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ARRENDAMENTO
NRAU
CESSAÇÃO DO CONTRATO
FORMA DA COMUNICAÇÃO
Sumário
I . Relativamente à forma das comunicações legalmente exigíveis entre senhorio e arrendatário relativas à cessação do contrato de arrendamento aplicam-se as disposições legais específicas consagradas nos arts. 9º a 12º do NRAU. II - Dessas disposições legais resulta o seguinte regime: i. salvo disposição legal em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento- como é o caso da comunicação da oposição à renovação do contrato- são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção (art. 9º nº 1); ii. as cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado (art. 9º nº 2); iii. aquela comunicação considera-se realizada ainda que o aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário, com excepção da carta que possa constituir título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou possa servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos arts. 14º-A e 15º, respectivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do nº 7 do art. 9º (art. 10º nº 1 al. b) e nº 2 al. b); iv. se a carta puder servir para efeitos do procedimento especial de despejo e se o aviso de recepção vier assinado por pessoa diferente do destinatário (qualquer que seja o tipo de ligação que exista entre ele e o arrendatário, e ainda que resida também ele no locado) - destinatário que tem de ser sempre o arrendatário-não tendo ficado clausulado no contrato de arrendamento domicilio convencionado, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de recepção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta (art. 10º nº 3) e só então se pode considerar realizada a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento.
Texto Integral
Processo n.º 3539/23.6T8PRT.P1- APELAÇÃO Juízo Local Cível do Porto- Juiz 8
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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO: 1.AA intentou acção declarativa sob processo comum contra BB, tendo formulado os seguintes pedidos:
- Condenar a Ré a desocupar o locado livre de pessoas e bens.
-Condenar a Ré ao pagamento das rendas em atraso de maio a agosto de 2022, no montante de €800,00 (oitocentos euros);
-Condenar a Ré ao pagamento da indemnização prevista nos termos do n.º 1 do artigo 1045.º do Código Civil, até a entrega do locado, sendo que a qual, desde setembro de 2022 até à presente data, perfaz já a quantia de €1200,00 (mil e duzentos euros); e
-Condenar ainda a Ré, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na entrega do locado, após decisão condenatória para o feito, no valor de €30,00 (trinta euros), tudo com as legais consequências.
Como fundamento da referida pretensão o Autor alegou em síntese que é o actual proprietário do imóvel identificado na petição inicial, tendo sucedido na posição de senhorio no contrato de arrendamento celebrado entre o anterior proprietário e a Ré em 1.09.2017, e que lhe comunicou a transmissão da posição de locador por carta datada de 28 de abril de 2022, na qual também transmitiu que se opunha à renovação do contrato de arrendamento que ocorreria em 31 agosto de 2022, tendo pedido a entrega do respectivo imóvel livre de pessoas e bens, comunicação essa que foi enviada por correio registado, tendo sido efectivamente recebida, porém a Ré deixou de pagar as rendas em Maio de 2022 e não entregou o locado sem que tenha título para o continuar a ocupar, permanecendo em dívida o valor de € 800,00 (oitocentos) de rendas vencidas e não pagas, correspondente aos meses de renda devidos de maio a agosto de 2022, bem como constituiu-se na obrigação de pagamento de indemnização pela não entrega do locado, que desde o mês de setembro de 2022 e até à data da instauração da ação perfaz o valor de €1.200,00 (mil e duzentos euros).
2. A Ré deduziu contestação, suscitando a questão da invalidade e ineficácia da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento por nunca a ter recebido, e porque o documento que foi junto aos autos não foi assinado pelo senhorio e não se alcança que a ilustre Mandatária subscritora do documento em apreço tenha alegado ou junto comprovativo de Procuração com poderes para tanto.
Mais alegou a excepção de não cumprimento do contrato para justificar o não pagamento das rendas, alegando que reclamou junto do anterior proprietário pela imperiosa necessidade de proceder a obras de reparação, o qual se comprometeu com a realização das mesmas e a desobrigou do pagamento das rendas enquanto não as realizasse de modo a eliminar as infiltrações e a proceder às necessárias reparações interiores, porém como entretanto o anterior proprietário faleceu em 17/12/2021 e desde então nunca foi contactada pelo actual proprietário, seja para realização das necessárias e imperiosas obras de reparação e eliminação das infiltrações, seja para lhe facultar os dados de identificação, a forma e modo de pagamento da renda, e como de acordo com o contrato a renda era paga em mão ao senhorio na sua residência, ficou impossibilitada de a pagar.
Por último, para a remota eventualidade de vir a ser decretado o seu despejo, requereu que fosse suspensa a entrega do locado até ao momento em que cessem as medidas que decorrem da L.1-A/2020, em particular as que resultam da alínea c) do Artº 7, alegando a insuficiência de alojamento disponível e a incapacidade económica da Inquilina, bem como a falta de alternativa ou apoios habitacionais, que configuram a fragilidade da inquilina por razões sociais imperiosas.
3. A Autora respondeu à matéria de excepção, tendo sustentado que a Ré bem sabe que o aviso de receção foi assinado pelo senhor CC que é o seu companheiro, titular do cartão de cidadão ..., e que com a Ré vive naquele local, que ao receber uma comunicação escrita tinha a obrigação de lha entregar, o que sucedeu uma vez que a Ré contactou o escritório da mandatária do Autor e por mais do que uma vez, tendo fornecido o seu contacto de telemóvel n.º ....
Mais alegou que a comunicação se mostra assinada pela advogada que foi mandatada pelo próprio Autor para o efeito, através de procuração, que não houve acordo que desobrigasse a Ré do pagamento da renda e que não pode beneficiar do regime estabelecido pela Lei nº1-A/2020 por já não estar em vigor, tendo concluído como na PI.
4. Dispensada a realização da audiência prévia, veio a ser proferido despacho saneador, sem fixação do objecto do litígio e dos temas de prova.
