QUALIFICAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
INEPTIDÃO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Sumário

I - Embora o CIRE não preveja expressamente um "indeferimento liminar" do pedido de qualificação da insolvência como culposa nos termos do artigo 188.º, o juiz tem o poder de rejeitar pedidos que considere manifestamente infundados ou que não apresentem indícios mínimos de culpa na criação ou agravamento da insolvência.
II - Tendo sido apresentado um requerimento por um credor ao abrigo do disposto no artigo 188º do CIRE, tendo sido o mesmo considerado manifestamente inepto, não se impõe ao juiz um convite ao aperfeiçoamento.
III - A causa para solicitar o convite ao aperfeiçoamento é a necessidade de clarificar e aprimorar a petição inicial, tornando-a mais completa e precisa, mas sem alterar o fundamento da ação. O convite ao aperfeiçoamento não permite que o autor apresente uma nova causa de pedir, ou seja, um novo fundamento para a ação. O objetivo é aprimorar a petição existente, não alterá-la substancialmente.

Texto Integral

Processo: 8380/24.6T8VNG-C.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 6

ACÓRDÃO
I. RELATÓRIO (transcrição)

Nos presentes autos de incidente de qualificação de insolvência, vieram as credoras, AA e BB, requerer a qualificação da insolvência da devedora A..., Lda., como culposa, ao abrigo do disposto presente no artigo 188.º, n.º 1, do CIRE.
Para o efeito e em síntese, alegam que os credores indicados pela Insolvente na oposição não reclamaram os seus créditos, o que indicia que tais créditos foram pagos pela Insolvente, na eminência de ser declarada a insolvência ou já depois de ela ser decretada, com recursos económicos da massa insolvente, envolvendo, assim, um tratamento diferenciado entre credores.
Acrescentam ainda que o registo interno/base de dados de clientes, quer os ativos quer os históricos, onde constam todos os elementos identificadores do cliente e dos serviços prestados desapareceu, suspeitando as credoras que alguns credores obtiveram o pagamento dos seus créditos com o recurso a um eventual ganho com o desaparecimento deste registo interno/base de dados de clientes.
Mais referindo que, entre 16 e 17 de Novembro de 2024 foram retiradas das instalações da insolvente um espelho, uma mesinha, um móvel e dois candeeiros.
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Foi decidido não abrir o presente incidente de qualificação da insolvência.

RECURSO
Inconformadas, vieram as requerentes interpor recurso.
Após alegações terminam com as seguintes CONCLUSÕES

I. O presente Recurso vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância de não abertura de incidente de qualificação por considerar que o pedido consubstanciava “um incidente completamente inepto, despedido de quaisquer factos essenciais”.

Falta de previsão legal que permita a recusa de abertura de incidente.

II. A Apelante não se conforma com aquela decisão, desde logo, por entender que o Tribunal a quo não tem poderes de indeferimento liminar / recusa do pedido de abertura de apenso de qualificação de insolvência.
III. O art. 188 que regula a tramitação do incidente de qualificação da insolvência não prevê o indeferimento liminar no pedido de abertura.
IV. O que a disposição legal determina é, no entendimento das Apelantes, que o julgador conhece dos fatos e verifica a tempestividade do pedido.
Nada mais.
V. Parece à Apelante, que o tribunal a quo procedeu a um juízo preliminar sobre a procedência da qualificação como culposa, que a lei não prevê, nem pode, pelas próprias características do incidente, ser realizada no pedido de abertura do incidente.
VI. Note-se que o tribunal a quo recorreu ao CPC, ao artigo 552º, nº 1, al. d) para fundamentar o ónus das Requerente,

Mas, Caso assim não se entenda

Julgamento preliminar sob a suficiência da fundamentação constante do pedido de abertura de incidente de qualificação


VII. No CIRE (art. 188, nº 1) o legislador usou a terminologia “pode”, já no cpc (art. 552, nº1 a) d)) usou o termo “deve”.
Como tal,
VIII. A decisão em crise partiu de um prossuposto de exigibilidade de fundamentação que lei geral fez prever para contexto muito diferente do que para o incidente em causa, Incidente esse cuja previsão feita em lei especial que regula o ato, afasta lei geral.
IX. A fundamentação bastante para a abertura do incidente não equivale a produzir nessa fase, fundamentação suficiente para a qualificação da insolvência como culposa.
X. Estando vedado ao julgador que use critérios de prognose da decisão para ordenar a abertura do incidente de qualificação.
XI. Em particular aquelas que nestes autos foram invocadas como a proteção que as Apelantes poderão eventualmente receber do Fundo Garantia Salarial e/ou a idade avançada dos visados.

