I – Viola o princípio do contraditório previsto no artigo 3º, nº3, do Código de Processo Civil o despacho no qual o Tribunal a quo, sem prévia audição do Autor, ordena o desentranhamento de uma contestação já notificada ao Autor e o cumprimento do disposto no artigo 575º, nº1, do Código de Processo Civil quanto à segunda contestação entretanto apresentada pelos Réus, sendo assim legítimo concluir que admitiu a mesma.
II – Esse despacho proferido mostra-se ferido de nulidade processual, que é consumida por uma nulidade do despacho por excesso de pronúncia - artigo 615º, nº 1, al. d), ex vi artigo 613º, nº3, ambos do Código de Processo Civil.
III - O meio próprio para arguir esta nulidade não é a reclamação, mas antes o recurso.
IV – A ampliação do âmbito do recurso situa-se no domínio dos fundamentos, destinando-se apenas a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer de fundamentos não considerados ou julgados desfavoravelmente na decisão recorrida que, apesar disso, com base em fundamento diverso, tenha julgado procedente a pretensão do recorrido, assim se permitindo ao recorrido prevenir-se de, por força do recurso, vir a ser considerado improcedente o fundamento com base no qual este obteve ganho de causa no tribunal a quo.
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica de …
Relatora: Juíza Desembargadora Teresa Pinto da Silva
1ª Adjunta: Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
2º Adjunto: Juiz Desembargador Mendes Coelho
Acordam na 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
AA, intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, pedindo a condenação dos Réus a pagarem-lhe a quantia total de €37.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral e efetivo pagamento, quantia que o Autor entregou aos Réus a título de sinal e adiantamento do preço acordado relativo a um contrato com vista à aquisição de quotas da sociedade A... Lda, de que os Réus eram sócios, pelo valor de €137.500,00 e ao arrendamento das duas frações nas quais se encontrava instalado o estabelecimento industrial e comercial daquela sociedade, frações essas propriedade da firma B... Unipessoal, Lda, pelo período de seis anos mediante o pagamento de renda mensal de 7€50,00, imputando, para o efeito, o alegado incumprimento do negócio aos ora Apelados.
Procedeu-se à citação dos Réus, tendo o Réu BB sido citado na sua própria pessoa, e a carta de citação da Ré CC sido entregue ao Réu, constando nos avisos de receção como data de entrega das cartas o dia 23 de julho de 2024.
Em 7 de outubro de 2024, os Réus contestaram, invocando a exceção dilatória de caso julgado ou, caso assim não se entenda, a autoridade de caso julgado, por força de decisão proferida no âmbito do processo n.º 1629/14.5TBVFR, que correu termos no …do Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira, no âmbito da qual foram julgados improcedentes os pedidos dos ali Autores (AA, aqui Autor e DD) de restituição das quantias que entregaram aos Réus (nomeadamente dos 30.000,00€ em causa nos presentes autos), com base em incumprimento do negócio acordado de cessão de quotas, pelo que consideram que não pode vir agora o Autor pedir a mesma restituição, com base no instituto do enriquecimento sem causa, quer por via do caso julgado material e do efeito negativo de inadmissibilidade de repetição da causa, quer por via da autoridade do caso julgado e do efeito positivo de, na segunda ação, entre as mesmas partes, ainda que sem identidade de pedidos e causas de pedir, a primeira decisão operar como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito.
Invocaram também a exceção dilatória da nulidade do processo por ineptidão da petição inicial, bem como a exceção da ilegitimidade ativa do Autor.
Mais alegaram que as quantias peticionadas pelo Autor não constituem enriquecimento, não sendo a sua restituição pelos Réus devida, face à invocação por parte destes da compensação, por via de exceção, que fazem na contestação, para que se produzam os devidos efeitos, nos termos do disposto nos artigos 847º e 848º, do Código Civil.
Sustentaram ainda que não se mostram preenchidos os requisitos de que depende a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa e que o Autor, ao propor a presente ação, litiga com manifesta má-fé e abuso de direito.
Concluem que:
A) devem as exceções invocadas serem consideradas procedentes, por provadas e, por esse efeito, serem os Réus absolvidos da instância, ou caso assim se entenda, dos pedidos, com as legais consequências;
B) e sempre deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, serem os Réus absolvidos dos pedidos formulados, também com as demais consequências;
C) e se, assim, não for decidido, o que só se admite por mera cautela e hipótese académica, sempre deve ser atendida a compensação de eventuais créditos do Autor com os créditos dos Réus, melhor identificados neste articulado, feita por via de exceção;
D) e sempre o Autor ser condenado como litigante de Má-Fé e por exercício abusivo de direito, em multa e indemnização condignas, a favor dos Réus, das despesas que estes venham a suportar decorrentes do presente processo e ainda no pagamento dos honorários à advogada que os patrocinam, no valor de 5.000,00€;
E) mais devendo o Autor ser condenado nas custas.
Em 8 de outubro de 2024, a secretaria remeteu ao Ilustre Mandatário do Autor, por via eletrónica, a contestação apresentada pelos Réus em 7 de outubro de 2024, tendo em vista a notificação daquele articulado ao Autor.
Em 8 de outubro de 2024, os Réus, por requerimento com a referência Ref.: 16738658, vieram requerer ao Tribunal a quo “se digne ordenar o desentranhamento da Contestação apresentada a 07/10/2024 com a referência 50072231 uma vez que a mesma foi remetida por lapso sem estar devidamente concluída”, não tendo o Autor sido notificado de tal requerimento.
Nesse mesmo dia 8 de outubro de 2024, os Réus juntaram aos autos um novo articulado, que classificaram de contestação com reconvenção, com a referência 16738659, onde concluem nos seguintes termos:
A) devem as exceções invocadas serem consideradas procedentes, por provadas e, por esse efeito, serem os Réus absolvidos da instância, ou caso assim se entenda, dos pedidos, com as legais consequências;
B) e sempre deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, serem os Réus absolvidos dos pedidos formulados, também com as demais consequências;
C) e caso, assim não for decidido, o que só se admite por mera cautela e hipótese académica, sempre deverá a reconvenção ser julgada procedente, por provada, e em consequência, sempre deve ser atendida a compensação de eventuais créditos do A./Reconvindo com os créditos dos RR./Reconvintes, melhor identificados neste articulado, no valor de 22.402,44€;
D) e sempre o Autor ser condenado como litigante de Má-Fé e por exercício abusivo de direito, em multa e indemnização condignas, a favor dos RR., das despesas que estes venham a suportar decorrentes do presente processo e ainda no pagamento dos honorários à advogada que os patrocina, no valor de 5.000,00€;
E) mais devendo o Autor ser condenado nas custas.
Em 25 de outubro de 2025, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
« Ref.: C.
