I - Na prestação de declarações de parte – artigo 466.º do Código de Processo Civil –, a mera descrição dos factos pela parte, sem apoio em outros meios de prova, ou nas regras de experiência, não tem, em regra, capacidade para gerar a convicção do juiz.
II - Porém, em abstrato, as declarações de parte podem ter a mesma relevância da prova testemunhal ou assumir mesmo vantagem em relação a esta, tendo em consideração que a parte é, em regra, alguém que esteve bem posicionado no que respeita à perceção ou conhecimento dos factos sob prova, podendo, por isso, prestar em audiência informações relevantes sobre factos circunstanciais até aí não alegados e desconhecidos, informações que de outro modo não seriam prestadas, as quais poderão ser utilizados pelo juiz para testar a hipótese factual sob julgamento e, se lograrem confirmação, poderão contribuir decisivamente para a formação da sua convicção.
III - No caso dos autos, apesar da produção de prova se ter resumido quase exclusivamente à prova por declarações de parte, o juiz pode formar a sua convicção com base nelas, se as respetivas afirmações forem apoiadas pelas regras de experiência e pelo contexto factual consensualmente considerado provado no qual os factos controvertidos se inserem.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,
1.º Juiz adjunto………………João Manuel Moreira do Carmo
2.º Juiz adjunto……………….Luís Filipe Dias Cravo
Recorrido……………………...AA.
a) O presente recurso vem interposto da decisão tomada pelo Tribunal Arbitral do CIMPAS (Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros), o qual condenou a recorrente A..., Companhia de Seguros, S.A., a pagar a AA a quantia de 4.370,00 euros a título de indemnização por danos sofridos, por este em consequência de um acidente de viação, causados uns pela privação do uso do veículo e outros pela perda de rendimentos resultantes da incapacidade para o trabalho.
b) A seguradora A... recorre desta decisão, formulando as seguintes conclusões:
«A) DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
1- A Recorrente, face à prova produzida, não pode concordar com o vertido na sentença recorrida , que ditou a procedência do pedido formulado pelo Recorrido relativamente à indemnização pela incapacidade, que fixou no valor de 3.750,00€.
2- Tal decisão tem como fundamento a matéria dada como provada nos pontos 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 14 da sentença baseando-se o Meritíssimo Juiz apenas nas declarações prestadas pelo Recorrido, sobre a referida matéria, sendo inexistente qualquer outro meio de prova – documental ou testemunhal – o que a Recorrente não pode aceitar.
3- A prova por declarações de parte, pode em abstrato, merecer a credibilidade das demais provas legalmente admissíveis, sendo livremente apreciada pelo Tribunal, em concreto, poderá ser insuficiente para valer como prova convivente, se depoimento do Recorrido, e porque não são factos, que pela sua natureza ser torne inviável a sua prova por outros meios, não poderá aceitar-se que esse depoimento seja, apesar do principio da livre apreciação da prova, suficiente para que o Sr. Juiz Arbitro dar os referidos pontos como provados, que face ao supra exposto, que deverão ser dados como não provados.
9- Também o ponto 14. terá que ser dado como não provado, dado que o Recorrido não juntou aos autos qualquer elemento contabilístico seu, ou da empresa que permitisse corroborar o seu depoimento que os lucros mensais auferidos mensalmente por si seriam pelos menos equivalentes ao salário auferido quando trabalhava em Espanha.
10- O Recorrido declarou que a empresa iniciou a atividade em início de Junho de 2024 e o acidente a que se reportam os autos ocorrido no dia 13 de junho de 2024, ainda não decorrido um mês sobre o alegado início da atividade da empresa, pelo que ainda não teria o Recorrido recebido qualquer valor, nomeadamente a título de distribuição de lucros, pelo que e na ausência de qualquer prova – documental ou testemunhal – terá que ser dado como não provado o ponto 14.
11- Procedendo a alteração da respostas das pontos 7.,8., 10.,11.,12. e 14. da sentença, que deverão ser dados como não provados, terá em consequência de ser a Recorrida absolvida do pedido de condenação na indemnização decorrente do dano causado pela incapacidade sofrida pelo Recorrido.