Convite ao Aperfeiçoamento é Poder Vinculativo

XII. Ainda que seja possível retirar do art. 188 do CIRE o poder do julgador recusar a abertura de incidente de qualificação por motivos que extravasam o cumprimento de prazo processual para o ato,
XIII. Parece à Apelante que, mesmo no âmbito do CIRE, mesmo no âmbito da abertura de incidente, a previsão legal prevista no art. artigo 590.º, n.os 2, al. b), e 4, do CPC é de imperativa aplicação.
XIV. Note-se que o ato previsto no art. 188, nº 1 do CIRE é atualmente limitado por prazo cujo incumprimento tem como consequência a preclusão da possibilidade de se aferir da existência ou não da culpa na situação de insolvência.
XV. Atendendo as consequências que a decisão de recusa de abertura do incidente tem nos autos, impõe-se o rigoroso cumprimento do poder-dever do convite ao aperfeiçoamento que nos autos não teve cumprimento.

Nestes termos
Requer-se o deferimento do presente Recurso em consequência do qual seja revogada a decisão em crise e determinada a abertura do incidente de qualificação de insolvência

Caso assim não se entenda deve a decisão em crise ser revogado e determinado que seja dado cumprimento ao convite ao aperfeiçoamento.
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Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil.
No caso vertente, em face das conclusões do recurso, as questões a apreciar são:
● A possibilidade de indeferimento liminar do requerimento de abertura de incidente de qualificação de insolvência efectuado ao abrigo do disposto no artigo 188º do CIRE
● Se o convite ao aperfeiçoamento era vinculativo para o juiz.

III. FUNDAMENTAÇÃO
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A. OS FACTOS
Damos como reproduzidos todos os factos constantes do relatório.