5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência: -Condeno a Ré, BB, a desocupar e a entregar ao A., AA, livre e devoluto de pessoas e bens, o locado sito à Rua ..., ..., casa ..., no Porto; -Condeno a Ré a pagar ao A., nos termos do disposto no art. 1045.º, n.º 1 do CC, a título de indemnização, o valor correspondente à renda mensal estipulada no contrato de arrendamento celebrado a 1 de Setembro de 2017 (€200,00), a contar de Setembro de 2022 e até à efectiva entrega do locado ao A.; -Absolvendo a Ré do mais peticionado pelo Autor. Custas da acção a cargo do A. e da R. na proporção do decaimento, decaimento este que se fixa, respectivamente, em 25% (A.) e 75% (R.) – cfr. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil. Registe e notifique.” 6. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes CONCLUSÕES A) É firme convicção da R. que a sentença aqui posta em crise enferma de erro, seja quanto à apreciação da matéria de facto, seja quanto ao direito aplicado. B) Realizado o julgamento, veio o tribunal recorrido a dar por provadas as matérias que constam dos Pontos 1 a 14 dos Factos Provados e, por não provadas, as matérias das Alíneas A) a D) dos Factos não provados, entre outros. C) Ora, é firme convicção da Recorrente que o Tribunal recorrido errou na apreciação da matéria de facto dada, ou não como provada, tudo como melhor se passa a alegar. D) Das matérias dadas por provadas a Rte., aceita as constantes dos Pontos 1 a 3 e 13 dos factos provados; E) Aceita, igualmente, a matéria dada por provada no Ponto 9 dos factos provados, mas só a partir de “ A Ré deixou de pagar a renda…………..”, até final. F) Aceita, por fim, as matérias dadas por provadas Nos Pontos 11 e 12, MAS, com a ressalva de que, estão incompletas, devendo ser complementadas, tudo como melhor, adiante, se alegará. G) Já não aceita as matérias dadas como provadas nos Pontos 4, 5, 6, 7, 8 e 14 dos factos Provados, uma vez que, ocorreu erro de apreciação da prova por parte do Tribunal de julgamento. H) Igualmente não aceita que, não tenham sido dadas como provadas as matérias constantes das Alíneas a) a d) dos Factos não provados, igualmente por erro de apreciação da prova. I) Das matérias dadas por provadas em Pontos 4, 5, 6, e 7 dos Factos Provados, em síntese, dá o Tribunal recorrido por provado que, o A., terá enviada uma carta, através da sua ilustre Mandatária, à R., onde lhe comunica a oposição à renovação do contrato. J) Certo é que, a Inquilina não recebeu tal carta; K) Nem se fez prova de que, o CC era companheiro da Ré; L) Igualmente, não se fez prova que ficou incumbido de entregar tal comunicação à R. M) E, muito menos, que, fez, entrega da mesma à R. N) Vejam-se, quanta esse aspecto, os depoimentos das testemunhas DD e EE, constantes de: depoimento constante da gravação em uso no Tribunal, na Audiência de Julgamento de 06/06/2024, de 10.38,10 a 10.43,38, de minutos 4,07 a 5.22; e, da gravação em uso no Tribunal, na Audiência de Julgamento de 06/06/2024, de 10.44,30 a 10.50,44, de minutos 2,00 a 3,20. O) Por outro lado, diz o Tribunal recorrido que, na fixação, entre outras das matérias dos pontos 5, 6 e 7 dos Factos provados, teve por referência as consultas às bases de dados disponíveis da Segurança Social e Fisco, através dos quais concluiu que o CC, tem a sua morada fiscal e da Segurança Social no locado; P) E, que é, companheiro da Ré. Q) Ora, tais informações oficiais, NUNCA foram notificadas à R. pelo que, em última instância, são nulas e de nenhum efeito. R) Isto, para além de o Tribunal, conhecer tal matéria, sem que tivesse sido alegada pelo A., na sua PI. S) O que, determina, nulidade da sentença, nos termos da alínea d) do nº 1, do Artº 615º do CPC. T) Nestes termos, se requer que, reapreciada a prova produzida nos autos, venha a dar-se por não provados os factos considerados assentes nos Pontos 4, 5, 6 e 7 dos factos provados por, ter ocorrido erro do Tribunal, na apreciação da Prova. U) Vindo, por outro lado, a ser dado por provado que, “a R, nunca foi notificada da carta remetida pela mandatária da autora a comunicar a transmissão da posição de proprietário e a oposição à renovação do contrato de arrendamento; V) Já no que respeita à matéria da por assente no Ponto 8 dos Factos Provados, vai impugnada, porquanto, pese embora alegada pelo A., de todos os depoimentos, declarações ou prova documental existente ou produzida nos autos, não se alcança, minimamente que, o A., tenha tentado contatar a R., pessoalmente ou através da sua ilustre Mandatária. W) Motivo pelo qual, se requer, venha a matéria dada por assente no Ponto 8 dos Factos Provados a ser dada como não provada. X) Por sua vez, a matéria dada por provada no Ponto 9 dos Factos Provados, a R, aceita-a partir de “A R. deixou de pagar a renda……..”, até final. Y) Tal matéria, está intimamente ligada ao estado de (FALTA) de conservação do imóvel, e como tal à desobrigação de pagamento das rendas enquanto o Senhorio não realizasse as obras. Cfr. Depoimento da Testemunha FF, prestado na Audiência de 06/06/2024, constantes 10.57,25 a 11.06,42 do sistema de gravação em uso no tribunal, entre minutos 6,22 a 8,20. Z) Isto, sem prejuízo de se considerar que, tal falta de pagamento, não ocorreu a partir de Maio de 2022. AA)Veja-se, a prova produzida nos autos, quanto a tais aspectos: a Certidão de óbito do anterior Senhorio, constante de Doc…junto com a PI. a Fls..dos autos; o comprovativo de transmissão da propriedade, em 04/04/2022; a Certidão de Registo Predial, junta com a PI a título de Doc.., a Fls..dos autos; a matéria dada por assente em Ponto 11 dos Factos Provados; BB)Ou, a matéria que, se requer, seja dada como provada = tendo por referência, o Relatório Pericial: As paredes interiores do locado são em alvenaria e tijolo e alvenaria de granito e os tectos revestidos a contraplacado de madeira pintado com tinta de areia, com vários locais descolados e a cair, denotando a existência de humidades com origem na cobertura; CC)Para além dos tectos e paredes apresentarem manchas de humidade, o reboco de um dos quartos está em ruína. DD) A referida ilha tem existência, pelo menos, desde 1851, sendo pois, “uma edificação muito antiga”. EE) As humidades existentes no interior da habitação degradam móveis, roupas e equipamentos, sendo as condições da habitação, MÁS. FF) Complementando-se, desse modo, as matérias dadas por provadas nos Pontos 9, 11 e 12 dos Factos Provados. GG) E, considerando assente que, a falta de pagamento de renda, ocorreu porque, o anterior proprietário, GG, desobrigou a R., de pagar as rendas enquanto, este, não fizesse a sobras; HH) POR FIM, foi suscitada pela R., falta de poderes para operar a oposição à renovação, em virtude de a ilustre mandatária do A., não dispor de poderes que lhe permitissem proceder à aludida oposição. II) Quanto a este aspecto, o tribunal recorrido deu por provada, a matéria constante do Ponto 14 dos Factos Provados e, por não provada, a matéria constante da alínea d) dos Factos não provados. JJ) Matérias, das quais, a R., discorda veementemente KK)Considera que, ocorreu, manifesto erro do tribunal, na apreciação de tal matéria. LL) Veja-se: MM) Resulta do alegado pelo A. que, a sua ilustre Mandatária, na qualidade de mandatária” do A., terá enviado à Inquilina a comunicação que junta a título de DOC. 6 com a sua PI.. Cfr. Doc. 6 junto pelo A, com a sua PI. NN)Tal suposta comunicação, não foi acompanhada de qualquer tipo de procuração OO) A única procuração que se conheceu a favor da mesma, foi a Procuração Forense que juntou com a sua P.I. que, leva aposta a data de 31 de Dezembro de 2022.Cfr. Procuração forense junta com a P.I.; PP) Só que, a suposta comunicação de oposição à renovação, tem a data, de 28 de Abril de 2022. QQ) Pelo que, em tal altura, inexistia tal procuração forense. RR) E, só em momento posterior à pronúncia da R., em Juízo é que, o A., vem juntar uma outra procuração, datada de 30 de Dezembro de 2021; SS) Que, a R. impugnou especificamente. TT) Aliás, o próprio A., não foi capaz, em Juízo, de confirmar as procurações que, supostamente, emitiu a favor da sua ilustre mandatária. Cfr. Declarações do A., na Audiência de julgamento de 06/06/2024, constantes de 10.19,37 a 10.37,21, do sistema de gravação em uso no Tribunal, entre os minutos 12,39 e 14,40. UU) É ainda certo que, tal procuração = que, para além dos normais poderes forenses, supostamente, confere-lhe poderes civis de administração mas, não cumpre os pressupostos do Artº 116º do Código do Notariado; VV)Pelo que, sem prejuízo da sua veracidade, também não cumpria as formalidades preconizadas por tal normativo; WW) Por outro lado, o tribunal recorrido, aderindo ao Acórdão do TRL proferido no Processo 64/22.8T8LRS.L2, vem a considerar que, a simples comunicação da ilustre mandatária do A, desprovida de