B ) DA MATÉRIA DE DIREITO
12- O ónus da prova do direito a que se arrogava, incumbia ao Recorrido nos termos e ao abrigo do Art 342.º, n.º 1 do Código Civil.
13- A única a prova que fundamentou a convicção do Meritíssimo Juiz a quo em condenar a Recorrente ao pagamento do dano causado pela incapacidade do Recorrido, foram apenas as declarações de parte do mesmo, o que se entende ser insuficiente.
14- A prova por declarações de parte não têm suporte no direito subjectivo enunciado nos Arts 341.º, 2 a 396.º do Código Civil, nem acolhimento na doutrina, que considera as declarações de parte, não são suficientes para estabelecer, por si só qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova, porque só assim se combate a natural tendência de as partes só deporem sobre factos que lhe são favoráveis.
15- Nesse sentido refere Carolina Henriques Martins, in Declarações de Parte, Universidade de Coimbra, 2015, p. 58: “que não é material e probatoriamente irrelevante o facto de estarmos a analisar afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objeto do litígio e que terá um discurso, muito provavelmente, pouco objetivo sobre a sua versão dos factos, que inclusivamente, já teve oportunidade para expor no articulado.” Ou ainda, Maria dos Prazeres Beleza (Juiz Conselheira) que afirma por sua vez: “ (...) esta proveniência (da parte) implicará que, como regra, as declarações de parte não sejam aptas, por si só, a fundamentar um juízo de prova, salvo eventualmente nos casos em que a natureza dos factos a provar torne inviável outra prova” in Op. Cit. P.21 .
16- O juiz pode apreciar livremente a prova, devendo dar cumprimento ao critério da prudente convicção consagrado no art.º 607 do Código de Processo Civil encontramos, o que por outras palavras que a valorização da prova no âmbito de um processo judicial, não pode ser não pode ser uma “intima convicção” compreendida como um feeling, mas sim devidamente fundamentada em critérios de objectividade e razoabilidade.
17- Apesar de o tribunal poder apreciar livremente as declarações das partes como meio de prova, não podemos ignorar que elas serão produzidas por quem tem um manifesto e direto interesse na acção, no processo, razão pela qual poderão ser declarações interessadas, parciais e não isentas.
18- Logo, essas declarações, como princípio, não podem ser consideradas sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, já que se trata da versão da parte interessada – quem as produz tem um manifesto interesse na acção, sendo por isso de considerar, em regra, de irrazoável e insensato, que sem o auxílio de quaisquer outros meios probatórios, o Tribunal dê como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.
19- Em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova – artigo 342.º do Código Civil – é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos, sob pena de não o fazendo, sujeitar-se as consequências negativas daí decorrentes.
20- Não houve por parte do julgador o cumprimento o seu dever de conseguir justificar a suficiência ou insuficiência dos meios de prova produzidos e estabelecer um nexo entre a sua convicção e as provas, visto que, nos presentes autos, não existiram, sendo apenas a prova produzida pelas declarações de Recorrido, um sujeito processual claramente interessado no objeto do litígio e seu desfecho favorável.
21- O juiz “a quo” ao decidir como decidiu, proferindo sentença de condenação da Recorrente violou disposto nos Arts 342.º, 2 do C.C. e 607.º, n.º 4 do C.P.C., entre os demais, pelo que deverá ser revogada a sentença, absolvendo-se a Recorrente do pedido de indemnização pelo dano causado pela incapacidade, Assim se fará JUSTIÇA!
c) Não foram produzidas contra-alegações.
II. Objeto do recurso.
O recurso coloca duas questões:
1 – A primeira respeita à impugnação da matéria de facto. A Recorrente sustenta que os factos declarados provados sob os n.º 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 14 não podiam ter sido declarados provados porque o único meio de prova produzido foram as declarações de parte do próprio demandante.
2 – Face à decisão sobre a matéria de facto, cumpre verificar se a decisão de mantém, entendendo a recorrente que não, porquanto os factos impugnados devem ser declarados não provados e com isso o pedido fica sem base factual que os sustente.