B. O DIREITO

Na decisão em crise escreveu-se: “Dispõe o artigo 552.º, n.º 1, al. d) do Código Processo Civil (doravante CPC) ex vi artigo 17.º do CIRE que o autor deve alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação.
Por outro lado, decorre do artigo 186.º, n.º 2, do CPC que, diz-se inepta a petição, “Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis”.
Note-se que, a ineptidão da petição inicial é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que fulmina com nulidade todo o processo e conduz à absolvição do réu da instância (cf. artigos 186.º n.º 1, 196.º, 278.º, n.º 1, al., b), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º al. b) e 578.º ambos do CPC).
Ora, o pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, o efeito jurídico que ele pretende obter com a ação e a causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao pedido, ao efeito jurídico pretendido, pelo que se o autor não mencionar esse facto concreto, a petição será inepta (cf. nesse sentido Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, Coimbra Editora, 2006, p. 245).
Como menciona Mariana França Gouveia, “a causa de pedir deve ser definida como sendo constituída por aquelas razões de facto e de direito que permitem, na lógica do autor, ou numa outra lógica que o tribunal entenda aplicável, fundamentar determinado pedido” (causa de pedir na ação declarativa, almedina, 2004, p. 153 a 154).
Portanto, sendo a causa de pedir o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, se o autor não menciona esse facto concreto, a petição será inepta.
Revertendo à situação do caso em análise, cumpre, em primeiro lugar, referir que estamos perante um incidente de qualificação de insolvência que é regulado por regras processuais próprias plasmadas nos artigos 185.º a 191.º do CIRE.
O incidente de qualificação da insolvência “constitui uma fase processual destinada a aferir da existência, ou não, de culpa na origem da insolvência em que a sociedade veio a cair, ou do seu agravamento, através da comprovação em juízo de práticas ou comportamentos tipificados como gravemente imprudentes, irregulares, fraudulentos ou desleais, por parte daqueles que em seu nome e interesse agiram, e que, segundo a cláusula geral consagrada no artigo 186.º, n.º 1, do CIRE, acabaram por se revelar causais relativamente à impossibilidade do ente coletivo satisfazer as suas dívidas vencidas perante terceiros, seus credores” (cf., 3.º, n.º 1, do CIRE) (nesse sentido o acórdão do STJ datado de 05/04/2022, processo n.º 1247/13.5TYVNG-A.P1.S1, relator Luís Espírito Santo).
Nessa medida, dispõe o artigo 188.º, n.º 1, do CIRE que “o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, no prazo perentório de 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo Incidente qualificação insolvência (CIRE) 155.º, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes”.
Decorre assim deste preceito que qualquer interessado pode apresentar requerimento de qualificação de insolvência, no entanto, deve ser devidamente fundamentado.
Ou seja, o requerente tem de apresentar factos relevantes para a apreciação da qualificação da insolvência.
Depois, constituem requisitos da insolvência culposa: a) a existência de um facto, relativo à conduta, por ação ou omissão do devedor, no período de três anos que antecede o início do processo de insolvência; b) culpa, na versão de dolo ou culpa grave; c) nexo de causalidade entre a conduta, na vertente de ação ou omissão, e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
Dispondo o n.º 2 do referido artigo 186.º do CIRE que se considera sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
“a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas;
c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) Exercido, a coberto da personalidade coletiva da empresa, se for o caso, uma atividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto;
g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração previstos no artigo 83.º até à data da elaboração do parecer referido no n.º 6 do artigo 188.º”
Ora, segundo o acórdão do TRP datado de 20/02/2024, “a dificuldade no apuramento do caráter doloso ou de culpa grave da conduta, levou a que o legislador elencasse factos tidos como graves, atribuindo-lhes uma diferente natureza conforme caiba a situação no n.º 2 ou no n.º 3 do artigo 186.º do CIRE, desenhando-se uma presunção juris et jure no primeiro caso, e juris tantum no segundo” (processo n.º 1068/23.7T8OAZ-B.P1, relator Fernando Vilares Ferreira).
No entanto para que tenham aplicação no caso concreto é sempre necessário a invocação e prova dos factos concretos que as constituem (nesse sentido o acórdão do TRP de 01/06/2017, processo 35/16.1T8AMT-A.P1, relator Filipe Carroço).
Posto isto, aquilo que constatamos no caso dos autos, é que as credoras/Requerentes invocam a insolvência culposa da devedora insolvente, com base no artigo 186.º, n.º 2, alíneas a), b), d) e) f) e i) do CIRE, sem concretizar minimamente os factos que as constituem.
O que se verifica é que as credoras baseiam a insolvência culposa da insolvente em factos genéricos, conclusivos e suspeitosos, sem suficiente sustentação fática, ao alegarem que a insolvente solveu preferencialmente créditos de outros credores em prejuízo destas, o que justificam com a circunstância de não ter havido reclamações por parte de outros credores e, por outro lado, entre 16 e 17 de novembro de 2024 foram retiradas das instalações da insolvente um espelho, uma mesinha, um móvel e dois candeeiros, sem indicar o estado desses bens e o respetivo valor, o que aliás nos parece um pouco insignificante, tanto mais que foram apreendidos no estabelecimento comercial da insolvente vários bens móveis não sujeitos a registo.
Depois, o facto de não haver créditos reclamados, ao que o Tribunal não é alheio, não significa obrigatoriamente que os mesmos tenham sido pagos, tanto mais que, a insolvente refere na sua oposição à insolvência que estavam em curso planos prestacionais estabelecidos com determinados credores.
Portanto, o que estas Requerentes fazem é retirar conclusões de uma ausência de reclamações de créditos, que se baseiam em meras suspeitas, sem qualquer sustentação fática, para aferir da responsabilidade dos gerentes desta sociedade.
Acrescendo ainda que, as Requerentes são credoras laborais e, como tal, podem recorrer ao Fundo Garantia Salarial para garantir parte substancial do seu crédito.
Não podendo o Tribunal ignorar a idade avançada dos gerentes da insolvente que pode influenciar a gestão de uma empresa.
Desta forma, os comportamentos plasmados nas várias alíneas do artigo 186.º, n.º 2, do CIRE são conceitos indeterminados que necessitam de ser integrados com factos para se aferir do incumprimento das obrigações legais por parte dos gerentes da insolvente e a sua atuação dolosa e culposa, o que não se verifica no caso em análise, já que é manifesto que a factualidade alegada não permite aferir do preenchimentos das alíneas b), d) e) f) e i) do artigo 186.º, n.º 2, do CIRE, consubstanciando um incidente completamente inepto, despedido de quaisquer factos essenciais.
Em face do exposto e nos termos das disposições legais supracitadas, decide-se não abrir o presente incidente de qualificação da insolvência.
Custas do incidente a cargo das Requerentes. Notifique”

