro de 26/062924 as 15:15:

De 3:58 a 4: 31 e 6: 36 a 6:42 que a A. lhe falou para ela tratar do Irmão da A.(BB em casa dela, de 4:45 a s:16 que foi com ela a casa da EE para ir buscar o BB e que chegou lé a ir com a A. duas vezes.

Na sequência de todos estes testemunhos que foram coincidentes quanto às circunstâncias do internamento do BB, da alta, das démarches para o acolher, da buscca de pessoa para ajudar a A. a tratar dele, do efectivo “apalavramento de pessoa” que até o chegou a visitar e acerca do carácter provisório da estadia na Casa da EE, dúvidas não sibsistem de que esta matéria ficou suficientemente provada, devendo constar na integra num novo ponto da matéria dada como provada.

III - “c) BB não apôs a sua assinatura na procuração referida em 9, nem a mesma lhe foi lida e explicada pelo réu CC;”

Ora,

No depoimento da testemunha AA ficheiro de 26/06/2024 10.22:

De 18:16 a 19:27 e de 45:00 a 45:30 que a mãe (A.) e irmão visitaram o BB enquanto a EE o permitiu, de 22:40 a 23:42 tinham dificuldades em falar com ele,

No depoimento da testemunha GG, ficheiro de 26/04/2024 – 10:22:

De 13:05 a 14:00 antes de o BB ir para casa da EE, não a conheciam, nem o BB de 16:20 a 17:06 que a EE sabia que a situação era provisória, de 19:20 a 19:25 e de 21:00 a 21:17 e de 21:17 a 22:22, não o levaram porque a EE disse que o mês já estava pago e ficaram de ir no fim do mês, de 22:45 qa 23:00 que a EE sabia, de 23:00 a 23:49 e de 35:00 a 35:60 e de 24:00 a 24: 26 não conseguiram falar com o BB de 24.30 a 25: 20 a partir daí tinham dificuldades em visitá-lo, de 25:30 a 25:33 quando conseguim ele estava sempre acompanhado, de 27:30 a 28:48 que deixaram de visitá-lo no final de 2014 depois de um episódio em que exigiram livro de reclamações e chamaram a GNR.

II no Ficheiro de 26/04/2024:

De 9:00 a 9:05 foi visitá-lo só uma vez, de 9:20 a 9:38 estava em cadeira de rodas, de 10:59 a 12:54 conviviam em almoços às sextas e ele ia sempre em cadeira de rodas levado pela senhora do lar e companheiro, que também almoçavam, de 13:00 às 14:00 não conseguiam falar com ele à vontade 11:25 que quando forma buscá-lo a EE e o companheiro já o tinham separado dos outros utentes e barraram-lhe o caminho impediram de o trazer quando foram buscar o BB após o segundo internamento a 9:12, de 9:25 a 9:39 refere as circunstâncias em que o BB foi internado, de 10:00 a 10:55 e de 11:00 a 11:20, que foi a A. que assinou a alta dele e reuniu com os técnicos no Hospital, de 11:20 a 12:10 refere que devido à idade, como vivia sozinha, não estava preparada para o receber , procurou uma casa de “acolhimento temporariamente, de 16:20 a 17:06 que foi para casa da EE, de 17:30 a 18:07 que era na condição de arranjar um quarto e uma senhora para ajudar a tratar o BB e que esse quarto chegou a ser arranjado, de 18:07 a 18;31 que chagou a contratar uma senhora.

No Depoimento do Dr JJ no ficheiro de 26/04/2024 às 13:45:

De 1:00 a 1: 53 e de 2:20 a 2:33 que foi médico de família do BB a partir de 2003 até 2014/2015, de 4:15 a 4:30 que eram amigos, de 5:40 a 6:12 que conheceu a EE e o FF que acompanharam o BB numa consulta e qe este vinha numa cadeira de rodas, sem qualquer razão clínica para tal, de 6:15 a 6:41 que tentou contactá-lo sem sucesso porque suspeitou que estava em sequestro físico e psicológico e contactou a segurança social, de 6:50 a 7:06 que tentou marcar um domicílio para casa da EE e esta recusou e mostrou-se hostil, de 7:06 a 7:52 que marcou almoço para falar com ele para esclarecer as dúvidas que tinha, mas também apareceu a EE e o companheiro e não conseguiu, de 8:30 a 8:54 que suspeitava que havia uma situação de bloqueio completo e que ele não era completamente livre e de 10:00 a 10:11 que estava convicto que era uma situação de completo sequestro da liberdade do BB.

KK no ficheiro de 26/06/2024 às 15:04:

De 1:30 a 2:54 trabalhou na casa da EE três meses onde conheceu o BB, de 5.00 a 5:15 não tinha visitas, de 14:30 a 14:51 tinha ordens da EE para não abrir a visitas sem autorização dela,

E assim sendo, pela conjugação desta prova testemunhal e da aduzida aos pontos anteriores, que são coincidentes sobretudo quanto o isolamento, dependência, ausência de liberdade, controlo, sequestro do BB pela EE e companheiro, da coincidência de hora de tratamento de hemodiálise e registo do acto de autenticação da procuração, convencimento do BB que a casa ainda era sua, deve a presente alínea deve passar a matéria dada como provada, constando de novo número a acrescentar a esta,

E pela divergência entre o acto de autenticação da procuração e seu registo (doc. 16 e 35 da PI) e pela razão de que a procuração e da mesma data do acto e registo, foi feita em casa da EE, quando para uma procuração a conceder só poderes de administração à EE (doc. 49 da PI) foi outorgada no Notário é sintomática de que não que a EE e FF não pudesse ter liberdade de decidir ou consciência para tal, porque um notário averiguaria se era essa a vontade do BB, o que o FF e EE não queriam que fugisse ao seu controle.

O que aliado ao que se diz infra acerca do registo do acto, e que se dá como reproduzido, é suficiente para concluir o oposto da presente alínea da matéria dada como não provada que deve passar na integra a um novo número da matéria dada como provada.

IV- “d)BB não apôs a sua assinatura no termo de autenticação mencionado em 10, nem o mesmo foi assinado na presença de CC que não o leu e explicou o seu conteúdo àquele;”

Ora,

No depoimento da testemunha AA ficheiro de 26/06/2024 10.22:

De 32:30 a 33:44, 38:40 a 39:52, 40: a 41:23, de 47:00 a 47:22 e de 48:50 a 50:45 refere que a data e hora do registo do acto de autenticação da procuração em que o BB mandatou a FF para doar à EE coincide com o dia e hora em que aquele estava no sessão de hemodiálise na clínica “E...”.

No depoimento do Dr. LL (directos da clínica “E...”) no ficheiro de 26/06/2024 as 13:59:

De 2:40 a 3:12 e de 3:40 a 4:00 que foi ele que forneceu a listagem dos tratamentos doe hemodiálise do BB, (doc. 33 da PI) que lhe foi exibido e confirmou serem os registos constantes na clínica e de e de 5:00 a 5:31, acerca da pág. 6 de dia 22-05-2015 que o tratamento foi das 17.15 às 22:15, durante 4 horas , de 8:00 a 9:00 e de 9:00 a 9:28 e qe os eeitos num paciente é cansaço, dor, mal estar e que quando chegam a casa o que querem é ir para a cama, e no comportamento em doentes com a idade do BB que há pessoas que ficam tão em baixo que nem conseguem tomar decisões e ele fez-lhe crer que era uma pessoa muito frágil.

Por sua vez, da pág. 6 doc. 33 da PI consta que o BB estava numa sessão de hemodiálise das 17:15 às 22:15 do mesmo dia e hora em que foi efectuado o registo do acto de autenticação da procuração (doc 16 e 35 da PI)

Do acto e registo não consta expressamente que houve dificuldades técnicas, conforme a lei exige, para que o registo fosse efectuado em omento diferente do acto, conforme se explana melhor infra sob C.1 .

E pelas razões ali aduzidas e sobretudo porque a A. nos termos do art.º 372.º do CC logrou afastar a veracidade de tal acto e termo deve suprimir-se este pinto da matéria dada como não provada, passando o mesmo a constituí um ponto da matéria dada como provada.

V- “e) BB não quis doar o imóvel descrito em 16 a EE, nem teve consciência de o ter feito;”

MM no ficheiro de 26/04/2924 às 14:32 De 7:00 a 7:47 e de 8:00 a 10:20 foi visitar BB duas vezes no estabelecimento que a EE tinha (Café e mercearia em ...) com dois amigos e ele falou que tinha uns instrumentos em casa (garagem) dele e que se calhar já estavam estragados e afinal a casa já estava vendida e que comentaram quando saíram que ele não sabia qu a casa já não era dele.

E assim sendo, pela conjugação desta prova testemunhal e da aduzida aos pontos anteriores, que são coincidentes sobretudo quanto o isolamento, dependência, ausência de liberdade, controlo, sequestro do BB pela EE e companheiro, da coincidência de hora de tratamento de hemodiálise e registo do acto de autenticação da procuração, convencimento do BB que a casa ainda era sua, deve a presente alínea deve passar a matéria dada como provada, constando de novo número a acrescentar a esta,

VI- “f) BB até à data da sua morte estava convencido que o imóvel descrito em 16 ainda lhe pertencia;”

MM no ficheiro de 26/04/2924 às 14:32 De 7:00 a 7:47 e de 8:00 a 10:20 foi visitar o BB duas vezes no estabelecimento que a EE tinha (Café e mercearia em ...) com dois amigos e ele falou que tinha uns instrumentos em casa (garagem) dele e que se calhar já estavam estragados e afinal a casa já estava vendida e que comentaram quando saíram que ele não sabia qu a casa já não era dele.

Pelas mesmas razões imediatamente supra aduzidas deve esta alínea passar a matéria dada como provada constituindo um novo número desta.

A.2

XII - Do documento 34 junto com a PI (título de compra e venda e mútuo com hipoteca) datado de 30 de Junho de 2016, consta a venda, pela EE do imóvel identificado na procuração de 22/05/2915 pelo valor de 75.000,00€, e que é o mesmo que consta da doação a esta (doc 36 da PI) na sequência da procuração (doc 16 e 35 da PI).

VIII - Por sua vez, o referido imóvel foi objecto de peritagem tendo sido avaliado em 60.000,00€ (- Relatório pericial junto em 24.05.2024)

IX- A sentença omite qualquer referência ao valor do imóvel (quer na matéria dada como provada como não provada, quando fazia parte do ponto 3 dos temas da prova “averiguar o valor do imóvel objecto de compra e venda”.

X- Assim sendo, porque é essencial à decisão do pleito, e porque ficou demonstrado pela prova pericial que o valor do imóvel e de 60.000,00€ deve ser aditado um ponto 36 à matéria dada como provada com a seguinte redacção: “o valor do imóvel objecto de compra e venda é de 60.000,00€”

B

XI- A. A. nunca pediu a declaração de nulidade de qualquer negócio jurídico ou até da nulidade da procuração, mas que fosse reconhecida a sua invalidade da procuração (falta de formalidade substancial da procuração, falsidade do acto de autenticação) negligência no atestar dos poderes para a doação no acto de autenticação da doação, para pedir a indemnização por quem praticou os actos de autenticação quer da procuração, quer da doação, conforma consta do pedido e causa de pedir.

XII- Por isso não concorda com a sentença quando esta diz que se trata de uma representação sem poderes sancionada com ineficácia do negócio em relação ao dominus, tanto assim que permite a sua ratificação pois que o representado pode até ter interesse no negócio (…); fazendo-o, o negócio adquire total eficácia, desde o momento da actuação do representante, como se nunca tivesse havido qualquer vício; fala-se por isso, a este propósito de uma eficácia suspensa.

XIII- Com o devido respeito, a sentença nesta parte refere-se aos negócios subsequentes à procuração (doação e venda), esses sim enquadráveis no mandato sem representação, que não têm eficácia em relação ao mandante, a menos que ratificados por este, ficando com a sua eficácia suspensa e dependente de acto posterior, conforme o disposto no artigo 268.º n.º 1 e 2 do Código civil.