III. Fundamentação
a) Impugnação da matéria de facto
1- A Recorrente diz que os factos declarados provados sob os n.º 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 14 não podiam ter sido declarados provados porque o único meio de prova produzido foram as declarações de parte do próprio demandante.
(a) Antes de prosseguir cumpre deixar mencionadas algumas reflexões sobre o meio de prova «declarações de parte».
Como referi em estudo intitulado «Metodologia para a decisão da matéria de facto na prova testemunhal e na prova por declarações de parte» (acessível em https://elearning.cej.mj.pt/course/view.php?id=442), a prova por declarações de parte e a prova testemunhal não diferem substancialmente uma da outra.
Com efeito, «Verificamos que o testemunho é prova porque o homem sabe, desde logo por experiência própria, imediata, direta, que todo o ser humano, desde que as suas faculdades físicas e mentais estejam sãs, tem capacidade para:
(I) Percecionar factos;
(II) Gerar na sua mente e armazenar na sua memória uma representação dos mesmos, suficientemente fidedigna para as necessidades da vida prática quotidiana;
(III) Evocar, mais tarde, essa representação;
(IV) Transmitir a terceiros, através da linguagem, uma representação desses factos que guardou na sua memória, de modo a que estes terceiros possam, por sua vez, formar eles mesmos uma representação da realidade semelhante àquela que a testemunha constatou.
É esta capacidade, que cada homem reconhece aos outros homens, que torna possível confiar na descrição que uma testemunha faz de factos que observou, no sentido de que aquilo que ela afirma corresponde ao que percecionou e aquilo que percecionou corresponde, no todo ou em parte, à realidade.
Trata-se, porém, como facilmente se intui, de um processo bem complexo, permeável a erros e a manipulação.
(…)
Na prova por declarações de parte tudo se passa do mesmo modo, apenas varia a posição processual do depoente em relação ao objeto da causa, pois a parte é alguém que sempre auferirá benefícios ou sofrerá prejuízos, consoante a decisão do processo lhe seja favorável ou não.
Este meio de prova está previsto no artigo 466.º do Código de Processo Civil, onde se dispõe que as declarações de parte incidem sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto e são apreciadas livremente pelo tribunal, salvo se as mesmas constituírem confissão.
Trata-se de uma disposição inovadora no âmbito do processo civil.
O que fica dito para a prova testemunhal, a respeito do seu fundamento como prova, vale para as declarações e parte, pois, quer num caso, quer no outro, o sujeito que perceciona, armazena e transmite a informação tem a mesma natureza e capacidade, variando apenas, como se disse, a sua posição processual.
As declarações de parte são meio de prova porque, tal como o testemunho, podem conter descrições de factos correspondentes à realidade histórica e, por isso, contribuir para formar a convicção do juiz.
(…)
Em ambos os casos o meio de prova tem por base um ser humano que descreve aquilo que constatou por si mesmo.
Não há, por isso, divergências estruturais a assinalar entre a prova testemunhal e a prova por declarações de parte no que respeita à respetiva capacidade para captar e descrever a realidade em tribunal.
Mas, em abstrato, há diferenças que cumpre realçar ao nível da capacidade para influenciar a convicção do juiz.
Com efeito, a prova por declarações de parte suscita mais desconfiança ao tribunal, pois quando a parte descreve factos que são favoráveis ao êxito da sua pretensão, o juiz, além de colocar a hipótese da parte poder estar a descrever factos reais, também tem de colocar as seguintes hipóteses:
(I) A parte pode estar a depor com má fé. Ou seja, descreve dolosamente factos que não correspondem à realidade porque quer obter uma decisão que seja favorável aos seus interesses ou de terceiro;
(II) A parte pode estar a depor de boa fé, mas pode ter formado na sua mente uma representação dos factos que satisfazem os seus anseios ou expectativas, mas não corresponde, no todo ou em parte, à realidade que efetivamente ocorreu.
Nestas condições, a mera descrição dos factos pela parte, sem apoio em outros meios de prova, não tem, em regra, capacidade para gerar a convicção do juiz, pois as afirmações da parte são apenas afirmações, e as palavras apenas podem estar ou não estar de acordo com a realidade, nada mais que isso.