Desentranhe a contestação com a ref. 16732996, tal como requerido, devolvendo-a à apresentante.
Notifique.
Cumpra-se o disposto no artigo 575.º n.º1 do Código de Processo Civil.»
1.º As alegações versam sobre matéria de direito e são interpostas do despacho proferido pelo Juízo de Competência Genérica de Arouca (Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro), no âmbito do processo 167/24.2T8ARC (Ref.ª 135184632 datado de 25-10-2024) e que decidiu desentranhar a primeira contestação apresentada pelos Réus, substituindo-a pela segunda contestação c/reconvenção apresentada.
2.º Entende o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu, desde logo, em nulidade por violação do princípio do contraditório, porquanto o mesmo decide sobre requerimento que o Autor nunca teve conhecimento até então. Pois,
3.º O Recorrente apresentou a sua Petição Inicial (a 03/07/2024 com a ref.ª 16380478) contra os aqui Réus, e nessa sequência, foram os Réus citados para apresentar Contestação tendo-o feito a 07/10/2024 (ref.ª 16732996).
4.º A 08/10/2024 com a ref.ª 135096615 foi o Autor notificado da contestação apresentada pelos Réus.
5.º Sucede que a 25-10-2024 é o Réu notificado de uma nova contestação, desta feita, com reconvenção (ref.ª 16738659) e três requerimentos de junção de documentação (ref.ª 16742183, 16742184, e 16755147), seguida de um requerimento apresentado pelos Réus (a 08/10/2024 com a ref.ª 16738658) peticionando a substituição da primeira contestação apresentada, e de um despacho de deferimento dessa substituição (de 25/10/2024 com a ref.ª 135184632).
6.º Ora, do comprovativo do envio do requerimento dos Réus (de 08/10/2024 com a ref.ª 16738658), que requer a substituição da Contestação apresentada, e compulsados os autos, verifica-se que nunca o Autor foi notificado do mesmo, nunca tendo tido conhecimento do mesmo até então.
7.º Compulsados os autos verifica-se ainda, que na data de entrada do referido requerimento a 08/10/2024 pelas 19:08h já o Autor tinha sido notificado da primeira Contestação apresentada pelos Réus.
8.º Entende o Autor, que não poderia o Tribunal a quo proferir despacho sobre tal requerimento, sem nunca ter sido o Autor notificado para exercer o respetivo princípio do contraditório, pois assim o obriga o artigo 3º, n.º3 e art. 4º do CPC.
9.º Não pode o Tribunal, sem cuidar da prévia audição das partes, de molde a que possam elas pronunciar-se, apreciar, ex officio, questões jurídicas idóneas a projetarem-se, em termos relevantes e inovatórios, no desfecho do processo.
10.º Entende o Recorrente, que a substituição de uma contestação apresentada e já devidamente notificada ao Autor, por uma segunda contestação com reconvenção, não é uma situação que se insira num “caso da manifesta desnecessidade”, para que o Tribunal a quo tenha optado por proferir despacho sem que o Autor fosse ouvido.
11.º Até porque, analisadas as duas contestações, ressalta à vista, que são determinantemente distintas, vindo inclusive a segunda contestação acompanhada de uma reconvenção, e ainda, um novo ponto de sobre preenchimento dos requisitos do enriquecimento sem causa.
12.º Ao contrário do que alegam os Réus, a primeira contestação não foi “a mesma foi remetida por lapso sem estar devidamente concluída.”, pois conforme se verifica pela análise da mesma, a primeira contestação apresentada está completa, com pedidos formulados, e prova requerida inclusive.
13.º Assim, o Tribunal a quo ao determinar a substituição da primeira contestação apresentada (tendo o Autor já sido notificado da mesma), sem dar oportunidade ao Recorrente de se pronunciar sobre tal, incorreu numa manifesta violação do princípio do contraditório e de igualdade de partes, o que constitui desde logo uma nulidade, que se invoca.
14.º Por outro lado, entende ainda o Recorrente, que a decisão tomada pelo Tribunal a quo de substituição da contestação, viola os princípios mais basilares do ordenamento jurídico português.
15.º O argumento apresentado pelos Réus para a incorporação nos autos do articulado em causa – alegada versão não concluída da contestação previamente apresentada – não tem qualquer sustentáculo fáctico e normativo, sendo manifesto, em nosso entender, que foram praticados atos que a lei não admite, uma vez que através da 1ª contestação os Réus exerceram a faculdade que o C.P.C. vigente lhes confere, esgotando-se, dessa forma, a possibilidade de vir a praticar um ato de idêntica natureza.
16.º Analisadas as duas contestações apresentadas verifica-se que a segunda contestação apresentada mais não é, do que uma nova contestação, com novos pedidos, novos fundamentos, e uma reconvenção.
17.º O nº 1 do artigo 573º do C.P.C. adota o princípio da concentração da defesa, e a consequente preclusão dos meios de defesa, e por essa razão, a contestação, uma vez apresentada, não pode ser substituída por outra, mesmo estando o respetivo prazo ainda em curso, o que nem sequer é o caso.
18.º Com a apresentação da primeira contestação, em 7 de outubro de 2024, ficou impedida a sua substituição por outra, como ocorreu no caso dos autos, em 08/10/2024, até porque o prazo inclusive se encontrava esgotado.
19.º A acrescer ao facto, que dessa primeira contestação já havia sido o Autor notificado pela secretaria, conforme já se referiu através da referência 135096615 a 08/10/2024, notificação necessariamente anterior ao requerimento apresentado pelos Réus, ao final de tal dia 08/10/2024 cuja notificação eletrónica ao Autor nem sequer foi efetuada.
20.º Note-se que a secretaria notifica o Autor a 08-10-2024 da primeira Contestação, e nessa data encontrava-se já findo o prazo para apresentação de Contestação no âmbito dos autos, pelo que, mesmo que se entendesse que a secretaria deveria esperar pelo fim do prazo de contestação para notificar o Autor da mesma, também isso foi acautelado.
21.º Há que ter em conta que ela é notificada ao advogado do autor, pelo que, com a sua notificação, consuma o acto processual em causa: verifica-se pois, aqui, a tal preclusão consumativa, estabilizando-se a instância, pelo que o acto em causa já não pode ser modificado.
22.º Por outro lado, resulta claramente do teor da primeira contestação apresentada pelos Réus, que a mesma se encontra completa, representando uma defesa efectiva dos interesses dos Réus, não se vislumbrando da mesma qualquer incompletude, falha ou omissão, concluindo nos respetivos pedidos de acordo com a defesa apresentada no corpo, apresentando o respetivo requerimento probatório e até protestando juntar prova documental em cinco dias.