Mas,

XIV- Em toda a causa de pedir não é a nulidade de um negócio e dos subsequentes, mas sim a prática pelos RR. de actos de autenticação no exercício das funções notariais cometidas aos advogados e solicitadores de que resultaram danos para .terceiros (herdeiros do BB) em virtude da diminuição do património e acervo hereditário deste em consequência de tais actos.

XVI- A responsabilização civil dos RR. CC e NN pelas suas condutas ilícitas e senão, dolosas, pelo menos culposas.

XVI- É esta causa de pedir que com o pedido que o elemento objetivo da instância, define-se como o facto jurídico concreto de que procede o efeito jurídico que se pretende fazer valer com a acção (cfr. art. 581º n.º 4 do C.P.C.).

XVII- E não para onde “resvalou” a douta sentença, com o enquadramento na declaração de nulidade dos negócios jurídicos, e mandatos sem representação, em que a legitimidade substancial para arguir a nulidade é do A. da procuração.

C

XXVIII- Nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 5º do Decreto-lei nº 237/2001 de 30 de Agosto, conjugado com o Artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, e n.º 1 al d) do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 207/95 (Código do Notariado), os advogados e solicitadores têm competência para a prática de actos notariais, designadamente de autenticação de documentos particulares, “nos termos previstos no Código do Notariado”, possuindo estes a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.

XIX- Tratou-se, pois e apenas, de entregar um acto próprio dos Notários dotados de fé pública), aos advogados (dotados de fé pública), em razão da celeridade e comodidade que assim se alcançavam, sem menosprezo das garantias de verdade e autenticidade.

XX- O caso de autenticação dos documentos particulares encontra-se disciplinado nos artigos 150.º e seguintes do Código do Notariado, exigindo-se assim que as partes confirmem o seu conteúdo perante o advogado ou solicitador (artigo 150.º, n.º 1, do Código do Notariado), o qual deve lavrar termo de autenticação (artigo 150.º, n.º 2, do Código do Notariado), em obediência aos requisitos previstos nos artigos 150.º e 151.º Código do Notariado, devendo ainda ser efectuado o registo informático previsto na Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho.

XXI- Nos termos do n.º3 do aludido art.º 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, conjugado com o art.º 1.º e 2.º da Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho, os actos de autenticação praticados pelos advogados e solicitadores, excepcionando os casos do n.º 1 do art.º 6.º da Portaria n.º 1535/2008, apenas podem ser validamente praticados mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça, dependendo a sua validade do registo no sistema informático

XXII- Sendo que, ainda nos termos do art.º 3.º da Portaria n.º 657-B/2006, os dados recolhidos em tais actos devem ser registados no referido sistema informático, entre outros, a identificação da pessoa que pratica o acto ( al. c), a data e hora de execução ( al. d) e número de identificação do acto ( al. E ).

XXIII- E nos termos do n.º 1 do art.º 53.º do Decreto-Lei n.º 207/95 (Código do Notariado) “a leitura, explicação, outorga e assinatura dos instrumentos devem realizar-se em acto continuado”, e nos termos do n.º 2 deste artigo “ se a leitura, explicação e outorga se não concluírem no dia em que tiverem início, deve consignar-se no instrumento, antes das assinaturas, o dia e a hora da sua conclusão”

XIV- Devendo, ainda nos termos do n.º 1 do art.º 4.º da referida da Portaria n.º 657-B/2006, o registo informático “ser efectuado no momento da sua prática”, e o sistema informático “gerar um número de identificação que é aposto no documento que formalização acto”.

XXV- E nos termos do n.º 2 do art.º 4.º da referida da Portaria n.º 657-B/2006, “quando, em virtude de dificuldades de carácter técnico, não for possível aceder ao sistema no momento da realização do acto, esse facto deve ser expressamente referido no documento que o formaliza, devendo o registo informático ser realizado nas quarenta e oito horas seguintes”

XXVI- Ora, sucede que, não tendo o autenticante da supra aludida procuração o Réu CC, mencionando expressamente, como é obrigatório, no “termo de autenticação” da procuração supra aludida que a sua inscrição no sítio informático da Ordem dos Advogados foi em momento posterior à sua realização, esta inscrição e emissão de número de registo e código de acesso do acto, tem-se como contínuo e forçosamente na presença das partes, à hora do respectivo registo no lugar mencionada no referido acto, que era a casa do procurador FF e EE em ....

XVII- O termo e registo do acto, sublinhe-se nada diz quanto ao momento do acto divergir do momento do seu registo e de nenhuma prova dos autos, resulta tal.

XVIII- Nem do facto de o acto e o registo serem do mesmo dia se pode presumir que tenham sido efectuados em momentos diferentes do mesmo dia, ou que o registo foi posterior, dentro das 48 horas da prática do acto, como pretende a sentença.

XIX- E assim sendo, o que decorre é que o registo sendo efectuado às 21:30 horas do dia 22-05-2015, o que se extrai da redacção do acto e do e menção do registo é que data e hora de registo coincidem.

XX- Coincidindo também com a hora e dia em que o BB (mandante e supostamente interveniente no acto) estava numa sessão de hemodiálise, desde as 17:15 até às 22:15 na clínica “E...”.

XXI- Isto é, a A. logrou afastar a força probatória do documento com base em falsidade (art. 372.º), mediante prova do contrário..

XXII- E assim sendo, E assim sendo, as menções no “termo de autenticação” da supra aludida procuração, de que o acto de autenticação foi praticado às “21:30 horas do dia “22-05- 2015”, e de que nas circunstâncias de tempo, modo e lugar no referido “termo de autenticação” este “foi em voz alta lido e explicado o seu conteúdo à outorgante” “ e que o mesmo foi assinado na presença” do autenticante, “bem como a procuração”, ou de que a procuração supra foi por ele lida, lhe foi lida em alta voz, explicado o seu conteúdo e que a mesma exprime a sua vontade” são falsas porque n não se terem verificado.

XXIII- Isto é, o Reu CC falsificou um documento, sendo este acto p.p. no n.º 1 do art. 256.º do Cod Penal.

C.2

XXIV - Mas não só o Réu CC cometeu um crime, como cometeu um acto ilícito.

XXV- Com efeito, nos termos do n.º 1 do art.º 71.º do Decreto-Lei n.º 207/95 (Código do Notariado) “nulo o acto lavrado por funcionário incompetente, em razão da matéria ou do lugar, ou por funcionário legalmente impedido, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 369.º do Código Civil.

XVI- Além de que, o n.º 2 do art.º 262.º do Código Civil ao dispor que, “Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar”, consagra, como regra geral, a sujeição da procuração à forma exigida para o negócio principal.

XXVII- E o art.º 116.º do Código do Notariado dispõe que;

“1 - As procurações que exijam intervenção notarial podem ser lavradas por instrumento público, por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura, por documento autenticado ou por documento assinado pelo representado com reconhecimento da assinatura.

2 - As procurações com poderes gerais de administração civil ou de gerência comercial, para contrair obrigações cambiárias, para fins que envolvam confissão, desistência ou transacção em pleitos judiciais, ou a representação em actos que devam realizar-se por escritura pública ou outro modo autêntico ou para cuja prova seja exigido documento autêntico, devem ser conferidas por uma das três primeiras formas previstas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 - As procurações conferidas também no interesse de procurador ou de terceiro devem ser lavradas por instrumento público cujo original é arquivado no cartório notarial. “

XXVIII- Isto, é, podendo a doação efectuar-se por mero documento autenticado, seria esta a forma exigida para a procuração para outorgar nesta em nome do doador, se o n.º 3 do art.º 116.º do Código de Notariado não dispusesse que “as procurações conferidas também no interesse de procurador ou de terceiro, devem ser lavradas por instrumento público cujo original é arquivado no cartório notarial”.

XXIX- Se alguma dúvida existisse acerca da interpretação desta norma, segundo o modelo resultante do artigo 9º do Código Civil, “A interpretação da lei é realizada a partir da “letra da lei”…, com base nas “circunstâncias em que a lei foi elaborada”…, na “unidade do sistema jurídico”… e nas “condições específicas do tempo em que [a lei] é aplicada”….» (Miguel Teixeira de Sousa, (2012) Introdução ao Direito, Coimbra: Almedina, cit., pág. 348.)

XXX- Ora, na primeira parte do n.º 2 do artigo 262.º do CC (“Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar”), o legislador estabeleceu o princípio da equiparação formal entre o acto concessor de poderes representativos e o negócio que o procurador deva realizar comporta excepções.

XXXI- E assim sendo, nos termos desta imediatamente referida norma, a forma exigida para a procuração supra aludida seria a de documento particular autenticado, podendo este ser efectuado por advogado ou solicitador, uma vez que, nos termos do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 116/2008 der 4 de Julho a doação pode revestir a forma “de escritura pública ou documento particular autenticado”

XXXII- Contudo, como ensinava João Nuno Calvão da Silva, “…a ratio do artigo 116.°, n.° 1, do CN…” … é “a segurança jurídica conferida pela intervenção notarial a justificar a possibilidade de derrogação da aplicação do artigo 262.°, n.° 2, do CC, …” (Parecer - Procuração (artigo 116.º do Código do Notariado e artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março – consultável em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-2007/ano-67-vol-ii-set-2007/doutrina/joao-nuno-calvao-da-silva-procuracao-artigo-116%C2%BA-do-codigo-do-notariado-e-artigo-38%C2%BA-do-decreto-lei-n%C2%BA-76-a2006-de-29-de-marco/

XXXIII- Para concluir, aludindo ao n.º 1 do art.º 116.º do Código do Notariado, que “…deste modo, a possibilidade conferida pelo Decreto-Lei n.° 76-A/2006, de 29 de Março, aos advogados, aos solicitadores e às câmaras de comércio e indústria, de autenticar documentos particulares e de poder fazer reconhecimentos presenciais de assinaturas em documentos (cfr. artigo 38.°, n.° 1(61)), não significa que os documentos autenticados ou escritos e assinados pelo representado com reconhecimento presencial por qualquer daquelas entidades, possam valer como procuração para a celebração de um negócio por escritura pública.

A lei é clara: só a intervenção de um notário(63), pelas razões supra expostas, permite que para a conclusão de um negócio por escritura pública seja suficiente uma procuração lavrada “por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento autenticado” (artigo 116.°, n.° 1, do CN).

Naturalmente, o legislador podia ter consagrado outras excepções legais à regra geral do artigo 262.°, n.° 2, do CC, outorgando, por exemplo, aos advogados, dados os especiais deveres de prossecução de fins de utilidade pública que lhes estão cometidos, a prerrogativa concedida aos notários pelo artigo 116.°, n.° 1, do CN; os documentos autenticados ou os documentos com letra e assinatura do representado reconhecidas presencialmente por aqueles profissionais forenses serviriam então como procuração bastante para a celebração da escritura pública” (Ibiden

XXXIV- Princípio este também extensível ao tipo de procuração como a supra referida, pela sua previsão no n.º 3 do art.º 116.º do Código de Notariado de excepção ao princípio de conformidade do n.º 2 do art.º 262.º do Código Civil, e que é pacificamente aceite na pratica e direito notarial ao entender-se que “a procuração pode ser passada também no interesse do procurador, ou de terceiro. (Cfr.n.º 3 do art.º 265.º do Código Civil). Neste caso, deve ser sempre feita por instrumento público que fica arquivado no Cartório Notarial. Cfr. n.º 2 do art.º 116.º do Código do Notariado” (in www.notarios.pt/OrdemNotarios/PT/PrecisoNotario/Procuracoes/ )

XXXV- E assim sendo, além do acto de autenticação da procuração ser falso, conforme se referiu supra, a procuração propriamente dita em que o BB, outorga poderes ao Réu FF para doar à Ré EE, no interesse desta, também só podia ter sido lavrada por notário.

XXXVI- Mas tendo sido lavrada por mero documento particular autenticado, nas circunstâncias de tempo, modo, lugar e conteúdo referidos no acto e registo deste, padece de vício de invalidade, isto é a nula nos ternos do art.º 174.º, n.º 2 do art.º 41.º, n.º2 do art.º 70.º, n.º 1 al c) e n.º 2, 116.º n.º 3 do Código do Notariado.