procuração, estaria perfeita. XX)Discorda-se, frontalmente, de tal entendimento; YY)Desde logo porque, tratando-se de matéria com elevada dignidade constitucional, como é a da locação habitacional, quando comparada, com a prática de actos de igual dignidade, como é o caso, do patrocínio judiciário sem mandato, nos quais, a lei processual, exige que, sejam ratificados, sob pena de não produzirem qualquer efeito. ZZ) Ocorrendo, pois, errada apreciação da matéria de facto e do direito pelo que, se requer, venha a ser dada como não provada a matéria constante do Ponto 14 dos Factos Provados. AAA)Vindo, pelo contrário, a ser, dado como provado que: A procuração junta aos autos, pelo A., com o seu requerimento de 11/09/2023, datada de 30 de Dezembro de 2021, foi elaborada, datada e assinada em momento posterior ao do envio da suposta carta registada com aviso de recepção, datada de 28 de Abril de 2022 que, foi junta pelo A. com a sua P.I. a título de Doc. 6 e Doc.7, estando, além do mais, a ilustre Mandatária do A., desprovida de poderes quando enviou a comunicação que respeita o documento Nº 6, junto com a sua Petição. BBB) Por outro, lado a R., invocou a excepção de não cumprimento quanto à ausência de pagamento das rendas. CCC) Fê-lo, nos termos do Artº 428º do CC, tendo por referência a matéria provada e a que, se requer, seja dada como provada, designadamente quanto à ausência de condições de habitabilidade do locado. DDD) O que, legitima, excepcione o não pagamento da renda, enquanto, as obras não forem feitas. EEE) Obras, com as quais, o anterior senhorio, se tinha comprometido. FFF) Determinando, desse modo = ao contrário do ilidido pelo tribunal recorrido = que, a Inquilina, está desprovida do gozo total ou parcial do locado. GGG) Legitimando, desse modo, o não cumprimento da sua prestação, enquanto não se verificar a contraprestação do Senhorio. EM RESUMO: A decisão aqui posta em crise que, entre outros, condena a R., a desocupar e entregar o locado, bem assim como a pagar uma indemnização mensal a contar de Setembro 2022, faz uma errada apreciação da prova produzida nos autos o que, determina, a sua ilegalidade, por violar, entre outros, o estipulado nos Artigos 1097º, nº1, alínea b) do CC; Artº 9º nº 1, 2 e 3 do NRAU; Artº 116º, nº 1 do Código do Notariado; e Artº 428º do CC Nesse pressuposto, se requer, que reapreciadas as matérias de facto aqui postas em crise, dando-as ou não como provadas, como se requer e fazendo interpretação da lei no sentido e alcance que se deixam plasmados, requer-se que, a sentença proferida nos autos, venha a ser revogada e substituída por outra que, decrete a absolvição da R./Recorrente dos pedidos em que foi condenada. 7. O Autor/Apelado não ofereceu contra-alegações. 8. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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As questões a decidir no presente recurso, em função das conclusões de recurso, são as seguintes: 1ª Questão- Nulidades da sentença; 2ª Questão- Impugnação da decisão sobre matéria de facto; 3ª Questão- Ineficácia da comunicação pelo senhorio da oposição à renovação do contrato de arrendamento; 4ª Questão-Excepção de não cumprimento do contrato.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. O Autor é proprietário do prédio urbano composto por casa de dois pavimentos destinado a habitação, sito à Rua ..., ..., casa ..., da União das Freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto, descrito na conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ..., freguesia ..., e inscrito na matriz sob o artigo ... da referida União de Freguesias (anterior artigo ... da extinta freguesia ...).
2. O anterior proprietário do prédio antes descrito, GG, falecido a 17.12.2021, deixou ao Autor o referido prédio, em testamento datado 09.03.2020, registado no livro ..., fls. 17 e 18.
3. Foi celebrado um contrato de arrendamento entre o mencionado falecido e antigo proprietário do prédio, Sr. GG, e a Ré, através do qual aquele deu o gozo do locado do imóvel descrito em 1), e esta, o tomou de arrendamento, nos seguintes termos:
“ (...)
– Primeira –
O primeiro contraente é o proprietário e legítimo possuidor do prédio urbano destinado a habitação, composto por casa de dois pavimentos, sito na Rua ..., ... Casa n.º ..., União das Freguesias ..., concelho do Porto, inscrito na matriz sob o artigo ... (anterior artigo urbano ..., da freguesia ... (extinta).
– Segunda –
Pelo presente contrato, o primeiro contraente dá de arrendamento à segunda contratante, o imóvel melhor identificado na cláusula anterior.
– Terceira –
1. O arrendamento é celebrado pelo período de um (1) ano, com início em 1 de Setembro de 2017 e termo em 31 de Agosto de 2018, prorrogável por iguais e sucessivos períodos de tempo, salvo denúncia de qualquer uma das partes.
2. O senhorio poderá opor-se à renovação do presente contrato para o fim do seu prazo inicial ou renovado, mediante comunicação escrita por carta registada e com aviso de recepção remetida ao arrendatário, com 30 (trinta) dias de antecedência sobre o fim do prazo ou da sai renovação.
3. O arrendatário, após seis meses de duração efectiva do arrendamento, poderá denunciar o presente contrato, a todo o tempo, desde que, por carta registada e com aviso de recepção, comunique ao senhorio a sua pretensão, com uma antecedência não inferior a cento e vinte (120) dias do termo pretendido.
– Quarta –
1. A renda anual acordada é de €2.400,00 (Dois mil e quatrocentos euros), que o arrendatário deverá pagar em duodécimos de €200,00 (Duzentos euros); com a outorga deste contrato, a segunda contratante entrega ao primeiro contratante a quantia de €120,00 (Cento e vinte euros), conforme acordo previsto no número dois desta cláusula, a título de pagamento da renda do mês de Outubro do corrente ano, importância esta que o primeiro contratante confere a competente quitação.
2. Dada a necessidade de algumas obras que a fracção necessita, o senhorio acorda com o arrendatário, que este suporte o custo das obras necessárias, concedendo-lhe como contrapartida um desconto na renda dos primeiros doze meses, da seguinte forma:
- Setembro 2017 - €200,00 (Duzentos euros)
- Outubro 2017 a Agosto 2018 - €80,00 (Oitenta euros mensais)
3. A renda será actualizada anualmente de acordo com os coeficientes legais a publicar por portaria governamental, bem como através das actualizações extraordinárias que porventura venham a ser introduzidas em legislação futura.
4. A renda será paga até ao dia oito (8) do mês a que disser respeito, no domicílio do primeiro contratante, supra indicado.
– Quinta –
1. O local ora arrendado destina-se a habitação da segunda contratante, não lhe podendo ser dado outro fim ou uso, sob pena de resolução contratual
2. O arrendatário não pode, em qualquer circunstância, sublocar ou ceder o arrendado, no todo ou em parte.
– Sexta –
Não é permitido ao arrendatário fazer quaisquer outras obras, ou benfeitorias no local arrendado para além das já acordadas e salvaguardadas no ponto 2 da cláusula 4 deste contrato, sem autorização expressa do senhorio, dada por escrito, a não ser as de conservação, ficando desde já convencionado que as que fizer ficam a pertencer ao locado não podendo o inquilino alegar retenção ou pedir por elas qualquer indemnização.
– Sétima –
É da responsabilidade do inquilino o pagamento de todas as despesas relacionadas com:
Consumo de água, electricidade, gás e telefone, bem como as respectivas requisições, transferências e novas ligações.
– Oitava –
Em tudo o mais que o presente contrato for omisso, regerá a legislação civil aplicável.
(...).”.
4. Após a morte do primitivo locador (Sr. GG), o A., por intermédio da sua ilustre Mandatária, remeteu à Ré uma carta registada com aviso de recepção, datada de 28 de Abril de 2022, comunicando-lhe o seguinte:
“Exma. Senhora
Na qualidade de mandatária do AA, proprietário do imóvel sito à Rua ..., ..., casa n.º ... da Cidade do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ... da freguesia ... e inscrito na matriz sob o n.º ... – por sucessão testamentária do Sr. GG falecido a 17 de Dezembro de 2021, conforme consta da cópia do assento de óbito e do registo predial, que segue em anexo.
Mais lhe comunico que o contrato de arrendamento para habitação, celebrado com V. Exa. não será renovado com efeitos a 31.08.2022.
Assim, até ao dia 31 de agosto de 2022, o arrendado deve ser entregue, livre de pessoas e bens.”
5. A comunicação antes referida foi enviada por correio registado com aviso de recepção e foi recebida no dia 2 de Maio de 2022 por CC, companheiro da Ré, que aceitou receber a comunicação, assinando o respectivo aviso de recepção;
6. ... O qual vive com a Ré no arrendado;
7. ... Correspondendo a morada do locado à sua morada fiscal e para efeitos sociais (comunicada aos Serviços da Segurança Social).
