CRÉDITOS DA MASSA INSOLVENTE
VENCIMENTO
PAGAMENTO
FORMA
Sumário

I - Os créditos sobre a insolvência, de modo simples, são todos aqueles cuja causa seja anterior à data da declaração de insolvência – artigo 47.º, n.º 1 e 3 do CIRE. Já os créditos da massa insolvente, por contraposição aqueloutros, são todos aqueles que têm causa ou fundamento posterior à data ada declaração de insolvência.
II - Os créditos da massa insolvente não são reclamados no processo de insolvência nos termos do formalismo processual dos créditos sobre a insolvência – artigo 128.º e seguintes do CIRE.
III - Quanto aos créditos da massa insolvente compete ao Administrador de Insolvência proceder ao seu pagamento, quando se vencerem tais créditos – artigo 172.º, n.º 3 do CIRE. Caso não sejam pagos, após vencimento de tais dívidas, a Lei assegura ao credor um meio legal para ver satisfeito o seu crédito. Nos termos do artigo 89.º, n.º 2 do CIRE o credor tem à sua disposição os meios processuais adequados, acção declarativa ou executiva, conforme o caso, correndo por apenso ao processo de insolvência.

Texto Integral

PROC. N.º[1] 3002/18.7T8VNG-F.P1


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Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 1

RELAÇÃO N.º 227

Relator: Alberto Taveira

Adjuntos: João Proença

Pinto dos Santos


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

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I - RELATÓRIO.

AS PARTES


Insolvente: AA.

Administrador de Insolvência: BB.

Interveniente Acidental: A..., S.A..


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A)


O credor, Banco 1..., SA, veio requerer a insolvência de AA, e após tramitação legal, foi declarada a insolvência por sentença de 03.09.2018.

Em tal decisão foi normado como Administrador de Insolvência CC.

Em assembleia de credores, 25.10.2018, foi decidido aprovar o relatório do sr Administrador de Insolvência, designadamente, a decidir pela liquidação do activo do insolvente.


B)

A 15.01.2019 é dada notícia do falecimento do sr Administrador de Insolvência.

Por decisão de 28.02.2019, e ordenada a substituição do sr. Administrador de Insolvência pela pessoa de BB.


C)

No apenso B (apreensão de bens) a 12.08.2019 é junto auto de apreensão de bens do qual constam duas verbas, dois bens imóveis (auto rectificado a 23.10.2020).

De tal apenso, constam as diligências do sr Administrador de Insolvência quanto à venda de tais verbas – leilão electrónico em plataforma na internet.


D)

No apenso C (liquidação), que teve o seu início em 17.12.2020, o sr Administrador de Insolvência vem informar que a venda das verbas será feita por leilão electrónico em plataforma na internet.

Do apenso constam as várias diligências quanto à venda das verbas, tendo-se realizado a venda da verba n.º 1 – informação de 20.12.2021 – e da verba n.º 2 – informação de 15.09.2022 e 06.04.2023.

Por despacho de 30.05.2023 foi declarado encerrada a liquidação do activo.


E)

Após conclusão dos apensos de apreensão de bens e de liquidação, fora os autos, principais, remetidos à conta – 03.07.2023 – que foi elaborada a conta a 03.07.2023.

O sr Administrador de Insolvência a 14.01.2024 veio formular pedido de remuneração variável.

O sr Administrador de Insolvência a 14.01.2024, veio apresentar “conta corrente da massa insolvente” e mapa de rateio.

A 06.03.2024 é proferido despacho:

Concordamos com remuneração variável apresentada pelo Sr. Contador, por estar de acordo com a nova fórmula de cálculo instituída pela Lei 9/2022 de 11 de janeiro, que procedeu à alteração do Estatuto do Administrador Judicial, pelo que, se fixa a mesma no montante indicado pelo Sr. Contador.

Por se encontrar devidamente elaborado de acordo com a documentação de suporte apresentada e com o determinado na sentença de graduação de créditos proferida no apenso A, notifique a A.I. para proceder aos pagamentos em conformidade.

Comprovaram-se nos autos os pagamentos, requerimento do Administrador de Insolvência de 13.03.2024, foi proferido despacho a 19.03.2024:

Mostrando-se elaborado o rateio final nos termos do disposto no artº 230º, n.º 1, al. a) do CIRE, declaro encerrado o processo.

Notifique os credores, publicite e registe (artigo 230º/2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

Notifique o administrador da insolvência nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 233º/5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.


