AÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
COISAS DIVISÍVEIS/INDIVISÍVEIS
Sumário

I. São divisíveis as coisas que podem ser fracionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam.
II. A verificação dos pressupostos da divisibilidade do prédio deve reportar-se ao circunstancialismo existente à data da interposição da ação de divisão de coisa comum.
III. Estando a divisibilidade do prédio em questão dependente da realização de obras e da legalização de construções existentes no prédio, este deve ser tido por indivisível.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

AA intentou ação de divisão de coisa comum contra BB e CC, requerendo que se coloque termo à indivisão do prédio urbano sito na Rua ..., ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...73 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial urbana com o n.º ...5 da referida freguesia.

Para tanto alega, em síntese, que o Requerente e os Requeridos são comproprietários, na proporção de metade, do aludido imóvel, pretendendo agora pôr termo à indivisão do mesmo, o qual, pelas suas características, entende ser divisível em duas parcelas.

Contestaram os Requeridos, colocando apenas em crise a alegada natureza divisível do bem, dizendo que uma das edificações não se encontra legalizada, nem tão-pouco é totalmente autónoma da outra edificação, para o que seria necessário a realização de diversas obras, de custos avultados.

De seguida, o Tribunal recorrido julgou parcialmente procedente a ação, declarando: a) a existência de um direito de compropriedade do Requerente e da Requerida sobre o imóvel melhor descrito no facto provado 1; b) a indivisibilidade do imóvel melhor identificado no facto provado 1; c) as quotas dos comproprietários na proporção de metade para cada um; d) que o Requerido não é comproprietário do prédio melhor descrito no facto provado 1; e) absolver o Requerente do pedido de condenação do mesmo como litigante de má-fé.


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Inconformado, o Requerente recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

1. O Recorrente não se conformando com a Decisão Sumaria, na parte que declarou a indivisibilidade do imóvel.

2. A decisão sumaria do tribunal a quo foi prematura uma vez que não considerou as evidencias técnicas sobre a divisibilidade do imóvel;

3. Não analisou de acordo com o merecido a certidão camarária na qual faz parte integrante do projeto urbanístico com vista à legalização das edificações e no qual autorizou o destaque nos termos referidos;

4. Também não analisou nem considerou a perícia efectuada pelo perito singular nomeado pelo Tribunal;

5. Perante as evidencias demonstradas cabia ao Tribunal a quo usar da sua prudência e prosseguir a ação nos termos do processo comum afim, se duvidas ainda existissem, ouvir em sede de julgamento os técnicos da câmara Municipal quanto à eventual legalização das construções ou mesmo ao destaque já autorizado;

6. Ao contrario decidiu pela indivisibilidade fundamentando que «para que se lograsse a divisão do prédio em duas parcelas distintas seria necessária a realização de obras – questão relativamente à qual, aliás, as partes convergem nos respectivos articulados, divergindo apenas na conclusão que desse facto extraem para efeitos da (im)procedência do peticionado pelo Requerente no âmbito da presente acção – sempre terá de se entender que o bem em causa nos autos, atento o seu estado actual, assume natureza indivisível, cf. artigo 209.º do CC.»

7. Sem mencionar quais as obras a que se referia;

8. O R vem impugnar a decisão sobre a matéria de fato, e de direito nos termos do art. 639º e 640º do CPC;

9. Requerem a alteração a matéria considerada não provada para provada - O Tribunal a quo considerou não provados, os fatos identificados na alínea a);

10. E considerou de forma imprecisa os fatos provados identificados nas alíneas 6 e 7;

11. O tribunal deveria ter considerado provados os seguintes fatos:

12. O ponto 6. Deveria ser alterado para: A edificação ocupada pelos Requeridos foi construída sem licenciamento camarário, não se encontrando legalizada junto da Câmara Municipal ..., mas com processo de legalização em curso na Câmara Municipal ...