23.º Deste modo, entende o Recorrente por tudo o exposto, que tal substituição de contestação nunca deveria ter sido admitida por parte do Tribunal a quo, e assim sendo, este ao fazê-lo incorreu numa violação clara dos princípios da concentração da defesa e a consequente preclusão dos meios de defesa, princípios da estabilidade da instância, segurança jurídica, estabilidade processual.
24.º Pelo que, deverá tal decisão que ora se recorre ser substituída por outra que julgue inadmissível a segunda contestação e reconvenção apresentada pelos Réus a 08/10/2024, indeferindo a requerida substituição.
Assim, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 3º, n.º3, art. 4º, art. 5º, art. 6º, n.º1 e 2, 259º, n.º2, 260º, 563º, 569º, n.º1, 571º, 572º, 573º, n.º1 e 2, 574º, n.º1, 575º, n.º1 e 2, 552º, nº1, d), 580º, nº2, entre outros.
Termos em que conclui pela procedência das alegações de recurso por provadas, e consequentemente deve:
- ser declarada a nulidade do despacho recorrido por violação do princípio do contraditório, com as mais consequências legais;
ou caso assim não se entenda,
- ser o despacho recorrido revogado, e substituído por outro, que julgue inadmissível a segunda contestação c/reconvenção apresentada pelos réus a 08/10/2024 indeferindo a requerida substituição.
Os Réus vieram responder às alegações de recurso, e, subsidiariamente, requerer a ampliação do objeto do recurso, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 636.º do CPC, finalizando com as seguintes conclusões:
1.º Salvo o devido respeito, deverá ser corrigido o efeito do recurso atribuído pelo Autor, ora Recorrente, para efeito devolutivo, pois para além de o mesmo não identificar a concreta alínea do artigo 647.º do CPC ao qual permite a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, o certo é que, também, in casu, não ocorre nenhuma das situações ali previstas que consintam essa atribuição, devendo ao Recurso ser atribuído efeito devolutivo.
2.º Vem o Autor, ora Recorrente, recorrer do Douto Despacho de 25/10/2024, com a ref.ª135184632, que determinou, o desentranhamento da Contestação apresentada pelo RR., em 07/10/2024, com a ref.ª 16732996, conforme requerido pelos Réus, e determinou o cumprimento do disposto no artigo 575.º, n.º 1 do CPC, mas tal pretensão não é passível de recurso autónomo, uma vez a decisão relativamente ao qual o Autor, ora Recorrente, pretende interpor recurso não tem enquadramento nas alíneas d) e h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, por não ter sido admitido ou indeferido pelo Tribunal ad quo qualquer articulado, ou qualquer meio de prova, correspondendo o despacho proferido a um despacho de mero expediente ou discricionário, nos termos do artigo 6.º do CPC, que incidiu exclusivamente sobre um pedido dos Réus de desentranhamento do articulado de contestação, com a determinação de cumprimento do disposto no artigo 575.º do CPC, razão pela qual deverá o recurso ser rejeitado de forma imediata pelo douto tribunal ad quo e ad quem.
3.º Tanto mais que, na situação em causa, apenas poderia estar em causa, quando muito, uma mera irregularidade (já que não se enquadra em nenhuma das situações de nulidade previstas no artigo 195.ºss. do CPC), cujo meio processual próprio de arguição era reclamação para o tribunal onde ela foi cometida, arguição essa, cujo prazo, entretanto, se mostra ultrapassado.
4.º Por outro lado, o presente recurso também não é admissível ao abrigo do invocado artigo 644.º, n.º 2, alínea h) do CPC, dado que a lei abre a possibilidade de recurso, apenas, na hipótese, de a sujeição à regra geral importar a absoluta inutilidade de uma eventual decisão posterior favorável e a eventual anulação ou repetição do julgamento, ou seja, apenas são recorríveis as decisões cuja retenção poderia ter um efeito irreversível sobre o conteúdo do decidido – o que salvo o devido respeito não é o caso dos presentes autos e também não foi alegado pelo Recorrente.
5.º O recurso interposto que incide sobre o Despacho ora em crise não se traduz numa decisão cujo efeito é irreversível sobre o conteúdo do processo, dado se tratar de uma mera decisão interlocutória.
6.º Por outro lado, e atendendo à interpretação das normas processuais, no seu elemento gramatical, é inequívoco e evidente que, a previsão normativa do artigo 644.º, n.º 2, alínea d) do CPC, corresponde ao indeferimento (total) de um articulado e não ao desentranhamento, a requerimento desse articulado com posterior determinação do cumprimento do disposto no artigo 575.º do CPC.
7.º Do elemento histórico do supra citado artigo também resulta que, o atual regime de recursos foi introduzido com a reforma do CPC de 2007 que visou, precisamente eliminar ou reduzir os recursos interlocutórios entendidos como geradores de atrasos e dilações processuais que urgia evitar.
8.º Em terceiro lugar, se atentarmos ao elemento sistemático vemos que a categoria das apelações em separado é excecional no atual regime dos recursos e deve ser admitida apenas nas situações em que ou o processo finda no tribunal recorrido (n.º 1, do art.644, do CPC); ou que a natureza do incidente impede a sua normal tramitação (n.º 2, als. a) b), c) e g) do art. 644.º); ou em que o efeito da decisão deve ser decidido com urgência para que seja obtido uma rápida decisão que é necessária ao posterior processado (n.º 2, al. d), pois que, caso não estejamos nessa situação excecional, a regra geral é hoje a que consta dos nºs 3 e 4 dessa norma, sendo tal conclusão reforçada sistematicamente pela norma contida no art. 673º, do CPC que não permite a impugnação de qualquer decisão interlocutória exceto na situação de inutilidade absoluta.
9.º À luz deste elemento, podemos, portanto, concluir que o recurso ora interposto não é admissível, pois, do mesmo não deriva qualquer efetiva necessidade de decidir imediatamente a questão incidental.
10.º Por fim, e mais importante importa ter em conta a função específica da norma em causa que visa regular o direito de recurso da parte perante uma decisão processual, instrumental e interlocutória que lhe foi desfavorável.
11.º Ora, uma interpretação atualista e teleológica das normas e princípios, tem de ser ponderada visando salvaguardar a eficácia da opção legislativa e das necessidades sociais, não sendo a função constitucional do direito de recurso afetada quando este é apenas e só dilatado no tempo, por forma a que seja exercido numa posterior fase processual.
12.º Concluímos, assim, que segundo todas os métodos de interpretação, a situação em causa não se enquadra em qualquer das alíneas que permitem a dedução de uma apelação autónoma, nem a simples restrição no tempo do exercício do direito de recurso do Autor, ora Recorrente, afeta de forma definitiva, decisiva e salienta o seu direito de acesso à jurisdição.