Mas, num caso concreto, este handicap genético das declarações de parte poderá ou não verificar-se e poderá até ocorrer que as declarações de parte assumam a mesma relevância que assume a prova testemunhal ou adquiram mesmo vantagem em relação à prova testemunhal.
Com efeito, em regra, o juiz dispõe de outros elementos de prova e se estes se harmonizarem com as declarações de parte, então estas podem elevar o grau de persuasão do todo, ou seja, da versão factual favorável à parte que prestou declarações, tal como ocorre na prova testemunhal.
Por outro lado, como a parte é, em regra, alguém que esteve bem posicionado no que respeita à perceção ou conhecimento dos factos sob prova, pode, por isso, prestar em audiência informações relevantes sobre factos até aí não alegados e desconhecidos, informações que de outro modo não seriam prestadas, as quais poderão ser utilizados pelo juiz para testar a hipótese e, se lograrem confirmação, poderão contribuir decisivamente para a formação da sua convicção.»
O que fica referido encontra-se em linha com a ponderação efetuada no Acórdão desta Relação de 11-12-2018, no Processo n.º 2947/15.0T8VIS-A.C1, muito embora este se refira à prova testemunhal:
«Os depoimentos que descrevem situações factuais não corroboradas por outros elementos de prova ou pelas regras da experiência e que são praticamente impossíveis de refutar, por terem ocorrido, segundo os depoentes, no interior de espaços domésticos, apenas perante as pessoas que os narram, carecem, em regra, de capacidade para a formação da convicção do juiz – n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil –, no sentido dos factos afirmados terem existido.» (consultável em www.dgsi.pt).
(b) Cumpre ainda ter em consideração outro parâmetro que ter a ver com o standard de prova exigível no tipo de processo em análise nos autos, entendendo-se por standard de prova o quantum mínimo de confirmação probatória da hipótese ou hipóteses factuais que se encontram sob julgamento, a partir do qual podemos aceitar como provada em tribunal uma hipótese factual.
Estamos, face a um processo de arbitragem que se inicia e prossegue com um requerimento do interessado, sem intervenção de advogado e, por conseguinte, sem apoio técnico especializado.
Ora, se a lei prevê este modo de resolução de conflitos, não pode, ao mesmo tempo, exigir um grau elevado de rigor na apresentação e produção das provas e, por arrastamento na fundamentação probatória da respetiva factualidade, mas, claro está, sem deixar de exigir algum rigor para não cair na incerteza subjetiva.
Por conseguinte, no caso dos autos, apesar da produção de prova se ter resumido quase exclusivamente à prova por declarações de parte, não se pode excluir, para julgar os factos não provados, que o juiz árbitro possa formar a sua convicção com base nelas, se as respetivas afirmações forem apoiadas pelas regras de experiência e pelo contexto factual consensualmente considerado provado, no qual os factos controvertidos se inserem.
(c) Tendo em consideração esta panorâmica, vejamos agora ocaso concreto e as críticas formuladas pela Recorrente.
Não tendo existido gravação de prova ficam limitadas as possibilidades de análise, podendo apenas concluir-se que a parte confirmou nas suas declarações o que consta dos factos impugnados.
Vejamos então o que se pode dizer, face a esta limitação.
Os factos impugnados são estes:
● «7- O AA é comproprietário (conjuntamente com o Irmão) de uma empresa de distribuição de peixe, à qual o XN se encontrava afeto.»
Relativamente à propriedade do veículo, consta do certificado de matrícula do veículo ..-..-XN, junto no início do processo que o mesmo é propriedade da sociedade B... Unipessoal, Lda.
Por conseguinte, a sociedade existe.
Tendo em consideração o que fica referido é admissível que o juiz dê como provado este facto, a existência da sociedade, sem que seja apresentada a certidão do registo comercial.
Com efeito, a Ré já procedeu à indemnização relativa à perda do veículo e propôs uma indemnização pela paralisação do veículo, sem ter questionado esta matéria, o que implica considerar que não era matéria relevante para si.