F)

Vem A... a 09.08.2024 apresentar requerimento aos autos pedir:

Veio[2] a sociedade A..., S.A. em 09.08.2024 requerer o pagamento da quantia de €8.127,90 - €5.513,25 de custos com deslocações e honorários devidos pela venda dos bens liquidados, pelo valor calculado para venda, e € 2.614,64 de juros -, referente ao contrato de nomeação da Encarregada de Venda/Leiloeira que celebrou com o A.I. inicialmente nomeado e falecido em 06/01/2019, contrato esse celebrado em 11/12/2018, denunciado pelo Administrador da Insolvência nomeado em substituição, a produzir efeitos a 11/12/2018, e resolvido pela requerente a 12/11/2019.

Notificado o A.I. em funções, veio dizer que após se ter inteirado do processo, decidiu em 05.09.2019 denunciar contrato de prestação de serviços que a massa insolvente havia celebrado com a A... S.A. com antecedência de 3 meses em relação ao fim do contrato em 10.12.2029. Volvidos 2 meses desde a denuncia, a A... veio resolver o contrato de prestação de serviços em questão alegando, além do mais, que o AI adoptou “condutas que impediram e continuam a impedir que a A... S.A. possa exercer” as suas funções, o que é falso e sem prova, pelo que, não lhe assiste razão, inexistindo qualquer justificação factual ou legal para reclamar o pagamento de honorários que bem sabe não serem devidos.

O credor Banco 1... veio também pronunciar-se opondo-se ao pagamento de qualquer valor, pelos motivos invocado.

Com vista nos autos, o MºPº promoveu o indeferimento do requerido.

Foram juntos documentos pela A....


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DA DECISÃO RECORRIDA


Foi proferida seguinte DECISÃO:

Nos presentes autos, na sentença que declarou a insolvência de AA, foi nomeado A.I. o Sr. Dr. CC.

Por despacho proferido em 28.02.2029, por falecimento daquele, procedeu-se à sua substituição pelo Sr. Dr. BB.

O A.I. nomeado em substituição entendeu denunciar o contrato o contrato de prestação de serviços que a MI havia celebrado com a A..., S.A., documento juntos ao requerimento apresentado por esta.

Com vista nos autos, o MºPº pronunciou-se pelo indeferimento do requerido.

Compulsados os autos não se vislumbra que o contrato em causa e a sua denuncia se encontrassem antes juntos aos autos, pelo que, não eram do conhecimento do tribunal.

No apenso D de prestação de contas, foram prestadas contas e nas mesmas não foi incluída qualquer verba a titulo de custos e/ou honorários devidos à A..., S.A., contas que foram devidamente publicitadas em 29.09.2023 e não foram objecto de oposição, tendo em 07.11.2023 sido proferida sentença, já transitada em julgado.

Nos autos principais foi calculada a remuneração variável e apresentada proposta de rateio devidamente publicitado em 15.01.2024, não tendo sido objecto de qualquer reclamação, pelo que, o A.I procedeu ao pagamento aos credores.

Por despacho proferido em 19.03.2024 foi declarado encerrado o processo. Atento o exposto conclui-se que, os honorários e despesas ora apresentadas são extemporâneas, ao que acresce o facto de que este tribunal nunca teve, antes, conhecimento do contrato ora invocado.

Deste modo e pelo exposto, indefere-se ao requerido.“.


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DAS ALEGAÇÕES


A interveniente A... SA., vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V/Exas., deverá ser dado provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida, e, em consequência, a final, ser apreciado e determinado o quanto a fixação conforme o previsto no CPC e nº 6 do Art. 17º do RCP.“.


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A apelante apresenta as seguintes CONCLUSÕES:

A. No douto despacho de que se recorre, proferido pela MMª Juíz do Tribunal a quo e datado de 23.01.2025 [Refª. 467539965], é indeferido o pedido de fixação de honorários e despesas com deslocações apresentado pela Recorrente, na qualidade de Encarregada de Venda, concluindo que esta não tem direito à remuneração e despesas previstas no nº 6 do Art. 17º do RCP e na Tabela IV anexa ao referido diploma, em razão da alegada inexistência de «qualquer justificação factual ou legal para reclamar pagamento de honorários» e da extemporaneidade do pedido.

B. Não obstante, entre as datas de 11.12.2018 e 07.09.2019, a Recorrente desenvolveu actividade no presente processo, realizando um conjunto de diligências tendentes à promoção da venda e obtenção de propostas de aquisição dos bens apreendidos em favor da Massa Insolvente, as quais geraram despesas com deslocações ao local daqueles bens.