13.º Nesta conformidade, não se enquadrando o despacho recorrido em qualquer das alíneas dos n.ºs 1 e 2, do art.º 644.º, do CPC e, designadamente nas invocadas alíneas d) e h) do n.º 2 do citado artigo, do mesmo não pode ser interposto recurso por apelação autónoma, ficando o mesmo sujeito à previsão do n.º 3, do mesmo normativo, ou seja, “as restantes decisões proferidas pelo Tribunal de 1.ª Instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1”.
14.º Pelo que, atento tudo quanto foi exposto, o Douto Despacho é irrecorrível, devendo o Recurso interposto pelo Autor, ora Recorrente, ser rejeitado pelo Meritíssimo Juiz ad quo e ad quem – o que ora se requer para todos os devidos efeitos legais.
15.º Salvo melhor opinião, o Douto Despacho proferido pelo Tribunal ad quo, objeto de recurso, é de manter integralmente porque decidiu com acerto e aplicando corretamente a Lei e para cujo conteúdo remete e subscreve integralmente.
16.º Alega o A., ora Recorrente, que o Despacho proferido pelo Tribunal ad quo encontra-se ferido de nulidade por violação do principio do contraditório e da igualdade das partes, por ter sido determinada a substituição da primeira contestação apresentada, sem dar oportunidade ao Autor, ora Recorrente, de se pronunciar sobre tal – mas carece de fundamento.
17.º Com efeito, e, não obstante o princípio do contraditório ser um princípio basilar do sistema jurídico, não é de perspetivação e aplicação inelutável e absoluta, podendo haver situações em que o mesmo possa ser mitigado ou mesmo postergado, tanto mais que, o juiz não está limitado às alegações das partes, no que toca à matéria de direito (cfr. artigo 5.º, n.º 2, do CPC), o cumprimento do princípio do contraditório não se reportará às normas que o juiz entende aplicar, nem à interpretação que delas venha a fazer, mas antes aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes, que, in casu, inexistem, atento se estar perante uma matéria exclusivamente de direito.
18.º A efetiva possibilidade de pronúncia não exige a efetiva pronúncia e não impõe, a todo o tempo, a prolação de uma decisão que imponha a audição das partes, quanto ao sentido da mesma, tanto mais que, sempre se dirá que, inexiste qualquer violação do princípio do contraditório, quando o resultado final da decisão for o mesmo, com ou sem a notificação prevista no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, como seria, in casu.
19.º Ainda que assim não se entendesse, o que só se admite por mera cautela e hipótese académica, sempre se dirá que, ainda que se considere que tenha sido proferida decisão-surpresa, com violação do princípio do contraditório, em desrespeito pelo estatuído no art. 3.º, n.º 3, do NCPC, tal significaria a existência de uma nulidade processual, nos termos do art. 195.º, n.º 1, do mesmo diploma, e não numa nulidade do despacho, por omissão de pronúncia, do art. 615.º, n.º 1, c), do referido código.
20.º Uma coisa é a nulidade processual, por ex. a omissão de um ato que a lei prescreva, relacionada com um ato de sequência processual, e, por isso, um vício atinente à sua existência, outra bem diferente é uma nulidade da sentença ou despacho, e por isso um vício do conteúdo do ato, por ex. a omissão de pronúncia, um vício referente aos limites; tão pouco se confundindo a dita nulidade com um erro de julgamento, que se caracteriza por um erro de conteúdo (cfr. Acórdão do TRC de 03/05/2021, processo n.º 1250/20.9T8VIS.C1).
21.º Sucede que, conforme refere e bem o supra citado acórdão “das nulidades reclama- se, dos despachos recorre-se”, pelo que o Recorrente devia ter arguido a respetiva nulidade perante o juiz da causa, como resulta dos arts. 197.º, n.º 1, e 199.º, n.º 1, do indicado código, e não interpor recurso, invocando a nulidade do despacho, já que não é invocável o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, o qual só ocorre quanto ao objeto da decisão, nem o trânsito em julgado se dando enquanto a arguição estiver pendente, para se dever entender que o juiz deixa de poder conhecer da nulidade oportunamente arguida; e se a nulidade vier a ser declarada, a sentença deixa de poder subsistir (art. 195º, nº 2, 1ª parte do NCPC) (cfr. Acórdão do TRC de 03/05/2021, processo n.º 1250/20.9T8VIS.C1).
22.º Assim, não tendo o Autor, ora Recorrente, reclamado do Douto Despacho para o juiz de 1ª instância, mostra-se precludido o direito de fazê-lo em sede de recurso, já que se mostra esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria em causa.
23.º Termos em que deverá ser inferida a invocada nulidade por violação do princípio do contraditório, mantendo-se, na íntegra, a decisão ora proferida.
24.º Alega o Autor, ora Recorrente, que com a admissão da substituição da contestação, o Tribunal ad quo incorreu numa violação dos princípios da concentração da defesa e consequente preclusão dos meios de defesa, princípios da estabilidade da instância, segurança jurídica e estabilidade processual e que como tal deverá a Decisão proferida ser substituída por outra que julgue inadmissível a segunda contestação apresentada pelos Réus, em 08/10/2024 – mas tal carece de fundamento.
25.º Em primeiro lugar, haverá a dizer que, ao contrário do alegado pelo Autor, ora Recorrente, a Contestação apresentada pelos Réus, em 08/10/2024, foi apresentada em tempo, ou melhor, dentro do prazo suplementar com pagamento de multa do primeiro dia útil, nos termos do artigo 139.º, n.º 5 do CPC.
26.º Tendo o novo articulado de contestação sido apresentado dentro do prazo legal que havia para a prática do mesmo, não se põe em causa o princípio da concentração, nem o seu corolário da preclusão, pelo que, salvo o devido respeito, sempre os Réus teriam direito à apresentação de nova contestação, não se encontrando tal direito precludido, tanto mais que, a secretaria só deveria ter procedido à notificação do Autor, ora Recorrente, da contestação, depois de decorrido o prazo legal para apresentar tal articulado, com possibilidade de multa, nos termos do disposto no artigo 139.º, n.º 5 do CPC, ou seja, a partir de 11/10/2024, o que não se verificou, in casu.
27.º Com efeito, e conforme refere o Acórdão do TRL de 21.2.2019, «se uma nova contestação for apresentada dentro do prazo para a contestação e ainda não tiver sido notificada ao autor (pois que só o deve ser pela secretaria findo o prazo para a contestação), ela substituirá a primeira, sem que isso ponha em causa os princípios da concentração, da preclusão e da estabilidade da instância ou as expectativas do autor».
