EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
CESSAÇÃO
DEVER DE COOPERAÇÃO
DEVER DE INFORMAR
Sumário

Sumário [ Da responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC). ]
1. Os fundamentos para a cessação antecipada do procedimento de exoneração estão taxativamente enunciados no art. 243.º do CIRE; para a verificação do condicionalismo previsto na alínea a) do número 1 do referido artigo o legislador exige três requisitos cumulativos, a saber, (i) que o insolvente tenha agido em violação das obrigações impostas pelo art. 239.º do CIRE, (ii) que o insolvente tenha atuado com dolo ou negligência grave (nexo de imputação subjetiva) e (iii) que a sua atuação cause um prejuízo para os credores (nexo de causalidade adequada).
2. Na aferição do elemento subjetivo, o legislador exclui os casos de mera culpa ou negligência, que se traduz na violação de um dever de cuidado, na omissão da diligência exigível ao agente.
3. Admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo devedor/insolvente, com início do respetivo período de cessão (grosso modo, entre junho de 2023 e maio de 2026), tendo o insolvente sido convocado para apresentar ao fiduciário documentos que este solicitou porque entendeu pertinentes para o apuramento do rendimento disponível com vista à apresentação do seu relatório anual (art. 240.º, n.º2 do CIRE), não pode qualificar-se como gravemente negligente, para efeitos de fundamentar a decisão de cessação antecipada da exoneração, a conduta do devedor que, contactando com o fiduciário por intermédio da patrona respetiva e tendo ainda intervenção direta no processo por via de mensagem eletrónica enviada:
- Junta as notas de liquidação de IRS alusivas aos anos de 2022 e 2023, com indicação do valor de reembolso auferido e data da transferência omitindo, no entanto, a junção da declaração de IRS relativa ao ano de 2023 que o fiduciário também exigia;
- Junta declaração emitida pelo Centro Nacional de Pensões comprovativa do valor global da pensão auferida no ano de 2023 e dos valores recebidos em cada um dos meses de janeiro a maio, inclusive, de 2024, bem como do valor mensal da pensão neste ano de 2024 omitindo, no entanto, os valores recebidos mês a mês, no ano de 2023 e de junho (inclusive) de 2024 em diante, que o fiduciário também exigia.
4. No balanceamento entre a posição dos intervenientes processuais (credores/devedor) e os vários interesses em jogo, não se afigura equilibrado e proporcionado sancionar a conduta do insolvente com a aplicação da medida mais gravosa – a cessação antecipada do pedido de exoneração do passivo restante –, num caso em que essa conduta não se pautou pelo evidente e reiterado silêncio do devedor na apresentação dos documentos que ao longo do tempo lhe têm sido solicitados, não podendo reconduzir-se o caso dos autos a uma situação em que o fiduciário se encontra objetivamente impossibilitado de apurar o rendimento disponível no período de cessão por virtude da conduta do insolvente.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
(i) LC, apelante, nascido em 01-09-1956, apresentou-se à insolvência em 14-02-2023, tendo sido proferida sentença a declarar a insolvência do requerente em 16-02-2023, transitada em julgado.
(ii) Em 28-11-2024, veio o credor NOVO BANCO, SA apresentar requerimento com o seguinte teor:
“(…) Credor nos autos supra indicados, sendo aí insolvente LC, notificada do relatório elaborado pelo Sr. Fiduciário, do qual resulta um manifesto incumprimento por parte do Insolvente das obrigações a que se encontra adstrito, vem requerer a cessação antecipada da exoneração, nos termos do disposto no artigo 243.º do CIRE // Termos em que // Requer a junção aos autos para os fins expostos, com as legais consequências”.
Determinou-se a notificação do insolvente, dos demais credores e do sr. fiduciário para se pronunciarem sobre o pedido de cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante. O insolvente foi notificado por intermédio da respetiva patrona nomeada. 
O credor Scalabis – Stc, S.A manifestou-se no sentido da cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante. 
O sr. Fiduciário pronunciou-se no sentido de se proceder à notificação do insolvente para vir juntar aos autos a documentação em falta. 
O insolvente, notificado, nada disse. 
Os demais credores não se pronunciaram. 
(iii) Foi então proferida, em 15-01-2025, decisão (decisão recorrida) que concluiu como segue:
“Face ao exposto, nos termos do disposto no art. 243.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, declaro a cessação antecipada do procedimento de exoneração e, em consequência, recuso a exoneração do passivo restante do devedor LC. 
Notifique. 
Publique e registe (art. 247.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas)”.
(iv) Não se conformando o insolvente apelou formulando as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto do conteúdo do despacho de 15.01.2025, de recusa da exoneração do passivo restante do insolvente apresentado pelo insolvente na sua petição inicial.
2. Em 14.02.2023 o recorrente requereu a sua declaração de insolvência, pedindo ainda a exoneração do restante passivo.
3. Em 16.02.2023 foi decretada judicialmente a insolvência da recorrente.
4. O Exmo. Senhor Administrador de Insolvência no seu relatório previsto no art. 155º do CIRE, de, pronunciou-se favoravelmente ao pedido de exoneração do passivo restante, tendo.
5. Em 03.05.2024 a patrona nomeada enviou documentação para AI, com o conteúdo solicitado suficiente para fazer o relatório a que alude o 155º CIRE.
6. Continuou o AI a insistir na documentação em falta.
7. Face apenas ao que recebe como pensionista o recorrente, não tem mais documentação a entregar a não ser o que já entregou, nota de liquidação e declaração rendimentos auferidos emitida pela ISS.  
8. Após as insistências do mesmo conteúdo, o recorrente enviou 13.11.2024 email para o tribunal com a documentação em anexo do apurado na ISS, igual ao que a patrona nomeada havia enviado para o AI.
9. A  discordância do recorrente prende-se com o facto de no despacho recorrido ter sido considerado que o recorrente agiu com grave negligência e que tal facto prejudicou os créditos sobre a insolvência.
10. Do relatório não se consegue retirara com transparência que foi notificado o recorrente qual foi o valor apurado, que tem de devolver à massa insolvente, nem foi esclarecido se o AI ao pedir tal valor que apurou se indicou o IBAN para p recorrente cumprir.
 11. No que concerne à negligência, não se verifica se, de facto, o recorrente não cumpriu alguns dos seus deveres. Mas mesmo que assim fosse evidenciado, tal facto, por si só, não implica um elevado grau de negligência nem configura uma situação insanável.
 12. Até porque o recorrente, notificado para tal pelo tribunal, apresentou as suas declarações de rendimentos dos anos de 2017 e 2018, predispondo-se a entregar os seus rendimentos objeto de cessão, de acordo com as deduções de despesas devidamente comprovadas arcadas no âmbito do exercício da sua pensão auferida.
 13. Por outro lado, a atuação do recorrente não prejudicou a satisfação dos créditos da insolvência.
 14. Pois, repita-se, o recorrente apresentou voluntariamente as suas declarações de rendimentos, podendo a parcela dos mesmos que cabe entregar aos credores sê-lo a qualquer momento, pelo que inexiste qualquer prejuízo destes, prejuízo esse que apenas se constataria se se verificasse que o recorrente, notificado para tal, se recusasse a fazer as entregas.
 15. Perante todo o exposto, errou o tribunal a quo na interpretação da alínea a) do n.º 1 do artigo 243.º do CIRE, ao considerar que o ora recorrente atuou com grave negligência e que tal comportamento prejudicou a satisfação dos créditos da insolvência.
 16. Deveria tal norma ter sido interpretada no sentido de se considerar que o recorrente agiu apenas com mera negligência, mas que tal comportamento não prejudicou a satisfação dos créditos sobre a insolvência, apenas atrasando o seu cumprimento.