8. Posteriormente ao envio da carta da transmissão da posição do proprietário e da oposição à renovação do arrendamento, o Autor tentou, pessoalmente e através da mandatária, por telefone, conversar com Ré, tendo esses contactos se revelado infrutíferos.
9. Desde Maio de 2022, após a comunicação da transmissão da posição de locador, a Ré deixou de pagar a renda que, entretanto, se foi vencendo até à data em que deveria ocorrer a cessação do contrato de arrendamento (em 31 de Agosto de 2022).
10.Até à presente data, a Ré também não procedeu à entrega do locado.
11.O locado encontra-se inserido numa edificação antiga designada por “ilha”.
12.No interior do locado há várias paredes e tectos da habitação com humidades, que são provenientes do exterior.
13.Desde o óbito do anterior senhorio, Sr. GG, o A. não contactou a Ré a fim de lhe transmitir e facultar os seus dados de identificação e a forma e modo de pagamento da renda.
14.O Autor outorgou procuração forense à ilustre Advogada subscritora da carta referida em 4, datada de 30 de Dezembro de 2021, a conferir os seguintes poderes: “os mais amplos poderes forenses gerais e especiais e, bem assim, os poderes extrajudiciais especiais para tratar de quaisquer assuntos relativos aos imóveis que lhe foram legados em testamento por GG, designadamente os de efectuar, por escrito, a comunicação da transmissão da propriedade aos inquilinos dos imóveis ocupados, assinar a não oposição à renovação do contrato de arrendamento do imóvel sito à Rua ..., ..., casa ..., na cidade do Porto, descrito na CRP sob o n.º ... e inscrito na matriz ... da freguesia ..., bem como receber a chave do imóvel livre de pessoas e bens, de realizar todos os actos necessários à desocupação do imóvel sito à Rua ..., ..., casa ..., na cidade do Porto, descrito na CRP sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o n.º ... da freguesia ...; bem como os poderes para elaborar e assinar, em seu nome e representação, requerimentos ou solicitar qualquer certidão ou documento junto das respectivas entidades públicas competentes, nomeadamente, de Conservatórias, Cartórios Notariais, serviços de finanças e Câmara Municipal, que se revelem necessários para o exercício do mandato que lhe foi conferido.”
O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
a) Que a R. nunca foi notificada da carta remetida pela Mandatária do autor a comunicar a transmissão da posição do proprietário e a oposição à renovação do arrendamento.
b) Que as infiltrações, procedentes do telhado e paredes exteriores, existentes no locado degradaram as roupas e os móveis e equipamentos da Ré, existentes no locado.
c) Que o anterior proprietário e senhorio, Sr. GG, desobrigou a Ré ao pagamento das rendas pela ocupação do locado, enquanto esta não realizasse as obras a que [a Ré] se comprometeu realizar, tendo-se apenas provado a este respeito o constante na cláusula Quarta, Ponto 2, do Contrato de Arrendamento mencionado no ponto 3 da matéria de facto provada, aí transcrita.
d) Que a procuração forense aludida no ponto 14 da matéria de facto provada foi elaborada, datada e assinada em momento posterior ao envio da carta registada com aviso de recepção, datada de 28 de Abril de 2022, a que se alude no ponto 4, remetida pela ilustre Mandatária do Autor a comunicar à Ré a transmissão da posição de senhorio e a comunicar a oposição à renovação do contrato de arrendamento com efeitos a 31 de Agosto de 2022.5.º- Todavia, como a ré bem sabe, tais serviços que a mesma fazia de forma não regular e sem qualquer subordinação, não correspondiam ao valor da renda mensal do locado, ou seja, a quantia de €400,00 (artigo 25.º da petição inicial).
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA. Nulidades da sentença
Sob as Conclusões de recurso O) a S) a Apelante suscitou a nulidade da sentença prevista na alínea d) do nº 1 do art. 615º do CPC, mediante a alegação de não ter sido notificada de informações oficiais acerca da morada de CC, obtidas pelo tribunal a quo por consulta às bases de dados disponíveis da Segurança Social e do Fisco, que foram utilizadas para a fixação das matérias dos pontos 5, 6 e 7 dos factos provados, e das quais terá sido concluído ter aquele morada fiscal e da segurança social no locado.
Considerou a Apelante que tais informações são nulas e de nenhum efeito porque nunca lhe foram notificadas e porque o tribunal conheceu de tal matéria sem que tivesse sido alegada pelo Autor na sua petição inicial.
Como veremos de seguida a Apelante confunde nulidades processuais, nulidades da sentença, e impugnação da decisão sobre aqueles específicos pontos de facto.
Caso estivéssemos perante a nulidade (ou mera irregularidade) contemplada no art. 195º nº 1 do CPC (nulidade secundária), dela só poderia o tribunal de 1ª Instância conhecer sobre reclamação do interessado (art. 196º do CPC) reclamação de nulidade essa que a Apelante manifestamente não arguiu perante o tribunal de 1ª instância no referido prazo, não o podendo fazer em sede do presente recurso sob pena de total subversão das regras acima mencionadas.
Neste sentido, no Ac RP de 12/9/2022, pode ler-se “As nulidades das decisões, revistam ou não a natureza de sentença, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 615.º, nº 1, 613.º, nº 3, 666.º e 679.º do CPCivil, são as taxativamente indicadas naquele primeiro preceito (artigo 615.º, nº 1), e devem ser arguidas, de harmonia com os seus nºs 2 e 4, umas vezes, no próprio tribunal em que a decisão foi proferida, e, outras vezes, em via de recurso, no tribunal ad quem.
Por sua vez, as nulidades de processo “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder embora não de modo expresso uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais.”
Estes desvios de carácter formal podem assumir, tendo em atenção o preceituado nos artigos 186.º e ss. do CPCivil um de três tipos: prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei, e, por último, realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Das nulidades de processo, umas são principais, típicas ou nominadas, sendo-lhes aplicável a disciplina fixada nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º; outras são secundárias, atípicas ou inominadas e têm a sua regulamentação genérica no nº 1 do artigo 195.º, estando a sua arguição sujeita ao regime previsto no artigo 199.º.
(…) O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infracções às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos artigos 195.º a 199.º CPC.
Os recursos são meios para se obter uma reapreciação das questões já submetidas ao primeiro grau, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre e, de acordo com a velha máxima, “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”.
(…) Portanto, o meio processual próprio para a parte reagir contra uma omissão do tribunal que, no seu entendimento, constitua nulidade processual nos termos do artigo 195.º do CPC, é a reclamação para o mesmo tribunal e não o recurso da sentença proferida.”[1]
Tal como defendem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “mantém-se a atualidade e pertinência do brocardo segundo o qual “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.” A reclamação e o recurso não são meios concorrentes, cabendo à parte reclamar previamente para suscitar a prolação de despacho sobre a arguida nulidade. “[2]
Deste modo, a considerar-se ter existido uma nulidade processual por falta de notificação das informações recolhidas pelo tribunal a quo nas bases de dados oficiais, dela não se poderia conhecer nesta sede de recurso.
Por seu turno, resulta evidente da leitura das conclusões de recurso que não estamos perante qualquer nulidade da sentença, mormente a mencionada pela Apelante como prevista no art. 615º nº 1 al. d) do CPC, estamos sim perante uma manifestação de inconformismo com a decisão sobre a matéria de facto prolatada pelo tribunal recorrido, mormente com a valoração que foi feita de determinada prova, e a invocação de erro de julgamento quanto aos factos dados como provados sob os pontos 5 a 7, cuja apreciação será nessa sede efectuada.
Sendo o elenco das alíneas do n.º 1 do art. 615º do CPC, um elenco taxativo[3], só nas hipóteses ali expressamente consignadas se coloca a hipótese de nulidade da sentença.
O art. 615º nº 1 al. d) do CPC, tem o seguinte teor: “É nula a sentença quando: (…) d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
Este comando normativo é consequência do princípio consagrado no art. 608º n.º 2 do CPC, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Segundo ensinamento de Miguel Teixeira de Sousa, o aludido princípio é um «corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264º, n.º 1 e 664º, 2ª parte) [4] que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. (…) Também a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia.» [5] Questões para efeito do referido preceito legal são «… todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes» [6], não se confundindo com os argumentos, razões ou pressupostos (de facto e de direito) em que a parte fundamenta a sua posição sobre a questão suscitada.