XXXVII- E ainda que ao ser outorgada por documento particular, ainda que posteriormente autenticado, falta-lhe um requisito “ad substância, cuja preterição, nos termos conjugados dos artºs 364º e 220º do Código Civil, conduz à nulidade do acto, in casu da procuração outorgada por BB conferindo poeres a FF

C.3

XXXVIII- O artigo 483.º do CC dispõe que: “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilìcitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.“

XXXIX- O artigo 798.º do mesmo código, por sua vez dispõe:

“O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”

XL- Isto é, o nosso Código Civil de 1966, contrapõe sistematicamente dois tipos de responsabilidade: a responsabilidade civil delitual (vulgo extracontratual, 483.º/1 CC) à obrigacional (vulgo contratual.

XLI- Mas não contemplada, pelo menos directamente, a responsabilidade por uma qualquer categoria profissional, nem a dos profissionais liberais (Lebre de Freitas, in “A responsabilidade civil dos profissionais liberais”, estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, vol. II, 2.ª ed., Coimbra editora: Coimbra (2009), pp. 689-696 (689)

XLII- Assim sendo, a responsabilidade profissional do advogado, afere-se em dois campos: No âmbito das normas profissionais e em termos gerais.

XLIII- São requisitos e pressupostos gerais da responsabilidade civil quer do advogado, quer do solicitador os seguintes:

XLIV- Em ambas as normas-padrão das duas principais modalidades de responsabilidade (delitual e obrigacional, 483.º/1 e 798.º CC, respectivamente), rectius, na respectiva previsão normativa, constam estes elementos.

XLVI- E os elementos que fundam esta obrigação de indemnizar, encontra-se longe de pacífica a interpretação destes elementos. vinga, no entanto, ao nível doutrinário e das nossas instâncias, uma pentapartição tradicional, a qual distingue entre (a) facto, (b) ilicitude, (c) culpa,(d) dano e (e) nexo de causalidade.

XLVII- O facto é a conduta quer pelo R. CC, quer pela R. NN violadora do dever de conduta imposto pelas normas de protecção, onde se destacam, novamente, aqueles deveres estatutários, de matriz pública

XLVIII- A Ilicitude esta na violação de regras constantes do estatuto dos estatutos das respectivas profissões de advogado e solicitador e ainda adentro do prisma extra obrigacional (483.º//1 CC), outras categorias de ilicitude à situação de responsabilidade, como a violação da lei e a «violação de direito de outrem» A culpa está na falta de diligência exigível, aferida pelo homem médio (bonus pater familias, 487.º/1 CC), tendo em conta as circunstâncias de actuação de ambos os RR. que pela formação jurídica e actividade profissional de ambos deviam ter um comportamento diferente, até contrario à “legis artis”, não falsificando um documento, não atestando um facto falso e não praticando o acto (no caso do R. CC) e não atestando falsamente os poderes do FF e não conferindo a regularidade dos poderes deste (R. NN).

XLIX- O nexo de causalidade está na relevância (ilicitude e culpa) de tais condutas concorrentes dos RR. para a alienação do imóvel do BB e diminuição do seu acervo patrimonial, e por via desta do seu acervo hereditário no valor do imóvel do BB e que não teria acontecido sem os actos dos RR..

L- O dano o prejuízo sofrido pelos herdeiros do BB, da qual a A. é cabeça-de-casal e interessada e que constitui o requisito indispensável ao fenómeno indemnizatório.

LI- Traçado o quadro geral dos requisitos inerentes à responsabilidade civil que se verificam em relação aos RR., o problema coloca-se no seu enquadramento nas três alternativas: Obrigacional, delitual ou combinaçºao de ambas em concurso, como nova modalidade, como já entendeu o Ac. TRG, de 22-Jun-2017(proc. n.º 4364/12.5tBGMR.G)

LII- A heterogeneidade das situações de responsabilidade que lhe servem de base opõe-se a uma compartimentação de carácter unidimensional, absoluto a favor de qualquer uma das alternativas enunciadas.

LIII- Sem prejuízo e em traços gerais, a responsabilidade civil do advogado perante o seu constituinte é, em regra, obrigacional (i.e., decorre do incumprimento das obrigações que vinculam o advogado ou solicitador, 798.º e ss. CC), há situações em que nada obsta à relevância delitual do comportamento do advogado, em determinados casos, nem, por sinal, à sua vertente objectiva (ou seja, independentemente de culpa), em concurso ou não, com a anterior.

LIV- Não deve surpreender, por este motivo, que o nosso Supremo tribunal de Justiça entenda que «a responsabilidade do advogado para com terceiros é sempre extracontratual» (Ac StJ, de 29-Abr-2010 (proc. n.º 2622/07.0tBPNF.P1.S1, e Ac. de 17-Jun-2021 do mesmo douto tribunal (proc. n.º 15017//14.0t2SNt.L1.S1).

LV- E este entendimento é também sufragado na doutrina (cf., por todos, Carneiro da Frada, Teoria da confiança, p. 336, nota de rodapé 332, quando o ilustre Professor afirma «[o] campo dos danos sofridos por terceiro é, por excelência, o da tutela aquiliana»), embora cumpra, por vezes, precisar se o lesado reveste verdadeiramente a qualidade de terceiro, e Orlando Guedes da Costa in “A responsabilidade civil profissional, p. 193).

Em resumo:

LVI- Qualquer das soluções anteriormente enunciadas pode ser considerada. em suma, a responsabilidade civil do advogado ou solicitador, que pode ser exclusivamente obrigacional (a regra, por sinal) ou delitual, ou simultaneamente obrigacional e delitual, num modelo de concurso.

LVII- Nesta última hipótese, o lesado dispõe de várias pretensões indemnizatórias que concorrem à satisfação do mesmo crédito indemnizatório, sem que nenhuma possa prevalecer sobre a outra, como num caso simultâneo de violação do sigilo profissional no exercício do mandato forense, que além de consubstanciar uma violação obrigacional (798.º CC e ss.), consubstancia simultaneamente a prática de um crime (195.º CP), com relevância delitual (483.º/1 CC, por violação de «disposição legal destinada a tutelar interesses alheios»).

LVIII- E é, com o devido respeito, nesta situação que se enquadram os factos. A Prática de um crime e violação de disposições legais destinadas a tutelar interesses alheios.

LXIX- As normas relativas aos actos notarias dos advogados e solicitadores, de registo dos seus actos, destinam-se a proteger interesses alheios, e a confiança pública.

LX- Enquadram-se portanto na responsabilidade delitual, extra-obrigacional dos RR. .

LXI- E assim sendo, porque em relação a ambos os RR. se verificam os requisitos gerais de responsabilidade civil e os especiais de responsabilidade extra contratual ou delitual dos RR, deviam ter sido estes condenados no pedido Indemnizatório de forma solidária, nos termos do art.º 497.º do CC.

LXII- Pedido esse que consiste no dano sofrido pelo acervo hereditário da Herança do BB, em virtude dos actos dos RR. no valor do imóvel de que este se viu privado,

LXIII- E cuja transferência de responsabilidade se encontra transferida em virtude dos respectivos seguros de grupo profissionais, nos termos apurados na matéria dada como provada.

LXIV- Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou os artigos 342.º e 372.º do Código Civil, bem como os artigos 35.º, o art.º 116.º n.º 3, 150.º e 151.º do Código do Notariado e, bem assim, os artigos 3.º, 4.º e 38.º da Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de junho e o artigo 483.º, 487.º, 497.º, 563.º 564.º do Código civil.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, com a requerida alteração da matéria de facto e alegações de direito, deve o presente Recurso obter provimento, assim decidindo farão V. Exas. a tão costumada e esperada JUSTIÇA!

3. A interveniente C... contra-alegou, concluindo que:

A Recorrente interpôs o presente recurso de Apelação, o qual inclui impugnação da matéria de facto e da matéria de Direito, numa tentativa de ver alterada a sentença proferida pelo Tribunal a quo.

B. Contudo, as suas alegações de recurso assentam essencialmente em juízos conclusivos, e especulações ou interpretações forçadas e erróneas, baseadas em elementos de prova que não são suficientes para as sustentar, numa tentativa forçosa de conseguir obter uma decisão favorável à sua pretensão.

C. Desde logo, a Recorrente entende que o facto identificado no ponto a) da matéria de facto não provada deveria ter sido julgado provado, baseando tal entendimento nos depoimentos das testemunhas OO, PP e HH.

D. Contudo, como bem apontou o Tribunal a quo na sentença recorrida e é igualmente confirmado pelas passagens dos depoimentos a que a Recorrente fez referência nas suas alegações de recurso, da prova produzida resulta que, quando BB saiu do Hospital, a ora Recorrente já era uma pessoa de idade e não estava em condições de o receber, necessitando de adaptar a sua casa e de recorrer à ajuda de terceiros para esse efeito, tendo sido esse o motivo pelo qual a Autora/Recorrente acabou por recorrer à residência de EE para que este ali ficasse.

E. Mais, questionados sobre a eventual vontade de BB ir viver com a sua irmã, PP (no depoimento prestado no dia 26.06.2024, às 11:23, de 00:26:20 a 00:27:00) clarificou que a maior preocupação da família (incluindo, da Autora/Recorrente) era que BB estivesse bem tratado, ainda que não se encontrasse a residir com a irmã (Autora/Recorrente), e a testemunha HH (em depoimento prestado na sessão de julgamento do dia 26.06.2024, às 16:05, de 00:06:00 a 00:07:00) atestou que BB quis permanecer na residência de EE, porque “estava lá bem”.

F. Assim, ainda que a intenção da Autora/Recorrente pudesse ter sido a de, num primeiro momento, diligenciar pela ida do seu irmão para sua casa, a verdade é que da prova produzida resulta expressamente que esta não assumiu nunca essa responsabilidade e que BB ficou a residir na residência de EE até ao seu falecimento, tendo a Autora/Recorrente deixado de o visitar a partir de 2014.

G. Não resulta, assim, provado que a Autora/Recorrente se tenha efetivamente responsabilizado por tomar conta do irmão.

H. Pelo que se conclui que a sentença recorrida não merece qualquer reparo na parte em que considerou este facto como não provado, já que não existe nos autos qualquer elemento que justificasse a tomada, pelo Tribunal ad quem, de uma decisão diferente da recorrida.

I. Por sua vez, quanto aos pontos c), d), e) e f) da matéria de facto não provada, a Recorrente entende que deveriam ter sido julgados provados, baseando tal entendimento nos depoimentos de várias testemunhas como OO, PP, II, Dr. QQ e MM.

J. Segundo alega, os referidos depoimentos “são coincidentes sobretudo quanto o isolamento, dependência, ausência de liberdade, controlo, sequestro do BB pela EE e companheiro, da coincidência de hora de tratamento da hemodiálise e registo do acto de autenticação da procuração, convencimento do BB de que a casa ainda era sua (…)”, sendo aptos a sustentar a prova pretendida pela Recorrente.

K. A Recorrente faz ainda referência ao depoimento da testemunha Dr. LL e ao Documento 33 da PI, dos quais resulta, segundo alega, que BB se encontrava numa sessão de hemodiálise no momento do registo do ato de autenticação da procuração (não tendo, segundo conclui, participação no mesmo), mais referindo que do ato e registo não consta qualquer referência ao facto de ter havido dificuldades técnicas, conforme exigido por lei para que o registo fosse efetuado em momento diferente do ato.

L. Contudo, os elementos de prova apontados pela Recorrente não são aptos à prova pretendida por esta, que vem simplesmente interpretá-los à medida da sua própria conveniência, formando conclusões não podem aceitar-se.

M. Desde logo, a prova produzida não permite concluir, sem margem para dúvidas, que BB se encontrasse isolado ou sem liberdade; pelo contrário, disse-se que, mesmo após a ida para o lar, BB continuava a frequentar os mesmos almoços de grupo semanais, que comparecia nos convívios com os amigos e que era bem tratado – cf. depoimento de II, prestado no dia 26.06.2024 às 12h:05, de 00:11:00 a 00:14:00 e depoimento de MM, prestado no dia 26.06.2024 às 15:01, de 00:16:00 a 00:17:00.