17. Razão pela qual deverá ser revogado o despacho recorrido e remetidos os autos ao tribunal a quo, devendo aí o recorrente prestar as suas contas perante o tribunal e o fiduciário e manter-se o procedimento de exoneração.
 18. Ora, com o devido respeito, não pode deixar de discordar a recorrente com a fundamentação colhida pelo Tribunal “a quo”. 
 19. Face ao exposto, não houve assim qualquer incumprimento ou omissão por parte da recorrente na sua apresentação à insolvência.
 20. O recorrente não concorda com a decisão do Tribunal «a quo», até porque a recusa do pedido de exoneração do passivo com base na violação do art. 239.º,  art. 243.º, n.º 1, al. a), e n.º 3 todos do CIRE, não tem qualquer fundamentação com a realidade.
 21. Não se verificando não poderá ser o pedido de exoneração do passivo restante liminarmente recusado, como foi. 
 22. Sendo certo que esta decisão liminar não é definitiva e que ela em nada prejudica os credores. 
 23. Impõe-se, por isso, a revogação da decisão que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante relativo à recorrente, substituindo-a por outra que admita e conceda liminarmente tal exoneração.
 24. Ao assim não entender o Tribunal “a quo” violou nomeadamente o disposto nos artigos 238° do CIRE.
 Termos em que deverá ser dada procedência ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o despacho de recusa da exoneração do passivo restante do insolvente e de declaração de cessação antecipada do respetivo procedimento, mantendo-se o procedimento de exoneração.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre apreciar.
II. FUNDAMENTOS DE FACTO
O tribunal de 1ª instância considerou que “[d]os dados dos autos e dos documentos juntos resultam provados os seguintes factos com relevância para a decisão”, factos que esta Relação enuncia [ [1] ], dando-se ainda como assente a factualidade infra indicada sob os números 2A,  3A, 6A, 7A, 8A, 9ª, 12A, 12B, 12C e 16, factos estes que temos por pertinentes e que resultam da posição dos intervenientes expressa no processo e dos documentos que acompanham os requerimentos /relatórios, na medida em que não foram objeto de impugnação (arts. 662.º, n.º 1 e 607.º, ex vi do art. 663.º, n.º 2 do CPC):
1. AC foi declarado insolvente por sentença de 16-02-2023, transitada em julgado. 
2. Por despacho de 17-05-2023, transitado em julgado, foi admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, tendo sido excluído da cessão de rendimentos o montante mensal correspondente a um e meio salários mínimos nacionais. 
2 A. O despacho tem o seguinte segmento dispositivo:
“Pelo exposto, nos termos do art. 237.º, alínea b), e 239.º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, admito liminarmente o incidente de exoneração do passivo restante e, em consequência: 
1) determino que durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, designado por período de cessão, o rendimento disponível que o insolvente venha a auferir, atento o disposto no art. 239.º, n.º 3, do CIRE, seja cedido a fiduciário; 
2) considerando que o agregado familiar do insolvente é composto pela insolvente, a companheira e filha menor desta, que o insolvente aufere pensão no valor mensal de € 770 e a companheira aufere remuneração média de € 610, fixo o valor para assegurar o sustento do insolvente em valor equivalente a um e meio salários mínimos nacionais, consignando que o cálculo deste montante teve como pressuposto a ponderação do rendimento que actualmente aufere, das regras da experiência comum e do custo médio de vida da região, bem como critério de equidade do que necessita para a sua subsistência pessoal e respectivo agregado, com o mínimo de dignidade, atendendo às despesas que evidenciou nos autos;
3) nomeio fiduciário o Sr. Dr. AA, já nomeado administrador da insolvência; 
4) advirto o insolvente de que, durante o período da cessão, fica obrigado, nos termos do art. 239.º, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a:
a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado; 
b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão        quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto; 
c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão; 
d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores. 
5) a exoneração será concedida uma vez observadas pelo insolvente as condições previstas no art. 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas durante o período da cessão.
Custas do incidente pela massa insolvente (art. 303.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). 
Publique e registe nos termos do art. 247.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. 
Notifique.
3. O processo de insolvência foi declarado encerrado. 
3A. Por despacho proferido na mesma data (17-05-2023), com fundamento na “manifesta” “inexistência de bens a liquidar, nos termos do art. 230.º, n.º 1, al. e)” do CIRE.
4. O fiduciário solicitou ao insolvente através da patrona, a entrega das declarações e notas de liquidações de IRS, recibos de vencimentos e outros comprovativos de qualquer tipo de rendimentos eventualmente auferidos ou, em caso da não existência de rendimentos, documentos que permitam comprovar que inexistiram valores auferidos, por forma a permitir comprovar a sua situação económico-financeira, factos que deu a conhecer ao tribunal em relatório de 03-05-2024. 
5. No mesmo relatório, o fiduciário informou os autos que não foi possível concluir sobre o estado da cessão de rendimentos. 
6. Por despacho de 22-05-2024 foi determinada a notificação do insolvente para, no prazo de 10 dias, entregar ao fiduciário comprovativos dos rendimentos auferidos desde maio de 2023 até ao presente, bem como cópia da declaração e nota de liquidação do IRS de 2023, com a advertência de que a falta de colaboração com o sr. fiduciário ou com o tribunal poderá acarretar a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante [ [2] ]. 
6 A. Despacho notificado à patrona do insolvente por comunicação de 23-05-2024; não foi dirigida qualquer comunicação ao próprio insolvente.
7. A 26-06-2024 o fiduciário informa que a patrona do insolvente remeteu alguns documentos.
7A. Tendo o relatório apresentado pelo fiduciário o seguinte teor:
I – INTRODUÇÃO //Através deste documento vem o Fiduciário, nos termos do disposto no artigo 240º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, dar a conhecer ao Tribunal e aos credores do processo de insolvência a actual situação da cedência de valores efectuada pelo insolvente, no âmbito da exoneração do passivo restante, cujo despacho inicial foi emitido em 22-05-2023. // II – SITUAÇÃO DA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE // Em 03-05-2024, o aqui signatário apresentou aos autos o relatório anual, nos termos do disposto no artigo 240º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. // No mesmo referiu que nenhuma informação havia sido prestada nem nenhum documento comprovativo da situação económico-financeira do devedor havia sido remetido. // Após envio do relatório aos autos, a ilustre mandatária do devedor remeteu comunicação electrónica. // No que concerne ao ano de 2023, apenas comprovou o valor anual auferido pelo devedor a título de pensão. // Relativamente ao ano de 2024, comprovou os valores auferidos mensalmente entre Janeiro e Maio, inclusive. // Adicionalmente, remeteu nota de liquidação de IRS relativa ao exercício de 2021, a qual não foi considerada, uma vez que o período de cessão teve o seu início em Junho de 2023. // Assim, torna-se necessário que comprove os valores auferidos mês a mês entre Junho de 2023 e Dezembro de 2023, inclusive. // Deverá ainda remeter a declaração de IRS relativa ao exercício de 2023, bem como as notas de liquidação relativas aos exercícios de 2022 e 2023. Caso tenha tido direito a reembolso, deve igualmente comprovar a data em que recebeu o mesmo. // Em 14-06-2024, o aqui signatário solicitou os documentos em falta (Doc. 01). Contudo, até à presente data, não obteve resposta à referida comunicação. // Pela análise dos documentos remetidos não se apuram valores em dívida, conforme quadro discriminativo de valores que se junta (Doc. 02). Contudo, os documentos que se encontram na posse do signatário são insuficientes para que tal afirmação seja conclusiva relativamente ao 1º ano de cessão de rendimentos. // III – DISTRIBUIÇÃO DE VALORES // Dado que no presente caso não houve lugar à entrega de qualquer valor a título de rendimento disponível, não há lugar à distribuição de valores”.