Diferente das questões a decidir referidas no citado art. 608.º n.º 2 do CPC, são os argumentos de facto e de direito alegados pelas partes em defesa dos seus pontos de vista.
Existe nulidade da sentença quando o juiz deixa de conhecer a questão/pretensão que devia conhecer, mas já não existe nulidade da sentença se apenas deixa de apreciar qualquer argumento, facto, ou razão jurídica suscitada pela parte em abono da sua pretensão. Quando as partes submetem ao Tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista;o que importa é que o Tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão». [7]
Este entendimento tradicional decorrente da lição do Prof. Alberto dos Reis, tem sido perfilhado pela Jurisprudência, a qual, de forma reiterada, perfilha a posição de que a não apreciação de um ou mais argumentos aduzidos pelas partes não constitui omissão de pronúncia, pois que o Juiz não está obrigado a ponderar todas as razões ou argumentos alegados nos articulados para decidir certa questão de fundo, estando apenas obrigado a pronunciar-se «sobre as questões que devesse apreciar» ou sobre as «questões de que não podia deixar de tomar conhecimento.» [8]
Em suma, ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objecto do processo, definido pelo pedido deduzido (à luz da respectiva causa de pedir) e das excepções deduzidas, devendo apreciar e decidir todas as questões trazidas aos autos pelas partes e todos os factos em que assentam, mas já não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos nos autos.
Em função desse condicionalismo, torna-se evidente que a decisão recorrida não padece da referida nulidade, quer seja por omissão de pronúncia, quer seja por excesso de pronúncia, porquanto a questão da falta de notificação às partes de informações recolhidas pelo tribunal nas bases de dados contenderá apenas e só com a possibilidade de valoração dessas informações, e a eventual utilização na decisão de factos que não tenham sido alegados pelas partes reporta-se apenas à questão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Se o tribunal a quo tiver decidido com base em factos não alegados e tiver valorado para prova desses factos informações não notificadas, ainda que se possa vir a considerar uma decisão errada, esse erro não traduz qualquer conhecimento de matéria de que o tribunal não pudesse tomar conhecimento, quando muito traduzirá um erro de julgamento quanto à matéria de facto que nessa sede se apreciará.
O eventual erro apontado pela Apelante como sendo uma nulidade da sentença a existir só se repercutirá na valoração que foi feita daquele meio de prova e da factualidade em que a decisão se alicerçou, consubstanciando quando muito um facto que o tribunal não podia ter utilizado na sentença recorrida e/ou um meio de prova de que o tribunal não se podia ter socorrido na motivação daqueles factos dados como provados, não consubstanciando qualquer questãoou pretensão de que o tribunal não podia ter tomado conhecimento.
Diferente das pretensões deduzidas, são os argumentos de facto e as provas utilizadas pelo tribunal a quo na decisão proferida quanto à matéria de facto por si considerada para a resolução das pretensões formuladas e que lhe incumbia decidir.
A Apelante pode discordar dos fundamentos de facto e/ou dos meios de prova em que se alicerçou a decisão recorrida, não pode é alegar que a sentença é nula por excesso ou omissão de pronúncia quando se limita a não concordar com o sentido da pronúncia emitida pelo tribunal, porque nesse caso não se está perante uma nulidade, mas uma discordância a escalpelizar em sede de mérito da decisão, a título de erro do julgamento de facto, ou erro de julgamento de direito.
Improcede, pois, a apontada nulidade da sentença. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, sob pena de rejeição, a seguinte especificação:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[9]
São as conclusões das alegações de recurso que estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, de modo que na impugnação da decisão sobre a matéria de facto devem constar das conclusões de recurso necessariamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto impugnados, pese embora a decisão alternativa que o recorrente propõe para cada um dos factos impugnados (AUJ nº 12/2023 de 14.11), bem como a análise pormenorizada dos concretos meios probatórios possa constar apenas do corpo das alegações ou motivação propriamente dita, tal como as concretas passagens das gravações ou transcrições dos depoimentos de que o recorrente se socorra.
Analisadas as conclusões deste recurso concluímos que a Apelante nelas fez específica alusão aos concretos pontos de facto que impugnava (Conclusões E) a H), BB) a FF), II) e JJ)), à decisão alternativa e aos concretos meios de prova que em seu entender sustentam a pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto impugnada, fazendo referência aos exactos segmentos da gravação dos depoimentos testemunhais de que se socorreu, considerando-se suficientemente cumpridos os ónus previstos no art. 640º do CPC para que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto possa ser por nós conhecida.
Sob as Conclusões de recurso E) a H), BB) a FF), II) e JJ) a Apelante requereu as seguintes alterações à decisão sobre a matéria de facto:
- pontos 4, 5, 6, 7, 8 e 14 dos factos provados devem ser dados como não provados; - ponto 9 dos factos provados aceita apenas o que dele consta a partir de “ a Ré deixou de pagar a renda…..”, até final; - alíneas a) a d) dos factos não provados devem ser dados como provados;
- aditamento dos seguintes pontos aos factos provados:
i. As paredes interiores do locado são em alvenaria e tijolo e alvenaria de granito e os tectos revestidos a contraplacado de madeira pintado com tinta de areia, com vários locais descolados e a cair, denotando a existência de humidades com origem na cobertura;
ii. Para além dos tectos e paredes apresentarem manchas de humidade, o reboco de um dos quartos está em ruína.
iii. A referida ilha tem existência, pelo menos, desde 1851, sendo pois, “uma edificação muito antiga”.
iv. As humidades existentes no interior da habitação degradam móveis, roupas e equipamentos, sendo as condições da habitação, MÁS.
Para melhor percepção passamos a reproduzir os pontos de facto impugnados:
“5. A comunicação antes referida foi enviada por correio registado com aviso de recepção e foi recebida no dia 2 de Maio de 2022 por CC, companheiro da Ré, que aceitou receber a comunicação, assinando o respectivo aviso de recepção; 6. ... O qual vive com a Ré no arrendado; 7. ...Correspondendo a morada do locado à sua morada fiscal e para efeitos sociais (comunicada aos Serviços da Segurança Social). 8. Posteriormente ao envio da carta da transmissão da posição do proprietário e da oposição à renovação do arrendamento, o Autor tentou, pessoalmente e através da mandatária, por telefone, conversar com Ré, tendo esses contactos se revelado infrutíferos. 9. Desde Maio de 2022, após a comunicação da transmissão da posição de locador, a Ré deixou de pagar a renda que, entretanto, se foi vencendo até à data em que deveria ocorrer a cessação do contrato de arrendamento (em 31 de Agosto de 2022).
(…) 14.O Autor outorgou procuração forense à ilustre Advogada subscritora da carta referida em 4, datada de 30 de Dezembro de 2021, a conferir os seguintes poderes: “os mais amplos poderes forenses gerais e especiais e, bem assim, os poderes extrajudiciais especiais para tratar de quaisquer assuntos relativos aos imóveis que lhe foram legados em testamento por GG, designadamente os de efectuar, por escrito, a comunicação da transmissão da propriedade aos inquilinos dos imóveis ocupados, assinar a não oposição à renovação do contrato de arrendamento do imóvel sito à Rua ..., ..., casa ..., na cidade do Porto, descrito na CRP sob o n.º ... e inscrito na matriz ... da freguesia ..., bem como receber a chave do imóvel livre de pessoas e bens, de realizar todos os actos necessários à desocupação do imóvel sito à Rua ..., ..., casa ..., na cidade do Porto, descrito na CRP sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o n.º ... da freguesia ...; bem como os poderes para elaborar e assinar, em seu nome e representação, requerimentos ou solicitar qualquer certidão ou documento junto das respectivas entidades públicas competentes, nomeadamente, de Conservatórias, Cartórios Notariais, serviços de finanças e Câmara Municipal, que se revelem necessários para o exercício do mandato que lhe foi conferido.”