C. Tal actividade e despesas encontram-se detalhadamente espelhadas em Relatórios de Actividade, comunicações, Notas de Honorários e de Despesas e demais documentos remetidos ao Exmº. Sr. Administrador de Insolvência e posteriormente juntos aos autos em anexo a Requerimento Para Liquidação de Honorários e Despesas [Refª. 39829321].

D. Ou seja, emana deste conjunto de factos que a Recorrente, ao longo daquele período a que se fez referência, desempenhou as funções de Encarregada de Venda no processo, tendo sido assim percepcionada pelas partes intervenientes, que a isso não se opuseram.

E. Fê-lo de forma profissional e digna, mediante a promoção de todos os actos indispensáveis aos interesses do processo, não tendo por acção ou omissão adoptado qualquer comportamento que visasse comprometer a eventual venda dos bens em causa.

F. O regime essencial da remuneração de intervenientes em processo civil, nos quais se inclui para os presentes efeitos a Recorrente, consta do Art. 17º do RCP, decorrendo do mesmo a fixação de um direito geral à remuneração.

G. O douto despacho recorrido decide erroneamente que a Recorrente não tem direito a receber a respectiva remuneração, por considerar que, atento o Contrato de Mediação celebrado entre a Recorrente e o Exmº. Sr. Administrador de Insolvência e o comproprietário dos bens, o pedido da Recorrente não tem sustento factua ou legal.

H. A este propósito é acolhido pela jurisprudência que, pese embora eventual acordo havido entre a Encarregada de Venda e Massa Insolvente, na pessoa do Exmº. Sr. Administrador de Insolvência que a representa, relativamente a valores devidos a título remuneratório da primeira ou condições para o respectivo pagamento, não se sobrepõe tal acordo ou será o mesmo oponível ao Tribunal do processo [cfr. Ac. do Trib. da Rel. de Évora, de 24.02.2022, Proc. 4815/10.3T BSTB-F.E1, consultável em www.dgsi.pt].

I. Mais, o direito da Recorrente à remuneração não se encontra filiado no sucesso ou insucesso da venda de que foi encarregada, na medida em que, à semelhança do direito de outros intervenientes acidentais no processo, a actividade que desenvolve é, em si, o que gera o direito à remuneração, sem qualquer ressalva ou exigência quanto às características ou sucesso da mesma [.cfr. Ac. do Trib. Rel. de Coimbra, de 20.02.2024, relativo ao Proc. nº 2476/11.1TBCLD-C.CI; Acs. do Trib. Rel. de Évora, relativos aos Procs. 833/10.0TBBJA.E1, 4815/10.3TBSTB-F.E1 ou 525/13.8TBLLE.E1; Acs. do Trib. Rel. do Porto relativos aos Procs. 164/14.6T8AGD.P1 ou 2872/13.0T2OVR-G.P1; todos consultáveis em www.dgsi.pt].

J. Face à actividade incumbida, efectivamente desenvolvida e prestada pela Recorrente, por conta e em nome dos intervenientes, de acordo com a designação havida, deverá aquela, na respectiva qualidade de Encarregada de Venda, ser devidamente ressarcida, em justiça e respeito pelas funções que com inegável profissionalismo e dignidade exerceu, nos exactos termos em que o veio requerer.

K. Logo, são devidos à Recorrente honorários nos termos legais, concernantes à actividade que a mesma efectivamente prestou em prol do processo, durante o período supra referido, os quais independentes de ter ou não existido posterior e efectiva venda ou adjudicação.

L. Nem se mostraria lógico que a Recorrente exercesse actividade profissional gratuitamente, em prol do quanto tido por necessário no processo, adiantando inclusivamente despesas por forma a exercer tal actividade de forma indefinida no tempo, despesas estas que, eventualmente, poderia nem sequer ver devidamente tidas como verificadas e aceites nos autos.

M. Tal configuraria um desrespeito e uma incompreensão pelo trabalho da Recorrente, resultando em atentatório e vexatório, face ao tempo em que prestou actividade enquanto Encarregada de Venda.

N. Pelo que são devidos à Recorrente honorários, nos termos legais previstos no nº 6 do Art. 17º do RCP, os quais independentes de qualquer efectiva venda, a serem fixados pelo Tribunal a quo entre o mínimo e máximo legal em função do decorrido e administrado; bem como lhe deverá ser atribuído montantes respectivo a despesas tidas com deslocações, devidamente comprovadas nos autos, nos termos da Tabela IV anexa ao mesmo diploma.