8. Dos documentos juntos relativamente ao ano de 2023, apenas comprovou o valor anual auferido pelo devedor a título de pensão e no que concerne ao ano de 2024, comprovou os valores auferidos mensalmente entre janeiro e maio, inclusive.
8A. O insolvente recebeu, a título de “pensão”, os seguintes valores: de janeiro a maio de 2024, inclusive, respetivamente, 843,07€, 849,07€, 849,07€, 855,07€ e 849,07€, no total de 4.245,35€ [ [3] ].
9. Por despacho de 12-09-2024, ordenou-se a notificação do insolvente para entregar ao fiduciário comprovativos dos rendimentos auferidos mês a mês entre junho de 2023 e dezembro de 2023, inclusive, bem como cópia da declaração de IRS relativa ao exercício de 2023, bem como as notas de liquidação relativas aos exercícios de 2022 e 2023, com a advertência de que a falta de colaboração com o sr. fiduciário ou com o tribunal poderá acarretar a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante [ [4] ].
9A. Despacho notificado à patrona do insolvente por comunicação de 13-09-2024; não foi dirigida qualquer comunicação ao próprio insolvente.
10. O fiduciário, a 17-10-2024 informou os autos que não dispõe de elementos para confirmar os rendimentos disponíveis relativamente ao primeiro ano de cessão.
11. Referiu que se mantinham em falta os comprovativos dos valores auferidos mês a mês entre junho de 2023 e dezembro de 2023, inclusive e entre junho de 2024 e a presente data e que o insolvente “[d]everá ainda remeter a declaração de IRS relativa ao exercício de 2023 e comprovar em que data auferiu o reembolso no montante de 231,00 euros” [ [5] ].
12. Por despacho 07-11-2024 foi determinada a notificação do insolvente para vir juntar os elementos em falta [ [6] ] [ [7] ]. 
12A. Despacho notificado ao próprio insolvente e ainda à patrona do insolvente por comunicações de 08-11-2024.
12B. Em resposta a essa notificação, por mensagem eletrónica remetida para o processo, em 13-11-2024, veio o insolvente apresentar vários documentos, a saber:
- Demonstração de liquidação de IRS alusiva ao “período de rendimentos” de 2023-01-01 a 2023-12-31” (número do documento:2024 00003375379);
- Demonstração de liquidação de IRS alusiva ao “período de rendimentos” de 2022-01-01 a 2022-12-31” (número do documento: 2023 00004177993);
- Declaração emitida pelo Centro Nacional de Pensões em 19-01-2024 [ [8] ].
12 C. O insolvente auferiu os seguintes valores:
- No “período de rendimentos” de 2023-01-01 a 2023-12-31 o “rendimento global” de 11.120,22€, tendo tido um reembolso de IRS de 231,00€, pago por transferência bancária realizada em 2024-07-03 pela autoridade tributária;
 - No “período de rendimentos” de 2022-01-01 a 2022-12-31 o “rendimento global” de 9.982,31, tendo tido notificado pela mesma entidade “de que não há lugar ao pagamento de reembolso”;
- No ano de 2023, do Centro Nacional de Pensões, o “valor total de pensões” de 11.120,22€, com 231,00€ de “retenções de IRS” (informação reportada pelo CNP em 19-01-2024);
- No ano de 2024, do Centro Nacional de Pensões, o “valor mensal” de pensão de 856,07€ (informação reportada pelo CNP em 19-01-2024) [ [9] ].
13. O fiduciário informou que:
“No que concerne ao ano de 2023, apenas comprovou o valor anual auferido pelo devedor a título de pensão (Doc. 01). Relativamente ao ano de 2024, comprovou os valores auferidos mensalmente entre Janeiro e Maio, inclusive”.
13A.  Fazendo-o por relatório apresentado em 21-11-2024, com o seguinte teor:
“RELATÓRIO ANUAL – ARTIGO 240º
(…) I - INTRODUÇÃO // Através deste documento vem o Fiduciário, nos termos do disposto no artigo 240º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, dar a conhecer ao Tribunal e aos credores do processo de insolvência a actual situação da cedência de valores efectuada pelo insolvente, no âmbito da exoneração do passivo restante, cujo despacho inicial foi emitido em 22-05-2023. // II – SITUAÇÃO DA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE // Em 03-05-2024, 26-06-2024 e em 17-10-2024, o aqui signatário apresentou aos autos o relatório anual, nos termos do disposto no artigo 240º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. // Desde o início da cessão de rendimentos, remeteu as notas de liquidação de IRS relativas aos exercícios de 2021, 2022 e 2023. // À semelhança de informação anterior, deverá remeter a declaração de IRS relativa ao exercício de 2023. Comprovou já em que mês auferiu o reembolso de IRS. // No que concerne ao ano de 2023, apenas comprovou o valor anual auferido pelo devedor a título de pensão (Doc. 01). // Relativamente ao ano de 2024, comprovou os valores auferidos mensalmente entre Janeiro e Maio, inclusive. // Assim, mantém-se o referido anteriormente aos autos, tornando-se necessário que comprove os valores auferidos mês a mês entre Junho de 2023 e Dezembro de 2023, inclusive e entre Junho de 2024 e a presente data. // Conforme comunicação electrónica da ilustre mandatária (Doc. 02), refere esta que o devedor não tem capacidade para lhe serem solicitadas “coisas muito minuciosas” e que tem prestado informações completas, o que é por si só contraditório. // O aqui signatário não pode concordar com tal afirmação e a legislação e a tramitação destes processos não permitem margens para dúvidas quanto a esta questão. Acresce ainda que tal informação também contraria a situação anterior, em que o insolvente comprovou rendimentos de alguns meses. // Ao requererem a exoneração do passivo restante, pressupõe-se que os devedores estão cientes dos deveres inerentes ao mesmo e da sua importância/implicação para os próprios e para os credores, pelo que se espera interesse e colaboração dos mesmos, nomeadamente ao diligenciarem no sentido de comprovarem os seus rendimentos e cederem valores, quando a isso haja lugar. // Para comprovar os valores mensais auferidos, terá de diligenciar junto do Centro Nacional de Pensões por extracto mensal dos valores pagos por esta entidade, como fazem os insolventes pensionistas nos vários processos. // Pela análise dos documentos remetidos, aparentemente, não se apuram valores em dívida, conforme quadro discriminativo de valores que se junta (Doc. 03). Contudo, os documentos que se encontram na posse do signatário são insuficientes para que tal afirmação seja conclusiva. // Relembra-se que pelo menos em 02 meses do ano o valor da pensão duplica. A tal valor poderá eventualmente acrescer o reembolso de IRS. Facilmente se conclui que nesses meses terá rendimentos a ceder. // Crê o signatário que neste momento o insolvente já deveria ter cedido valores próximos de 2.000,00 euros. No entanto, cabe aqui também referir que o insolvente não só não cedeu qualquer valor como nada refere quanto a tal assunto. // III – DISTRIBUIÇÃO DE VALORES // Dado que no presente caso não houve lugar à entrega de qualquer valor a título de rendimento disponível, não há lugar à distribuição de valores. // Junta: 03 documento(s)”
13B. Acompanhou o relatório o documento emitido pelo Centro Nacional de Pensões (“declaração” alusiva ao insolvente), em 19-01-2024, supra referido.
13C. E ainda uma mensagem eletrónica enviada ao fiduciário pela mandatária do insolvente, em 25-10-2024, com o seguinte teor:
“Exmº Senhor AI // Envio os documentos solicitados e reenviados pelo Insolvente // Consegue-se ver claramente no documento ISS que recebe €856,97€, // A nota de liquidação comprova o valor que recebeu. // O Senhor não tem capacidade para estarmos a pedir coisas minuciosas. Já dei o contacto no email que antecede. // O Senhor Insolvente tudo tem informado ao D. AI”.      