N. De igual modo, a prova produzida também não permite concluir que BB não estivesse plenamente consciente, ou que estivesse sob controlo de EE – aliás, PP, em depoimento prestado a 26.06.2024 às 11:23, de 00:26:20 a 00:27:00, mencionou que BB se apresentava bem tratado, consciente e lúcido.

O. Também a testemunha KK, no seu depoimento de 26.06.2024, às 15:48, de 00:12:00 a 00:13:00, clarificou que BB lhe havia comunicado a si diretamente que havia doado tudo a EE, de boa vontade e voluntariamente, por “não ter mais ninguém

” – o que contraria diretamente a tese de que este não tinha consciência da doação do imóvel.

P. Ora, estes elementos foram suscetíveis de fazer contraprova, ou pelo menos, suscitar dúvida, quanto aos factos alegados pela Recorrente.

Q. Já quanto aos documentos apontados pela Recorrente, a única conclusão inequívoca que deles se pode retirar é a de que, de facto, o registo no website da Ordem dos Advogados apenas foi realizado posteriormente à outorga da procuração e do respetivo termo de autenticação, e bem assim que, no momento do registo, BB se encontraria numa sessão de hemodiálise.

R. Sem prejuízo, de tais factos não decorre (nem poderia decorrer) que os documentos sejam simplesmente falsos, ou que BB não tivesse consciência do seu teor e do facto de ter alienado o imóvel que lhe pertencia.

S. Não existe, assim, nos autos, qualquer prova que possa levar a concluir sem mais que BB não outorgou a procuração, que o teor da mesma não lhe foi explicado, que não assinou o termo de autenticação, e que não tinha consciência de ter doado o imóvel em questão nos autos a EE – que são precisamente os factos em causa nas alíneas c), d), e) e f) da matéria de facto não provada, impugnados pela Recorrente.

T. Como resulta do artigo 607º, nº 5 do CPC, compete ao Tribunal, na pessoa do Meritíssimo Juiz, apreciar a prova produzida, no exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo legislador.

U. E foi precisamente no âmbito desses poderes que o Juiz a quo entendeu que os elementos de prova produzidos nos autos não mereceriam relevo no sentido de afastar, por si só, o valor das inscrições constantes dos documentos em causa nos autos – procuração e respetivo termo de autenticação – e levar a concluir que os mesmos eram falsos.

V. O que a Recorrente parece defender é que esses factos se presumam provados e que a sentença seja alterada, sem mais, com base em meros juízos conclusivos e interpretações enviesadas das afirmações das testemunhas a que faz referência – o que não pode aceitar-se, ainda para mais quando tal é contrariado pelas afirmações de outras testemunhas aqui mencionadas e de documentos existentes nos autos.

W. Analisada a sentença recorrida, considera-se que o Tribunal não omitiu a valoração ou a consideração dos elementos de prova apontados pela Recorrente, que foram levados em consideração e ponderados na análise global da prova, no âmbito dos poderes que assistem ao Juiz a quo. Eles simplesmente não tiveram o efeito de provar os factos que a Recorrente pretendia.

X. Em resultado, e quanto mais não seja pelo princípio a observar em casos de dúvida, previsto no artigo 414º do CPC, segundo o qual “A dúvida sobre a realidade dum facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”, terá de se concordar que os factos mencionados nos pontos c), d), e) e f) não foram efetivamente provados.

Y. Assim, a sentença recorrida não merece qualquer reparo na parte em que considerou estes factos como não provados, concluindo-se que não existe nos autos qualquer elemento que justificasse a tomada, pelo Tribunal, de uma decisão diferente da proferida na decisão recorrida.

Z. Por sua vez, no que respeita aos parágrafos IX e X das suas conclusões de recurso, em que a Recorrente sustenta que “porque ficou demonstrado pela prova pericial que o valor do imóvel e de 60.000,00€ deve ser aditado um ponto 36 à matéria dada como provada com a seguinte redação: «o valor do imóvel objecto de compra e venda é de 60.000,00€.»”, fica por compreender a relevância do facto que a Recorrente pretende ver julgado provado, face ao teor da sentença produzida e às conclusões de recurso apresentadas.

AA. Analisada a sentença recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo concluiu que, atenta a nulidade da procuração, a doação do imóvel se tratou de um negócio celebrado em representação sem poderes, nos termos do artigo 268º, nº 1, do CC, cuja ineficácia só poderia ser invocada por BB – sendo que, perante a impossibilidade de apurar se este ratificaria o negócio, não é possível apurar a existência de um eventual dano na sua esfera jurídica (e, consequentemente, na herança, que a Recorrente pudesse reclamar).

BB. Ora, no limite, a informação sobre o valor do mercado do imóvel seria complementar ou concretizadora do prejuízo que, segundo a Recorrente, foi sofrido pela herança de BB. No entanto, concluindo-se que não é possível apurar a eventual existência de dano per si – porquanto não existe forma de apurar se a doação teria ou não sido ratificada por BB – mostra-se indiferente quantificá-lo.

CC. Face ao exposto, atendendo aos princípios da economia e celeridade processuais, terá de se concluir que esta questão não reveste qualquer relevância para o caso concreto ou para a alteração da decisão proferida, não sendo suscetível de a afetar em qualquer medida.

DD. Por este motivo, o Tribunal ad quem deve considerar este facto totalmente inócuo para o mérito da questão, desconsiderando-o e mantendo a sentença inalterada.

EE. Face a tudo o, devem as pretensões da Recorrente improceder quanto à impugnação da matéria de facto, mantendo-se a mesma conforme sentenciado pelo Tribunal a quo.

FF. Já no que respeita à impugnação da matéria de direito aplicada pelo Tribunal a quo, cumpre referir que, com o devido respeito, as conclusões de recurso da Recorrente são altamente contraditórias e pecam por manifesto vício de raciocínio, o que se mostra evidente pela simples leitura dos parágrafos transcritos.

GG. Apesar de a Recorrente referir que “nunca pediu a declaração de nulidade de qualquer negócio jurídico ou até a nulidade da procuração, mas que fosse reconhecida a sua invalidade da procuração”, esta centra (e centrou sempre) a sua argumentação na alegada falsidade e

na nulidade da procuração face à ilicitude dos atos praticados pelo Réu CC.

HH. Ora, essa alegada falsidade da procuração não ficou demonstrada nos autos – ónus que impendia sobre a Recorrente – pois o facto de, à hora em que foi registado o termo de autenticação, BB se encontrar numa sessão de hemodiálise, não é, naturalmente, nem seria, por si só, suficiente para concluir pela falsidade da procuração e do respetivo termo de autenticação.

II. Em todo o caso, a verdade é que o Tribunal a quo deu, de uma forma ou de outra, parcialmente razão à Recorrente ao entender que ambos os Réus praticaram atos ilícitos hipoteticamente geradores de responsabilidade civil.

JJ. Acontece que, a Recorrente parece entender que a prática desses atos ilícitos é, por si só, suficiente “para pedir a indemnização por quem praticou os actos de autenticação quer da procuração, quer da doação” – como se, verificando-se a invalidade da procuração, existisse, de forma automática, um dever de indemnizar ao abrigo do artigo 483º do CC.

KK. Para a procedência do pedido da Recorrente, era, contudo, essencial que esta demonstrasse, não apenas a invalidade / ilicitude dos atos praticados pelos Réus (que o Tribunal a quo deu por verificada), mas também, entre os demais requisitos, o dano que, com esses atos, os Réus teriam eventualmente causado à esfera jurídica de BB (e, consequentemente, à herança).

LL. Ou seja, era necessário que se demonstrasse que esses factos ilícitos foram essenciais e causadores dos negócios jurídicos que se seguiram – i.e., doação do imóvel a EE, o que posteriormente permitiu a venda do imóvel por esta – e que tais negócios implicaram um dano patrimonial na esfera de BB, traduzido na diminuição involuntária do seu património.

MM. Esse dano não ficou demonstrado, nem é, como bem apontou o Tribunal a quo, possível apurá-lo.

NN. E isto porque, existindo nulidade da procuração usada para realizar a doação, tal significa que FF não tinha poderes para a outorgar em nome de BB – sendo esse negócio realizado no âmbito da representação sem poderes (cf. artigo 268º, nº 1 do CC), ineficaz em relação a BB a menos que este o ratificasse.

OO. Tal ineficácia seria somente passível de ser invocada por BB, como bem apontou, novamente, o Tribunal a quo, fundamentado no Acórdão do STJ de 27.01.2022.

PP. Ou seja, tendo o mesmo falecido, não existe possibilidade de apurar se BB teria ou não ratificado esse negócio.

QQ. Nesta medida, não se encontrando demonstrada a existência de um dano, não se vislumbra em que medida é que o Tribunal a quo poderia ter decidido em sentido diferente daquele em que decidiu.

RR. A sentença recorrida não merece, assim, qualquer reparo, nem podia ter apontado em sentido diferente daquele que apontou, pois, verdadeiramente, não se encontram verificados todos os requisitos previstos no artigo 483º do CC (desde logo, o dano), de que dependia a procedência do pedido da Recorrente e a condenação dos Réus.

SS. Em boa verdade, se por um lado impugna a aplicação do direito realizada pelo Tribunal a quo, por outro a própria Recorrente não parece discordar da aplicação do regime da representação sem poderes ao negócio de doação do imóvel – como afirmou no parágrafo XIII das conclusões de recurso – o que torna o seu argumento manifestamente contraditório e incompreensível.

TT. Enfim, como se vê, o recurso a que se responde não passa de uma tentativa forçada de ver alterada a sentença recorrida, sem qualquer verdadeiro fundamento, sem que a Recorrente demonstre que tenha ocorrido, verdadeiramente, uma errada aplicação do direito aos factos provados.

UU. Nestes termos, e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que a sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece reparo, não podendo proceder a pretensão da Recorrente.

VV. Face a tudo o que foi exposto, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão ora recorrida, nos exatos termos em que foi proferida.

Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., não deve ser concedido provimento ao recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se na íntegra a decisão contida na douta sentença recorrida,

Pois só se assim se fará a costumada Justiça!

4. A interveniente D... Company contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

II - Factos Provados

1- A autora nasceu no dia ../../1928 e é filha de BB e RR.

2- BB nasceu no dia ../../1937 e era filho de BB e RR.

3- BB faleceu no dia ../../2018, tendo a autora sido habilitada como sua única herdeira, por escritura de habilitação de herdeiros outorgada no dia 25.10.2018.

4- O casal constituído por EE e FF, pelo menos entre fins de 2013 e fins de 2018, residiam numa vivenda sita em Rua ..., ..., ..., onde acolhiam idosos, mediante pagamento de uma contrapartida.

5- Em finais do ano de 2013, após um internamento hospitalar, BB passou a necessitar de tratamentos regulares de hemodiálise, bem como de uma alimentação cuidada.

6- Em consequência do facto referido em 5, a autora contactou o casal mencionado em 4 para que recebesse o irmão, o que veio a suceder, passando ali a residir até à data da sua morte, pagando a quantia de € 650,00, mediante transferência bancária para conta titulada por EE.

7- No inventário que correu termos sob o nº 223/2002 do Tribunal Judicial ... foi adjudicado a BB, a verba nº 2 da relação de bens constituída por prédio composto por casa térrea com 3 divisões, sita em ..., freguesia ..., a confrontar do Norte com caminho público, do Sul, Nascente e Poente com proprietário, com a superfície coberta de 70 m2 e descoberta de 40 m2, inscrito na matriz predial urbana com o artigo nº ...90 e omisso na Conservatória do Registo Predial ....

8- O prédio mencionado em 7 foi inscrito a favor de BB na Conservatória do Registo Predial ..., pela ap. ...68 de 08.05.2015, sob o nº ...85, composto por casa de rés do chão para habitação e logradouro, com a área coberta e 70 m2 e área descoberta de 3178 m2.