DA POSSIBILIDADE DE REJEIÇÃO LIMINAR DO PEDIDO DE QUALIFICAÇÃO DE INSOLVÊNCIA.

A primeira questão prende-se com a possibilidade de o juiz, no quadro de um pedido de qualificação de insolvência efectuado ao abrigo do disposto no artigo 188º do CIRE, poder rejeitá-lo liminarmente.
De acordo com o disposto no artigo 36º nº 1 alínea i) do CIRE, na sentença que declarar a insolvência, o juiz caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, declara aberto o incidente de qualificação, com caráter pleno ou limitado, sem prejuízo do disposto no 187º.

A questão que se coloca é: que elementos são esses? Aqueles que se encontram descritos no artigo 186º do CIRE e que estabelecem presunções Ilidíveis (ou não) do carácter culposo da insolvência.

Como se pode ler no Acórdão da Relação de Guimarães de 04-04-2024, tirado no processo 3618/22.7T8VCT.G1 (a questão essencial tratada no Acórdão é relativa à possibilidade de o juiz, oficiosamente e fora da hipótese prevista no artigo 36º do CIRE, abrir o incidente, mas aborda questões relevantes para este nosso processo) “ (…) E que «elementos» serão esses, isto é, que «justificam» a abertura do incidente na sentença? Como refere Maria do Rosário Epifânio- in Manuel de Direito da Insolvência, 8ªedição, p. 176. “A lei nada diz. Pensamos que se, no momento da prolação da sentença, o processo contiver indícios suficientemente fortes de que a insolvência é culposa, o juiz deverá declarar aberto o incidente (por exemplo, se, no momento da prolação da sentença, é patente a violação do dever de apresentação, hipótese prevista no art. 186.º, n.º3, al. a) e que constitui presunção de culpa grave da insolvência)”.
Caso considere que já existem nos autos «elementos que justifiquem», o Juiz deve consignar na sentença os fundamentos em que baseia a determinação da abertura do incidente, isto é, deve discriminar quais são os elementos existentes e a razão por que, perante eles, entende que se justifica tal abertura- Cfr. Alexandre de Soveral Martins, in Um curso de Direito da Insolvência, Volume I, Almedina, 4ªedição atualizada e revista, p. 546.. Estamos perante um caso que constitui uma excepção ao princípio do dispositivo, já que o incidente de qualificação da insolvência é desencadeado por iniciativa oficiosa do juiz, não sendo precedido de qualquer requerimento nesse sentido -Cfr. Rui Estrela de Oliveira, “Uma brevíssima incursão pelos incidentes de qualificação da insolvência”, in Julgar, nº11, mai./ago. 2010, p. 213., o que significa que, na fase da prolação da sentença, a abertura do incidente de qualificação da insolvência não está dependente de qualquer pedido formulado nesse sentido, mas tão somente da circunstância de nesse momento o processo apresentar já elementos que, na perspetiva do Juiz, indiciem que a insolvência é culposa, caso em que deverá, oficiosamente, determinar a abertura do incidente de qualificação.
E pode ler-se, ainda “No presente recurso, a Recorrente vem defender, essencialmente, que «no processo de insolvência está consagrado o princípio do inquisitório», que «no regime legal atualmente vigente, o juiz, se considerar oportuno, seja em face das alegações que a propósito da qualificação da insolvência sejam efetuadas pelo administrador da insolvência ou por qualquer interessado, seja em face dos elementos que constam no processo de insolvência, pode decidir pela abertura do incidente de qualificação da insolvência», e que «os próprios elementos já constantes dos autos indiciam suficientemente uma atuação dolosa ou com culpa grave da devedora, que determinava que o Tribunal a quo no exercício do seu “poder-dever” decorrente do princípio do inquisitório devesse oficiosamente declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência como culposa», concluindo que o Tribunal a quo não deveria ter declarado encerrado o processo e nem deveria ter declarado a insolvência como fortuita e pretendendo que esta decisão seja revogada e substituída por outra em que o Tribunal declare aberto o incidente de qualificação da insolvência (cfr. conclusões 14ª a 16ª e 38ª a 40ª). É manifesto que não assiste razão à Recorrente. Concretizando.