O. Mais, ao longo do tempo em que desempenhou as funções de Encarregada de Venda no âmbito do presente processo, a Recorrente teve como único e seu exclusivo interlocutor o Administrador de Insolvência no processo, mantendo-se apartada da sua evolução e tramitação, não tendo qualquer acesso ao mesmo através da Plataforma Citius.

P. Uma vez operada a denúncia do contrato celebrado com a Massa Insolvente, a Recorrente enviou ao respectivo Administrador de Insolvência a sua Nota de Honorários e de Despesas, ficando a aguardar que o seu pedido de pagamento viesse a ser atendido ou fosse diligenciada junto do Tribunal a quo a fixação e atribuição de montantes a título de honorários e despesas, nos termos do nº 6 do Art. 17º do RCP..

Q. Contudo, o Exmº. Sr. Administrador de Insolvência ignorou em absoluto o teor de tal pedido de pagamento, não mais prestando qualquer informação ou esclarecimento sobre o processamento do mesmo ou sobre o estado do processo.

R. Foi esta ausência de informações quanto ao seu pedido que levou a Recorrente, em 09.08.2024, a submeter directamente aos autos o Requerimento Para Liquidação de Honorários e Despesas [Refª. 39829321] acima referido e a constituir mandatário no processo, por forma a obter dados e informações sobre aquele.

S. Nunca a Recorrente, intencional e deliberadamente, deu causa à extemporaneidade a que a MMª. Juíz do Tribunal a quo se refere, porquanto uma tal delonga resultou única e exclusivamente da recusa por parte do seu interlocutor, o Exmº. Sr. Administrador de Insolvência, em colaborar e esclarecer a Recorrente quanto ao estado do seu pedido de pagamento.

T. De resto, é incompreensível que o processo tenha sido encerrado em 19.03.2024 sem que tenha existido a cautela de verificação e apreciação do quanto exigivel a decisão judicial por parte da MMª. Juiz do Tribunal a quo, nos termos e para efeitos do nº 1 e 6 do Art. 17º do RCP.

U. Ao indeferir a o pedido de fixação remuneratória e de despesas apresentado pela Recorrente, foi pelo Tribunal a quo violado o quanto previsto no nº 6 do Art. 17º do RCP e Tabela IV anexa ao mesmo diploma.

V. Em conclusão, é legalmente exigível e devida pelo Tribunal a quo e sob alçada de competência exclusiva, a fixação de remuneração fixa a título de honorários e atribuição de valor relativo a despesas com deslocações tidas no âmbito do processo, respeitante ao período durante o qual a Recorrente desempenhou em prol do processo a actividade de Encarregada de Venda, nos termos dos nº 1 e 6 do Art. 17º do RCP e Tabela IV, em acordo com o supra expresso e apresentado a juízo e ora em rectificação decisão que compete suprir.“.


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Não foram apresentadas CONTRA-ALEGAÇÕES.

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II-FUNDAMENTAÇÃO.


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

Como se constata do supra exposto, a questão a decidir, é:

O pedido de honorários e despesas da leiloeira não atendido pelo Administrador de Insolvência, nos termos do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, deverá ser feito por requerimento avulso nos autos de insolvência ou por reclamação ulterior de créditos.


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OS FACTOS


Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes no relatório, e bem como os seguintes.

Que entre o Administrador de Insolvência CC e a A... foi celebrado um contrato denominado de “contrato de nomeação de encarregada de venda/leiloeira”, com data de 11.12.2018. Foi clausulado, entre o mais, o seguinte:





Com data de 05.09.2019 foi pelo Administrador de Insolvência denunciado o contrato, com efeitos a partir de 10.12.2019.

A A... por carta de 12.11.2019 veio resolver o contrato.


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DE DIREITO.


O Tribunal a quo entendeu não deferir pedido de remuneração pelas seguintes razões:

- O contrato em causa não era do conhecimento do Tribunal até à data do requerimento da apelante;

- No presente processo de insolvência foi processado o apenso de prestação de contas, no qual não foi atendida qualquer actividade da apelante; que as contas apresentadas não sofreram qualquer reclamação ou oposição; foi proferida sentença a julgar devidamente prestadas as contas;

- Nos autos principais foi já fixada da remuneração variável ao sr Administrador de Insolvência e foi apresentado rateio de pagamentos; procederam-se aos pagamentos em conformidade com tal rateio;

- Foram os autos de insolvência declarados encerrados.