28.º Em segundo lugar, importa aludir que, contrariamente ao alegado, o Autor, ora Recorrente não criou, nem poderia ter criado qualquer expetativa acerca da defesa dos Réus, violadora, nessa medida, dos princípios da estabilidade da instância, da concentração da defesa e da preclusão processual e do seu direito à tutela jurisdicional efetiva, e causadora de qualquer prejuízo para aquele, atenta a previsão, no artigo 584.º, n.º 1 do CPC, de inadmissibilidade de réplica, quanto à matéria de contestação.
29.º Com efeito, a jurisprudência portuguesa, a propósito do princípio da concentração da defesa e da preclusão, determina que toda a defesa deve, em princípio, ser apresentada ao mesmo tempo, na contestação (art. 573.º do CPC), e que depois de ela ter sido apresentada não pode ser apresentada uma nova.
30.º Mas tal jurisprudência é manifestamente inaplicável aos presentes autos, já que tal resposta é normalmente dada para casos em que já está mostra ultrapassado o prazo da contestação ou a fase dos articulados normais, o que in casu, como vimos, não ocorre (neste sentido, acórdãos do TRL de 25/09/2018, proc. 1059/10.8TBAGH.L1-7; do STJ de 01/10/2015, proc. 903/11, com o apoio de Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, em anotação 2 ao art. 573, CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, 2017, pág. 566; do STJ de 29/01/2014, proc. 5509/10.5TBBRG-A.G1.S1; do TRL de 18/09/2007, proc. 3057/2007-1; e do STJ de 19/02/2004, proc. 03B4161).
31.º Ou seja, a apresentação da nova contestação, antes do fim do prazo para o efeito, com a substituição da nova contestação pela primeira, afasta a ofensa aos princípios da concentração da defesa e da preclusão (cfr. Acórdão do TRL de 21/02/2019, processo n.º 2516/17.0T8CSC-B.L1-2).
32.º Em terceiro lugar, os Réus pretendem ainda aludir que, é admissível a todo o tempo, a retificação de lapsos materiais, devendo o juiz admitir, conforme fez o Tribunal ad quo, a requerimento das partes, o suprimento ou correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados.
33.º E quanto a isto, não se diga que se pode invocar, como faz o Autor, ora Recorrente, o disposto no artigo 260.º, e 564.º do CPC, relativo à estabilidade da instância, porque a retificação de lapsos materiais manifestos não tem relação direta com este principio, na medida em que havendo lapso, a retificação é admissível a todo o tempo, independentemente da notificação da contestação a efetuar a contraparte.
34.º E por último, importará ainda acrescentar que, sempre seria de admitir a apresentação de nova contestação ao abrigo do dever de gestão processual do juiz contido no artigo 6.º, n.º 2, por referência ao artigo 554.º, n.º 2 do CPC.
35.º Em verdade, com o estabelecimento do dever de gestão processual se cria um paradigma de aproveitamento material do processo, no sentido de o juiz conduzir à sua finalidade de justa composição do litígio, apartando o formalismo cominatório que veja em todas as falhas processuais das partes motivos para impossibilitar o avanço do processo.
36.º O artigo 6.º, n.º 1 do CPC, ao consentir ao juiz o dever de gestão processual, autoriza o julgador a entender que, quando esteja em causa uma correção, pode o Tribunal, a requerimento das partes, acionar os mecanismos de remediação e de aproveitamento material do processo, conduzindo à sua finalidade de justa composição do litígio.
37.º Finalmente importará ainda ter presente, atendendo ao disposto no artigo 265.º do CPC que, desde a revisão do CPC de 1961, operada em 1995/1996 é expressamente admitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, ou seja, introduzindo-se um novo pedido fundamentado numa causa de pedir que é ela também diversa da inicialmente alegada, desde que tal não implique a convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
38.º Por todo o exposto, impõe-se concluir pela ausência de fundamento legal para se recusar a substituição da contestação inicialmente apresentada pelos Réus, pelo que a decisão proferida pelo Douto Despacho ora em crise deverá manter-se, na íntegra, sendo, a final, negado provimento ao Recurso ora interposto pelo Autor, ora Recorrente.
39.º No caso de eventual procedência do recurso interposto pelo Autor ora Recorrente, o que apenas se admite mera cautela e dever de patrocínio, requer-se desde já a ampliação do recurso, ao abrigo do disposto no n.º 1 e n.º 2 do artigo 636.º do CPC.
40.º Efetivamente, como refere o Conselheiro Abrantes Geraldes “(…) a parte não tem legitimidade para recorrer, uma que (…) não é vencido. Apesar disso, tendo em vista a manutenção do resultado expresso através da decisão recorrida, pode não ser de todo indiferente para si o modo como o tribunal a quo fundamentou a decisão, se acaso vierem a ser acolhidos pelo tribunal ad quem questões suscitadas pelo recorrente. Ora se porventura fosse vedado ao recorrido a possibilidade de promover a ampliação do objeto do recurso, poderia ver-se definitivamente prejudicado pela resposta que o tribunal ad quem viesse a dar às questões suscitadas pelo recorrente, num momento em que já não teria capacidade de reagir”.
41.º Assim, pretende-se a ampliação do objeto do recurso, apenas no que concerne à matéria de direito, no sentido de que, caso seja declarada a nulidade do despacho recorrido por violação do princípio do contraditório, sempre deverão os Réus ser convidados pelo Douto Tribunal ad quo, para proceder à correção dos lapsos materiais existentes na Contestação, conforme oportunamente requerido pelos Réus, por Requerimento de 08/10/2024, com todos os efeitos legais daí decorrentes.
42.º Nestes termos, requer-se a título subsidiário, e caso seja considerado procedente o Recurso ora interposto pelo Autor, ora Recorrente, considerar procedente o pedido de retificação da Contestação por lapso, sendo os RR. convidados, pelo Douto Tribunal a retificar a contestação apresentada, com todos os efeitos legais daí decorrentes.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ao Recurso ser corrigido o efeito do recurso atribuído pelo Autor, ora Recorrente, para efeito devolutivo, ser indeferido liminarmente por inadmissível, e sempre, ser negado provimento, assim se fazendo a Sã e Inteira JUSTIÇA.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões vertidas pelo Recorrente nas suas alegações (arts. 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais prévias, destinando-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não à prolação de decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo Tribunal recorrido.
Mercê do exposto, da análise das conclusões apresentadas pelo Recorrente nas suas alegações decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
1 - Se o despacho proferido está inquinado de nulidade, por violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3º, nº3, do Código de Processo Civil
2 - Da admissibilidade de substituição da contestação
3 - Da ampliação do âmbito do recurso
- Se o despacho proferido está inquinado de nulidade, por violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3º, nº3, do Código de Processo Civil
Sustenta o Recorrente, sob as conclusões 2ª a 13 ª, que o Tribunal a quo, ao decidir sobre requerimento dos Réus do qual o Autor não teve conhecimento até ser notificado do despacho proferido incorreu em nulidade por violação do princípio do contraditório.