Importa, desde já, ter presente que o recurso tem como objecto (após a declaração de inutilidade superveniente parcial do mesmo) apenas a decisão proferida em 11/04/2023, a qual, para além do mais, declarou «encerrado o processo» e «o caráter fortuito da insolvência», não estando aqui impugnada a sentença que declarou a insolvência, pelo que não está aqui em apreciação qualquer questão relativa ao disposto no art. 36º/1i) do C.I.R.E., ou seja, não está em causa apurar se, à data em que a mesma foi proferida, o juiz dispunha ou não de elementos que justificassem a declaração de abertura do incidente de qualificação da insolvência nessa sentença, a qual, aliás, está transitada e formou caso julgado. E, ao contrário do sustentado pela Recorrente, o princípio do inquisitório consagrado no art. 11º do C.I.R.E. (“No processo de insolvência, embargos e incidente de qualificação de insolvência, a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes”) não resolve nem produz qualquer efeito sobre a questão da possibilidade de abertura oficiosa do incidente de qualificação em momento posterior ao da sentença de insolvência: com efeito, analisando o teor daquele normativo, verifica-se que o mesmo nada estatui sobre a temática inerente àquela questão, e mais se verifica que os termos do princípio do inquisitório consagrado no preceito apenas permitiriam que, uma vez aberto tal incidente nos termos do citado art. 188º/1 (ou seja, impulsionado pelo Administrador da Insolvência ou por algum interessado), o Juiz pudesse basear a decisão de mérito do incidente em factos que não tivessem sido alegados pelo Administrador da Insolvência ou pelo interessado que o impulsionaram.”

Caso o juiz não tenha declarado aberto o incidente de qualificação na sentença, diz o artigo 188º do mesmo Código que o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, no prazo perentório de 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes – cfr. nº 1


Como se pode ler a página 255 do CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO, de Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, 3º edição em anotação ao artigo 36º “ A alteração da al. i), de maior alcance, traduziu-se na dispensa da obrigatoriedade de abertura do incidente de qualificação da insolvência, que, na versão originária do Código, estava limitada à modalidade de incidente limitado. Como se vê do novo texto, o tribunal está agora confrontado perante uma alternativa: ou o processo, na fase da prolação da sentença oferece já elementos que justificam a abertura - isto é, que indiciam a existência de culpa na insolvência, por parte de alguém elegível - e, nesse caso, a sentença deve, desde logo, declará-la; ou sucede o contrário, e, se assim for, deverá abster-se. (…) É claro que a ponderação da existência ou não de elementos justificadores da abertura cabe ao juiz. É em função da convicção que forme que deve decidir. A decisão, para lá da componente de discricionariedade que necessariamente envolve tem um caráter iminentemente interlocutório no sentido de que não introduz nenhuma modificação na esfera jurídica de quem quer que seja que possa vir, a final, a ser afectado pela qualificação”.