9- No dia 22.05.2015, BB outorgou procuração constituindo seu bastante procurador FF, a quem com a faculdade de substabelecer, confere os especiais poderes para, em seu nome, doar por conta da quota disponível, sob as cláusulas e condições que entender, a EE (…) o prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho ..., inscrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóveis ..., sob o número vinte mil e oitenta e cinco da referida freguesia e inscrito na respectiva matriz sob o artigo mil seiscentos e noventa, outorgando a escritura de doação, e tudo o que indicado for para os indicados fins. Conferindo-lhe ainda poderes para o representar em quaisquer Serviços de Finanças e Conservatórias do Registo Predial, onde poderá instaurar o competente processo de Imposto de Selo, bem como poderes para seguir até final todos os actos e termos do respectivo imposto, requerer o seu pagamento, se a ele houver lugar, requerer registos provisórios ou definitivos, seus cancelamentos e averbamentos, bem como prestar declarações complementares e, ainda, poderes para o representar perante as entidades administrativas, e aí, praticar o que necessário for para os fins contidos neste mandato.

Esta procuração é irrevogável por ser constituída no interesse de terceiro, nos termos do artigo (…) e ainda (…) não caducando por morte, interdição ou inabilitação do mandante, ficando o mandatário dispensado de prestar contas.

Esta procuração foi em voz alta lida e explicado o seu conteúdo à outorgante.

10- Com data de 22.05.2015, o réu CC elaborou termo de autenticação da procuração referida em 9, entre o mais, nos seguintes termos:

No dia 22 de maio de dois mil e quinze, em casa particular a Rua ..., ..., ... ..., onde me desloquei, perante mim, CC, advogado, com escritório sito na Praça ..., ..., ... ..., titular da cédula profissional n.º ...80..., com poderes para o ato, atribuídos pelo art.º 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 9 de março, compareceu como outorgante:

BB, solteiro maior natural da freguesia e concelho ..., habitualmente residente na referida morada a que me desloquei, NIF ...46. Verifiquei a identidade do outorgante por exibição do seu cartão de cidadão número ..., válido até 12/10/2019.

E pelo outorgante foi dito:

(Teor da procuração)

Verifiquei a identidade de FF pela exibição que fez do seu Cartão de Cidadão nº (…), válido até (…)

Verifique também a identidade de EE pela exibição que fez do seu Cartão de Cidadão nº (…), válido até (…).

O presente termo de autenticação foi lido e feita a explicação do seu conteúdo ao outorgante e pelo mesmo assinado na minha presença, bem como a referida procuração.

11- O réu CC apôs ainda, no aludido termo de autenticação e procuração anexa, o seu carimbo e rúbrica em todas as páginas, mencionando no mesmo “termo de autenticação” que este foi “registado na Ordem dos Advogados a 22/05/2015 com o nº ...80.../4”, consultável em “http://oa.pt/atos, usando o código ...85.

12- No registo dos actos dos advogados consta que o termo de autenticação mencionado em 10 foi executado a 22.05.2015, pelas 21.34 e registado a 22.05.2015, pelas 21.43.

13- No dia 22.05.2015, BB esteve em tratamentos de hemodiálise na clínica E... desde as 17.15 até às 22.15.

14- Por documento particular datado de 01.06.2015, FF, na qualidade de procurador de BB declarou doar a EE, por conta da quota disponível, a qual declarou aceitar, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...85, com o valor de € 20.450,00, livre de quaisquer ónus ou encargos.

15- O documento referido em 14 foi autenticado pela ré DD nos seguintes termos:

No dia 1 de Junho de dois mil e quinze, pelas dezasseis horas e trinta minutos, no meu escritório, sito na Rua ..., ... ... – ... em ..., perante mim DD, Solicitadora, com cédula profissional número seis mil seiscentos e quinze, emitida pelo Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores, compareceram:

FF (…) na qualidade de procurador de (…) conforme procuração abaixo mencionada.

EE (…)

Verifiquei a identidade dos intervenientes pela exibição dos respectivos documentos de identificação.

E por eles foi dito:

Que confirmam perante mim o conteúdo do documento anexo, que é um contrato de Doação, tendo declarado que já o leram, que estão perfeitamente inteirados do seu conteúdo, o assinaram, e que o mesmo exprime as suas vontades.

EXIBIRAM

(…)

ARQUIVO:

a) Procuração comprovativa do mandato invocado pelo primeiro interveniente.

(…)

16- A aquisição do prédio descrito sob o nº ...85, mencionada em 14, foi registada na Conservatória do Registo Predial ... a favor de EE pela ap. ...98 de 03.06.2015.

17- No dia 30.06.2016, na ... Conservatória do Registo Predial ..., EE declarou vender a SS e TT, que declararam comprar, pelo preço de € 75.000,00 o prédio mencionado em 16, que se mostra descrito a favor destes pela ap. ...23 de 30.06.2016.

18- Nas datas referidas em 15 e 17, o valor do prédio descrito sob o nº ...85 era de € 57.242,00.

19- O réu CC é primo direito do pai de FF.

20- Após a prática dos actos mencionados em 9 e 14 BB continuou a relacionar-se pacificamente com FF e EE.

21- A autora não visitou BB desde 11.11.2014.

22- A interveniente B... SA celebrou com a Ordem dos Advogados, contrato de seguro titulado pela apólice ..., pelo qual foi transferida para a primeira a responsabilidade civil profissional decorrente do exercício da advocacia, com um limite de € 150.000,00 por sinistro (sem limite por anuidade) referente a reclamações apresentadas contra Sociedades e Escritórios de Advogados, independentemente da forma jurídica adoptada, sempre que resultem de dolo, erro, omissão ou negligência profissional praticado por advogado segurado, quando este se encontre inserido por qualquer das formas permitidas por lei.

23- O contrato referido em 1 teve início em 01.01.2014 e cessou a sua vigência em 01.01.2018.

24- Em conformidade com a cláusula 4ª das condições especiais do contrato referido em 22 ficou consignado que:

É expressamente aceite pelo tomador do seguro e pelos segurados que a presente apólice será competente exclusivamente para as reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice:

a) Contra o segurado e notificadas ao segurador;

b) Contra o segurador em exercício de acção direta;

c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto.

25- Na cláusula 7ª, sob a epígrafe “âmbito temporal”, das condições particulares do contrato referido em 22 ficou consignado que:

O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroatividade.

Pelo contrário, uma vez rescindida ou vencida e não renovada a presente apólice, o segurador não será obrigado a assumir qualquer sinistro cuja reclamação seja apresentada após a data da rescisão ou término do contrato, sem prejuízo sempre de norma ou princípio mais favoráveis da legislação portuguesa reguladora do contrato de seguro e da atividade seguradora.

Para os fins supra indicados, entende-se por reclamação a primeira das seguintes comunicações:

a) Notificação oficial por parte do sinistrado, do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador da intenção de reclamar ou de interposição de qualquer ação perante os tribunais;

b) Notificação oficial do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, de uma reclamação administrativa ou investigação oficial, com origem ou fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, que seja produzido um dano indemnizável à luz da apólice;

c) Por outra via, entende-se por reclamação, qualquer facto ou circunstância concreta, conhecida prima facie pelo tomador do seguro ou segurado da qual resulte notificação oficial ao segurador, que possa razoavelmente determinar ulterior formulação de um pedido de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.

26- A interveniente B... SA apenas teve conhecimento dos factos descritos na p.i em 24.09.2021, aquando da citação para a acção.

27- Em conformidade com a cláusula 9ª das condições particulares do contrato referido em 22 ficou consignada a franquia de € 5.000,00 por sinistro, não oponível a terceiros lesados.

28- A interveniente C... SA celebrou com a Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução contrato de seguro, titulado pela apólice ...25 pelo qual foi transferida para a primeira a responsabilidade civil profissional por actos e omissões praticados por solicitadores segurados no exercício da sua profissão com um limite de € 100.000,00 por reclamação e anuidade, incluindo custos de defesa.

29- O período do seguro no contrato referido em 1 era de 01.01.2020 a 31.12.2020, com efeitos retroactivos a 01.01.2010.

30- A ré DD foi incluída nas listas de associados beneficiários do seguro de grupo referido em 28, tendo comunicado à OSAE, no dia 30.10.2020, a sua citação para a presente acção, a qual foi encaminhada para a seguradora no dia 02.11.2020 para efeitos de acionamento do seguro em causa.

31- A interveniente D... Company celebrou com a Ordem dos Advogados contrato de seguro, titulado pela apólice ...3..., pelo qual foi transferida para a primeira o risco decorrente de acção ou omissão, dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão, tendo como limite de indemnização o capital total de € 150.000,00 por sinistro com uma franquia no valor de € 5.000,00, pelo período de 12 meses, com início em 01.01.2023 e termo em 01.01.2024.

32- No ponto 7, sob a epígrafe “âmbito temporal”, das condições particulares do contrato referido em 31 ficou consignado que:

O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o Segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos durante vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo Segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente Apólice, e sem qualquer limitação temporal de retroactividade.

Pelo contrário, uma vez rescindida ou vencida e não renovada a presente apólice, o segurador não será obrigado a assumir qualquer sinistro cuja reclamação seja apresentada após a data da rescisão ou término do contrato, sem prejuízo sempre de norma ou princípio mais favoráveis da legislação portuguesa reguladora do contrato de seguro e da atividade seguradora.

Para os fins supra indicados, entende-se por reclamação a primeira das seguintes comunicações:

a) Notificação oficial por parte do sinistrado, do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador da intenção de reclamar ou de interposição de qualquer ação perante os tribunais;

b) Notificação oficial do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, de uma reclamação administrativa ou investigação oficial, com origem ou fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, que seja produzido um dano indemnizável à luz da apólice;

c) Por outra via, entende-se por reclamação, qualquer facto ou circunstância concreta, conhecida “prima facie” pelo tomador do seguro ou segurado da qual resulte notificação oficial ao segurador, que possa razoavelmente determinar ulterior formulação de um pedido de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.

33- Nos termos do ponto 12 do artº 1 das condições especiais do contrato referido em 31, entende-se por reclamação qualquer procedimento judicial ou administrativo, iniciado contra qualquer segurado ou contra o segurador, quer por exercício de acção directa, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice;

Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo segurado e notificada oficiosamente por este ao segurador, de que possa:

i) Derivar eventual responsabilidade abrangida pela apólice,

ii) Determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou,

iii) Fazer funcionar as coberturas da apólice. (…).

34- No artº 3º al. a) das condições especiais do contrato referido em 31 ficam excluídas da cobertura da apólice as reclamações por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação.

35- Nos termos do artº 8º nº 1 das condições especiais do contrato referido em 31 o tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações do segurador (…) comunicar ao segurador tão cedo quanto seja possível:

a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;

b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;

c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecida(o) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou accionar as coberturas da apólice.

*

Factos não provados:

a) Na sequência do facto referido em 5, a autora responsabilizou-se para tomar conta do irmão;

(…) 

c) BB não apôs a sua assinatura na procuração referida em 9, nem a mesma lhe foi lida e explicada pelo réu CC;

d) BB não apôs a sua assinatura no termo de autenticação mencionado em 10, nem o mesmo foi assinado na presença de CC que não o leu e explicou o seu conteúdo àquele;

e) BB não quis doar o imóvel descrito em 16 a EE, nem teve consciência de o ter feito;

f) BB até à data da sua morte estava convencido que o imóvel descrito em 16 ainda lhe pertencia;

(…)

p) O réu CC não procedeu de imediato ao registo dos actos referidos em 9 e 10 por deficiente sinal de internet no local onde foi feito, só o tendo feito posteriormente no seu escritório em ...;

(…)

*

 

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC).

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da decisão de facto.

- Ilicitude dos actos de ambos os RR.

- Responsabilidade civil dos mesmos e Intervenientes C... e D....

2. A A. impugna a decisão da matéria de facto, relativamente aos factos não provados a), c) a f), pretendendo que eles passem a provados, bem como pretende o aditamento de outro facto provado, com base em prova testemunhal, prova documental e pericial (cfr. conclusões de recurso I- a X-).