Por todas estas razões foram julgados extemporâneos os pedidos de honorários e despesas apresentados pela leiloeira apelante.

As questões a decidir é saber se o pedido de pagamento dos honorários e despesas da leiloeira/apelante foi feito pelo meio processual adequado e se é tempestivo ou não.

A apelante vai buscar o fundamento jurídico à norma do artigo 17.º, n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais.

Dispõe o artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais o seguinte:

Remunerações fixas

1 - As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento.

2 - A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efectuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela iv, que faz parte integrante do presente Regulamento.

3 - Quando a taxa seja variável, a remuneração é fixada numa das seguintes modalidades, tendo em consideração o tipo de serviço, os usos do mercado e a indicação dos interessados:

a) Remuneração em função do serviço ou deslocação;

b) Remuneração em função do número de páginas ou fracção de um parecer ou relatório de peritagem ou em função do número de palavras traduzidas.

4 - A remuneração é fixada em função do valor indicado pelo prestador do serviço, desde que se contenha dentro dos limites impostos pela tabela iv, à qual acrescem as despesas de transporte que se justifiquem e quando requeridas até ao encerramento da audiência, nos termos fixados para as testemunhas e desde que não seja disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.

5 - Salvo disposição especial, a quantia devida às testemunhas em qualquer processo é fixada nos termos da tabela iv e o seu pagamento depende de requerimento apresentado pela testemunha.

6 - Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efectuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal. (…)

A interveniente pretende ser ressarcida em termos de honorários e despesas pela sua actividade desenvolvida entre 11.12.2018 e 07.09.2019.

Alega, no seu requerimento de interposição de recurso, que fez chegar ao actual Administrador de Insolvência, ainda no ano de 2019, um relatório das suas actividades – artigo 22 das alegações de recurso. Efectivamente, da documentação junta com o requerimento de pedido de honorários e despesas, a leiloeira não apresenta documento pelas qual formula pedido de honorários e despesas, antes da carta de resolução do Administrador de Insolvência de 05.09.2019 ou da resolução operada pela leiloeira de 12.11.2019. Junta em momento posterior, com data de 12.11.2019, uma nota de honorários e despesas.

A apelante de modo erróneo formula o seu pedido de pagamento de honorários e despesas nos autos principais, de insolvência.

No caso da apelante estamos perante um crédito sobre a massa insolvente, pois que se trata de uma dívida da massa insolvente (por contraponto aos créditos sobre a insolvência).

Os honorários e despesas da leiloeira – venda – são encargos/despesas do Administrador de Insolvência que devem ser tidas em conta aquando da fixação da remuneração do Administrador de Insolvência – artigo 60.º do CIRE e artigo 22.º do Estatuto do Administrador Judicial. A remuneração e reembolso de despesas são em regra suportados pela massa insolvente, artigo 23.º, n.º 6 do Estatuto do Administrador Judicial, sem prejuízo da responsabilidade fixada nos artigos 39.º e 232 do CIRE.

No preâmbulo do CIRE é explanada a distinção entre estes dois tipos de créditos: “as dívidas da insolvência, correspondentes aos créditos sobre o insolvente cujo fundamento existisse à data da declaração de insolvência e aos que lhes sejam equiparados (que passam a ser designados como créditos sobre a insolvência, e os respetivos titulares como credores da insolvência), das dívidas ou encargos da massa insolvente» (correlativas aos créditos sobre a massa, detidos pelos credores da massa), que são, grosso modo, as constituídas no decurso do processo.

Com efeito, declarada a insolvência todo o património do insolvente passa a constituir a massa insolvente. Esta “destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo” – artigo 46.º, n.º 1 do CIRE.

Os créditos sobre a insolvência, de modo simples, são todos aqueles cuja causa seja anterior à data da declaração de insolvência – artigo 47.º, n.º 1 e 3 do CIRE.

Já os créditos da massa insolvente, por contraposição aqueloutros, são todos aqueles que têm causa ou fundamento posterior à data ada declaração de insolvência.

Sem prejuízo de alguma imprecisão técnica, como assinala CATARINA SERRA, Lições de Direito da Insolvência, 2ª ed., pág. 63, “se é verdade que todos os créditos com fundamento anterior à declaração de insolvência são créditos sobre a insolvência, não é verdade que todos os créditos sobre a insolvência sejam créditos com fundamento anterior à declaração de insolvência; existem créditos sobre a insolvência cujo fundamento é posterior a esta data.”, para efeitos do que mais adiante irá ser decidido é irrelevante.