(…) a) Que a R. nunca foi notificada da carta remetida pela Mandatária do autor a comunicar a transmissão da posição do proprietário e a oposição à renovação do arrendamento. b) Que as infiltrações, procedentes do telhado e paredes exteriores, existentes no locado degradaram as roupas e os móveis e equipamentos da Ré, existentes no locado. c) Que o anterior proprietário e senhorio, Sr. GG, desobrigou a Ré ao pagamento das rendas pela ocupação do locado, enquanto esta não realizasse as obras a que [a Ré] se comprometeu realizar, tendo-se apenas provado a este respeito o constante na cláusula Quarta, Ponto 2, do Contrato de Arrendamento mencionado no ponto 3 da matéria de facto provada, aí transcrita. d) Que a procuração forense aludida no ponto 14 da matéria de facto provada foi elaborada, datada e assinada em momento posterior ao envio da carta registada com aviso de recepção, datada de 28 de Abril de 2022, a que se alude no ponto 4, remetida pela ilustre Mandatária do Autor a comunicar à Ré a transmissão da posição de senhorio e a comunicar a oposição à renovação do contrato de arrendamento com efeitos a 31 de Agosto de 2022.5.º- Todavia, como a ré bem sabe, tais serviços que a mesma fazia de forma não regular e sem qualquer subordinação, não correspondiam ao valor da renda mensal do locado, ou seja, a quantia de €400,00 (artigo 25.º da petição inicial).”
Não obstante, a impugnação da decisão de facto não constitui um fim em si mesmo, antes se mostra admitida enquanto meio ou instrumento que visa permitir à parte que impugna a decisão de facto a revogação/alteração da decisão final, ou seja, como meio que visa a demonstração de um determinado direito que a sentença não concedeu.
Deste modo, a impugnação da decisão de facto é de rejeitar quando, em razão das circunstâncias específicas do caso submetido a julgamento, em razão das regras do ónus da prova ou do regime jurídico aplicável, a eventual alteração da decisão de facto não assume relevo para a decisão a proferir, pois que, em tal circunstancialismo, a respectiva actividade jurisdicional revelar-se-ia como inconsequente ou inútil. [10]
Antecipamos que, tal como se decidirá de forma mais aprofundada em sede de apreciação do erro de julgamento apontado pela Apelante, as alterações pretendidas por esta nos factos impugnados são desnecessárias, porque irrelevantes e inconsequentes para a decisão deste recurso, porquanto a revogação da sentença recorrida impõe-se independentemente das referidas alterações factuais, dado que as pretensões formuladas pelo aqui Apelado não se mostram tuteladas pelo regime legal convocado na petição inicial, e acolhido na sentença recorrida.
Se bem interpretamos toda a peça recursiva e o pedido nela formulado, a Apelante o que pretende é ser absolvida dos pedidos de desocupação do imóvel locado e de pagamento de uma indemnização pelo seu uso desde a comunicação da cessação do contrato de arrendamento até à sua entrega, pedidos esses nos quais foi condenada na sentença recorrida, afigurando-se-nos que tais pretensões merecem provimento com base na mera articulação dos factos apurados nos autos conjugados com o direito aplicável, uma vez que a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento enviada pelo Apelado à Apelante não se pode considerar eficaz, como se justificará de seguida em sede de mérito.
Deste modo, não se conhece deste segmento recursivo, por manifesta inutilidade. Ineficácia da comunicação pelo senhorio da oposição à renovação do contrato de arrendamento
Na sentença recorrida ficou decidido que o Apelado/senhorio havia comunicado devidamente à Apelante/arrendatária a oposição à renovação do contrato de arrendamento para fins habitacionais celebrado com prazo certo, e que por tal motivo havia cessado tal contrato em 31.08.2022.
A fundamentação a propósito da questão que havia sido suscitada pela aqui Apelante na contestação sobre a “(ii) – ineficácia da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento enviada pelo Autor à Ré”(tal como foi identificada na sentença recorrida)foi a seguinte: (…) “Posto isto, alegou o A. que, na qualidade de senhorio, comunicou à R., na qualidade de inquilina, a oposição à renovação automática do contrato de arrendamento habitacional com efeitos a 31 de Agosto de 2022. Pede, assim, que seja declarada a cessação do referido contrato e que a R. seja condenada a restituir-lhe o locado. A R. admitiu a celebração do contrato de arrendamento em causa. Alegou, porém, a ineficácia da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento enviada pelo Autor à Ré decorrente da carta por via do qual aquele se opõe à renovação ter sido remetida pela sua Mandatária e não pelo próprio senhorio. No caso vertente, ficou provado que após a morte do primitivo locador, Sr. GG, o A., por intermédio da sua ilustre Mandatária, remeteu à Ré uma carta registada com aviso de recepção, datada de 28 de Abril de 2022, comunicando-lhe, na qualidade de Mandatário do A., este era o actual proprietário do locado, por sucessão testamentária do Sr. GG falecido a 17 de Dezembro de 2021, mais procedendo à comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento com efeito a 31 de Agosto de 2022, solicitando, em consequência, a entrega do locado até essa data. Ora, acompanhando a respeito da questão suscitada pela Ré, acompanhamos o entendimento preconizado, entre outros doutos aresto, no Ac. da RL de 26-10-2023, proferido no processo n.º 614/22.8T8LRS.L2-8, disponível in www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler que: “1. O art.º 9º do NRAU não proíbe que a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento seja feita por representante do(s) senhorio(s), nos termos da regra geral contida no art.º 258º, do CC, estando tal possibilidade inclusivamente prevista no nº 1, do art.º 11º, do mesmo diploma. 2. A comunicação feita por advogada em nome dos senhorios, não tem de ser, necessariamente, acompanhada de procuração forense, recaindo sobre o(s) arrendatário(s) a faculdade de exigir a justificação dos poderes do representante, nos termos e sob a cominação de ineficácia da declaração (cf. art.º 260º, nº 1, do CC).”. Dispõe o art. 9.º do NRAU (sob a epígrafe “Forma de comunicação”) que: “1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção. (…)”. Como se pode ler na fundamentação do aresto citado, que pela clareza de exposição, nos permitimos transcrever: “O art.º 9º do NRAU não só não proíbe que a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento seja feita por representante dos senhorios, nos termos da regra geral contida no art.º 258º, do CC[6], como o art.º 11º, nº 1, do NRAU permite sustentar, sem margem para qualquer dúvida, que o senhorio pode constituir representante para proceder à comunicação de oposição à renovação do arrendamento, pois ali se fez expressamente constar que “Havendo pluralidade de senhorios, as comunicações devem, sob pena de ineficácia, ser subscritas por todos, ou por quem a todos represente, devendo o arrendatário dirigir as suas comunicações ao representante, ou a quem em comunicação anterior tenha sido designado para as receber.” A representação “(…) traduz-se na realização de negócios jurídicos em nome de outrem, em cuja esfera se produzem directamente os respectivos efeitos”[7] E segundo Menezes Cordeiro[8] “Na representação impõem-se, fundamentalmente, três requisitos: (i) uma actuação em nome de outrem; o representante deve agir esclarecendo a contraparte e os demais interessados que o faz para que os efeitos da sua actuação surjam na esfera do representado; se o representante não invocar expressamente essa sua qualidade, já não haverá representação; (ii) por conta dele: o representante, além de invocar agir em nome de outrem, deve fazê-lo no âmbito da autonomia privada daquele: actua como o próprio representado poderia, licitamente, fazê-lo; (iii) dispondo o representante de poderes para o fazer: tais poderes podem ser legais ou voluntariamente concedidos pelo representado; mas têm de existir.” A declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento foi efetuada por advogada, na invocada qualidade de mandatária dos Autores, donde se infere que a mesma emitiu a declaração em causa ao abrigo de poderes que lhe tinham sido voluntariamente concedidos pelos senhorios/representados. “São perfeitamente distintas as noções de representação e de mandato. O mandato é um contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (cf. art.º 1157º). A representação, diversamente, traduz-se na realização de negócios jurídicos em nome de outrem, em cuja esfera jurídica se produzem directamente os respectivos efeitos. Pode haver mandato sem representação, quando o mandatário actua em nome próprio, embora por conta do mandante (cfr. art.