13. Deveria ter considerado provado que «foi deferido o projeto de arquitetura, tendo sido condicionado à oposição da assinatura dos proprietários por objeção da Requerida à operação urbanística requerida levando tal fato à impossibilidade de licenciamento da mesma» - Cfr. fls 126 da certidão da Câmara pág. 13/17 da certidão junta e nota escrita manualmente pelo chefe de divisão oposta no doc. 10 e 11/17 da certidão junta com a referencia 10561369 junta a 27/02/2024 no citius

14. Deveria ter considerado ainda provado que «foi autorizado a 11.06.2010, o destaque do imóvel identificado nos autos em 1 pela Câmara Municipal ..., em duas partes iguais, ficando a parcela a destacar com a área de 480m2, a confrontar do norte com DD, do sul com EE, do nascente com FF e do poente com Rua ..., ... da certidão junta referencia 10561369 junta a 27/02/2024 no citius

15. Por fim o tribunal a quo deferia ter considerado provado que «por culpa exclusiva dos requeridos, os quais se opuseram à legalização dos imóveis com vista ao destaque deferido, não foi possível proceder à conclusão da legalização levando ao arquivamento do processo administrativo – Cfr. fls 110 do processo Camarário ou pág. 7/17 da certidão junta a processo

16. Quanto ao fato provado nº 8 «. Para que o prédio identificado em 1. Seja dividido fisicamente em duas partes é necessária a realização de obras.»

17. O Tribunal deveria esclarecer quais as obras necessárias à legalização, que no caso dos autos as obras construção de uma divisória em pladur entre a entrada da casa de banho e a cozinha no imóvel dos requeridos e naturalmente, a entrada do prédio a desanexar para a via publica, caso o tribunal entendesse decidir uma entrada autónoma para ambos os prédios, de acordo como processo urbanístico nº 96/2009/01 arquivado na Câmara Municipal ... conforme certidão junta aos autos com a referencia 10561369 junta a 27/02/2024 no citius

18. Pelo que o ponto 8 deveria passar a ter a seguinte redação: «Para que o prédio identificado em 1. seja dividido fisicamente em duas partes é necessária a realização de obras, nomeadamente a construção de uma divisória em pladur entre a entrada da casa de banho e a cozinha no imóvel dos requeridos, e abertura de uma entrada do prédio, a desanexar, para a via publica»

19. O Tribunal a quo deveria ter considerado provado de que: Foi autorizado pela Câmara Municipal, por despacho a 11/06/2010 o destaque do prédio, em duas partes iguais, ficando a parcela a destacar com a área de 480m2, a confrontar do norte com DD, do sul com EE, do nascente com FF e do poente com Rua ..., ... da certidão junta referencia 10561369 junta a 27/02/2024 no citius

20. Conforme certidão camarário de que faz parte integrante do processo urbanístico nº 96/2009/01, nomeadamente a decisão da Coordenadora técnica Dra. GG, por delegação do Exmo. Sr Presidente da Câmara Municipal, a autorizar o destaque do prédio nos termos peticionados junto ao processo com a referência 10561369 junta a 27/02/2024 no citius

21. Quanto ao fato não provado identificado na alínea a) «De acordo com a análise da Câmara Municipal ..., é viável a emissão de destaque de uma parcela do prédio identificado em 1., para tanto bastando e sendo possível uma abertura para a via pública.»

22. Considera a parte recorrente que deveria ter sido considerado provado, atendendo aos elementos constantes no processo urbanístico junta aos autos;

23. Analisando a prova produzida dos autos temos:

24. Foi realizada a perícia no sentido de se aferir se o prédio seria in/divisível;

25. Dessa perícia resultou que «o prédio é teoricamente divisível quer em regime de propriedade horizontal quer em destaque de parcela (…)»

26. Que o prédio é passível de ser divisível nos termos da proposta do requerente Cft Pág. 4 do Relatório Pericial referência: 106724484 de 21/03/2024

27. Afirmou que no prédio é passível de ser divisível nos termos da proposta do requerente, existe duas construções distintas e autónomas, habitáveis e com possibilidade de ambas terem entradas próprias para a via publica (…) pode ser dividido, conforme levantamento topográfico com a indicação das áreas da parcela 1 e da parcela 2 ambas ficando com 517 m2; Cft Pág. 4 e 5 do Relatório Pericial com a referência: 106724484 de 21/03/2024

28. Esclareceu ainda que a alteração em substância traduz-se de um para dois prédios e que dessa divisão não se verifica a diminuição do valor do prédio. Cft Pág. 5 do Relatório Pericial

29. Encontram-se desta forma preenchidos os requisitos quanto à possível divisibilidade do prédio como enunciado no art. 209.º do C. Civil,

30. O Tribunal ao não reconhecer a divisibilidade encontra-se a violar o dispostos nos art. artigo 926.°, 2 e 3 do C.P.C. bem como as normas urbanísticas que integram o Plano Diretor Municipal ..., designado por Plano ou PDM..., destinado a regular a ocupação, uso e transformação do solo na sua área de abrangência, que se encontra delimitada na Planta de Ordenamento, à escala 1/25.000, e de acordo com a Carta Administrativa Oficial de Portugal, CAOP 2017, as quais reconhecem a divisibilidade do prédio dos autos.