14. O fiduciário refere que não tem na sua posse elementos suficientes para determinar o rendimento disponível, sendo que, relembra que pelo menos em 02 meses do ano o valor da pensão duplica, pelo que poderá eventualmente acrescer o reembolso de IRS e por conseguinte, existirão valores a ceder próximos dos 2 000, 00€.
15. Até ao presente, o insolvente não entregou ao fiduciário os documentos solicitados, nem apresentou qualquer justificação para a omissão de entrega [ [10] ]. 
16. No apenso de reclamação de créditos (apenso B) foi proferida sentença em 17-05-2023, transitada em julgado, tendo-se homologado a lista de créditos reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência, lista na qual se identifica o valor total dos créditos reclamados e reconhecidos em 170.496,54€, dos quais 57.175,86€ alusivos ao capital e 113.320,68 € a “juros e outros”, englobando créditos da CGD (125.472,94€), da NOS COMUNICAÇÕES SA (965,65€), do NOVO BANCO SA (4.616,07€) e de SCALABIS- STC, SA (39.441,88€), todos identificados como tendo natureza comum. Nessa sentença determinou-se que “os créditos reconhecidos serão pagos através do rendimento a ceder com respeito ao disposto no art. 241.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”.   
III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela devedora/apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, impõe-se apreciar:
- Da matéria que o tribunal de 1.ª instância deu como assente sob o número 15 dos factos provados;
- Da verificação dos pressupostos para a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante do devedor, atento o disposto no art. 243.º do CIRE, diploma a que aludiremos sempre que não se fizer menção de origem.
2. A 1.ª instância, considerando dever incluir na factualidade que deu como assente que “[a]té ao presente, o insolvente não entregou ao sr. fiduciário os documentos solicitados, nem apresentou qualquer justificação para a omissão de entrega” (número 15 dos factos assentes), fê-lo indevidamente, porquanto se trata de asserção notoriamente conclusiva, a extrair de elementos que, esses sim, traduzem factos, no caso, a realidade que o processo evidencia, para o que se deve atender à posição processual espelhada nos autos pelo próprio insolvente ou pelo profissional do foro que o representa, e dos termos em que o foi e ainda à posição do fiduciário, que deu nota igualmente da interação que a patrona do insolvente estabeleceu consigo, na sequência das notificações judiciais. Ou seja, a formulação negativa só tem cabimento para indicar que, notificado para prestar determinadas informações e/ou apresentar determinados documentos, o insolvente nada disse ou juntou (nem ao processo, nem ao fiduciário); mas tendo intervenção e/ou contactando com o fiduciário, como aqui aconteceu, então o que se impõe é que se dê como assente que teve essa intervenção e termos em que a mesma se processou para, em sede de apreciação jurídica, se concluir então quais os documentos omitidos, qual a informação não prestada e se o que foi dito configura qualquer justificação para a eventual conduta omissiva. 
Configurando a presente lide uma ação tendente a apreciar se o insolvente omitiu o dever de informação/colaboração que impende sobre si, é inadmissível que a Juiz dê como assente, pela negativa, o que o insolvente não entregou, ou não justificou, nesses precisos termos. Não pode o tribunal de primeira instância ignorar que é proibida a formulação, em sede de julgamento de facto, de juízos conclusivos, como é o caso e/ou com conteúdo estritamente técnico-jurídico; a matéria em causa, assim integrada na factualidade dada por assente, resolveria imediatamente uma das questões de direito colocada no processo, a saber, se o insolvente cumpriu ou não a determinação do tribunal com vista à entrega de determinados documentos.
Como se referiu no acórdão do STJ de 14-05-2014, “[é] abundante a jurisprudência desta Secção do Supremo Tribunal na afirmação de que o preceituado no n.º 4 do art. 646.º do CPC, no sentido de se terem por «não escritas» as respostas do tribunal sobre questões de direito, estende o seu campo de aplicação às asserções de natureza conclusiva porquanto as mesmas se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum, devendo, por isso, as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas do acervo factual a considerar e, quando isso não suceda, deve tal pronúncia ter-se por não escrita, cabendo ao Tribunal da Relação, no sobredito julgamento de facto, cuidar, oficiosamente, da observância do estipulado no referido n.º 4 do artigo 646.º. // Consolidado também está que o thema decidendum corresponde ao conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objecto do recurso, isto é, a componente jurídica que suporta a decisão, pelo que, sempre que um ponto da matéria de facto (quesito) integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto do recurso ou da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado, em nome dos princípios que inspiram a norma do referido n.º 4 do art. 646.º do CPC. // Impõe-se, deste modo, uma apreciação da matéria de facto fixada sob esta perspectiva, não se podendo incluir na mesma a valoração jurídica de factos, mas apenas as circunstâncias de vida subjacentes a essas valorações que as possam vir a sustentar, na apreciação jurídica que sobre as mesmas venha a ser realizada, integrando, já estas, matéria de direito” [ [11] ].
A apontada jurisprudência vale no domínio da nova lei processual civil, pese embora não se encontre dispositivo coincidente com o anterior art. 646.º, n.º 4 – tendo até em conta o disposto no art. 607.º, n.º 3 do novo diploma –, pelo que deve considerar-se juridicamente irrelevante a matéria que o tribunal considerar como provada, em violação do apontado comando.
Em suma, afigura-se- que não pode atender-se à matéria consignada sob o número 15, nos termos em que a Juiz entendeu formular a mesma.
3. Como se sabe, o deferimento do pedido de exoneração do passivo restante acarreta a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida (art. 245.º, n.º 1), permitindo-se ao devedor “um novo começo (fresh start), recuperando assim da sua situação de insolvência” [ [12] ]. Esse foi, conforme expresso no preâmbulo do DL 53/2004, de 18/03, que aprovou o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, o objetivo do legislador.
Do outro lado da balança está o interesse do credor, o seu direito ao cumprimento, pretendendo-se harmonizar todos os interesses [ [13] ]. Como se referiu no acórdão do TRC de 31-01-2012 a “exoneração” não se pode/deve aplicar aos devedores que se endividaram de forma completamente “leviana”, que se infere que não pensaram “duas vezes” quando se deram conta que era “fácil” obter um financiamento, que se recusaram a perceber que jamais iriam ter meios para liquidar as dívidas que estavam a contrair “levianamente”; a exoneração não pode/deve servir para, contraídas avultadas dívidas – para o rendimento e património de quem contrai tais dívidas –, se pretender, pura e simplesmente, nada pagar ou quase nada pagar [ [14] ]. 
Do disposto nos arts. 239.º a 248.º resulta que, proferido o despacho inicial de exoneração do passivo restante (art. 239.º, nº1) – o que significa que inexistia motivo para o indeferimento liminar do pedido de exoneração –, e decorrido o período de cessão (art. 239.º, n.º 2), é proferida a decisão final de exoneração (art. 244.º); sem prejuízo, casos há em que nem sequer se justifica aguardar pelo terminus do período de cessão porquanto ocorrem motivos para a cessação antecipada do procedimento de exoneração (art. 243.º).
É com este pano de fundo que se cuida aqui de saber se é correta a decisão proferida, na sequência de pedido de cessação antecipada da exoneração do passivo restante formulado pelo credor.
Os fundamentos para a cessação antecipada do procedimento de exoneração estão taxativamente enunciados no art. 243.º [ [15] ] e está aqui em causa a subsunção da conduta da insolvente ao disposto no art. 243.º, n.º 1, alínea a).