Por outro lado, entende ainda o Recorrente, sob as conclusões 14ª a 24ª, que a decisão tomada pelo Tribunal a quo de admitir a substituição da contestação viola os princípios da concentração da defesa e a consequente preclusão dos meios de defesa, princípios da estabilidade da instância, segurança jurídica e estabilidade processual, devendo ser tal decisão substituída por outra que julgue inadmissível a segunda contestação e reconvenção apresentada pelos Réus a 08/10/2024, indeferindo a requerida substituição.
Importa, por conseguinte, analisar em primeiro lugar a invocada nulidade do despacho recorrido, pois que a mesma contende com a sua validade, pelo que, concluindo-se pela nulidade do mesmo, fica prejudicado o conhecimento de mérito.
Para fundamentar a nulidade em análise, alega o Recorrente que a substituição de uma contestação apresentada e já devidamente notificada ao Autor por uma segunda contestação com reconvenção não é uma situação que se insira num “caso da manifesta desnecessidade”, que permitisse ao Tribunal a quo proferir despacho sem que o Autor fosse ouvido, pelo que ao admitir aquela substituição, sem dar oportunidade ao Recorrente de se pronunciar sobre tal, proferiu uma decisão nula, por violação do artigo 3º, do Código de Processo Civil.
Em concreto, está em causa a violação do nº3, do citado preceito, nos termos do qual “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Este artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, consagra expressamente o princípio do contraditório na vertente da proibição da decisão surpresa, isto é, nas palavras de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[1], “a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes”. Segundo estes autores, “antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho-saneador, sentença, instância de recurso)” (ob. cit., pág. 32).
O princípio do contraditório materializa-se em todos os elementos do processo - factos, provas e questões de direito que se encontrem relacionadas com o objeto da causa - tendo as partes direito, em todos estes níveis, a participarem ativamente tendo em vista influenciar a decisão, tentando convencer o julgador, em cada momento e ao longo de todo o processo, do acerto da sua posição.
No plano das questões de direito, o princípio do contraditório exige que, antes do despacho ou da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie, mesmo que de conhecimento oficioso, só estando o Tribunal dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade.
Essa manifesta desnecessidade de audição pode revelar-se quando:
“- as partes, embora não a tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente por ter sido apresentada uma versão fáctica, não contrariada, que manifestamente não consentia outra qualificação;
- quando a questão seja decidida favoravelmente à parte não ouvida; ou
- quando seja proferido despacho que convide uma das partes a sanar a irregularidade ou uma insuficiência expositiva”[2].
Na linha do entendimento perfilhado por LOPES DO REGO[3], com o qual concordamos, “[…]a audição excecional e complementar das partes, fora dos momentos processuais normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não for exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela”.
O exercício do contraditório dependerá sempre da verificação de uma nova abordagem jurídica da questão, decisiva para a sorte do pleito, porque relativa a factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base da decisão, que não fosse perspetivada pelas partes, mesmo usando da diligência devida.
Com este princípio pretendeu o legislador, como já acima salientamos, impedir que as partes fossem surpreendidas com soluções de direito inesperadas, seja através do conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual.
Este entendimento amplo do princípio do contraditório, afirmado pelo nº3, do artigo 3º, do Código de Processo Civil, não afasta os poderes de subsunção ou de qualificação jurídica que o artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil confere ao juiz - tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Trata-se, apenas, de impor ao julgador o dever de, previamente ao exercício de tais poderes, proceder à audição das partes, sempre que pretenda decidir uma determinada questão, seja relativa ao mérito da causa seja meramente adjetiva, com recurso a um fundamento jurídico diverso, até então omitido nos autos e não ponderado pelas partes, mesmo usando da diligência devida.
Revertendo ao caso concreto, e tendo presente as considerações que antecedem, importa decidir se assiste razão ao Apelante quando sustenta que o despacho proferido está inquinado de nulidade, não tendo concretizado se estamos perante uma nulidade processual (artigo 195º do Código de Processo Civil) ou uma nulidade do próprio despacho (artigo 615º, ex vi artigo 613º, do Código de Processo Civil), por excesso de pronúncia, em conformidade com o disposto no artigo 615º, nº 1, d), do Código de Processo Civil.
É sabido que a nulidade processual consiste num desvio ao formalismo processual prescrito na lei.
Além das nulidades típicas previstas nos artigos 186º, 187º, 191º, 193º e 194º do Código de Processo Civil, outras irregularidades que se constatem na tramitação processual só constituirão nulidade se a lei assim o determinar ou quando o vício possa influir no exame ou decisão da causa, ou seja, quando se repercutem na sua instrução, discussão ou julgamento ou, em processo executivo, na realização da penhora, venda ou pagamento[4] .
Trata-se das nulidades secundárias, inominadas ou atípicas, que podem emergir da prática de um ato que a lei não admita, da omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva ou da prática de um ato admitido ou a sua omissão em violação da sequência processual fixada pelo juiz ao abrigo do disposto no artigo 547º do Código de Processo Civil – cf. artigo 195º, n.º 1 do citado diploma fundamental.
A nulidade do ato processual repercute-se nos atos subsequentes da sequência que dele dependam absolutamente. “Assim, sempre que a prática de um ato da sequência pressuponha a prática de um ato anterior, a invalidade deste tem como efeito, indirecto mas necessário, a invalidade do primeiro, se entretanto tiver sido praticado, pelo que a invalidade do ato processual é mais uma invalidade do ato enquanto elemento da sequência do que do ato em si mesmo considerado”[5].
Por sua vez, as decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões:
- por erro de julgamento dos factos e do direito; ou
- por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que delimitam o respetivo conteúdo e limites, que determinam a sua nulidade, nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
Na lição cristalina de Miguel Teixeira de Sousa, tendo em vista distinguir uma nulidade processual das nulidades da sentença, dir-se-á que “Todo o processo comporta um procedimento, ou seja, um conjunto de actos do tribunal e das partes. Cada um destes actos pode ser visto por duas ópticas distintas:
- Como trâmite, isto é, como acto pertencente a uma tramitação processual;
- Como acto do tribunal ou da parte, ou seja, como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte.
No acto perspectivado como trâmite, considera-se não só a pertença do acto a uma certa tramitação processual, como o momento em que o acto deve ou pode ser praticado nesta tramitação.
Em contrapartida, no acto perspectivado como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte, o que se considera é o conteúdo que o acto tem de ter ou não pode ter.
Do disposto no art. 195.º, n.º 1, do CPC decorre que se verifica uma nulidade processual quando seja praticado um acto não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um acto que é imposto por essa tramitação.