E se for apresentado um requerimento de abertura de qualificação de insolvência nos termos do artigo 188º do CIRE pode o juiz decliná-lo de imediato?
Chamamos aqui, novamente, à colação, o CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO, de Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, onde a pag. 688, 3º edição se pode ler (…) . Por outro lado, é indiscutível, à vista da parte final do n.º 1, que o juiz não tem de seguir o entendimento manifestado nas alegações dos interessados, podendo, sem dúvida, decidir pela não abertura do incidente apesar do que for sugerido e requerido. Não se vê nenhum motivo sério para que essa liberdade só ocorra quando o resultado seja favorável aos potenciais afetados pela qualificação da insolvência. É que a questão da qualificação não é, nem pode ser, considerada como algo que se situa no estrito âmbito dos interesses particulares e, nessa medida, no âmbito da disponibilidade. – cfr. pag. 688 “
O que aconteceu no caso presente?
Como bem disse a Sr. Juiz, “ o incidente de qualificação da insolvência “constitui uma fase processual destinada a aferir da existência, ou não, de culpa na origem da insolvência em que a sociedade veio a cair, ou do seu agravamento, através da comprovação em juízo de práticas ou comportamentos tipificados como gravemente imprudentes, irregulares, fraudulentos ou desleais, por parte daqueles que em seu nome e interesse agiram, e que, segundo a cláusula geral consagrada no artigo 186.º, n.º 1, do CIRE, acabaram por se revelar causais relativamente à impossibilidade do ente coletivo satisfazer as suas dívidas vencidas perante terceiros, seus credores” (cf., 3.º, n.º 1, do CIRE) (nesse sentido o acórdão do STJ datado de 05/04/2022, processo n.º 1247/13.5TYVNG-A.P1.S1, relator Luís Espírito Santo). Nessa medida, dispõe o artigo 188.º, n.º 1, do CIRE que “o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, no prazo perentório de 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo Incidente qualificação insolvência (CIRE) 155.º, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes”.
Decorre assim deste preceito que qualquer interessado pode apresentar requerimento de qualificação de insolvência, no entanto, deve ser devidamente fundamentado. Deve, pois, apresentar factos relevantes para a apreciação da qualificação da insolvência. Constituem requisitos da insolvência culposa: a) a existência de um facto, relativo à conduta, por ação ou omissão do devedor, no período de três anos que antecede o início do processo de insolvência; b) culpa, na versão de dolo ou culpa grave; c) nexo de causalidade entre a conduta, na vertente de ação ou omissão, e a criação ou agravamento da situação de insolvência. Dispondo o n.º 2 do referido artigo 186.º do CIRE que se considera sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham (…)”

O que foi alegado no requerimento pelas ora Recorrentes?