O julgador de facto exarou a seguinte motivação:

“A factualidade acima descrita assenta numa apreciação crítica e global dos seguintes meios de prova, os quais se conjugaram com as regras da experiência comum:

A) Depoimentos das testemunhas:

- AA, filha da autora, residente na Suiça para onde emigrou, localizando também a situação de emigrante do tio UU desde a década de oitenta até 2002/2003;

- PP, filho da autora;

- II, conhecido de BB, com quem passou a conviver semanalmente após o seu regresso da Suiça, sobretudo às Sextas-Feiras, dia em que almoçavam integrados em grupo musical e após ensaiavam na residência daquele em casa herdada dos pais;

- VV, gestora de sinistros, funcionária da F... que gere apólices da A...’s e da C..., tendo explicado as atribuições de uma e outra, concretamente para a qual foi transferida a responsabilidade profissional no âmbito do contrato celebrado com a OSAE;

- WW, médico de família de BB, desde 2003 até 2014/2015;

- LL médico, director clínico da clínica E... desde Fevereiro de 2018, quanto à matéria relacionada com os tratamentos realizados por BB na referida clínica, suas características e duração;

- MM, amigo de BB, também participante dos convívios semanais com o mesmo, tendo-o visitado algumas vezes em casa de FF e EE;

- KK, funcionária de FF e EE durante cerca de três meses, tendo trabalhado no lar, onde conheceu BB;

- HH, empregada doméstica da autora durante cerca de ano e meio e há cerca de 30 anos;

- XX, gestora de sinistros, funcionária da B... SA.

Deixa-se consignado que não se relevou o depoimento de YY uma vez que nada sabia sobre a matéria em apreciação nos autos.

B) Teor dos seguintes documentos:

- Assentos de nascimento da autora e de BB 2Não se mostram legíveis os documentos juntos com a p.i, mas tal deficiência foi colmatada no requerimento de e 21.11.2022 e 05.12.2022;

- Habilitação de herdeiros de BB;

- Procuração e respectivo termo de autenticação datados de 22.05.2015;

- Documento particular autenticado sob a epígrafe “Doação” e respectivo termo de autenticação datados de 01.06.2015;

- Título de compra e venda datado de 30.06.2016;

- Cópia da certidão referente ao inventário que correu termos sob o nº 223/2002 do Tribunal Judicial ...;

- Descrição predial referente ao prédio descrito sob o nº ...85;

- Relatório pericial junto em 24.05.2024;

- Apólice de seguro celebrada entre a Ordem dos Advogados e a B... SA, respectivas condições gerais, particulares e especiais;

- Apólice de seguro celebrada entre a Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução e a C... SA, respectivas condições gerais, particulares e especiais;

- Apólice de seguro celebrada entre a Ordem dos Advogados e a D... Company, respectivas condições gerais, particulares e especiais;

- Condições Gerais do contrato de seguro por responsabilidade civil profissional, profissões diversas juntas com a contestação da ré DD;

- Informação da Ordem dos Advogados e Solicitadores junta em 01.03.2024.

*

(…)

Quanto ao facto descrito em a), sobre tal matéria depuseram as testemunhas AA e PP, das quais, no entanto, não resultou em termos muito claros existir inteira disponibilidade da autora para receber o irmão. Com efeito, segundo a primeira, a mãe nem sequer pernoita na sua casa, sendo que para receber o irmão sempre teria que realizar obras e encontrar uma pessoa que ajudasse a tratar do mesmo.

Por outro lado, segundo os mesmos depoimentos, BB antes de ser hospitalizado nunca havia residido com a autora, mas sim com uma outra irmã e marido desta, residência da qual saiu após a morte daquela, indo então residir sozinho para o imóvel doado.

Não deixaremos de referir também que, houvesse vontade da autora para cuidar e tratar de BB e vontade houvesse também deste em residir com a mesma, o qual segundo os depoimentos prestados nunca esteve mentalmente diminuído, facilmente tal teria ocorrido, não se conformando a autora com a situação, como sucedeu, e deixando de o visitar no ano de 2014, quatro anos antes do seu falecimento.

Quanto à veracidade das declarações constantes da procuração e respectivo termo de autenticação, relacionadas com a aposição e leitura e explicação dos mesmos a BB e vontade real deste em doar, que demos por não provados nas alíneas c), d), e) …, se é certo que em face do teor dos documentos constituídos pela procuração e pelo respectivo termo de autenticação, devidamente registado, na ausência de qualquer outra prova que os contrariasse entendemos prova suficiente as declarações exaradas nos mesmos. Já quanto à veracidade ou validade das declarações emitidas pelas partes e eventuais vícios de vontade subjacentes a tais documentos, designadamente que BB não pretendia fazer qualquer doação a EE, estando naquele momento a sua vontade viciada, não temos qualquer prova certa e segura quanto à vontade real de BB, no momento em que proferiu as declarações exaradas na procuração.

Se é certo que à hora que consta do registo do termo de autenticação, referida em 12, BB estava a fazer tratamento de hemodiálise, como decorre do facto 26, tal só por si, não significa que não estivesse presente no momento da assinatura da procuração e do termo e autenticação, pois uma coisa é a sua elaboração outra o seu registo na Ordem dos Advogados.

Acresce que, não obstante a testemunha MM ter referido que BB aludiu à circunstância de ter instrumentos musicais na garagem da sua casa, quando na altura já na mesma existia uma placa “vende-se”, trata-se de prova insuficiente, sobretudo quando conjugada com outros depoimentos se sentido contrário, designadamente de KK, segundo o qual BB teria dado a casa a EE, uma vez que, segundo dizia, “não tinha mais ninguém”, o que também justifica a factualidade não provada descrita na alínea f).”.

2.1. Relativamente ao facto que se pretende aditar (conclusões de recurso VII a X) objecto do tema da prova nº 3 (cfr. audiência prévia de 15.12.2023), tal pretensão é de indeferir, pois o tribunal a quo respondeu ao mesmo: é o facto 18.  

2.2. No respeitante à a) dos factos não provados, tal facto, atento a causa de pedir e os remanescentes pedidos ainda sob apreciação – supra indicados sob c) e g) –, é totalmente irrelevante.

Efectivamente, mesmo que tal factualidade passasse a provada acabaria por não ter influência na solução de direito e no mérito do recurso.

Ora, é apodíctico que a impugnação da matéria de facto consagrada no art. 640º do NCPC não é uma pura actividade gratuita ou diletante.

Se ela visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados, ela tem, em última instância, um objectivo bem marcado. Possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada ou não provada, para que, face à eventual nova realidade a que se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. Isto é, que o enquadramento jurídico dos factos tidos por provados ou não provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. Assim, se por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante ou insuficiente para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois nesse caso mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo factual anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada.

Por isso, nestes casos de irrelevância ou insuficiência jurídica, a impugnação da matéria de facto não deve ser conhecida sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (vide Ac. desta Relação de 12.6.2012, Proc.4541/08.3TBLRA, em www.dgsi.pt).

Isto porque, a alteração da matéria de facto, nos pontos precisos que forem impugnados será irrelevante ou insuficiente se nenhuma interferência tiver na dita solução de direito.

No nosso caso verifica-se que o mencionado facto não têm importância para o recurso da A. e para a solução jurídica da causa, como atrás dissemos. Considerando o explicitado, e tendo em conta que a impugnação de facto deduzida pela A. visa factualidade que acaba por se tornar irrelevante para o seu recurso, então a referida impugnação não tem de ser conhecida, relativamente à apontada factualidade.

2.3. Quanto aos factos não provados c) a f), a impugnação da A. vem fundada no depoimento das testemunhas OO, PP, II, Dr. JJ, KK, Dr. LL e MM, e em prova documental, concretamente docs. 16, 33, pág. 6, 35º e 49º da p.i.

cabe recordar que a norma que regula a impugnação da matéria de facto (art. 640º do NCPC) estabelece que tem de observar-se os ditames fixados no seu nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, sob pena de rejeição.

Ou seja, de tal dispositivo verifica-se que a lei exige 5 requisitos:

i) Que o recorrente obrigatoriamente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

ii) Que o recorrente obrigatoriamente especifique o sentido concreto da resposta, que na óptica do recorrente, se impunha fosse dado a tais pontos;

iii) Que o recorrente obrigatoriamente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa;

iv) E por que razão assim seria, com análise crítica criteriosa;

v) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa transcrição dos excertos relevantes.

Ora, das alegações de recurso – corpo e conclusões – verifica-se que a recorrente, relativamente à prova testemunhal que indicou, não cumpriu o dos mencionados requisitos processuais, pois não indicou, em lado algum, com exactidão as passagens da gravação em que funda a sua impugnação, apesar de, face à gravação efectuada (vide as respectivas actas), haver identificação precisa e separada de tais depoimentos.

Limitou-se a mencionar que os depoimentos testemunhais estão gravados no sistema digital com a indicação do início aos …. O que é inútil pois esse momento consta da acta da audência de julgamento.

Limitou-se a indicar o tempo parcelar de duração dos depoimentos de cada depoente, o que acaba por se revelar inócuo.

Limitou-se a fazer um resumo, um ”apanhado”, mas de carácter subjectivo, do que as testemunhas terão dito, o que não satisfaz o apontado incisivo legal.

Nem sequer transcreveu os depoimentos, possibilidade que, embora facultativa, sempre ajudaria a apreciar a dita impugnação quer ao tribunal quer às outras partes.

Na realidade, o ónus imposto a qualquer recorrente no aludido nº 2, a) do art. 640º, do NCPC, não se satisfaz com a menção de que os depoimentos estão gravados no sistema digital nem com a referência de que os depoimentos tiveram o seu início em … (ou o seu termo em …) - o que representa uma verdadeira inutilidade, pois isso resulta do registo exarado na acta - ou que parcelarmente duraram determinado tempo – isso é inócuo. Nem com resumos, feitos subjectivamente pela própria parte impugnante, daquilo que as testemunhas terão dito. Ainda, por cima, com total falta de transcrição, total ou parcial, dos depoimentos prestados, embora esta seja meramente facultativa.

Não deixando a lei neste ponto qualquer dúvida, face aos termos claros e terminantes com que está redigida (vide igualmente no mesmo sentido L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, T. I, 2ª Ed., nota 4. ao artigo 685º-B, págs. 62/64, e A. Geraldes, Recursos em P. Civil, 2ª Ed., 2008, notas 3. e 4. ao referido artigo, págs. 138/142, normativo do CPC semelhante ao actual 640º do NCPC, e a título de exemplo os recentes Acds. do STJ de 18.9.2018, Proc.108/13.2TBPNH e desta Rel. de 28.9.2015, Proc.198/10.0TBVLF, 10.2.2015, Proc.2466/11.4TBFIG e de 17.12.2014, Proc.6213/08.0TBLRA; e quanto à facultatividade das transcrições o Ac. do STJ, de 19.2.2015, Proc.405/09.1TMCBR, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Aliás, o NCPC no seu art. 640º, manteve em termos idênticos esse ónus, introduzido pelo regime de reforma de recursos (DL 303/2007, de 24.8) no anterior art. 685º-B, mantendo, igualmente, a cominação da imediata rejeição do recurso para o seu incumprimento.

Esta posição recente do legislador evidencia a desconformidade relativamente à lei, quer no seu elemento literal, quer no histórico-actualista (no discurso de apresentação da proposta de Lei de Autorização Legislativa 6/2007, de 2.2., publicado no Diário da Assembleia da República de 21.12.2006, e ainda na Reforma dos Recursos em Processo Civil - Trabalhos Preparatórios, págs. 343 e segs. O Ministro da Justiça referiu que na “proposta prevê-se, expressamente, que a gravação digital do julgamento possa ser em áudio, ou logo que possível, em vídeo e que haja identificação precisa e separada dos depoimentos. Isto, de modo a permitir às partes que indiquem as passagens da gravação em que se fundam…” - sublinhado nosso - como se retira de Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 143), de interpretações facilitistas -, que por vezes se vêm na jurisprudência, mas que no fundo degeneram em violação do princípio da igualdade das partes - ao não tratar diferentemente o cumprimento ostensivamente defeituoso da lei adjectiva, pois se há partes que podem cumprir esse ónus e o cumprem – como foi, aliás, o caso dos recorridos nas suas contra-alegações -, como se pode constatar noutros processos que passam nos tribunais superiores, porque razão se haveria de dar igual tratamento a quem não o faz ! -; e, também, violação, do princípio do contraditório - por impor à parte contrária um esforço excessivo e não previsto na tarefa de defesa, imputável ao transgressor -; e, ainda, do princípio da colaboração com o tribunal - por razões análogas, mas reportadas ao julgador (vide neste sentido o Ac. da Rel. Lisboa de 12.2.2014, Proc.26/10.6TTBRR, em www.dgsi.pt).