Isto demonstra que a nulidade processual se refere ao acto como trâmite, e não ao acto como expressão da decisão do tribunal ou da posição da parte. O acto até pode ter um conteúdo totalmente legal, mas se for praticado pelo tribunal ou pela parte numa tramitação que o não comporta ou fora do momento fixado nesta tramitação, o tribunal ou a parte comete uma nulidade processual.
Em suma: a nulidade processual tem a ver com o acto como trâmite de uma tramitação processual, não com o conteúdo do acto praticado pelo tribunal ou pela parte.
É, aliás, fácil comprovar, em função do direito positivo, o que acaba de se afirmar:
- A única nulidade processual nominada que decorre do conteúdo do acto é a ineptidão da petição inicial (cf. art. 186.º); mas não é certamente por acaso que esta nulidade é também a única que constitui uma excepção dilatória (cf. art. 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. b), e 577.º, al, b), CPC);
- As nulidades da sentença e dos acórdãos decorrem do conteúdo destes actos do tribunal, dado que estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podem ter (cf. art. 615.º, 666.º, n.º 1, e 685.º CPC); também não é por acaso que estas nulidades não são reconduzidas às nulidades processuais reguladas nos art.ºs 186.º a 202.º CPC.” - O que é uma nulidade processual? In Blog do IPPC, 18-04-2018, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+processual.
No caso concreto, o Apelante dirige a sua impugnação ao conteúdo do despacho que ordenou o desentranhamento da contestação com a ref. 16732996, tal como requerido pelos Réus e que ordenou o cumprimento do disposto no artigo 575º, nº1, do Código de Processo Civil quanto à segunda contestação apresentada com a referência 16738659, sendo assim legítimo concluir que admitiu a mesma, o que fez sem prévia audição do Autor, num momento em que este já havia sido notificado da contestação com a ref. 16732996.
Ao atuar nestes moldes, afigura-se-nos que o Tribunal a quo violou, de facto, o princípio do contraditório previsto no artigo 3º, nº3, do Código de Processo Civil.
Importa agora definir as consequências jurídicas dessa violação.
Como acima já afirmámos, a omissão do exercício do contraditório não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos artigos 186º a 194º e 196º a 198º do Código de Processo Civil. Representa a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do artigo 195º Código de Processo Civil, e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previstos no artigo 199º Código de Processo Civil.
A lei não fornece uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa.” No sentido de interpretar o conceito o Professor Alberto dos Reis tecia as seguintes considerações:“[o]s atos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela“[6]
Daqui decorre que uma irregularidade pode influir no exame e decisão da causa, se comprometer o conhecimento da causa, a instrução, discussão e julgamento.
No caso concreto, o despacho proferido acabou por conduzir à admissão da substituição de uma contestação apresentada e já devidamente notificada ao Autor, por uma segunda contestação com reconvenção, situação que, de acordo com o nosso entendimento, não é uma situação que se insira num “caso da manifesta desnecessidade” que permitisse ao Tribunal recorrido proferir despacho sem que o Autor fosse ouvido. Na verdade, essa decisão não está de acordo com as consequências processuais a retirar da tramitação ocorrida até ao momento, tendo sido proferida sem que o Apelante tenha tido a oportunidade de expor os seus argumentos, de forma a convencer (ou não) o julgador da bondade dos seus argumentos, num momento em que não era expectável a prolação da referida decisão.
Diante do exposto tinha, pois, o Tribunal recorrido, antes de decidir, de ouvir os argumentos do Autor sobre a inadmissibilidade de apresentação de uma nova contestação.
Ao não o ter feito, o despacho proferido mostra-se ferido de nulidade.
Não é pacífica na jurisprudência a questão de saber se a prolação de uma decisão surpresa, com violação do princípio do contraditório, constitui uma nulidade processual, nos termos do artigo 195º, nº 1, do Código de Processo Civil, ou uma nulidade da própria decisão, por excesso de pronúncia, em conformidade com o disposto no artigo 615º, nº 1, d), do Código de Processo Civil.
Como diz António Abrantes Geraldes in Recurso em Processo Civil, 7ª ed., pág. 24, “a expressão usual segundo a qual «das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se» aparenta uma simplicidade que não condiz com o que a prática judiciária revela. Importa, pois distinguir as nulidades de procedimento das nulidades de julgamento, uma vez que, nos termos do art. 615º, nº 4, quando estas últimas decorram de qualquer dos vícios da sentença assinalados nas als. b) a e) do nº 1, a sua invocação deve ser feita em sede de recurso, restringindo-se a reclamação para o próprio tribunal quando se trate de decisão irrecorrível”.
Mas se para algumas situações a resposta se apresenta como pacífica, outras há em que a solução não se apresenta tão clara. É o caso, por exemplo, “quando é cometida alguma nulidade de conhecimento oficioso ou em que é o próprio juiz que, ao proferir a sentença, omite uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa (art. 3.º, nº 3). Nestes casos, em que a nulidade é revelada apenas através da prolação da decisão com que a parte é confrontada, a sujeição ao regime geral das nulidades processuais, nos termos dos arts. 195.º e 199.º, levaria a que a decisão que a deferisse se repercutiria na invalidação da sentença, com a vantagem adicional de tal ser determinado pelo próprio juiz, fora das exigências dos encargos (inclusive financeiros) inerentes à interposição de recurso. Porém, tal solução defronta-se com o enorme impedimento constituído pela regra, praticamente inultrapassável, ínsita no art, 613º, à qual presidem razões de certeza e de segurança jurídica que levam a que, uma vez proferida a sentença (ou qualquer decisão), fica esgotado o poder jurisdicional, de modo que, sendo admissível recurso, é exclusivamente por essa via que pode ser alcançada a revogação ou a modificação da decisão. Perante esta dificuldade, parece mais seguro assentar que, sempre que o juiz, ao proferir alguma decisão, se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei, a parte interessada deve reagir através da interposição de recurso sustentado na nulidade da própria decisão, nos termos do art. 615.º, al. d). Afinal, designadamente quando a sentença traduza para a parte uma verdadeira decisão-surpresa (não precedida do contraditório imposto pelo art. 3.º, nº 3), a mesma nem sequer dispôs da possibilidade de arguir a nulidade processual correspondente à omissão do ato, pelo que o recurso constitui a via ajustada a recompor a situação, integrando-se no seu objecto a arguição daquela nulidade”[7].
No caso concreto, entendemos que ao prolatar aquela decisão que se traduz na admissibilidade da substituição da contestação apresentada pelos Réus sem audição prévia do Autor e, nessa medida, com violação do princípio do contraditório, o Tribunal a quo incorreu simultaneamente numa nulidade processual (prevista no artigo 195º, nº1, do Código de Processo Civil) e numa nulidade da sentença por excesso de pronuncia (prevista no artigo 615º, nº1, al. d), do Código de Processo Civil)[8]. Isto porque tal nulidade apenas se revelou com a prolação do despacho, pelo que a falta de contraditório, neste caso, constitui uma nulidade que se projeta na decisão, subsumível à previsão do art. 615º, nº 1, d) do Código de Processo Civil (nulidade da decisão por excesso de pronúncia).
