AÇÃO DE DIVÓRCIO
PROCEDIMENTO CAUTELAR DE ARROLAMENTO
PRODUÇÃO DE PROVA QUANTO À NATUREZA COMUM DOS BENS
PRESUNÇÃO DE COMUNICABILIDADE DOS BENS
DISPENSA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS
Sumário

No procedimento cautelar de arrolamento, instaurado como incidente da ação de divórcio, previsto no artigo 409.º do CPC, tendo em consideração a presunção de comunicabilidade estabelecida no artigo 1725.º do Código Civil, o juiz pode decretar o arrolamento nos bens indicados pela requerente, sem produção de outra prova, designadamente testemunhal, desde que esteja provado no processo principal a existência do casamento, o regime de comunhão e a identificação da casa de morada de família.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,


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Juiz relator…………......Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto……..….Luís Filipe Dias Cravo

2.º Juiz adjunto…….…..José Vítor dos Santos Amaral


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Recorrente …………………..AA;

Recorrida…………………….BB.


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I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto da decisão que atendeu ao pedido de arrolamento de bens requerido pela recorrida como incidente do processo de divórcio a que está apenso, entre as mesmas partes.

Alegou receio de dissipação ou desaparecimento dos bens comuns do extinto casal.

Pediu o arrolamento dos seguintes bens:

a) veículo automóvel Renault com a matrícula ..-DE-..;

b) veículo automóvel Audi com a matrícula ..BL...

c) todos os bens móveis, máquinas, equipamentos e dinheiro que se encontram no interior da casa de morada de família, sita na Rua ..., ..., ..., ... ...;

Requereu ainda que seja oficiado ao Banco de Portugal para informar os autos quais os Bancos em que o Requerido tem contas abertas, como titular ou contitular, à presente data, e após essa informação nos autos, que as instituições bancárias sejam notificadas para informar os autos quais os saldos dessas contas bancárias à presente data, sejam elas à ordem, a prazo, de valores mobiliários, de poupança, ou de qualquer outro tipo.

O tribunal considerou que este arrolamento não está sujeito ao disposto no n.º 1 do art.º 403.º, por força do n.º 3 do art.º 409.º, ambos do Cód. Proc. Civil e, por isso, a requerente não necessitava de alegar e provar o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens.

Por outro lado, presumindo a lei que os bens são comuns, nos termos dos arts. 1724.º e 1725.º do Código Civil, e que o requerido não seria ouvido antes da decisão do arrolamento, para que a diligência não fosse frustrada (art.º 366.º, n.º 1, do C.P.C.), seria de decretar o arrolamento sem necessidade de produção de provas.

Em conformidade foi proferida a seguinte decisão:

«Termos em que determino o arrolamento requerido, quanto aos bens que foram referidos pela requerente, acima elencados».

b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte do requerido, cujas conclusões são as seguintes:

«1) - O presente pleito consiste no arrolamento de bens, enquadrado no regime especial do nº 1 do artº 409º do CPC que, por força do seu nº 3, isenta o requerente do arrolamento preliminar ou incidente da ação de separação judicial de pessoas e bens, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, de provar o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos.

2) – A Requerente veio requerer o arrolamento de:

a) veiculo automóvel Renault com a matrícula ..-DE-.. e

b) veiculo automóvel Audi com a matricula ..BL...

c) todos os bens móveis, máquinas, equipamentos e dinheiro que se encontram no interior da casa de morada de família, sita na Rua ..., ..., ..., ... ...;

3) – Também requereu ao Tribunal que fosse “oficiado o Banco de Portugal para informar os autos quais os Bancos em que o Requerido tem contas abertas, como titular ou contitular, à presente data, e após essa informação nos autos, que as instituições bancárias sejam notificadas para informar os autos quais os saldos dessas contas bancárias à presente data, sejam elas à ordem, a prazo, de valores mobiliários, de poupança, ou de qualquer outro tipo.”

4) – Da leitura atenta da PI, constata-se que não foram sequer alegados quaisquer factos a propósito dos direitos da Requerente relativos aos bens cujo arrolamento peticionou, nos termos do disposto no artº 405 nº 1 do CPC,

5) – consequentemente, o Tribunal a quo, também não ponderou/analisou quaisquer provas nesse sentido para fundamentar a sua decisão.

6) – Certo é que a providência cautelar veio a ser decretada com a amplitude e nos moldes em que foi requerida.

7) – Salvo melhor entendimento, a dispensa da lei quanto à alegação e prova do periculum in mora ( artº 409 nº 3 do CPC ) não é extensível ao fumus boni juris, pelo que sempre cabia à Requerente demonstrar a séria probabilidade dos bens a arrolar serem comuns, ou serem seus, mas estarem sob a administração do outro cônjuge ( artº 405 nº 1 do CPC ).