ºs 1180º e segs. do Cód. Civil e art.ºs 266 e segs. do Cód. Comercial), e pode haver representação sem mandato, como sucede na representação legal e pode suceder na representação voluntária, a qual de resto não tem origem no mandato mas sim num negócio unilateral designado procuração (art.º 262º).”. (o sublinhado é nosso) Revisitando o caso em sujeito e tendo presente o acervo probatório apurado, podemos concluir, tal como se conclui no aresto vindo de acompanhar, proferido no âmbito de uma situação como à dos presentes autos, “com a segurança necessária, que a declaração da advogada que subscreve a comunicação tem por fonte um mandato judicial, contrato atípico, que se encontra sujeito ao regime do artigo 1157.º do Código Civil, (a par de outras regras, decorrentes do Estatuto da Ordem dos advogados) sendo, por regra, um mandato com representação, e a procuração forense o instrumento através do qual são conferidos ao mandatário os poderes para agir em representação do mandante/representado. Na missiva remetida à Ré encontram-se espelhados todos os requisitos da figura da representação acima referenciados, não tendo, não obstante, tal declaração sido acompanhada de procuração outorgada pelos Autores e senhorios, concedendo poderes de representação à ilustre advogada que a subscreveu. Temos, porém, de concordar com a decisão de 1ª instância quando concluiu que a referida comunicação não tinha de ser acompanhada de procuração outorgada pelos senhorios, atento o regime decorrente do art.º 260º do CC, segundo o qual: “1. Se uma pessoa dirigir em nome de outrem uma declaração a terceiro, pode este exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos. 2. Se os poderes de representação constarem de documento, pode o terceiro exigir uma cópia dele assinada pelo representante”.”. (o sublinhado é nosso) Assim se entendendo, conclui-se (a par do concluído no aresto citado) que, recaindo sobre a Ré o ónus de exigir do representante a justificação dos poderes de representação, no caso, a apresentação de procuração outorgada pelos senhorios a favor da ilustre mandatária que subscreveu a dita comunicação, conferindo-lhe poderes representativos, sob pena de ineficácia da declaração, e inexistindo a prova de que a Ré tenha exigido tal justificação quando recebeu a dita missiva, por conseguinte, a declaração/comunicação remetida à Ré tem de considerar-se válida e juridicamente operante. Ou seja, conclui-se que a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento enviada pelo Autor à Ré é válida e juridicamente operante. Posto isto, dispunha o art. 1110º do Código Civil (CC), na redacção da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, vigente à data da celebração do contrato (1 de Setembro de 2017), que: “1 - As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação. 2 - Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.” Face a este regime, e considerando o estipulado entre as partes, a oposição à renovação do contrato em causa era admissível – tal como o A. fez - através de comunicação com a antecedência de 120 dias relativamente ao termo do prazo inicial ou da renovação. Sucede que a Lei n.º 13/2019, de 12/02, alterou a redacção deste preceito, mantendo, “grosso modo”, os seus nºs 1 e 2, e aditando os nºs. 3 e 4, os quais têm o seguinte teor. “3 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º 4 - Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação.” Revisitando o caso em apreço, uma vez que o contrato foi celebrado com início em 1 de Setembro de 2017, e a oposição à renovação foi para impedir a renovação do contrato de arrendamento com efeitos a 31 de Agosto de 2022, conclui-se que se mostra salvaguardado o prazo de cinco anos imposto pelo n.º 4 do citado art. 1110º CC. A comunicação respeita ainda a antecedência de 120 dias relativamente ao termo do prazo inicial ou da renovação, imposta pelo art. 1097.º, n.º 1, al. b) do CC – prevista para os casos em que o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos. Conclui-se do exposto que a oposição à renovação impetrada pelo A. produziu os efeitos pretendidos a 31 de Agosto de 2022, nada obstando à sua validade e produção de efeitos. Deste modo, teremos de concluir ter o Autor validamente impedido a renovação do contrato de arrendamento celebrado pelo anterior senhorio com a Ré pelo que esta deverá proceder à entrega do imóvel locado, procedendo, em consequência, o 1.º pedido formulado pelo A. – de condenação da Ré a desocupar o locado, restituindo-o ao Autor livre de pessoas e bens.”
Desta fundamentação jurídica ressalta, desde logo, que o Tribunal a quo deu como adquirido que a Apelante só havia questionado a eficácia daquela comunicação por a mesma ter sido enviada por advogado e não assinada pelo próprio senhorio, e foi essencialmente sobre esse aspecto que incidiu a sua argumentação, porém, olvidou que a Apelante na sua contestação havia alegado de forma expressa não ter recebido tal comunicação, e esse ponto controvertido atinente à efectiva recepção e conhecimento do teor daquela comunicação, cuja prova incumbia ao Apelado (enquanto facto constitutivo do direito à cessação do contrato de arrendamento), não se podia dar como adquirido, em função da factualidade alegada e dada como provada, ao não terem sido observadas todas as formalidades legais para que tal comunicação se considerasse realizada de forma eficaz.
Não há dúvidas que a declaração do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento tem carácter receptício (art. 1097º nº 1 do CC), porém para que seja eficaz não basta apenas que a comunicação seja feita por carta registada com A/R em nome do senhorio e enviada para o locado- morada da arrendatária constante do contrato de arrendamento- uma vez que se o A/R for assinado por pessoa distinta da arrendatária, como se apurou ter sido o caso, independentemente de essa pessoa que o assinou ser ou não ser companheiro da arrendatária ou pessoa que com ela conviva, impor-se-ia o cumprimento da formalidade especificamente exigida no art. 10º nº 3 ex vi do nº 2 al. b) (regime mais exigente que o regime geral previsto no art. 224º do CC): exigia-se que tivesse sido alegado e ficado provado que havia sido enviada uma nova carta registada com A/R, decorridos 30 a 60 dias sobre o envio da primeira carta, factualidade inexistente nos autos.
Como vem sendo decidido, citando-se a título meramente exemplificativo o recente Ac RL de 13.02.2025, “na avaliação da regularidade e produção de efeitos da comunicação da oposição ao contrato de arrendamento feita pela senhoria à inquilina, através de carta registada com aviso de receção, importa ter em conta o regime especial relativo às comunicações entre as partes previsto nos art.º 9.º e 10.º do NRAU”.[11]
Quanto à forma das comunicações legalmente exigíveis entre senhorio e arrendatário relativas à cessação do contrato de arrendamento existem disposições legais específicas consagradas nos arts. 9º a 12º do NRAU, de entre as quais se conta o art. 10º que importava ter sido devidamente considerado na sentença recorrida.
Tais disposições legais, para o que aqui importa decidir, estabelecem o seguinte regime:
i. salvo disposição legal em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento- como é o caso da comunicação da oposição à renovação do contrato- são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção (art. 9º nº 1);
ii. as cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado (art. 9º nº 2);
iii. aquela comunicação considera-se realizada ainda que o aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário, com excepção da carta que possa constituir título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou possa servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos arts. 14º-A e 15º, respectivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do nº 7 do art. 9º (art. 10º nº 1 al. b) e nº 2 al. b);
iv. se a carta puder servir para efeitos do procedimento especial de despejo (ainda que o não venha a ser) e se o aviso de recepção vier assinado por pessoa diferente do destinatário (qualquer que seja o tipo de ligação que exista entre ele e o arrendatário, e ainda que resida também ele no locado) - destinatário que tem de ser sempre o arrendatário-não tendo ficado clausulado no contrato de arrendamento domicilio convencionado, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de recepção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta (art. 10º nº 3) e só então se pode considerar realizada a comunicação da oposição da renovação do contrato.