Para a verificação do condicionalismo previsto no referido art. 243.º, n.º 1, alínea a) o legislador exige três requisitos cumulativos, a saber, (i) que o insolvente tenha agido em violação das obrigações impostas pelo art. 239.º, (ii) que o insolvente tenha atuado com dolo ou negligência grave (nexo de imputação subjetiva) e (iii) que a sua atuação cause um prejuízo para os credores (nexo de causalidade adequada).
Quanto ao procedimento alusivo ao incidente em causa, o legislador estabeleceu uma regulação muito precisa. Assim:
- Têm legitimidade para deduzir o incidente os credores da insolvência, o administrador da insolvência se ainda estiver em funções e o fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor (art. 243.º, n.º 1, proémio);
- A pretensão formulada pelo requerente deve ser fundamentada (art. 243.º, n.º 1, proémio), o que significa que incumbe ao interveniente processual que suscita o incidente o ónus de alegação e prova dos pressupostos enunciados (art. 342.º, n.º 1 do Cód. Civil) – cfr. ainda o disposto no n.º 2 do art. 243.º;
- É obrigatória a audição do devedor, do fiduciário e dos credores da insolvência, à exceção, obviamente, do requerente do incidente nas hipóteses em que o pedido de cessação antecipada se baseie nas alíneas a) e b) do n.º 1, do art. 243.º (art. 243.º, n.º 3);
- O exercício do contraditório relativamente ao devedor deve ser feito, nessas hipóteses, com a advertência de que “a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las”. Trata-se de um efeito cominatório – cominação processual – expressamente previsto no citado preceito, pelo que o juiz só pode/deve dar efetividade ao mesmo se previamente o devedor foi alertado para esse efeito.
Volvendo ao caso em apreço, temos de concluir, em face das vicissitudes processuais supra relatadas e considerando o período de cessão, a decorrer, grosso modo, entre junho de 2023 a junho de 2026 que, ao contrário do que entendeu a primeira instância, não se verificam todos os pressupostos legais para a cessação antecipada.
A fundamentação exposta pela 1ª instância, depois de considerações gerais que não suscitam controvérsia, foi a seguinte:
“Ora, resulta claro, em face do relatório e requerimentos apresentados pelo sr. fiduciário, que o insolvente, bem sabendo que a tal estava obrigado, não lhe prestou, sem justificação, as informações necessárias por este solicitadas, designadamente, não lhe deu a conhecer os rendimentos auferidos mês a mês entre Junho de 2023 e Dezembro de 2023, inclusive e entre Junho de 2024 a Dezembro a 2024, sendo patente a violação do especial dever de colaboração a que estava vinculado. // Por outro lado, apesar de várias vezes interpelado pelo sr. fiduciário e de notificado pelo tribunal para apresentar comprovativos dos rendimentos auferidos mês a mês entre Junho de 2023 e Dezembro de 2023, inclusive, bem como cópia da declaração de IRS relativa ao exercício de 2023, bem como as notas de liquidação relativas aos exercícios de 2022 e 2023, com a advertência de que a falta de colaboração com o sr. fiduciário ou com o tribunal poderá acarretar a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante, o insolvente apresentou as notas de liquidação de 2022 e 2023. E no que concerne ao ano de 2023 limitou-se a comprovar o valor anual auferido a título de pensão. // Aliás, mesmo após ter sido requerida a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante, o insolvente, nada referiu e continuou a omitir a entrega dos documentos em falta. // Acresce que não apresentou o insolvente qualquer justificação válida para o incumprimento das obrigações a que está adstrito, e que não se restringem à entrega dos rendimentos sujeitos à cessão. // O insolvente, como supra se referiu, estava obrigado a prestar informações ao tribunal e ao fiduciário sobre os seus rendimentos, no prazo em que isso lhe fosse requisitado. // Não cumpriu o insolvente estas obrigações voluntariamente, nem quando para o efeito repetidas vezes contactado pelo sr. fiduciário, nem quando notificado pelo tribunal, nem mesmo quando confrontado com o pedido de cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante. // Não pode o insolvente, simplesmente, ignorar o despacho que impõe as obrigações associadas à admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante e pretender, sem apresentar qualquer justificação válida para o incumprimento dessas obrigações, ver recusado o pedido de cessação antecipada do procedimento. // O descrito comportamento do insolvente assenta, pelo menos, numa grave falta de cuidado em cumprir com as obrigações impostas, prejudicando a satisfação dos créditos sobre a insolvência, configurando motivo de cessação antecipada (v. Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/02/2020, processo n.º 911/15.9T8BRR, relatado por Vera Antunes, e de 24/01/2023, processo n.º 2821/15.0T8BRR, relatado por Fátima Reis Silva)”. 
Apreciando.
Verifica-se que o tribunal considerou “patente a violação do especial dever de colaboração a que estava vinculado” porquanto o insolvente, não prestou nem deu a conhecer “os rendimentos auferidos mês a mês entre Junho de 2023 e Dezembro de 2023, inclusive e entre Junho de 2024 a Dezembro a 2024”.
A primeira parte da afirmação tem suporte na factualidade dada por assente porquanto o insolvente comprovou apenas o valor dos rendimentos auferidos no ano de 2023 – como a 1ª instância reconheceu, pese embora afirme que “[e] no que concerne ao ano de 2023 limitou-se a comprovar o valor anual auferido a título de pensão” , mas não os que auferiu, pontualmente, em cada um dos meses desse ano, como lhe foi pedido, sendo certo que foi notificado expressamente para esse efeito, por duas vezes, conforme despachos de 12-09-2024 e de 07-11-2024 (cfr. os números 9 e 12 dos factos assentes) e não apresentou qualquer documento que especificasse esses valores.
O mesmo não pode dizer-se relativamente à segunda parte da afirmação da 1ª instância, porquanto, ao contrário do que é indicado, quanto aos rendimentos auferidos em 2024, entre junho a dezembro, o insolvente apresentou a declaração emitida pelo CNP que indicava o valor mensal da prestação nesse ano, a saber, 856,07€ (cfr. a factualidade dada por assente sob os números 12B e 12C), salientando-se que se conhece com precisão os valores auferidos entre janeiro e maio inclusive (cfr. a factualidade dada por assente sob o número 8A). Saliente-se que, em rigor, no processo, nem sequer estavam em causa os valores auferidos em novembro e dezembro de 2024, porquanto o último despacho que convocou o insolvente a prestar informações data de 07-11-2024, tendo o relatório subsequente do fiduciário sido apresentado em 21-11-2024 (cfr. a factualidade dada por assente sob os números 12, 13 e 13A).
Quanto às declarações de IRS e notas de liquidação de IRS que o fiduciário também pretende que lhe sejam entregues pelo insolvente, novamente, este prestou os documentos alusivos às notas de liquidação relativas aos exercícios de 2022 e 2023, como resulta da fundamentação expressa pelo próprio tribunal e supra transcrita – cfr. ainda a factualidade dada por assente sob os números 12B e12C – conhecendo-se inclusive o valor do reembolso e data da transferência em 2023 (cfr. a factualidade dada por assente em 12-C); ou seja, o insolvente cumpriu em larga medida o que lhe havia sido indicado pelo tribunal, na sequência do que o fiduciário exigiu no relatório que apresentou – cfr. a factualidade dada por assente sob o número 7A –. faltando apenas a declaração de IRS apresentada pelo insolvente e alusiva ao exercício 2023, documento que não temos como essencial ou determinante para a elaboração do referido relatório anual, porquanto o que define a obrigação tributária é a nota de liquidação e essa já foi apresentada ou, noutra perspetiva, a declaração é apenas um ato instrumental de um procedimento que culmina no ato de liquidação.