8) – A lei admite uma prova sumária do direito da Requerente relativo aos bens a arrolar, não admite é a sua total omissão.

9) – A exigência daquela prova ainda que sumária visa naturalmente proteger o Requerido e terceiros de abusos por parte do Requerente do arrolamento.

10) – Ora, foi esse abuso que aconteceu, vejamos pontualmente:

11) – Quanto aos 2 veículos cujo arrolamento solicitou, limitou-se a indicar a marca, matrícula de cada um e a afirmar que ambos estavam registados em nome do Requerido, ora Apelante.

12) - Não fez prova do por si alegado, nomeadamente juntando uma certidão da Conservatória do Registo Automóvel, cuja obtenção é facílima,

13) – Não alegou e, consequentemente não provou que a data do registo de aquisição é posterior à data do casamento, que tais veículos foram adquiridos com capitais comuns.

14) – Nada fez!

15) – Mas, o Tribunal a quo, perante esta total omissão, conformou-se e decretou o arrolamento daqueles veículos.

16) – Veio a confirmar-se, ver Auto de Arrolamento datado de 18.02.2025, que o Veiculo automóvel Audi, matricula ..BL.. não se encontra registado a favor do Requerido, ora Apelante! Confirmou-se que a Apelada faltou à verdade.

17) – Naturalmente que o registo do arrolamento daquele veículo ficou provisório e trará transtornos ao seu proprietário que nada tem a ver com os presentes autos.

18) – Por estas e outras razões, o Legislador não dispensou o Requerente de arrolamento especial do ónus de provar, ainda que sumariamente, o seu direito relativo aos bens a arrolar.

19) – Continuando, a Requerida alegou ter o ora Apelante esvaziado as contas bancárias de que ambos eram titulares e certamente este teria aberto outras contas em seu nome, cuja identificação ignora.

20) – Neste particular, uma vez mais, dir-se-á que a Requerente não provou, ainda que sumariamente, o por si alegado.

21) – Se o Requerido esvaziou as contas bancárias de que ambos eram titulares, a Requerente, com a maior das facilidades obteria um extrato de cada uma das contas, assim provando o alegado esvaziamento.

22) – Sendo a Requerente cotitular das contas “esvaziadas”, porque não as identificou?

Preferiu que fosse oficiado o Banco de Portugal para identificar as contas de que é cotitular??? Ou, simplesmente, pretendeu prejudicar o ora Apelante?

23) – No particular das contas em nome de ambos, cabia-lhe e tinha acesso fácil a tal informação provar que o alegado “esvaziamento” foi efetuado pelo ora Apelante e que os fundos desviados eram de ambos, nomeadamente por terem sido constituídos em data posterior ao casamento.

24) – Uma vez mais, a Requerente demitiu.se de tal ónus e o Tribunal a quo conformou-se, decretando o arrolamento de todas as contas de que o apelante era titular ou cotitular.

25) – As alegações da Requerente no sentido do Requerido ter aberto novas contas em seu nome, verificaram-se falsas!

26) – No que toca ao arrolamento de “todos os bens móveis, máquinas, equipamentos e dinheiro que se encontram no interior da casa de morada de família, sita na Rua ..., ..., ..., ... ...” dir-se-á que, novamente a Requerente omitiu o seu dever de alegar e provar, ainda que de uma forma sumária, o seu direito relativo a tais bens.

27) – O Tribunal a quo conformou-se e, neste particular, também decretou o seu arrolamento.

28) – Não se diga que, por serem bens que se encontram no interior da casa de morada de família, a lei os presume comuns, porque o disposto nos artºs 1.724 e 1.725 do C. Civil não conduz a tal interpretação.

29) – Quem disse ou provou ao Tribunal a quo que todos os bens que, à data do arrolamento, se encontrassem no interior da casa de morada de família foram adquiridos com capitais comuns?

30) – Não será composto pelo menos em parte por bens próprios do ora Apelante? Ou de outrem?

31) – O Tribunal a quo nem se questionou, sendo certo que para se questionar, teria que ter analisado provas as quais foram omitidas.

32) – Na verdade, a decisão a favor da comunicabilidade dos bens apenas pode ser tomada perante a dúvida, ora, in casu, não houve dúvida, o Tribunal acreditou cegamente em tudo quanto fora alegado pela Requerente do arrolamento, sem quaisquer provas, ainda que meramente indiciárias.