Admite-se, pois, que o tribunal arbitral tenha formado a sua convicção nesse sentido sobre este facto com base nos elementos do processo e declarações da parte.
● «8- O XN era utilizado pelo reclamante, de 2.ª a 6.ª feira, nas deslocações para execução da atividade de compra e revenda de peixe.»
● «9- Na data e hora do acidente, o AA circulava no âmbito da sua atividade de compra e venda de peixe.»
Admite-se ainda que o juiz arbitral tenha formado a sua convicção positiva quanto a estes dois números da matéria de facto com base nas declarações de parte e, além disso, considerando que a própria denominação da sociedade B... Unipessoal, Lda., indica que comercializa peixe, sendo certo que o veículo acidentado, segundo se vê pelo teor do registo de propriedade e livrete tinha «Equipamento Frio».
Por conseguinte, estando o veículo em circulação no momento do acidente e tratando-se de um veículo com equipamento adequado à comercialização de peixe, e tendo o acidente ocorrido na EN n.º 109, que liga Leiria a Espinho e passa na Figueira da Foz, local de residência do recorrido, então é de concluir que o contexto factual mais amplo em que se alega terem ocorrido os factos não os exclui, antes se harmoniza com eles.
● «10- O XN era o único veículo de que a empresa dispunha para o transporte de peixe.»
Admite-se também que o juiz arbitral tenha formado a sua convicção positiva quanto a este número da matéria de facto com base nas declarações de parte.
Trata-se de um facto negativo e, por isso, mais difícil de provar, não tanto como noutros casos, porquanto se poderia solicitar uma certidão negativa ao registo automóvel, mas, mesmo assim, tendo em consideração o diminuto valor económico da parcela do pedido a que respeita esta factualidade, seria desproporcionado exigir esse tipo de prova, pelo que a convicção se satisfaz com as declarações de parte, tendo em consideração ainda que as mesmas se encontram sujeitas a sancionamento em caso de falsidade.
● «11- O AA iniciou funções na referida empresa de distribuição de peixe no início de junho de 2024.»
Admite-se esta factualidade, considerando que em finais de Março do mesmo ano ainda trabalhava em Espanha, segundo o recibo de vencimento que juntou.
● «12- Na referida empresa de distribuição de peixe, o AA não auferia qualquer salário, mas recebia parte dos lucros, na sua qualidade de comproprietário.»
● 14- Os lucros mensais auferidos pelo AA na empresa de distribuição de peixe eram, pelo menos, equivalentes ao salário auferido quando trabalhava em Espanha.»
Admite-se também que o juiz arbitral tenha formado a sua convicção positiva quanto a estes dois números da matéria de facto com base nas declarações de parte, salvo na parte em que se afirma que o seu rendimento era equivalente ao auferido em Espanha.
Vejamos.
Forma-se, sem dúvidas relevantes, a convicção no sentido de que o Autor auferia rendimentos, pois se trabalhava em Espanha, como se admite que trabalhava, e recebia aí 1400 euros, como se vê pelo recibo de vencimento que juntou, não regressava a Portugal para ficar numa situação de rendimento nulo.
Regressava para trabalhar e auferir rendimentos.
Porém, não se pode formar a convicção no sentido de que começava a auferir tanto como estava a auferir em Espanha, pois mesmo auferindo menor quantia é apropriado que alguém prefira estar a residir e trabalhar no seu país e presumivelmente na sua terra de naturalidade ou adotiva, auferindo menos que no estrangeiro, desde que a diferença não seja elevada, principalmente se não existir no estrangeiro a possibilidade de dividir custos com outras pessoa, designadamente familiares, relativos à residência e à alimentação.
Mas adquirir a convicção, sem mais, só com base nas declarações de parte, sem possibilidade de contrastar a afirmação da parte através de outros meios de prova, pois não há recibos de salários relativos à nova atividade, é postura que não se revela possível face à incerteza que subsiste: porquê 1400 euros e não 1000 ou 800?
Efetivamente não se tem qualquer ideia do volume de vendas e dos custos de laboração; se o autor estava a iniciar o negócio ou já tinha clientela angariada pelo irmão, etc.