Que a 05.12.2024 a Insolvente deduziu oposição ao pedido de insolvência e identificou
os seus 5 maiores credores: 1 - Autoridade Tributaìria – Rua ..., ..., ... Lisboa: 358,39€ (com plano de pagamento a ser cumprido) 2 - Banco 1...: Praca̧ ..., ..., ... Porto: 5.000€ – Pagamento a ser cumprido (CartaÞo de creìdito). 3 - B...: Rue ...-...-Paris-France: 553.30€. 4 - C... Lda: Rua ..., ... Porto: 265.09€ 5 -Seguranca̧ Social IGFSS, Largo ..., ..., ... Leiria: 18.059,64€ (com plano de pagamento a ser cumprido). Contudo, nenhum dos referidos credores reclamou créditos no processo, apesar dos efeitos que a declaração de insolvência tem nos planos de pagamentos em curso e nos demais créditos também.
Não haver reclamação de créditos pelo Estado ou pela Banca de mais de €23 000,00 de créditos reconhecidos pela Insolvente na oposição ao processo indicia que tais créditos foram pagos, entre a data da oposição e, pelo menos o fim do prazo para a reclamação de créditos.
A questão é porquê? E com que recursos financeiros?
Não haver nenhum crédito reclamado nos autos que não os créditos laborais indicia um claro tratamento diferenciado entre credores, mais favorável àqueles credores do que às trabalhadoras, apesar destas serem detentoras de créditos privilegiados. Na eminência de ser declarada a insolvência ou já depois de tal acontecer. Bem como o eventual uso de recursos da Insolvente/Massa Insolvente para aquele fim. Pois que, aquele não é o único facto a relevar.
Uma vez que, ao final da tarde do dia 18.12.2024, o Sr. Horário fez uma rara deslocação às instalações da Insolvente, alegadamente para produzir um registo fotográfico das existências.
Porém, no dia seguinte, o registo interno/base de dados de clientes, quer os ativos quer os históricos, onde constam todos os elementos identificadores do cliente e dos serviços prestados é anotado, desapareceu. A informação constante do registo interno/base de dados de clientes constitui o núcleo duro do estabelecimento comercial da Insolvente e constitui informação apetecível para os concorrente daquela. A ocorrência do desaparecimento do registo interno/base de dados de clientes depois da declaração de Insolvência e o desaparecimento dos créditos antes da reclamação é indiciária que os credores que viram o seu crédito pago antes da reclamação tiveram um tratamento mais benéfico do que as trabalhadoras, Se tais créditos foram pagos com recurso com um eventual ganho obtido com o desaparecimento do registo interno/base de dados de clientes, as trabalhadoras não podem afirmar, mas podem suspeitar legitimamente que sim. Note-se que entre 16 e 17 de Novembro de 2024 foram retiradas das instalações da insolvente um espelho, uma mesinha, um móvel e dois candeeiros, isto quando a 04.11.2024 as trabalhadoras já haviam pedido a insolvência da sociedade depois de ter havido perda de confiança nas negociações em curso que visavam conseguir que os créditos laborais fossem pagos com o trespasse do estabelecimento comercial. Note-se também que o ilustre AI foi informado do desaparecimento do registo interno/base de dados de clientes no passado dia 10.01.2025 quando esteve nas instalações da Insolvente antes de ser conhecido das Trabalhadoras o desaparecimento dos créditos identificados pela Insolvente na oposição. Pelo exposto parece às Requerente que os atos dos indiciados tiveram como único propósito prejudica-las pessoal e diretamente, enquanto foi igualmente colhido proveito com a eliminação de créditos revertíveis para aqueles “

Pergunta-se: neste requerimento está alegada a existência de um facto, relativo à conduta, por ação ou omissão do devedor, no período de três anos que antecede o início do processo de insolvência; b) culpa, na versão de dolo ou culpa grave; c) nexo de causalidade entre a conduta, na vertente de ação ou omissão, e a criação ou agravamento da situação de insolvência. ? Não

E está alegado que o devedor /seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
“a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas;
c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) Exercido, a coberto da personalidade coletiva da empresa, se for o caso, uma atividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto;
g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração previstos no artigo 83.º até à data da elaboração do parecer referido no n.º 6 do artigo 188.º”?

Nenhum destes factos está alegado.
Note-se que as requerentes apenas referem que entre 16 e 17 de Novembro de 2024 foram retiradas das instalações da insolvente um espelho, uma mesinha, um móvel e dois candeeiros, isto quando a 04.11.2024 as trabalhadoras já haviam pedido a insolvência
As requerentes apenas insinuam que a circunstância de nenhum dos 5 maiores credores (e diga-se, o único crédito com mais de três dígitos é de 23.000. Os restantes são de valores muito pequenos.) terem vindo reclamar o crédito pode significar que foram pagos de forma preferencial às requerentes, trabalhadoras.
É suficiente esta alegação?
Podemos responder de forma categórica. Não é.
O CIRE não prevê expressamente um indeferimento liminar do pedido de qualificação da insolvência como culposa nos termos do artigo 188.º. No entanto, o juiz pode rejeitar o pedido se entender que não existem indícios suficientes que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência como culposa. O juiz pode rejeitar o pedido se: 1.Falta de Fundamentação: O requerimento não apresentar factos concretos e minimamente consistentes que indiciem a existência de culpa na criação ou agravamento da situação de insolvência. 2. Pedidos Manifestamente Infundados: O pedido se basear em alegações genéricas ou em factos que, mesmo provados, não configurariam uma situação de insolvência culposa nos termos do artigo 186.º do CIRE.

DO CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
A segunda questão que se coloca neste recurso é a de saber se, considerando-se inepto o requerimento, se impunha ao Juiz um convite ao aperfeiçoamento.

O convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, ou seja, solicitar ao autor que a aprimore, é uma medida que se justifica quando o juiz identifica insuficiências, incongruências ou imprecisões na petição. O objetivo é que o autor possa completar a petição, tornando-a mais completa e precisa, sem que isso implique a alteração da causa de pedir.
Em resumo, a causa para solicitar o convite ao aperfeiçoamento é a necessidade de clarificar e aprimorar a petição inicial, tornando-a mais completa e precisa, mas sem alterar o fundamento da ação.
O convite ao aperfeiçoamento não permite que o autor apresente uma nova causa de pedir, ou seja, um novo fundamento para a ação. O objetivo é aprimorar a petição existente, não alterá-la substancialmente.
O autor não tem o direito de solicitar o convite ao aperfeiçoamento. É o juiz quem decide quando é necessário essa medida.

A este propósito podemos ler o Acórdão da Relação de Coimbra de 13-06-2023, tirado no processo 869/22.8T8CBR.C1. “ I – A petição será inepta por falta de causa pedir, quando ocorre uma omissão do seu núcleo essencial, ou seja, quando não tenham sido indicados os factos que constituem o núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo que justificam a concessão do direito em causa; haverá ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade de causa de pedir, quando a exposição dos factos é feita de modo confuso, ambíguo ou ininteligível, de tal forma que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir. II – O convite ao aperfeiçoamento só se justifica para completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é percetível (inteligível); apenas sucede que não foram alegados todos os elementos fácticos que a integram, ou foram-no em termos pouco precisos. III – O despacho de aperfeiçoamento não tem como fim permitir à parte apresentar um novo quadro fáctico que não existia ou não era percetível, restrição imposta, aliás, pelo nº 6 do artº 590º do CPC.”

E também o Acórdão da Relação de Coimbra de11-01-2011 tirado no processo 506/09.6T2ILH.C11.” Na resposta ao despacho de aperfeiçoamento, não pode o autor apresentar um aditamento ou correcção do seu articulado inicial, que conduza a uma alteração do pedido ou da causa de pedir, não sendo admissível, por esta via, o suprimento de uma petição inepta, nem a convolação para uma causa de pedir diferente da inicialmente invocada. 2. O aperfeiçoamento do articulado apenas pode ter por objecto o suprimento de pequenas omissões, ou meras imprecisões ou insuficiências na alegação da matéria de facto, sob pena de completa subversão do princípio dispositivo, o que justifica as limitações restritivas, imperativamente impostas pelo n.º 5 do artigo 508.º do CPC.”

Na revista Julgar Online, janeiro de 2020 | 19 num artigo escrito por Valter Pinto Ferreira (Auditor de Justiça) e com o título “Convite ao aperfeiçoamento: o momento processual e a consequência da omissão “ pode ler-se: Se numa frase fosse possível resumir tudo quanto até agora afirmamos, diríamos o seguinte: até ao momento da prolação da sentença, ou de qualquer despacho que autorize, ordene ou sancione determinado acto ou omissão, o juiz não só pode, como deve, convidar a parte a suprir excepções dilatórias passíveis de sanação, a aperfeiçoar o articulado oferecido aos autos, a suprir as imprecisões ou insuficiências na exposição ou concretização da matéria de facto, ou a juntar documentos em falta, dado que a omissão do convite ao aperfeiçoamento é uma irregularidade que sobre o julgador impende corrigir. Esta é a posição que convictamente assumimos, desde logo porque acreditamos ter conteúdo prático o imperioso normativo do artigo 202.ᵒ, n.ᵒ 1, da Constituição da República Portuguesa 67, o que serve por dizer que se afinal de justiça se trata, e com isto terminamos, «o errado é errado mesmo que toda a gente faça, e o certo é certo mesmo que ninguém esteja a fazer».

Concluindo que o requerimento em causa era manifestamente inepto, não cabia ao Juiz fazer nenhum convite ao aperfeiçoamento porquanto tal significava, ao invés de colmatar alguma falha ou imprecisão, pedir à parte um outro requerimento, que não aquele.

IV. DECISAO

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelas recorrentes.
Registe e notifique.
DN

Porto, 13 de Maio de 2025.
(Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)
Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990.
Raquel Correia de Lima
Rui Moreira
Pinto dos Santos