31. O tribunal a quo não analisou de forma cuidadosa os documentos junto aos autos.

32. Nesta parte e com todo o respeito merecido, o tribunal a quo, decidiu de forma prematura em vez de considerar as evidencias técnicas sobre a divisibilidade do imóvel;

33. Quanto à possibilidade do prédio ser divisível de acordo com as normas urbanísticas camarárias, nesta parte o Tribunal a quo não analisou como merecido o documento, certidão camarário de que faz parte integrante do processo urbanístico nº 96/2009/01, nomeadamente a decisão da Coordenadora Técnica, Dra. GG, por delegação do Exmo. Sr Presidente da Câmara Municipal, veio por despacho datado de 11/06/2010, a autorizar o destaque do prédio nos termos peticionados, documento junto ao processo com a referência 10561369 junta a 27/02/2024 no citius

34. Fato é que a apreciação sumaria pelos dos diversos elementos probatórios pelo Tribunal a quo, levaram a uma análise deficitária resultando de uma decisão errónea do caso em concreto;

35. O Requerente entrega uma certidão da Câmara Municipal a testar pela via da certidão, um grupo de documento que fazem parte integrante do processo urbanísticos do mencionado prédio dos autos, no qual a Câmara Municipal competente, aceitou a legalização das construções de acordo com os projectos entregues, tendo deferido a desanexação nos termos peticionados;

36. Tal viabilidade, assim como os projectos de especialidade entregues foram aceites e deferidos, mas ficaram condicionados à oposição das assinaturas necessárias da parte contrária a qual veio, através do seu advogado, opor-se à legalização urbanística do imóvel;

37. Demonstra-se de forma clara e indiscutível a oposição de má fé quanto á legalização do imóvel na Câmara Municipal com o censurável requerimento a requerer «para que não se reproduza nenhuma decisão quanto ao destaque anterior proposto (…) pois não foi oposta nenhuma assinatura em nenhum dos requerimentos», conforme requerimento do Exmo. Sr mandatário da parte contraria, o qual mantém a representação no presente processo judicial conforme requerimento datado de 15/09/2010 com o nº 870/2010 no processo 86/09/01, melhor identificado na certidão junto identificado a fls 109 do processo urbanístico e fls 10/17 do documento junto aos autos;

38. Significa isto que o prédio dos autos, quer em termos substanciais quer em termos legais, preenche todos os requisitos da divisibilidade, conforme se demonstrou de acordo com os elementos probatórios junto ao processo.

39. Encontrando-se demonstrada a divisibilidade do prédio dos autos quer em termos jurídicos, quer inclusivamente em termos físicos.

40. A primeira pela prova pericial e a segunda pela certidão da Câmara a deferir a desanexação do prédio.


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            Contra-alegaram os Requeridos, defendendo a solução encontrada pelo tribunal recorrido.

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            As questões a decidir são as seguintes:

            A reapreciação da matéria de facto impugnada;

            A divisibilidade do prédio.


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A reapreciação da matéria de facto impugnada.

O Recorrente questiona os factos assentes em 6, 7 e 8, o não provado em a) e pretende o aditamento de outros, essencialmente instrumentais.

O Recorrente invoca os documentos relativos ao processo camarário e a perícia.

Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº1, do Código de Processo Civil).

Este tribunal forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados.

Reapreciada a prova indicada, não encontramos elementos para alterar o decidido, julgando assim improcedente a impugnação feita pelo Recorrente.

Vejamos:

Conforme os documentos:

O imóvel é composto por casas de habitação de rés-do-chão, cómodos e logradouros, estando uma habitação ocupada pelo Recorrente e outra ocupada pelos Recorridos.

Obras foram feitas nele que não foram legalizadas, não existindo qualquer processo de legalização em curso.

Embora tenha sido pensada a autorização de um destaque de uma parcela de terreno e exista um deferimento condicionado, no que respeita ao projeto das especialidades, verificando-se (a Câmara) que se tratava da legalização de uma operação urbanística de génese ilegal e que existia objeção dos demais e então comproprietários à operação urbanística, foi decidido que o processo não podia avançar enquanto não fosse eliminada a ilegalidade e obtido o compromisso dos comproprietários.