Sendo também de rejeitar interpretações complacentes, que se vão vendo noutras superiores instâncias de recurso, sobre o aspecto, acima elencado, no seguinte sentido: a) o tribunal de recurso deve contentar-se, na impugnação da matéria de facto, com a indicação do depoimento e identificação de quem o prestou, sem obrigatoriedade de transcrição; b) basta a fixação electrónica/digital do início e fim dos depoimentos e a transcrição dos excertos relevantes; c) a não ser assim há excesso de formalismo que a dogmática processual rejeita; d) a não ser assim não se respeita o princípio da proporcionalidade.

Quanto à 1ª interpretação, sob a), ela faz tábua rasa do texto legal, relevando dois elementos que a lei não enumerou e “apagando” a passagem nuclear do texto legal, que é o cerne da questão, e que se reporta à indicação “com exactidão das passagens da gravação” em que se funda o recurso, pelo que não pode aceitar-se a mesma.

A 2ª interpretação, sob b), obnubila também tal trecho legal, pois que apenas releva o fim e início da gravação, quando esse elemento é o lógico antecedente do posterior cumprimento da indicação com exactidão das passagens da gravação. Com essa interpretação contenta-se o intérprete meramente com o suposto pressuposto legal do cumprimento da lei, acabando por não ser observado o cumprimento do verdadeiro requisito legal. E por outro lado, com tal interpretação, passa a requisito de cumprimento obrigatório um elemento – a transcrição dos excertos relevantes – que a lei expressamente vê como facultativo ! Não podemos, também, acompanhar tal entendimento.

Quanto ao “plus” da 3ª interpretação, sob c), não vemos objecção de relevo. Por um lado, quanto à modernidade da exigência legal referida só podemos constatar que assim é, pois foi introduzida no nosso ordenamento jurídico em 2007 e de caso pensado pelo legislador, como acima vimos. Por outro lado, a exigência de formalismo nada tem de extraordinário. Na verdade, a este propósito, no seu acórdão de 14.3.2002 o Tribunal Constitucional decidiu o seguinte: "As formalidades processuais ou, se se quiser, os formalismos, os ritualismos, os estabelecimentos de prazos, os requisitos de apresentação das peças processuais e os efeitos cominatórios são, pois, algo de inerente ao próprio processo. Ponto é que a exigência desses formalismos se não antolhe como algo que, mercê da extrema dificuldade que apresenta, vá representar um excesso ou uma intolerável desproporção, que, ao fim e ao resto, apenas serve para acentuadamente dificultar o acesso aos tribunais, assim deixando, na prática, sem conteúdo útil a garantia postulada pelo nº 1 do art. 20° da Constituição" [Diário da República, II, de 29.5.2001]. Ou seja, o formalismo processual é normal e aceitável, porque inerente naturalmente ao próprio processo. Ponto é que não descambe em desrespeito do princípio da proporcionalidade, com a consequente dificuldade de acesso aos tribunais que a nossa Constituição quer garantir.

O que nos faz entrar no “quid” da 4ª interpretação, sob d). Concordando, obviamente, com a exigência de proporcionalidade, todavia na sua tridimensionalidade de onerosidade, dificuldade e gravidade das consequências, não divisamos ofensa de tal princípio na interpretação que fazemos. Indicar com exactidão as passagens da gravação, não é oneroso, bastando ao Sr(a). Advogado(a) que patrocina a parte e quer recorrer dispor de um aparelho/leitor de CD, com contador digital, que lhe permita essa indicação exacta, aparelhos esses que se vendem no mercado a preços perfeitamente acessíveis. Dificuldade não existe, bastando, ouvido o depoimento que se considera relevante, tomar nota do momento temporalmente em que ele ocorreu e fazer a sua indicação digital. Sendo estes dois elementos perfeitamente observáveis já não se detecta nenhuma anomalia na rejeição do recurso, a não ser que se queira erigir, o último deles, a “gravidade das consequências” como elemento, de per si, determinante, o que rejeitamos em absoluto, bastando pensar no fenómeno processual da preclusão (por ex., deixar passar um prazo peremptório para contestar, deixar passar um prazo para recorrer, etc), em que a defesa da parte pode ficar seriamente afectada, sem que se possa solidamente defender que foi violado, com implicações constitucionais, o princípio da proporcionalidade. 

Revertendo, ao nosso caso, a recorrente limitou-se a referenciar o início dos depoimentos e a fazer um “apanhado”, perfeitamente subjectivo, do que as testemunhas terão dito, em vez de indicar com exactidão as passagens temporais da gravação daquilo que foi declarado por tais testemunhas, no sentido supostamente afirmado/defendido pela apelante, a fim de permitir, como pretendia, diferente resposta aos apontados factos impugnados, depois de prévia audição por esta Relação e subsequente análise e ponderação de tais depoimentos.

Assim, face ao não cumprimento do referido ónus legal, a impugnação da indicada matéria de facto não pode proceder com base nos apontados depoimentos testemunhais, tendo, por isso, de ser rejeitada, como estipula o aludido art. 640º.

Subsiste, pois a prova documental, quanto aos factos não provados c) e d).

Analisando, temos: doc. de fls. 16 e 35 - é a procuração e termo de autenticação, em apreço nos autos, com a assinatura manuscrita de “BB” e demais dizeres deles constantes em texto dactilografado; doc. de fls. 33, pág. 6 – é o registo horário de tratamento de hemodiálise do BB no dia em que passou a mencionada procuração e a assinou, bem como o termo de autenticação; doc. de fls. 49 – é outra procuração do BB a favor da donatária EE, passada mais de um ano antes em relação àquela com incidência administrativa, junto de diversas entidades, e judicial.    

Ora, nenhum destes documentos permite, só por si, comprovar os factos não provados c) e d), aos quais foram indicados como elementos probatórios.

De sorte, que se julga improcedente a totalidade da impugnação deduzida à apontada factualidade não provada c) a f)

3. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Ora, decorre da factualidade provada que o réu CC elaborou termo de autenticação da procuração outorgada em 22.05.2015 por BB conferindo os poderes melhor descritos no facto 9 a FF e que do mesmo consta a menção de ter sido executado a 22.05.2015, pelas 21.34 e registado no mesmo dia, pelas 21.43. Encontra-se ainda demonstrado que nesse mesmo dia 22.05.2015, BB esteve em tratamento de hemodiálise desde as 17.15 até às 22.15, pelo que, como alega a autora, não teria sido possível à hora que consta do seu registo, o mesmo estar presente.

No entanto, tal factualidade apenas demonstra que não seria possível na hora que consta do registo do termo de autenticação que tal acto tivesse sido praticado a essa hora, nada mais se podendo extrair deste facto.

Com efeito e como já referimos em sede de fundamentação da matéria de facto, uma coisa é a elaboração do documento, outra é o registo no mesmo junto da entidade competente para o efeito.

Assim, a questão que se coloca de seguida é a de saber se esta desconformidade, em si mesma, inquina a referida procuração, como defende também a autora.

É consabido que o artº 38º do Dec.Lei 76-A/2006 veio atribuir competências para a prática de um conjunto de actos, até aí apenas reservadas aos notários.

Com efeito, estabelece o nº 1 da referida disposição legal que sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março.

Por outro lado, nos termos do nº 2, os reconhecimentos, autenticações e certificações efectuados por estas entidades conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tivessem sido realizados por notário, sendo que, de acordo com o nº 3, a validade destes actos depende do seu registo informático na autoridade competente, a qual in casu é a Ordem dos Advogados como decorre do artº 2º nº 1 al. a) da Portaria 657-B/2006, independentemente do local onde se encontre o advogado que praticou o acto e independentemente da circunscrição territorial em que se encontre o seu escritório.

Preceitua, por sua vez, o artº 4º desta Portaria:

1- O registo informático é efectuado no momento da prática do acto, devendo o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o acto.

2- Se, em virtude de dificuldades de carácter técnico, não for possível aceder ao sistema no momento da realização do acto, esse facto deve ser expressamente referido no documento que o formaliza, devendo o registo informático ser realizado nas quarenta e oito horas seguintes.

Na contestação apresentada, o réu CC alegou que só procedeu posteriormente ao registo do acto por deficiente sinal de internet, facto este que não logrou demonstrar (cf. alínea p).

No entanto, ainda que não tenha ficado provada qualquer dificuldade de carácter técnico, o termo de autenticação foi devidamente registado, dentro das 48 horas a que alude o nº 2 desta disposição legal, pelo que foram cumpridas as formalidades de que depende a sua validade.

Questão diferente é saber se a procuração em causa nos autos, poderia ser lavrada por documento particular autenticado.

Com efeito, nos termos do artº 116º nº 2 do Código de Notariado (adiante CN) as procurações conferidas também no interesse do procurador ou de terceiro devem ser lavradas por instrumento público cujo original é arquivado no cartório notarial.

Como decorre da leitura do facto 9, na procuração outorgada por BB ficou exarado que era irrevogável por ser constituída no interesse de terceiro, não caducando por morte, interdição ou inabilitação do mandante, ficando o mandatário dispensado de prestar contas.

Para que se possa concluir que a procuração foi efectivamente constituída no interesse de terceiro, não é suficiente que isso conste do texto da mesma.

Com efeito, diz-nos o Acordão da Relação de Coimbra de 31.05.2011 4Colectânea de Jurisprudência, nº 231, III/2011, pg 38 é o “interesse” que funciona e estabelece o critério de acção/actuação do procurador no exercício dos poderes de representação outorgados; o que logo exige e supõe um modo de determinação do interesse.

(…)

Através da procuração, o dominus outorga poderes de representação; e, em consequência os actos praticados pelo procurador no exercício desses poderes produzem efeitos jurídicos directamente na esfera jurídica do dominus.

No entanto, da procuração não resulta nenhuma obrigação do procurador exercer esses poderes, nem resulta, normalmente, qualquer indicação sobre como os deverá exercer.

É na relação subjacente à procuração 5Realce nosso que se encontra o conteúdo, que está estabelecido e de onde resulta o critério de comportamento de cada um, dominus e procurador, no que respeita aos poderes de representação; é da relação subjacente que se pode inferir qual é o interesse, quais os fins que se pretende atingir com a procuração; quais as necessidades que se pretende ver satisfeitas.

Como se analisa do teor da procuração, melhor descrita no mesmo facto 9, foram conferidos a FF, por BB, poderes para doar a EE o imóvel na mesma mencionado por conta da sua quota disponível, outorgar a respectiva escritura, representá-lo em serviços de finanças, conservatórias do registo predial e entidades administrativas, requerer registo provisórios ou definitivos, seus cancelamentos e averbamentos, bem como prestar declarações complementares, bem como praticar o que necessário for para os fins daquele mandato.

Sem grandes dificuldades concluímos pela existência de um patente interesse para terceiro decorrente da procuração em causa, uma vez que existe um claro benefício a favor de EE, por via da outorga da procuração.

Se assim é, a procuração em causa, nos termos do citado artº 116º nº 2 do CN, teria que ser lavrada por instrumento público e arquivada no respectivo Cartório Notarial, não se encontrando no leque de documentos que poderiam ser autenticados por advogado, nos termos do também citado artº 38º nº 1 do Dec.lei 78-A/2006 6Como conclui, aliás, o Parecer da Ordem dos Advogados de 27.02.2007, junto com a contestação do réu CC.

Com efeito, como referido no Acordão do STJ de 29.09.2020 7www.dgsi.pt/jstj.nsf, citando Pedro Pais de Vasconcelos, A Procuração Irrevogável, pg. 245 a aludida norma do art. 116º do Cód. Notariado veio trazer àquele acto uma solenidade acrescida, com a intervenção do notário na execução/redacção do conteúdo ínsito na procuração, podendo concluir-se que « (…) a “ratio” do nº2 do art. 116º do Cód. Notariado, e o seu sentido jurídico traduzem-se num agravamento do regime formal da procuração irrevogável, em relação ao regime geral. Este agravamento tem uma finalidade de tutela da liberdade de discernimento do dominus na outorga da procuração, de certeza quanto ao conteúdo e regime da procuração e de publicidade no interesse de terceiros, designadamente aqueles com quem o procurador venha a contratar no uso da procuração (…) a intervenção notarial promove a clarificação da situação, de modo a tornar claro que se trata de uma procuração irrevogável, que a mesma é outorgada no interesse do procurador ou de terceiro e não de uma típica procuração no interesse exclusivo do dominus. E, finalmente, permite ainda guardar no arquivo, no cartório notarial, o original do instrumento que titula a procuração, o que acarreta inegáveis vantagens de publicidade e segurança.