33) - À propósito do arrolamento de “todos os bens móveis, máquinas, equipamentos e dinheiro que se encontram no interior da casa de morada de família, sita na Rua ..., ..., ..., ... ...”, afigura-se que cabia à Requerente o dever de descrever minimamente o que são todos os bens móveis, todos os equipamentos, todas as máquinas e todo o dinheiro.

34) – Na verdade, a amplitude daqueles conceitos abarca tudo e mais alguma coisa, sem olhar a quem pertencem, ao direito ou não direito da Requerente relativo a cada um dos equipamentos, máquinas, móveis e dinheiro que se encontravam no interior da casa de morada de família à data do arrolamento.

36) – O próprio modo como se faz o arrolamento, nos termos do disposto no artº 406 do CPC, exige a descrição de cada um dos bens objeto de arrolamento.

37) – A quem cabia fazer essa descrição? Quem sabe do que é dona ou não?

38) – A preterição pela Requerente do ónus de descrever/identificar os bens a arrolar, por serem comuns ou próprios, mas sob a administração do outro cônjuge, preferindo optar por uma descrição ampla, genérica, que abarca tudo e mais alguma coisa, não acautela minimamente os direitos do Requerido e de terceiros, antes fere-os gravemente.

39) – O Tribunal a quo conformou-se com tal preterição, conformou-se ainda e novamente com a total omissão da prova, ainda que sumária, do direito da Requerente relativo a cada um dos bens.

40) – Neste quadro de total ausência prova de de fumus boni juris do direito da Requerente relativo aos bens a arrolar e de falta de descrição mínima de cada um dos bens a arrolar, o Tribunal a quo decretou a providência cautelar, assim incorreu em erro de julgamento, violando o disposto nos artºs 405 nº 1 e 406 nº 1 do CPC.

41) - Perante a total omissão, por parte da Requerida, da prova, ainda que sumária, do seu direito relativo aos bens cujo arrolamento requereu, afigura-se que o Tribunal a quo deveria ter indeferido a providência cautelar.

42) - Não o tendo feito, verifica-se erro de julgamento, na aplicação do direito (error juris), nomeadamente por violação do artº 405 nº1 do CPC e do artº 342 do C. Civil, (preterição do ónus da prova, mesmo que sumária do direito de que a Requerente do arrolamento se arroga sobre os bens objeto daquele procedimento cautelar).

43) – Na sequência da omissão da prova referida sob os nºs anteriores e no particular da Fundamentação de Facto da Douta Decisão em crise, o Tribunal nada disse.

44) – Na verdade, da leitura da Douta Decisão ora recorrida, o Tribunal a quo não identifica um único Facto Provado, nem um único Facto não Provado,

45) – Nem o casamento entre Apelante e Apelada dá como provado,

46) – Nem o regime de casamento.

47) – Ora, salvo melhor interpretação, a total ausência de Fundamentação Fáctica da Douta Decisão em crise, verifica-se a sua nulidade.

48) – Afigura-se-nos ser conditio sine qua non que o casamento entre Requerente e Requerido fosse dado como provado para a procedência do arrolamento especial de bens em causa.

49) – A falta de fundamentação de facto da Decisão em crise é censurada com a nulidade, nos termos do disposto no artº 615 nº 1 al. b) do CPC.

Termos em que, com o mui douto suprimento dos Venerandos Juízes Desembargadores, deve a Douta Decisão em crise ser revogada por erro de julgamento, nomeadamente violação do disposto nos artºs 342 do Código Civil, 405 nº 1 e 406 do CPC.

A Douta Decisão em crise também padece do vício de falta de fundamentação de facto, nos termos do no artº 615 nº 1 al. b) do CPC, consequentemente deverão os Venerandos Juízes Desembargadores decretar a sua nulidade.

Assim fazendo, praticar-se-á BOA JUSTIÇA.

c) Não foram produzidas contra-alegações.

d) O tribunal apreciou a nulidade invocada rejeitando-a com esta argumentação:

«(…) O recorrente invoca uma suposta nulidade da decisão por falta de fundamentação, entendendo-se que a providência cautelar pode ser decidida por decisão simples, que não exige uma apreciação minuciosa de factos como refere o recorrente nas suas alegações (arts. 368.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil).

Foi dito na decisão que se trata nestes autos de um arrolamento especial, que não está sujeito ao disposto no n.º 1 do art.º 403.º, por força do n.º 3 do art.º 409.º, ambos do Cód. Proc. Civil.

Como tal, não carecia a requerente de alegar e provar o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, que se presumem comuns, nos termos dos arts. 1724.º e 1725.º do Código Civil.