Neste contexto, pode afirmar-se, como o tribunal de 1ª instância faz, que o “descrito comportamento do insolvente assenta, pelo menos, numa grave falta de cuidado em cumprir com as obrigações impostas”?
Entendemos que não.
Está em causa aferir se, no decurso do período de cessão, o devedor, com dolo ou grave negligência, violou o dever de “informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado” (art. 239.º, n.º 4, alínea a) e cfr. ainda o art. 83.º, n.º 1, alínea a).
O preenchimento desse tipo exige, pois, a verificação de um elemento objetivo, consubstanciado na violação desse dever e um elemento de cariz subjetivo, o dolo ou a culpa grave, ponderando o critério a que alude o art. 487.º, n.º 2 do Cód. Civil [ [16] ]. Na aferição do elemento subjetivo, o legislador exclui os casos de mera culpa ou negligência, que se traduz na violação de um dever de cuidado, na omissão da diligência exigível ao agente [ [17] ]. Se a negligência é grosseira, isto é, cometida por um homem excecionalmente descuidado, sendo associada a um comportamento temerário, então estamos perante uma hipótese de culpa grave, equiparável ao dolo [ [18] ].
No caso, como resulta do que se referiu, o insolvente não se alheou do processo nem dos deveres de informação que sobre si impendem, antes cumprindo, cremos que em larga medida, as solicitações feitas pelo fiduciário. Para além da comunicação entre a patrona nomeada e o fiduciário, de que a factualidade assente dá nota, é particularmente impressiva a circunstância de o próprio insolvente se ter dirigido ao tribunal, na sequência do despacho proferido em 07-11-2024 (despacho em que a Juiz, pela primeira vez, ordenou a notificação do próprio insolvente e não apenas da respetiva patrona), por mensagem eletrónica expedida a seu pedido com a colaboração de uma terceira entidade (que digitalizou os documentos enviados), não se vislumbrando que nem o fiduciário, nem o tribunal, tenham valorado devidamente essa conduta – cfr. a factualidade dada por assente em 12A e 12B.
A dinâmica da intervenção do insolvente, por si e por intermédio da patrona nomeada, pode sintetizar-se assim:
- Despacho de 22-05-2024, com informação do fiduciário em 26-06-2024 indicando que a “mandatária do devedor” lhe remeteu comunicação eletrónica” e juntou alguns documentos (cfr. os números 6, 6A, 7 e 7A;
- Despacho de 12-09-2024 a que o insolvente não correspondeu, como decorre da factualidade expressa sob os números 9, 9A, 10 e 11;
- Despacho de 07-11-2024, na sequência do qual o insolvente comunica eletronicamente com o tribunal em 13-11-2024, juntando documentos, como decorre da factualidade enunciada sob os números 12, 12A, 12B, 12C,13 e 13A, sendo que o fiduciário apresenta o relatório subsequente em 21-11-2024 e dá nota de nova comunicação eletrónica da patrona datada de 25-10-2024 (cfr. os números 13, 13A, 13B e 13C).
Discorda-se, pois, do juízo valorativo feito pela 1ª instância, entendendo-se que na aferição do referido pressuposto de índole subjetiva o processo não reúne os elementos que permitam concluir que o devedor agiu com dolo ou culpa grave. Antes se concorda com a posição manifestada pelo insolvente nas alegações de recurso, quando afasta a hipótese de o insolvente ter agido com grave negligência (conclusões 9 e 11), ainda que não se alcance qualquer razão para a patrona nomeada, profissional do foro que representa o insolvente e defende os seus interesses, se ter abstido de intervir no processo, exercendo o contraditório, quando notificada pelo tribunal para se pronunciar sobre o requerimento apresentado pelo credor tendo em vista a cessação antecipada do pedido de exoneração. Sem prejuízo, ainda quanto às alegações de recurso, são notoriamente despropositadas as afirmações vertidas nas conclusões 12 – sempre será de perguntar quais as “despesas devidamente comprovadas arcadas no âmbito do exercício da sua pensão auferida” (sic), questão que nunca sequer se colocou no processo – e 23, esta última devida seguramente a lapso, porquanto há muito se mostra ultrapassada a fase liminar de (in)deferimento do incidente, sendo que já se aludiu supra à respetiva tramitação.
Em suma, tendo o insolvente sido convocado para apresentar ao fiduciário documentos que este solicitou porque entendeu pertinentes para o apuramento do rendimento disponível com vista à apresentação do seu relatório anual (art. 240.º, n.º2 do CIRE), não pode qualificar-se como gravemente negligente, para efeitos de fundamentar a decisão de cessação antecipada da exoneração, a conduta do devedor que, contatando com o fiduciário por intermédio da patrona respetiva e tendo ainda intervenção direta no processo por via de mensagem eletrónica enviada:
-  Junta as notas de liquidação de IRS alusivas aos anos de 2022 e 2023, com indicação do valor de reembolso auferido e data da transferência omitindo, no entanto, a junção da declaração de IRS relativa ao ano 2023, que o fiduciário também exigia;
 - Junta declaração emitida pelo Centro Nacional de Pensões comprovativa do valor global da pensão auferida no ano de 2023 e dos valores recebidos em cada um dos meses de janeiro a maio, inclusive, de 2024, bem como do valor mensal da pensão neste ano de 2024 omitindo, no entanto, os valores recebidos mês a mês, no ano de 2023 e de junho (inclusive) de 2024 em diante, que o fiduciário também exigia.
Por último, não pode deixar de se assinalar que o caso em apreço não tem contornos similares às situações que estavam em análise nos dois arestos citados na decisão recorrida [ [19]  ]  [  [20] ], em que a violação, pelo insolvente, dos deveres respetivos, nas hipóteses aí analisadas assumiu um grau muitíssimo elevado de ilicitude e culpa, como assinalado nesses arestos, exatamente num contexto – que aqui cremos não se poder colocar – em que foi equacionada a aplicação do fundamento autónomo de cessação antecipada contemplado na 2ª parte do número 3 do art. 243.º. Saliente-se que neste último aresto de 24-01-2023 se chegou a afirmar, em sede de fundamentação, que “[n]esse aspeto o presente caso é exemplar – o insolvente nunca forneceu todos os elementos pedidos. Não se logrou saber, ainda no decurso do período de cessão e após findo o mesmo, ou seja, em tempo útil para a decisão, quais exatamente os rendimentos do insolvente”.
Ora, no caso aqui em análise, não se coloca qualquer questão atinente à aferição sobre se o insolvente auferiu outros rendimentos, respetiva proveniência e valores, para além da sua pensão. Assim, aquando da sua apresentação à insolvência, o devedor aludiu à a sua situação profissional alegando que “é aposentado, auferindo sensivelmente € 717 (…) , a título de pensão” e juntou documento emitido pelo CNP, em 25-08-2022, dando nota que o insolvente auferia uma “Pensão de Velhice, atribuída ao abrigo do regime especial de Desemprego de longa Duração”, com a redução de valor prevista no número 4 do art. 58.º do Dec. Lei 220/2006 de 3/11, alterado pelo Dec. lei n.º 167-E/2013, de 31-12 e que, “[e]ste valor de redução é anulado quando o pensionista atinja a sua idade normal de acesso à pensão de velhice, o que se verificou ao completar os 66 anos e 0 meses de idade (n,º 5 do artigo 58.º)// Assim, a sua pensão atual, no valor de 635,89 euros, recuperará a redução inicialmente aplicada (82,02 euros), o que significa que passará a ter o novo valor mensal de 717,91 euros, a partir de 2022-10-01” (sublinhado nosso). Mais alegou não possuir quaisquer bens imóveis ou móveis sujeitos a registo (art. 19.º) e que entregou o veículo que tinha com a matrícula 82-91-DZ para abate em 29-07-2022, “por se tratar de veículo antigo, sem valor comercial relevante” (art. 20.º), sendo certo que, como resulta da factualidade assente, a 1ª instância determinou o encerramento do processo de insolvência exatamente no contexto de inexistência de bens do insolvente. Nem o fiduciário, nem qualquer credor, colocaram hipótese de o insolvente ter outras fontes de rendimentos para além dessa pensão, pelo que o caso em apreço se resume, rigorosamente, na posição que o fiduciário espelhou no processo, à pormenorização do valor que essa pensão atingiu em cada um dos meses de junho a dezembro de 2023, sabendo-se que, num quadro em que foi fixado ao insolvente como rendimento indisponível o valor equivalente a 1,5 SMN, ou seja, um valor de 1.140,00€ mensais em 2023 (SMN fixado em 760,00€) e um valor de 1.230,00€ mensais em 2024  (SMN fixado em 820,00€), os valores alusivos à pensão em causa foram os seguintes:  
- Em 2022, o valor mensal da pensão, no fim desse ano, atingiu os 717,91€;
- Em 2023, o valor anual da pensão foi de 11.120,22€;  
- Em 2024, o valor mensal da pensão indicado pelo CNP foi de 856,07€.