Atentos os interesses envolvidos, segundo jurisprudência que cremos unânime 8Cf, o recente Acordão STJ de 07.05.2024 e jurisprudência aí citada, consultável no mesmo site as formalidades constantes do artº 116º nº 2 do CN, deverão qualificar-se de ad substantiam, cuja preterição, nos termos conjugados dos artºs 364º e 220º do Código Civil 9Diploma a que pertencerão as restantes disposições citadas, sem menção em contrário, conduz à nulidade do acto, in casu da procuração outorgada por BB conferindo poeres a FF.

Concluímos, pois, que o réu CC praticou um facto que lhe não era permitido por lei.

Quanto à ré DD, nos termos do mesmo artº 38º do Dec.Lei 76-A/2006, poderia autenticar documentos particulares, o que fez quanto à doação em causa nos autos, nos seguintes termos (cf. facto 15):

No dia 1 de Junho de dois mil e quinze, pelas dezasseis horas e trinta minutos, no meu escritório, sito na Rua ..., ... ... – ... em ..., perante mim DD, Solicitadora, com cédula profissional número seis mil seiscentos e quinze, emitida pelo Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores, compareceram:

FF (…) na qualidade de procurador de (…) conforme procuração abaixo mencionada.

EE (…)

Verifiquei a identidade dos intervenientes pela exibição dos respectivos documentos de identificação.

E por eles foi dito:

Que confirmam perante mim o conteúdo do documento anexo, que é um contrato de Doação, tendo declarado que já o leram, que estão perfeitamente inteirados do seu conteúdo, o assinaram, e que o mesmo exprime as suas vontades.

EXIBIRAM

(…)

ARQUIVO:

a) Procuração comprovativa do mandato invocado pelo primeiro interveniente.

(…)

Nos termos do artº 262º nº 2 a procuração deverá revestir a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar, sendo que de acordo com o artº 947º do mesmo código, a doação de coisas imóveis só é válida se for celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado.

Assim sendo, a ré DD apenas teria que analisar a procuração e verificar se a mesma obedecia aos requisitos legais de molde a considerarem-se validamente conferidos os poderes contidos na mesma

Ora, sendo a procuração que lhe foi exibida, pela qual se conferiam poderes a FF para doar a EE, nula, a sua autenticação deveria ter sido recusada pela ré, uma vez que não há uma outorga formalmente válida de poderes de representação, o que a mesma não atentou e verificou.

Em face da prática indevida destes actos pelos réus que consequências é que isso acarreta?

Verificada a nulidade da procuração, com os fundamentos supra expostos, significa que FF, aquando da doação melhor descrita no facto 14 não tinha poderes para a efectuar.

Dispõe o artº 268º nº 1 que o negócio que uma pessoa sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for ratificado.

Resulta desta norma que a representação sem poderes é sancionada na nossa lei com a ineficácia do negócio em relação ao dominus, tanto assim que se permite a sua ratificação, pois que o representado pode até ter interesse no negócio (…); fazendo-o, o negócio adquire total eficácia, desde o momento da actuação do representante, como se nunca tivesse havido qualquer vício; fala-se por isso, a este propósito de uma eficácia suspensa 10Ac. RC. 10.02.2015, www.dgsi.pt/jtrc.nsf.

Se assim é, esta ineficácia apenas poderia ser invocada pelo próprio BB, pois foi a pessoa em nome da qual alguém sem poderes para a representar celebrou negócios em seu nome e não qualquer terceiro, designadamente um herdeiro legitimário. 11Cf a este propósito AC.STJ.27.01.2022, www.dgsi.pt/jstj.nsf

Na ignorância, de sabermos se BB ratificaria ou não a doação em causa, isso impossibilita-nos de saber se existiu qualquer dano indemnizável na herança de BB que a autora, na qualidade de herdeira, pudesse reclamar, tanto mais que não logrou a mesma positivamente demonstrar que BB não quis doar o imóvel em questão a EE (cf. alínea e) da factualidade não provada).

Ora, o dever de indemnizar pressupõe 12Cf. AC.STJ.10.03.2011, www.dgsi.pt/jstj.nsf:

a) A ilicitude do facto danoso, entendida esta como a desconformidade entre o comportamento devido pelo seu autor e o comportamento observado;

b) A culpa sob a forma de dolo ou negligência;

c) O dano;

d) O nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado.

Na ausência da prova do dano, sempre se impõe a absolvição dos réus e, por aí também das demais 13Considerando-se a já supra decidida absolvição do pedido da interveniente Lloyds intervenientes (B... SA, D... Company SA e C... SA), …”.

A A. discorda pelas razões constantes das suas conclusões de recurso (as XI a LXIII).

Cabe apreciar, tendo em consideração que neste momento apenas estão em jogo os pedidos formulados na p.i. sob c) e g).

3.1. Atento os factos não provados c) e d), o pedido formulado na p.i. sob parte da c), de declaração de falsidade da procuração, datada de 22.5.2015, bem como do termo de autenticação da mesma data, tem de necessariamente improceder.

3.2. Quanto ao pedido formulado sob a outra parte da c), de invalidade e nenhum efeito da mesma procuração e termo de autenticação, a sentença recorrida considerou, na fundamentação jurídica, que a procuração passada a favor do FF era inválida, abrangendo como abrangia uma irrevogabilidade a favor de terceiro, mas a autenticação era válida, pois respeitou o período legal de 48 h. E como a procuração era nula, a autenticação levada a cabo pela R. DD – vide factos 14. e 15. atinentes à doação à EE, efectivada pelo procurador FF - também padecia de invalidade.

Na dita fundamentação explanou-se, acertadamente, tal intercorrência respeitante à invalidade da procuração e seus efeitos na autenticação levada a cabo posteriormente pela R. DD. O que nenhuma parte contesta, e que nós também aceitamos.

Divergências verificam-se é, da parte da recorrente e deste tribunal ad quem quanto à invalidade da procuração e validade do termo de autenticação.

Efectivamente, a recorrente defende que a procuração é inválida por não ter sido lavrada por notário, como exige a lei, nos termos do art. 116º, nº 1 e 3, do C. Notariado, mas por documento particular autenticado. Todavia, afigura-se haver aqui confusão da recorrente, pois a dita procuração já foi considerada nula, não há sombra do apontado nº 3 (que se refere a substabelecimentos), mas sim pelo nº 2, que se refere a procurações conferidas no interesse de terceiros (ou do procurador). Ora, foi justamente esse o motivo que levou o tribunal a quo a ditar a nulidade da procuração ! (acabando por não se perceber bem qual o sentido do argumento da recorrente).

E nós defendemos que, ao contrário do afirmado, na sentença recorrida, o termo de autenticação também não é válido. Na realidade, na sequência do disposto no art. 38º do DL 76-A/2006, citado e transcrito na sentença recorrida, a também aí referida Portaria 657-B/2006 preceituou o que de tal sentença consta no art. 4º, designadamente o nº 2.

Ora, o nº 2 deve ser interpretado, face ao texto legal, como concedendo unicamente a possibilidade de a efectivação do registo informático ocorrer nas 48 h seguintes à realização do acto de autenticação caso se verifiquem dificuldades de carácter técnico, facto este que deve ser expressamente referido no documento que o formaliza. É este o entendimento que se afigura medianamente claro e que foi acolhido pelo STJ, no seu Ac. de 21.4.2022, Proc.1670/13.5TBPTM, em www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê; “IV. Precavendo, porém, a possibilidade de o sistema informático não estar acessível nesse momento, em virtude de dificuldades de natureza técnica (e apenas devido a estas – que devem ser mencionadas nos documentos que formalizam os actos, sob pena de nulidade do registo online e, consequentemente, de invalidade do termo de autenticação), o legislador veio dar a possibilidade de, mesmo assim, se validar o documento: ser efectuado o respectivo registo informático dentro das 48 horas seguintes àquele momento.”.

Acontece que no nosso caso, nenhuma dificuldade técnica foi mencionada no termo de autenticação – o R. CC alegou a mesma, mas tal não se provou, como dimana da p) dos factos não provados -, pelo que, inelutavelmente, se verificou a intempestividade do registo informático (não efectuado dentro das referidas 48 horas) acarreta, inevitavelmente, um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial, que determina a invalidade do termo de autenticação.

Pelo que o documento objecto da autenticação (v.g., procuração) não reúne os requisitos legalmente exigidos para que possa ser considerado válido, ao contrário do defendido na 1ª instância.

Assim, quanto a parte do pedido formulado na c), da p.i., excluindo-se a falsidade, o pedido tem de proceder, (desconhecendo-se porque não o fez o tribunal a quo, pois reconheceu essa invalidade ao menos quanto à procuração), o que será declarado a final.

3.3. No referente à indemnização peticionada, a sentença recorrida, na sua argumentação jurídica, mostra-se algo desfasada, pois enveredou pelo conhecimento da ineficácia stricto senso do negócio jurídico em relação ao BB, nos termos do art. 268º do CC, quando tal consequência, ou outra como a invalidade (nulidade/anulabilidade) do negócio jurídico, não foi peticionada pela A., como a apelante justamente assinala (cfr. parte B das conclusões de recurso, as XI- a XVII-).

O que está em jogo é, sim, as consequências da prática pelos RR de actos de emissão de procuração e respectivas autenticações no exercício das funções notariais cometidas aos advogados e solicitadores de que alegadamente resultaram danos para o BB e herdeiros deste, em virtude da diminuição do seu património e acervo hereditário.

Neste âmbito, está em questão a sua eventual responsabilidade extra-contratual.

Esta pressupõe, como é por todos sabido: a) a ilicitude do facto, entendida esta como a desconformidade entre o comportamento devido pelo seu autor e o comportamento observado; b) a culpa sob a forma de dolo ou negligência; c) o dano; d) o nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado.

No nosso caso temos ilicitude, por os RR terem praticado actos contrários às disposições jurídicas que regulam a emissão de procuração e respectiva autenticação. Temos a culpa, pois no âmbito do exercício das suas profissões, podiam e deviam ter agido de outro modo, observando a lei.

A recorrente no final do corpo das suas alegações defende que se verifica o nexo de causalidade entre os factos e o dano (sem este actos dos RR não se originaria a cadeia de actos jurídicos subsequentes de que resultou a alienação do património do BB e a diminuição do seu acervo hereditário) e se verifica o dano (em resultado deste acto e subsequentes actos que este permitira resultou a alienação do património do BB no valor da bem alienado).

Mas não temos por bom este entendimento, antes entendemos que não há dano nem nexo de causalidade adequado entre o facto e qualquer dano.

Isso só aconteceria, se tivesse ficado apurado que o BB não queria doar o imóvel à EE ou que não teve consciência de o ter feito. Aí, sim, ficaria estabelecido nexo de causalidade adequado e o dano. Todavia tal factualidade não se provou – conforme e) dos factos não provados.

Não havendo, portanto, responsabilidade civil dos RR, o pedido da A. de indemnização formulado por si tem de improceder.   

4. Atento os factos provados 22- a 26- e 31- a 35-, não há lugar à condenação em custas relativamente às Intervenientes seguradoras B... e D....       

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): (…).           

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, e, em consequência, vão os RR e a Interveniente C... condenados a reconhecerem e verem declarada inválida e de nenhum efeito a procuração, identificada no facto provado 9-, bem como o termo de autenticação desta, identificado no facto 10-, no demais se confirmando a decisão recorrida.

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Custas pela A./recorrente, por um lado, e RR e Interveniente C..., por outro lado, na proporção 3/4 e 1/4, respectivamente.

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Coimbra, 13.5.2025

Moreira do Carmo

Fonte Ramos

Carlos Moreira