Nos termos do artigo 51.º, n.º 1 do CIRE a título exemplificativo e de outras disposições do CIRE, são dívidas da massa insolvente todas aquelas descritas nas alíneas a) a j), denominando a Lei que os “créditos correspondentes a dívidas da massa insolvente e os titulares desses créditos são neste Código designados, respectivamente, por créditos sobre a massa e credores da massa” – artigo 51.º, n.º 2 do CIRE.

Todos estes créditos apresentam um denominador comum, correspondem a dívidas relativas ao próprio processo de insolvência posterior à declaração de insolvência.

A Lei determinou que estes créditos não são reclamados no processo de insolvência, seguindo o formalismo processual dos créditos sobre a insolvência – artigo 128.º e seguintes do CIRE.

Quanto aos créditos da massa insolvente compete ao Administrador de Insolvência proceder ao seu pagamento, quando se vencerem tais créditos – artigo 172.º, n.º 3 do CIRE.

Caso não sejam pagos, após vencimento de tais dívidas, a Lei assegura ao credor um meio legal para ver satisfeito o seu crédito. Nos termos do artigo 89.º, n.º 2 do CIRE o credor tem à sua disposição os meios processuais adequados, acção declarativa ou executiva, conforme o caso, correndo por apenso ao processo de insolvência.

Por fim, se a massa insolvente for insuficiente para satisfazer os créditos da massa insolvente, o Administrador de Insolvência responderá por tais dívidas desde que o seu direito resulte de acto de administração do administrador e a insuficiência da massa tivesse sido previsível – artigo 59.º, n.º 2 do CIRE. Nos termos do n.º 5 do artigo 59.º do CIRE a responsabilidade do Administrador de Insolvência prescreve no prazo de dois anos a contar da data em que o lesado tomou conhecimento do seu direito, desde que ainda não tenham decorrido dois anos sobre a data da cessação de funções como administrador.

As dívidas da massa insolvente são pagas antes de efectuar o pagamento aos credores da insolvência – artigo 172.º, n.º 1 do CIRE.

Neste sentido Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães 2411/22.1T8VRL-AB.G1, de 03.10.2024, relatado pelo Des GONÇALO OLIVEIRA MAGALHÃES.

Contudo, no caso dos presentes autos, a apelante não lançou mão de tais meios legais atrás descritos. Formulou simples requerimento aludido em F) do relatório.

E formulou tal pedido após decisão de encerramento do processo de insolvência. Isto, após a prestação de contas por parte do Administrador de Insolvência, após o rateio final e após os pagamentos.

Com efeito, no presente processo de insolvência de pessoa singular realizou-se o rateio final – artigo 182.º do CIRE – tendo-se já realizado todos os pagamentos em conformidade com tal rateio e bem como da sentença de graduação de créditos da insolvência – artigo 183.º do CIRE.

Nos termos do artigo 182.º, n.º 3 do CIRE, julgadas as contas, pagas as contas, depois de apresentação do rateio final e feita a sua publicitação, a comissão de credores (caso tenha sido nomeada) e os credores dispõem de 15 dias a contar da publicitação para se pronunciar sobre a proposta de rateio. A Lei neste caso, não descrimina ou distingue entre credores da insolvência e credores da massa insolvente, pelo que lhe aplicável este normativo legal.

Tendo a apelante deixado passar tal prazo legal, fixado no n.º 3 do artigo 182.º do CIRE, é extemporâneo o pedido, ora formulado e dirigido à massa insolvente– honorários e reembolso de despesas – no processo de insolvência.

Mais é de ponderar que nos termos do artigo 230.º do CIRE foi já declaro o encerramento do processo, devidamente foi notificado e publicitado nos termos legais – n.º 2.

Estando assim, findo o processo de insolvência, restará ao credor, aqui apelante, outros meios processuais, que não no processo de insolvência, reclamar do devedor os seus direitos ainda não satisfeitos, nos termos do artigo 233.º, n.º 1, alínea d) do CIRE, ou outros meios processuais previstos na Lei.

Ainda que se entendesse que a apelante havia formulado pedido de pagamento de honorários e despesas, antes do encerramento do processo, sempre a pretensão da apelante haveria que ser formulada em processo declarativo e por apenso aos autos de insolvência.

Por tudo visto, improcede a pretensão da apelante.


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III DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).


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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

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Porto, 13 de Maio de 2025
Alberto Taveira
João Proença
Pinto dos Santos
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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
[2] Seguimos de perto o relatório elaborado pelo Exma. Senhora Juíza.