Estando a iniciar o negócio, como é o caso, não é provável que no primeiro mês obtivesse essa quantia de rendimento, sendo certo que certamente tinha de repartir os ganhos, em alguma proporção, com o irmão.
Deste modo, adquirindo-se a convicção é certo, de que o autor retirava proventos da sua atividade e considerando que trocou uma atividade onde recebia 1400 euros por mês, mas no estrangeiro, pela atual, afigura-se, num juízo de equidade, fixar tal verba no salário mínimo nacional, que à data era de 820,00 euros - Decreto-Lei n.º 107/2023, de 17 de novembro.
Pelo exposto, o facto 14 passa a ter esta redação:
«14- Os lucros mensais auferidos pelo AA na empresa de distribuição de peixe eram, pelo menos, de 820,00 euros»
b) 1. Matéria de facto – Factos provados
1 - No dia 13 de junho de 2024, ocorreu um sinistro entre um veículo, propriedade de AA, com a matrícula ..-..-XN e o veículo com a matrícula ..-..ND, cuja responsabilidade civil estava transferida para a companhia de seguros A... através da apólice n.º ...25.
2- A seguradora assumiu a responsabilidade do seu segurado pela ocorrência do sinistro.
3- Em consequência do sinistro, o XN ficou impossibilitado de circular, não mais tendo sido usado por AA até à presente data.
4- No dia 25 de junho de 2024, a seguradora comunicou ao AA que considerava o XN como perda total, avaliando-o em €4.500 e ao respetivo salvado em €1.500
5. O AA aceitou o montante proposto, tendo recebido o mesmo no início de julho de 2024.
6- Em consequência do sinistro, o AA sofreu danos físicos, que implicaram uma incapacidade temporária para o trabalho, desde a data do sinistro e até ao final de agosto.
7- O AA é comproprietário (conjuntamente com o Irmão) de uma empresa de distribuição de peixe, à qual o XN se encontrava afeto.
8- O XN era utilizado pelo reclamante, de 2.ª a 6.ª feira, nas deslocações para execução da atividade de compra e revenda de peixe.
9- Na data e hora do acidente, o AA circulava no âmbito da sua atividade de compra e venda de peixe.
10- O XN era o único veículo de que a empresa dispunha para o transporte de peixe.
11- O AA iniciou funções na referida empresa de distribuição de peixe no início de junho de 2024.
12- Na referida empresa de distribuição de peixe, o AA não auferia qualquer salário, mas recebia parte dos lucros, na sua qualidade de comproprietário.
13- Até ao final de abril de 2025, o AA trabalhava em Espanha, por conta de outrem, auferindo um rendimento mensal de cerca de €1.500.
14- Os lucros mensais auferidos pelo AA na empresa de distribuição de peixe eram, pelo menos, de 820,00 euros.
2. Matéria de facto – Factos não provados
Não há.
c) Apreciação da restante questão objeto do recurso
Vejamos agora a repercussão da decisão sobre a matéria de factos na sentença recorrida.
A recorrente não coloca em causa a solução jurídica exarada na sentença, co a qual também se concorda, tendo em consideração a matéria de facto aí declarada provada.
Por conseguinte, cumpre efetuar apenas a adequação entre o salário considerado na sentença arbitral e o agora fixado.
Na sentença considerou-se o seguinte:
«Assim, o dano causado pela incapacidade do reclamante ascende a 2,5 meses x €1.500 = €3.750 Total do dano indemnizável: €620 + €3.750 = €4.370
Em face do exposto e na parcial procedência da reclamação, condena-se a reclamada a pagar ao reclamante a quantia de €4,370,00, correspondente à totalidade dos danos indemnizáveis.»
Considerando agora o salário de 820,00 euros mensais a indemnização pela perda salarial desce para 2.050,00 euros; somando os mencionados 620,00 euros, a indemnização global é de 2.670,00 euros.
IV. Decisão
Considerando o exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e fixa-se a indemnização em € 2.670,00 (dois mil, seiscentos e setenta euros).
Custas na proporção do vencimento e decaimento.
Coimbra, …