Noutra ordem de considerações dir-se-á que o fiduciário se tem escusado a proceder ao cômputo do rendimento disponível/indisponível do devedor no período de cessão já decorrido invocando não ter elementos de informação disponíveis para tal, afigurando-se que se trata de posição que não tem justificação. Esse cômputo deve ser feito tendo como base um referente anual, atendendo ao regime legal e ponderando alguns parâmetros que a jurisprudência vem indicando [ [21] ], sendo que no despacho de admissão liminar do pedido de exoneração o tribunal de 1ª instância fixou o valor do rendimento indisponível em 1,5 SMN, sem fornecer qualquer indicação quanto à forma de cômputo dos valores em causa.
No entanto, se o tribunal aceita a referida posição do fiduciário, pode/deve, se entender que tal se justifica, diligenciar oficiosamente com vista à recolha da informação adicional que entenda oportuna sobre o insolvente, atento o princípio do inquisitório, com a especial configuração que resulta do art. 11.º e que aqui é aplicável considerando que estamos perante um incidente tramitado no próprio processo de insolvência [ [22] ], diligenciando junto do CNP e da autoridade tributária e assim agilizando procedimentos, que no caso se afiguram particularmente simples.
Tudo para concluir que no balanceamento entre a posição dos intervenientes processuais (credores/devedor) e os vários interesses em jogo, não se afigura equilibrado e proporcionado sancionar a conduta do insolvente com a aplicação da medida mais gravosa – a cessação antecipada do pedido de exoneração do passivo restante –, num caso em que essa conduta não se pautou pelo evidente e reiterado silêncio do devedor na apresentação dos documentos que ao longo do tempo lhe têm sido solicitados, não podendo reconduzir-se o caso dos autos a uma situação em que o fiduciário se encontra objetivamente impossibilitado de apurar o rendimento disponível no período de cessão por virtude da conduta do insolvente.
3. Tendo o incidente de cessação antecipada, na sequência do qual foi proferida a decisão recorrida, sido apresentado pelo credor NOVO BANCO, SA, decaindo este nessa pretensão, é responsável pelo pagamento das custas devidas, quer em 1ª instância, quer nesta Relação (art. 527.º, n.º 1 do CPC).
*
Pelo exposto, julgando procedente a apelação, revoga-se a decisão recorrida, indeferindo-se o pedido de cessação antecipada da exoneração do passivo restante formulado pelo credor.
Custas pelo credor NOVO BANCO, SA, nos moldes assinalados.
Notifique.

2025-05-13
Isabel Fonseca
Susana Santos Silva
Elisabete Assunção
_______________________________________________________
[1] Procedendo-se à respetiva numeração, para facilidade de análise, uma vez que a 1ª instância não o fez.
[2] Retificou-se a redação dada pela 1ª instância que, por lapso evidente, omitiu o segmento de texto “comprovativos dos rendimentos”.
[3] São esses os factos que resultam do documento apresentado ao fiduciário pelo insolvente e que aquele juntou com o referido relatório. Como se sabe, salvo casos pontuais – que não o presente –, o que se deve levar à factualidade assente são factos e não os elementos de prova (no caso, documentos) que os suportam.
Salienta-se que esse foi o único documento junto pelo fiduciário com o seu relatório; efetivamente, a afirmação da 1ª instância vertida no número 8, no sentido de que “[d]os documentos juntos relativamente ao ano de 2023, apenas comprovou o valor anual auferido pelo devedor a título de pensão”, constitui mera reprodução do que indica o fiduciário no relatório, supra transcrito, não tendo o fiduciário junto qualquer documento comprovativo dos valores auferidos a título de pensão no ano de 2023.
[4] Retificou-se a redação dada pela Juiz, que era a seguinte: “[o] insolvente, por despacho de 12-09-2024, foi notificado para (…)”.
[5] Corrigiu-se a redação dada pela 1ª instância, que era a seguinte: “[r]eferiu que se mantinham em falta os comprovativos dos valores auferidos mês a mês entre junho de 2023 e dezembro de 2023, inclusive e entre junho de 2024 e a presente data e remeter a declaração de IRS relativa ao exercício de 2023 e comprovar em que data auferiu o reembolso no montante de 231,00 euros”.
[6] Corrigiu-se o lapso evidente na indicação da data (“07-11-2025”) e não, como se impunha “07-11-2024”.
[7] O despacho tem a seguinte redação:
“Rela. 17/10/2024: Visto. // Renovo o despacho de 12/09/2024, que deverá, desta feita, ser notificado também pessoalmente ao insolvente”.
[8] Fazendo-o por intermédio de Dinocopia Lda.  (“centro de cópias”), que enviou para o processo mensagem eletrónica com o seguinte teor:
De:DINOCÓPIA centro de cópias <dinocopia.copias@gmail.com>
Enviado: quarta-feira, 13 de novembro de 2024 10:26
Para:      LISBOA - Comercio - Barreiro
Assunto: documentos de LC (refª_ 43999570 / Insolvencia pessoa singular
Anexos: DOC003.pdf
 envio de documentos digitalizados em anexo a pedido de nosso cliente presente na loja
 obrigado
cumps” (sublinhado nosso).
[9] Factualidade que se retira dos documentos juntos pelo insolvente com a mensagem eletrónica indicada, documentos a que supra se aludiu.
[10] Esta matéria vai ser objeto de análise em sede de fundamentação jurídica da decisão.
[11] Processo nº 260/07.6TTVRL.P1.S1 (Relator: Melo Lima), acessível in www.dgsi.pt, como todos os demais aqui referidos.
Cfr. ainda, mais recentemente, a propósito desta matéria, os acórdãos do STJ de 12-01-2021, processo 2999/08.0TBLLE.E2. S1 (Relator: Pedro Lima Gonçalves) e de 19-01-2023, processo: 15229/18.7T8PRT.P1. S1 (Relator: Fernando Baptista); e ainda Paulo Ramos de Faria, Escrito ou não escrito, eis a questão! (A inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto), in Julgar Online, novembro de 2017|12.
[12] Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2009, p.319.   
[13] Lê-se no nº 45 do preâmbulo que “o Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência (…) é agora também acolhido entre nós, através do regime da "exoneração do passivo restante”.
[14] Proferido no proc. 3638/10.4 TJCBB-G.C1 (Relator: Barateiro Martins).