É esta a posição assumida por Teixeira de Sousa quando, no comentário ao Ac. da Rel. de Évora, de 10-4-14 (www.dgsi.pt), observou que ainda que a falta de audição prévia constitua uma nulidade processual, por violação do princípio do contraditório, essa “nulidade processual é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), do NCPC), dado que sem a prévia audição das partes o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão” (em blogippc.blogspot.pt, escrito datado de 10-5-14).”
Diante do exposto tinha, pois, o Tribunal recorrido, antes de decidir, de ouvir os argumentos do Autor sobre a inadmissibilidade de apresentação de uma nova contestação.
Ao não o ter feito, o despacho proferido mostra-se ferido de nulidade processual, que é consumida por uma nulidade do despacho por excesso de pronúncia - artigo 615º, nº 1, al. d), ex vi artigo 613º, nº3, ambos do Código de Processo Civil -, dado que sem a prévia audição do Autor o Tribunal não podia conhecer do requerimento apresentado pelos Réus.
E, nessa medida, entendemos que o meio próprio para arguir esta nulidade não seria a simples reclamação, como sustentam os Apelados, mas antes o recurso interposto, admissível como apelação autónoma, nos termos do disposto no artigo 644º, nº2, alínea d), do Código de Processo Civil.
Assim, na verificação da arguida nulidade, não cabe entrar no conhecimento do mérito da decisão recorrida, o que prejudica o conhecimento da segunda questão suscitada pelo Recorrente, ao pretender a substituição da decisão proferida por outra que julgue inadmissível a segunda contestação e reconvenção apresentada pelos Réus a 08/10/2024, indeferindo a requerida substituição.
Aliás, importar referir que embora nas conclusões que apresentou sob os pontos 14º a 24º o Recorrente parece pretender que este Tribunal se substitua ao Tribunal recorrido, e profira decisão no sentido de julgar inadmissível a segunda contestação e reconvenção apresentada pelos Réus a 08/10/2024, na parte final das conclusões começa por requerer a declaração nulidade do despacho recorrido por violação do princípio do contraditório, com as mais consequências legais, ou, caso assim não se entenda, a revogação do despacho recorrido, sendo assim legítimo concluir que deduz esta segunda pretensão em termos subsidiários e, nessa medida, mostra-se também por esta via prejudicado o conhecimento da segunda questão de recurso acima elencada.
Ainda que assim não fosse, no caso concreto não poderia o Tribunal ad quem fazer uso da regra da substituição, prevista no artigo 665º Código de Processo Civil, desde logo porque tal regra só é aplicável às decisões que ponham termo ao processo e não aos despachos, em que sempre cabe ao Tribunal a quo decidir, em 1ª instância.
Com efeito, com a referida epígrafe – “Regra da substituição ao tribunal recorrido”-, dispõe o art. 665º, do CPC:
“1 - Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.
2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
3 - O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias”.
Assim, não se tratando de “decisão que põe termo ao processo”, não deve o Tribunal de recurso conhecer da questão da admissibilidade de apresentação da segunda contestação, havendo antes que declarar nulo o despacho proferido, bem como os ulteriores termos do processo, com a remessa dos autos ao Tribunal de 1ª instância, para aí ser proferido despacho que faculte ao Autor a possibilidade de se pronunciar em relação ao requerimento apresentado pelos Réus em 8 de outubro de 2024, com a referência Ref.: 16738658, após o que deverá ser proferida decisão quanto ao identificado requerimento, seguindo-se ulterior tramitação do processo.
Pelo exposto, procederá a apelação, com o resultado anteriormente referido.
Os Apelados requereram na sua contra-alegação a ampliação do âmbito do recurso, pretendendo que, no caso de eventual procedência do recurso interposto pelo Recorrente, seja considerado procedente o pedido de retificação da contestação por lapso, sendo os Réus convidados a retificar a contestação apresentada, com todos os efeitos legais daí decorrentes.
Dispõe o artigo 636º, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido»:
1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2 - Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.
3 - Na falta dos elementos de facto indispensáveis à apreciação da questão suscitada, pode o tribunal de recurso mandar baixar os autos, a fim de se proceder ao julgamento no tribunal onde a decisão foi proferida.
Resulta desde logo evidente da leitura do preceito que não se mostram reunidos os pressupostos ali exigidos para ser deferida a ampliação do recurso requerida pelos Apelados, pois que através da ampliação apenas se permite ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinado fundamento por si invocado no processo e que tenha sido julgado improcedente, situação que manifestamente não ocorre no caso concreto. Ou seja, a ampliação situa-se no domínio dos fundamentos, destinando-se apenas a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer de fundamentos não considerados ou julgados desfavoravelmente na decisão recorrida que, apesar disso, com base em fundamento diverso, tenha julgado procedente a pretensão do recorrido, assim se permitindo ao recorrido prevenir-se de, por força do recurso, vir a ser considerado improcedente o fundamento com base no qual este obteve ganho de causa no tribunal a quo.
Por isso aliás, como é afirmado por Abrantes Geraldes[9], “a ampliação do objeto do recurso apenas será apreciada se acaso o tribunal ad quem vier a pronunciar-se sobre o mérito do recurso interposto, à semelhança do que ocorre com o recurso subordinado (art. 633º, nº3).
Termos em que não se admite a peticionada ampliação do âmbito do recurso.
O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso concreto, as custas são pelos Apelados, que ficaram vencidos.
Os Juízes Desembargadores,
Teresa Pinto da Silva
Eugénia Cunha
Mendes Coelho
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[1] Cfr. “Código de Processo Civil Anotado”, volume I, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 31.
[2] Cfr. José Lebre de Freitas, Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado, ob. Cit., pág. 10.
[3] Cf. Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 1999, pág. 25.
[4] cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 235; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre,Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª Edição, pág. 381.
[5] cf. J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre,op. cit., pág. 381.
[6] José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, ob. cit., pág. 486.
[7] Cf. ob. cit., pág. 25 e 26; no mesmo sentido Teixeira de Sousa, em https//blogipp.blogspot.com, citado na nota de rodapé de pág. 26.
[8] Neste sentido, cf. vd., entre outros os Acs. RP 15-12-2021, p. 2577/20.5T8AGD-A.P1; bem como e STJ 23-06-2016 (Abrantes Geraldes), p. 1937/15.8T8BCL.S1.
[9] Cfr. A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, 2022, pág. 149