A requerente indicou os bens a arrolar, estava pendente o divórcio das partes e o julgador podia usar da dita presunção, ao abrigo dos arts. 349.º e 351.º do Código Civil, não havendo provas a produzir para decretar o arrolamento como incidente do divórcio, tratando-se de um arrolamento especial que não exige a produção de outras provas, não havendo que indicar como provados ou não provados factos que não foi necessário apurar (arts. 405.º, n.º 2 e 409.º, n.º 1, do C.P.C.).

Daí que não haja falta de fundamentação, para os fins do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do C.P.C.

Pelo exposto, ao abrigo do art.º 641.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, considero não se verificar a nulidade arguida pelo recorrente.»

II. Objeto do recurso.

O recurso coloca apenas duas questões:

1 – A primeira consiste em verificar se a decisão padece de nulidade por falta de fundamentação.

2 – A segunda em ponderar se era possível ordenar o arrolamento sem ter sido produzida prova relativamente à natureza comum dos bens identificados para arrolamento, ou próprios, estando, neste caso, sob a administração do outro cônjuge.

III. Fundamentação

1Nulidade de sentença.

O recorrente alega que a sentença é nula por falta de fundamentação nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do C.P.C., onde se dispõe que a sentença é nula quando «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

Não ocorre esta nulidade.

A falta de fundamentação da sentença é um vício de natureza processual que tem a ver com a forma do ato «sentença» prescrita na lei processual, mas não com a matéria substantiva de que trata o processo.

Como referiram os autores Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio Nora, «A segunda causa de nulidade contemplada na disposição é a falta de fundamentação da sentença. Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito» - Manual de Processo Civil, 2.ª Edição Revista e Actualizada. Coimbra Editora, 1985, pág. 687.

Na jurisprudência o entendimento é o mesmo como se vê pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2005 (Araújo Barros), em www.dgsi.pt, com referência ao n.º 05B2711:

«Para que uma decisão careça de fundamentação (incorrendo na nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 668º do C.Proc.Civil) não basta que a sua justificação seja deficiente, incompleta ou não convincente: é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito» (sumário).

No mesmo sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-1-2014 (Gabriel Catarino), no processo n.º 1032/08.6TBMTA, em www.dgsi.pt:

«III - Só a total falta de fundamentação – e não a fundamentação deficiente, acrática e errática – induz a nulidade da decisão por falta de fundamentação (al. b) do n.º 1 do art. 615.º ex vi dos arts. 666.º e 679.º, todos do CPC)».

Não há dúvida que a sentença se encontra fundamentada de facto e de direito, sendo certo que a questão colocada pela Recorrente como fundamento de nulidade constitui matéria atinente ao aspeto substantivo do recuso.

Consta da sentença que a requerente e requerido são casados um com o outro e que se encontra pendente um processo de divórcio entre ambos e pede o arrolamento de bens comuns que se encontram na casa de morada de família.

A Requerente indicou uma testemunha no seu requerimento, mas o tribunal entendeu que não era necessário produzir prova e justificou porquê, assim como justificou a razão legal para ordenar o arrolamento.

Não existe, por isso, falta de fundamentação.

Improcede, por conseguinte, a nulidade invocada.

2 – Vejamos agora se era viável ordenar o arrolamento sem ter sido produzida prova relativamente à natureza comum dos bens identificados para arrolamento, ou próprios, mas sob a administração do outro cônjuge.

A resposta é afirmativa, pelas seguintes razões:

(a) Como se referiu no tribunal recorrido e o Requerido não questiona, estamos face a um arrolamento especial, o qual não está sujeito ao disposto no n.º 1 do art.º 403.º, por força do n.º 3 do art.º 409.º, ambos do Cód. Proc. Civil, ou seja, à prova do justo receio de dissipação dos bens

 (b) Por outro lado, a Requerente alegou que estava pendente ação de divórcio entre si e o Requerido e que os bens móveis indicados estavam na casa de morada de família, indicando ainda dois veículos automóveis com registo em nome do requerido e que se indagasse acerca de contas bancárias que o Requerido terá aberto em data recente após ter retirado dinheiro que existia em contas comuns.

Verifica-se que, efetivamente, o processo de arrolamento corre por apenso ao processo principal de divórcio.

(c) O Requerido argumenta que não tendo sido produzida qualquer prova acerca da natureza comum dos bens indicados para arrolamento o tribunal não podia ordenar o respetivo arrolamento.

É este o cerne do recurso.

Não assiste razão ao Requerido, como já se disse.

Com efeito, nos termos do artigo 1724.º do Código Civil, «Fazem parte da comunhão:

a) O produto do trabalho dos cônjuges;

b) Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei.»

E «Quando haja dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns» - Artigo 1725.º do mesmo código.