Ao contrário do alegado, nada permite certificar que basta uma divisória em pladur entre a entrada da casa de banho e a cozinha e abrir uma entrada no prédio para a via pública, para que se possa dividir o referido prédio.

Veremos infra que não interessa discutir que obras são necessárias, pois que, estando a verificação dos pressupostos da divisibilidade do prédio reportada à data da interposição da ação, tais obras não estavam sequer clarificadas e aprovadas.

Conforme a perícia:

A divisão é apenas teoricamente possível; a ausência de licenciamento não permite a divisão e a sua legalização, levando a que o bem não seja transacionável, pelo que não apresenta valor.

Como esclarece o Tribunal recorrido: “Com particular relevância para o caso, e especificamente a propósito do facto provado 8, importa evidenciar que muito embora o Ilustre perito nomeado se tenha pronunciado, em sede de relatório pericial, no sentido de o prédio ser “teoricamente divisível”, o certo é que o mesmo reconhece que essa divisibilidade depende, para além do mais, da legalidade das construções existentes e da realização de obras, designadamente, da construção de um acesso autónomo para a via pública, através de abertura a efectuar no muro existente no local. Aliás, em sede de esclarecimentos remetidos a 16-04-2024, e com o intuito de dissipar as dúvidas manifestadas, aquele acabou por afirmar, expressa e peremptoriamente, que o prédio em causa não se considera divisível no seu estado actual.”

Pelo exposto, julgamos improcedente a impugnação feita pelo Recorrente e decidimos manter a matéria de facto como fixada.


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Os factos provados são os seguintes:

1. O prédio urbano sito na Rua ..., ... ..., encontra-se descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...73 e inscrito na matriz predial urbana com o n.º ...5.

2. Mediante a AP. ...95, de 2011-10-18, foi registada a aquisição, por sucessão hereditária, da quota de ½ do imóvel identificado em 1., tendo como sujeito activo a Requerida BB, casada no regime de comunhão de adquiridos com o Requerido CC, e como sujeito passivo HH.

3. Mediante a AP. ...69, de 2018-09-18, atualizada por via da AP. ...11, de 2022-08-23, foi registada a aquisição, por partilha extrajudicial, da quota de ½ do imóvel identificado em 1. tendo como sujeito activo o Requerente II, casado no regime imperativo de separação de bens com JJ, e como sujeito passivo KK.

4. O imóvel identificado em 1. é composto por casas de habitação de rés-do-chão, cómodos e logradouro.

5. No aludido prédio encontram-se erigidas duas edificações habitacionais, sendo uma ocupada pelo Requerente e outra ocupada pelos Requeridos.

6. A edificação ocupada pelos Requeridos foi construída sem licenciamento camarário, não se encontrando legalizada junto da Câmara Municipal ....

7. A edificação ocupada pelos Requeridos não tem acesso direto à via pública, fazendo-se o mesmo pelo logradouro do prédio e através de um portão de entrada comum.

8. Para que o prédio identificado em 1. seja dividido fisicamente em duas partes é necessária a realização de obras.


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São divisíveis as coisas que podem ser fracionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam (art.209 do Código Civil).

A verificação dos pressupostos da divisibilidade do prédio deve reportar-se ao circunstancialismo existente à data da interposição da ação de divisão de coisa comum. (Entre outros, o acórdão da Relação do Porto, de 16.10.2017, proc. 2506/15, em www.dgsi.pt.)

A divisibilidade deve respeitar as imposições urbanísticas, na competência das autoridades definidas.

No caso, entendeu o Tribunal recorrido e bem:

“Assim, atendendo a que a divisibilidade do prédio em questão sempre dependeria da realização de obras e da legalização das construções no mesmo existentes, nunca poderia o Tribunal julgar divisível o aludido imóvel, sob pena de violação do supra identificado critério da actualidade.” (Fim da citação.)

Parte do prédio foi em tempos modificada, não tendo existido então qualquer licença para o efeito.
Não existe qualquer aprovação de obras ou processo de legalização em curso.

A ausência de licenciamento não permite uma teórica divisão legal, aquela que foi pensada pelo Recorrente.

Pelo exposto, à data da propositura da acção, o prédio objecto dos autos não reunia os pressupostos indispensáveis à sua divisão em substância.


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Decisão.

Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, vencido.

Notifique.

2025-05-13


(Fernando Monteiro)

(Alberto Ruço)

(Luís Cravo)