[15] Artigo 243.º
Cessação antecipada do procedimento de exoneração
1 - Antes ainda de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando:
a) O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência;
b) Se apure a existência de alguma das circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) do n.º 1 do artigo 238.º, se apenas tiver sido conhecida pelo requerente após o despacho inicial ou for de verificação superveniente;
c) A decisão do incidente de qualificação da insolvência tiver concluído pela existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.
2 - O requerimento apenas pode ser apresentado dentro do ano seguinte à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados, devendo ser oferecida logo a respectiva prova.
3 - Quando o requerimento se baseie nas alíneas a) e b) do n.º 1, o juiz deve ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência antes de decidir a questão; a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las.
4 - O juiz, oficiosamente ou a requerimento do devedor ou do fiduciário, declara também encerrado o incidente logo que se mostrem integralmente satisfeitos todos os créditos sobre a insolvência.
[16] “O pressuposto da culpa grave deve ser aferido segundo o critério de apreciação enunciado no artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, devendo considerar-se verificado esse pressuposto se estiver em causa uma conduta do agente que só seria susceptível de ser realizada por pessoa especialmente negligente, actuando a maioria das pessoas de modo diverso” (Acórdão do TRC de 07-09-2021, processo: 3/21.1T8CBR-B.C1 (Relator: Arlindo Oliveira, estando aí em causa aferir do pressuposto enunciado na alínea d) do n.º 1 do art. 238.º).
No acórdão do TRC de 20-03-2018, processo: 4694/15.4T8VIS-D.C1 (Relator: Emídio Santos), concluiu-se que “II- Uma vez que o CIRE não indica o critério de apreciação da culpa para efeitos da alínea g) do n.º 1 do artigo 238.º, é de aplicar, por analogia, o critério do n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil. /7 III- A não relacionação do imóvel seria de censurar com culpa grave se, tendo em conta as circunstâncias do caso, fosse de concluir que só uma pessoa especialmente descuidada e desatenta é que incorreria na omissão em que incorreram os insolventes.          
[17] Distinguindo -se entre a negligência consciente (“o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê  na sua não verificação”), e a negligência inconsciente (“em que o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação se usasse da diligência devida”) (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 1982, vol. I, Coimbra, Almedina, pp. 491- 492).
[18] “Segundo outra terminologia, a negligência (culpa em sentido restrito) pode ser levíssima, leve ou grave. Será levíssima quando o agente tenha omitido os deveres de cuidado que só uma pessoa excepcionalmente diligente e prudente teria observado; será leve quando o agente deixar de observar os deveres de cuidado que uma pessoa normalmente diligente teria adoptado; será grave quando tiverem sido omitidos os deveres de cuidado a omissão que só uma pessoa especialmente descuidada e incauta deixaria de respeitar” (acórdão do STJ de 13-12-2007, processo 07S3655 (Relator Sousa Peixoto).
Na doutrina, cfr. Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 1972 Cadernos de Ciência Técnica e Fiscal, p. 357, referindo o autor que “a culpa grave ou lata traduz-se na negligência grosseira, só cometida por um homem excepcionalmente descuidado. Considerava-se ainda aplicável à culpa grave o regime do dolo: culpa lata dolo aequiparatur.”
[19] Acórdão do TRL de 23-02-2021 (e não de 2020, como por lapso foi indicado), processo nº 911/15.9T8BRR.L1-6 (Relator: Vera Antunes), assim sumariado:
“I- Para o preenchimento da previsão do art.º 243º, n.º 1, a) do CIRE é necessário, para além da violação dos deveres aí previstos por parte do insolvente, que se verifique em concreto um prejuízo para os credores da insolvência e da omissão de informações resulta que não se pode avaliar da existência desse prejuízo. // II - Mas já o mesmo não se pode dizer quanto à previsão do art.º 243º, n.º 3, parte final do CIRE, que se julga consistir na previsão pelo julgador das consequências aplicáveis a casos como o dos autos, em que há omissão de informação, sem que seja possível enquadrar a mesma nas previsões anteriores, precisamente por não ser possível apurar do concreto prejuízo para os credores. // III - A não ser assim, resultaria que a omissão de informações por parte dos  insolventes redundaria num benefício para os mesmos – bastava nada dizer ou  informar (sendo este um ónus que a Lei impõe a seu cargo, como  contrapartida do benefício que supõe a exoneração do passivo restante) e, já  agora, nenhum rendimento entregar, para que não se pudesse concluir pela  verificação de todos os requisitos para a cessação antecipada do procedimento  de exoneração do passivo restante, uma vez que não seria possível averiguar  do concreto prejuízo para os credores”.
[20] Acórdão do TRL de 24-01-2023, processo: 2821/15.0T8BRR.L1-1 (Relator: Fátima Reis Silva), assim sumariado:
“1 – Factos pessoais do devedor, que não só não são do conhecimento geral como, por regra, apenas são do seu conhecimento e do seu círculo familiar mais restrito, como o facto de viver e trabalhar fora de Portugal e as condições de vida nesse local, não são factos notórios nem podem ser considerados do conhecimento do tribunal em virtude do exercício das suas funções, para os efeitos previstos no art.º 412º do CPC. // 2 - O dolo e a negligência correspondem a representações internas do agente avaliadas pela exteriorização das respetivas ações, ou seja, são factos que se extraem das ações ou omissões dos agentes, não sendo suscetíveis de prova direta, como representações internas que são. // 3 – Apurado que o devedor que tinha conhecimento dos deveres que sobre si impendiam e não os cumpriu, tanto basta para que se possa qualificar a respetiva conduta, ao não proceder à entrega do rendimento disponível ou não prestar informações solicitadas como uma conduta voluntária. // 4 - A segunda parte do nº 3 do art.º 243º do CIRE constitui uma causa autónoma de cessação antecipada e de recusa de exoneração que não se subsume aos requisitos previstos no nº1 do mesmo preceito. Trata-se de uma sanção para o exonerando que se coloca em situação de não permitir sequer que se averiguem os referidos requisitos: violação das obrigações dolosa ou cometida com negligência grave e causa de prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência”.
Chegando a ler-se na fundamentação deste último aresto que “[n]esse aspeto o presente caso é exemplar – o insolvente nunca forneceu todos os elementos pedidos. Não se logrou saber, ainda no decurso do período de cessão e após findo o mesmo, ou seja, em tempo útil para a decisão, quais exatamente os rendimentos do insolvente”.
[21] Cfr., a este propósito, entre muitos outros, os acórdãos desta 1ª secção do TRL de 02-05-2023, processo 2525/21.5T8BRR.L1-1 (Relator: Isabel Fonseca), de 24-05-2023, processo 19030/22.5T8SNT-B.L1-1
(Relator: Fátima Reis Silva) e de 03-05-2024 processo 386/23.9T8VPV-C.L1-1 (Relator: Renata Linhares de Castro).
[22] Em anotação ao acórdão do TRP de 28-09-2010, processo: 995/09.9TJPRT-F.P1 (Relator: Ramos Lopes), Adelaide Menezes Leitão contextualiza a aplicação do princípio do inquisitório previsto no art. 11.º em sede de prolação do despacho de indeferimento liminar do pedido de exoneração (“ainda que o ónus de alegação dos factos que configuram causas impeditivas da admissão da exoneração do devedor caiba aos credores e ao administrador de insolvência”) referindo que “[e]sta averiguação impõe-se, sobretudo, pela teleologia do instituto de que só deve ter a vantagem da exoneração quem for merecedor dela, o que aponta para uma ideia de justiça que se materializa no instituto ou, nas palavras do acórdão, para um fundamento axiológico de suporte do instituto que assenta numa conduta do devedor lícita, honesta, transparente e conforme á boa fé” (in Pré-considerações para exoneração do passivo restante, Cadernos de Direito Privado, n.º 35, julho/setembro, 2011 p. 68).