Face a estas normas era irrelevante ouvir testemunhas.

Vejamos a razão.

Se as testemunhas fossem inquiridas e dissessem que a requerente era casada com o requerido, que estavam em processo de divórcio, que viviam na casa sita em (…), mas que não sabiam se os bens existentes no interior da casa eram comuns ou não, porquanto desconheciam a sua proveniência, o mesmo ocorrendo em relação aos veículos e contas bancárias, o tribunal decretava ou não decretava o arrolamento?

Certamente que ordenada o arrolamento porque, apesar de ter sido produzida prova inconclusiva, na dúvida sobre a natureza comum dos bens, funcionava a presunção estabelecida no indicado artigo 1725.º do Código Civil.

Ou seja, mesmo que a prova produzida deixasse dúvidas insuperáveis na mente do juiz, sobre se os bens indicados seriam ou não comuns, sempre o juiz teria de considerar que são comuns face à mencionada presunção, salvo se tivesse razões para concluir o contrário.

[Como se ponderou no acórdão do TRL, de 27 de maio de 2021, no Proc. 15981/19.2T8SNT-A..L1 «…prevendo o art. 1725 do CC que, havendo dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns, tem-se entendido que não faz sentido, quando se faz o arrolamento sem audição prévia dos requeridos, proceder à audição de testemunhas sobre as afirmações que os requerentes fazem relativamente a esses bens. É que, produzindo-se essa prova, se ela conduzisse a uma dúvida, devia funcionar a presunção de comunicabilidade. Sendo assim, as afirmações feitas para permitirem a conclusão de que os bens são comuns não tem de constar dos factos provados.»]

Deste modo, produzir ou não produzir prova sobre a natureza comum dos bens conduziria ao mesmo resultado e, sendo assim, tem de se entender que o juiz pode decidir não ser necessário ouvir testemunhas indicadas pelo requerente do arrolamento.

Cumpre referir, a este respeito que a situação não é excecional, pois pode verificar-se, pela leitura dos artigos 735.º a 754.º do CPC, que na penhora de bens, que consiste na sua apreensão, a lei não faz depender a ordenação da penhora de prova prévia de que os bens são do executado.

A produção de prova, no caso dos autos, poderia interessar, eventualmente, para identificação da casa de morada de família.

Porém, no presente caso, a existência do casamento, o regime de comunhão de adquiridos e a identificação da casa de morada de família já resultavam provados no processo de divórcio do qual este arrolamento é um apenso.

Ora, quando tal ocorre, esta factualidade constitui, por si, prova bastante de que a probabilidade prática dos bens indicados serem comuns é elevada e suficiente para o juiz alcançar a convicção de que os bens são comuns e ordenar o arrolamento.

Existe essa probabilidade prática porque, em regra, a generalidade dos bens do casal, após alguns anos de casamento, foram adquiridos após o casamento com meios auferidos no mesmo período.

Continuando.

Assim como consta desse processo de divórcio uma relação de bens comuns da autoria de ambos, exarada na «Ata de Tentativa de Conciliação» realizada em 4 de novembro de 2024, tendo sido aí identificada como verba n.º 1 o «Prédio correspondente à casa de morada de família, sito na Rua ..., ..., ..., ... ... (…)», bem como o «veículo ligeiro de passageiros, marca Renault Scenic, com a matrícula ..-DE-.. (…)» e o «Recheio da casa de morada de família (…)»

Face a este circunstancialismo, não se pode afirmar que a decisão foi proferida sem existirem provas, porquanto resultava provado no processo de divórcio, como se vem dizendo, o casamento, o regime de bens, a identificação da casa de morada de família e a existência de recheio da casa na casa de morada de família e ainda um automóvel.

Por outras palavras, existia prova suficiente para decretar o arresto quanto ao recheio e quanto ao automóvel com a matrícula ..-DE-...

Relativamente ao outro veículo caímos na aludida presunção e, repete-se, mesmo que a prova produzida deixasse dúvidas sobre a natureza comum do veículo, funcionava a presunção mencionada.

Relativamente às contas bancárias foi solicitada apenas informação, não existindo qualquer arrolamento.

 (d) Cumpre concluir que no processo de arrolamento instaurado como incidente da ação de divórcio, previsto no artigo 409.º do CPC, sem audição do requerido, o juiz, tendo em consideração a presunção de comunicabilidade estabelecida no artigo 1725.º do Código Civil, pode decretar o arrolamento nos bens indicados pela requerente, sem produção de outra prova, designadamente testemunhal, desde que esteja provado no processo de divórcio a existência do casamento, o regime de comunhão e a identificação da casa de morada de família.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.


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Coimbra, …