A respeito dessa questão consta provada na sentença recorrida a seguinte factualidade:
i. o Apelado (na qualidade de senhorio), por intermédio da sua Il. Mandatária, remeteu à Apelante (na qualidade de arrendatária), uma carta registada com aviso de recepção, datada de 28.04.2022, comunicando-lhe que o contrato de arrendamento para habitação com ela celebrado não seria renovado com efeitos a 31.08.2022;
ii. essa carta foi enviada para a morada do locado;
iii. essa carta foi recebida no dia 2.05.2022 por CC- companheiro da Ré, o qual vive com a Ré no arrendado (asserções que apesar de questionadas pela Apelante nenhum relevo têm para a decisão)-, que aceitou receber a comunicação, tendo assinado o respectivo aviso de recepção.
Concluindo, a comunicação que foi enviada pelo Apelado destinada a fazer cessar o contrato de arrendamento existente entre ele e a Apelante (apenas esta é a arrendatária outorgante do contrato de arrendamento junto aos autos) foi remetida para o local arrendado, por meio de carta registada com A/R, dirigida à arrendatária, mas foi aí recebida por pessoa diferente da destinatária, pessoa essa que assinou o A/R.
Depois disso nenhuma outra comunicação foi dirigida pelo Apelado à Apelante, mesmo sabendo que o A/R não havia sido assinado pela Apelante/arrendatária.
Do contrato de arrendamento em apreço e junto a estes autos, não consta cláusula de domicilio convencionado, e aquela carta podia servir de base ao procedimento especial de despejo.
Aplicando o regime legal acima exposto à factualidade dada como provada nos presentes autos parece-nos evidente que o Tribunal a quo não podia ter considerado realizada, de forma eficaz, a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento enviada pelo Apelado à Apelante, porque para que tal sucedesse era exigível que o Apelado tivesse alegado e provado terremetido nova carta registada com aviso de recepção decorridos que fossem 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta, o que não se comprovou ter sucedido.
O nosso entendimento de que o cumprimento de envio dessa segunda carta registada com A/R nos casos em que o A/R da primeira carta foi assinado por pessoa distinta do arrendatário constitui uma condição de eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento tem sido assumidamente adoptado pelos recentes arestos dos Tribunais superiores, como são exemplos o Ac STJ de 23.04.2025, proferido no Proc. Nº 802/24.2YLPRT.L1.S1 e o Ac STJ de 19.10.2019, proferido no Proc. Nº 83/16.1YLPRT.L1.S1.
Como se decidiu de forma lapidar no recente Ac STJ de 9.01.2025, “Os nºs 2 a 5 do art.º 10º do NRAU afastam o regime geral das declarações negociais recipiendas previsto no art.º 224º do CC e no art.º 10º nº 1 do NRAU que, consideram eficazes as declarações negociais logo que cheguem ao poder ou esfera de acção do destinatário ou sejam dele conhecidas (art.º 224º nº 1 do CC) e, impõe que, para que a declaração seja eficaz, designadamente em casos de comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento por banda do senhorio, que este remeta ao inquilino uma 2ª carta registada, com aviso de recepção, nas situações em que o aviso de recepção da 1ª carta, foi assinado por pessoa diferente do destinatário.”[12]
Nesse sentido já se havia pronunciado o Ac STJ de 19.10.2019, no qual ficou decidido que “A Lei nº 6/2006, de 27-02 (NRAU) prevê um regime complexo e especial para a eficácia dessa declaração de oposição que prevalece sobre a recepção ou conhecimento a que o regime geral do nº 1 do art. 224º do CC dá relevância: exige-se que seja feita por escrito assinado pelo declarante (senhorio), remetido ao destinatário (inquilino), por carta registada com aviso de recepção, (i) para o local arrendado, desde que o aviso de recepção seja assinado pelo inquilino; ou (ii) tendo havido convenção de domicílio, para esse local.”[13]
Na doutrina, entre outros, sufraga igual entendimento Jorge Pinto Furtado, que claramente escreve em anotação ao art. 1097º do CC, sob a epígrafe- Oposição à renovação deduzida pelo senhorio- que essa comunicação ao arrendatário faz-se nos termos do preceituado nos arts. 9º a 13º NRAU(…).[14]
Assim o defende também Menezes Leitão, que refere que o NRAU veio estabelecer um formalismo especial a que devem obedecer as comunicações entre as partes no âmbito do arrendamento urbano, regulado nos seus arts. 9º e ss.[15]
Esse formalismo imposto por lei, desde a Lei nº 6/2006 de 27.02 (NRAU), tal como o aresto acima identificado refere, é um regime “manifestamente determinado por razões de equilíbrio entre a proteção do arrendatário – pois aumenta as probabilidades de a oposição chegar efectivamente ao seu conhecimento –, e a simplificação do regime de efectivação da cessação do contrato –, pois acelera essa efectivação”.
A eficácia da comunicação da oposição à renovação do arrendamento depende do envio de uma carta com aviso de recepção, e no caso de esse aviso de recepção não ser assinado pelo arrendatário deve ser enviada uma segunda carta registada com A/R novamente dirigida ao arrendatário e para o local arrendado.
Esta duplicação de comunicação não constitui uma formalidade despicienda se atentarmos que tem por objectivo reforçar a possibilidade de chegar ao efectivo conhecimento do arrendatário a intenção de o senhorio por fim ao contrato de arrendamento- neste caso, por não renovação findo o prazo contratualizado-, atentas as sérias implicações que a perda de gozo do locado certamente acarretará ao arrendatário e, simultaneamente permitindo tornar clara a data em que a restituição do locado ao senhorio deverá ocorrer sob pena de recurso ao procedimento de despejo.
Por conseguinte, tendo ficado apenas demonstrado que o Apelado/senhorio enviou à Apelante/arrendatária a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento habitacional para o termo do prazo através de carta registada com aviso de recepção, mas não estando esse A/R assinado pela Apelante, deveria o Apelado ter-lhe enviado uma segunda comunicação decorridos que fossem 30 a 60 dias.
Não o tendo feito, a referida comunicação não pode ser considerada eficaz e como tal não se pode considerar cessado o contrato de arrendamento por caducidade em 31.08.2020, inexistindo o fundamento legal invocado pelo Apelado para o pedido de condenação da aqui Apelante na desocupação do locado e sua restituição, impondo-se a revogação da sentença recorrida que a tal condenou a Apelante.
Consequentemente, ficou prejudicado, por manifesta inutilidade, o conhecimento das demais questões levantadas pela Apelante neste recurso, pois que declarada a ineficácia da comunicação por parte do Apelado/senhorio da oposição à renovação do contrato de arrendamento, tal arrendamento permanece em vigor, falecendo fundamento também para a condenação na indemnização prevista no art. 1045º nº 1 do CC que tinha como pressuposto a obrigação de entrega do locado.
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V. DECISÃO Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente procedente o recurso interposto pela Apelante/Ré, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-a dos pedidos em que havia sido nela condenada. Custas a cargo do Apelado que nele ficou vencido. Notifique.
Porto, 13 de Maio de 2025
Maria da Luz Seabra
Raquel Correia de Lima
Maria Eiró
(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
__________________ [1] Proc. Nº 866/20.8T8VCD-A.P1, www.dgsi.pt [2] CPC Anotado, Vol. I, p. 249 [3] A. Varela, Manual de Processo Civil, pág. 686. [4] Paulo Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, I volume, 2ª edição, pág. 34-46. [5] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pág. 220-221. [6] A. Varela RLJ, ano 122º, pág. 112. [7] Alberto dos Reis, CPC Anotado, volume V, 1984, pág. 143. [8] AC STJ de 7.07.2016, relatora Consª. Ana Luísa Geraldes, AC STJ de 21.10.2014, relator Consº. Gregório Silva Jesus e AC STJ de 8.02.2011, relator Consº. Moreira Alves, www.dgsi.pt. [9] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência [10] A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição, 2008, pág. 297-298, Ac RP de 13.06.2023, Proc. Nº 1169/21.6T8PVZ.P1; AC STJ de 29.09.2020, AC STJ de 17.05.2017, www.dgsi.pt [11] Proc. Nº 673/23.6T8AMD.L1-2, www.dgsi.pt [12] Proc. Nº 802/24.2YLPRT.L1-6, www.dgsi.pt [13] Proc. Nº 83/16.1YLPRT.L1.S1 [14] Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 2019, pág. 589 [15] Arrendamento Urbano, 11ª edição, pág. 117